Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISAÍAS PÁDUA | ||
Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO RECURSO ADMISSIBILIDADE RECLAMAÇÃO RELAÇÃO DE BENS CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS PASSIVO APROVAÇÃO PELO JUIZ | ||
Data do Acordão: | 04/04/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMILIA E MENORES DE AVEIRO - 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 706º; 524º; 1353º E 1355º, TODOS DO CPC . | ||
Sumário: | I – Não devendo alegar-se, como regra, matéria nova nos tribunais superiores, também, em princípio, não devem ser juntos documentos novos na fase de recurso. II – Porém, tal princípio admite algumas excepções no que concerne à junção de documentos, conforme resulta da conjugação do disposto nos artºs 706º e 524º, nºs 1 e 2, do CPC, donde resulta a possibilidade de as partes poderem juntar documentos com as alegações de recurso, perante a ocorrência de alguma das seguintes situações : a) se a apresentação não tiver sido possível até esse momento ; b) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior ; c) e se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido na 1ª instância . III – Como resulta do estatuído no artº 1353º, nºs 3 e 4, al. a); e 1404º, nº 3, do CPC, o local próprio para conhecer das questões relacionadas com a reclamação apresentada por um dos cônjuges contra a relação de bens é a conferência de interessados, a quem compete deliberar sobre a mesma . IV – Nesta conferência não é admissível a produção de prova testemunhal sobre o valor dos bens relacionados . V – Como resulta do artº 1355º do CPC, mesmo que todos os interessados sejam contrários à aprovação do passivo, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados, assim se obstando à desaprovação de dívidas por mero capricho ou sem razões convincentes . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra *** 1. Após se terem divorciado (por sentença proferida, em 9/6/2004, nos autos de divórcio por consentimento autuados com o nº 475/03.6TMAVR, na sequência de acção proposta, embora inicialmente como litigioso, em 30/6/2003), A... requereu, por apenso àqueles autos, o inventário judicial para partilha dos bens do casal que formou com o seu ex-marido, B..., no qual este veio a ser nomeado cabeça-de-casal.I. Relatório 2. Após o cabeça-de-casal ter apresentado a relação de bens (junta a fls. 14/15, acompanhada dos documentos de suporte de fls. 16/35), a requerente dela reclamou (nos termos constantes dos seu requerimento de fls. 40/41), insurgindo-se quanto ao passivo que foi relacionado como sendo dívidas comuns e quanto ao valor atribuído a um dos direitos activos relacionados sob a verba nº 7. 3. A tal reclamação respondeu o cc, nos termos do seu requerimento de fls. 43/44 (que acompanhou com a junção do documento de fls. 46), pugnando pela improcedência da reclamação apresentada. 4. Através dos seus requerimentos de fls. 60/61 (acompanhado dos documentos de fls. 62 a 66) e de fls. 69/70, vieram, respectivamente, os credores (cujos créditos já haviam sido indicados na relação de bens) BBVA – Instituição Financeira de Crédito, SA., e Tenco – Torrefacção e Empacotamento de Cafés, Lda., esclarecer e reafirmar os seus créditos. 5. Foi então proferido o despacho de fls. 73, onde, além do mais, se deixou consignado que as questões do valor e do passivo seriam resolvidas na conferência de interessados e que os requerimentos referidos em 4 seriam oportunamente notificados às partes, e, mais tarde, datado de 29/3/2005, o despacho de fls. 75. onde se designou dia para a conferência de interessados e se ordenou ainda, além do mais, que aquele 1º despacho fosse também notificado aos interessados. 6. Em 4/5/2005 foi realizada a conferência de interessados, nos termos constantes da acta de fls. 93/96. No 1º despacho aí proferido o srº juiz a quo decidiu indeferir os pedidos de prova apresentados pela requerente na sua sobredita reclamação, manter a relação de bens apresentada pelo cc e julgar ainda verificado todo o passivo ali relacionado como dívidas comuns do casal, ou seja, julgar verificados, os créditos ali descritos como passivo comum (e a favor dos credores Tenco, Credibanco, BBVA e BNC, sendo que apenas no concerne ao do último credor o mesmo mereceu a aprovação de ambos os ex-cônjuges, já que quanto aos demais os mesmos apenas obtiveram aprovação da cabeça-de-casal, manifestando a requerente a sua discordância quanto à sua aprovação). 7. Não se tendo conformado como tal despacho decisório, a requerente dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo, com subida imediata e nos próprios e com efeito suspensivo. 8. Nas correspondentes alegações de recurso, com as quais foram juntos dois documentos, a requerente concluiu as mesmas nos seguintes termos: “1 - A rejeição da prova requerida pela recorrente constitui uma irregularidade que acarreta uma nulidade nos termos do art° 201 do CPC ; 2 - 0 Meritíssimo ao rejeitar a prova, das verbas 7 e 11 da relação de bens, ficou-se sem se conhecer, o valor comercial da representação do café vendido pelo cabeça de casal, os resultados do negocio e se 0 credito rec1amado pela credora Tenco, Lda existia quando o casal ainda mantinha uma relação conjugal ou se já estava pago ou não ; 3 - A decisão do Meritíssimo foi demasiada discricionária, não tendo em conta o grau de certeza elevada sobre a existência ou inexistência dos bens reclamados ; 4 - A decisão do Meritíssimo violou o espírito da conjugação dos art°s 1354°, 1355° e 1356° do CPC, que encerra a expressão " segurança" no artº 1355º pois se houver interessados que sejam contrários a aprovação das dividas, o Juiz só conhecerá da sua existência se forem apresentados documentos comprovativos da existência de tais dividas e esses documentos permitam conhecer da questão com segurança, caso contrario, deverá remeter os interessados para os meios comuns, onde podarão dirimir a questão; 5 - A atitude da representante legal da credora Tenco, Lda ao omitir na conferencia de interessados o estado em que se encontravam as acções executivas, nomeadamente, a notificação da absolvição de instancia da recorrente na acção, agiu de ma fé e em conluio com o cabeça de casal ; 6 - A recorrente não foi ainda citada das acções executivas e, particularmente, da acção executiva que tem como titulo a letra de cambio, para poder manifestar-se sobre a falsidade do documento ; 7 - A não apresentação voluntária dos documentos contabilísticos por parte do cabeça de casal revela um procedimento de ma-fé ; 8 - Não foi tomada qualquer posição quanto as reclamações de créditos, cm virtude do respectivo despacho a £1s. 71, não se ter pronunciado quanto aos mesmos ; 9 - Pelas razões acima apontadas, nos termos do art° 706° do CPC, devem Vossas Excelências aceitar os dois documentos junto aos autos.”
*** 1. Questão prévia/da junção de documentos pela agravante com as alegações de recurso.II- Fundamentação Com as suas alegações de recurso a agravante juntou dois documentos tendentes, segundo alegou, a demonstrar a existência de conluio entre o cabeça-de-casal e o representante da credora, Tenco, Ldª com vista a levar à aprovação de uma dívida a favor da segunda que não existia, ou seja, e, por via disso, tendente a demonstrar que a dívida que na conferência de interessados foi judicialmente reconhecida existir a favor da referida sociedade e responsabilizando ambos os ex-cônjuges não existe. O 1º desses documentos, junto a fls. 119/120, diz respeito, tout court, a uma letra, titulando a quantia de € 6.234.97, com data de emissão de 2003/1/20 e com data de vencimento em 2003/03/20, aceite pela ora agravante (mas que a mesma alega agora que a assinatura do seu nome nela aposta não foi feita por si), e que se reporta a uma execução que, sob o nº 1600/04.5TBAVR, se encontra a correr termos no 2º juízo cível do Tribunal de Aveiro, na qual figuram como exequente a sobredita sociedade Tenco e como executados a ora agravante e o cabeça-de-casal, ora agravado. O 2º daqueles documentos, junto a fls. 121/123, diz respeito, também tout court, a um despacho proferido, em 18/5/2004, nos autos de execução autuados sob o nº 1601/04.3TBAVR do 1º juízo cível daquele mesmo Tribunal, e do qual resulta que nessa execução, para pagamento de quantia certa, que foi inicialmente instaurada por aquela mesma sociedade contra os ora agravado e agravante, tendo como títulos vários cheques sacados sobre uma conta solidária destes últimos, no qual se de decidiu aí julgar a ora agravante parte ilegítima, com o fundamento de o seu nome não constar daqueles títulos dados à execução (ordenando-se, em consequência, que os autos da execução prosseguissem só contra o ora agravado). Posto isto, a questão prévia que se coloca, desde logo, consiste em saber se, nos termos do disposto no artº 706 do CPC, deve ou não admitir-se a junção aos autos de tais documentos (tanto mais que o ora agravante a ela se opôs)? Vejamos. Como é sabido, e constitui hoje entendimento dominante, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Como princípio, os tribunais superiores devem, assim, reapreciar as decisões de que se recorre dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida. Não devendo, assim alegar-se, como regra, matéria nova (“ius novarum”) nos tribunais superiores (não obstante existirem questões que são de conhecimento oficioso – cfr. 2ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC), também, em principio, não devem ser juntos documentos novos na fase de recurso (cfr., a propósito, e para maior desenvolvimento, Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 395 e ss”; Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 83” e Amâncio Ferreira in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág. 189”). Porém, tal princípio admite, no que concerne à junção dos documentos, algumas excepções. Assim, da conjugação do disposto nos artºs 706 e 524, nºs 1 e 2, do CPC, resulta a possibilidade de as partes poderem juntar documentos com as alegações de recurso só perante a ocorrência de alguma das seguintes situações: a) se a apresentação não tiver sido possível até esse momento; b) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior; c) e se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido na 1ª instância. Ora, no caso em apreço nenhuma das situações ou hipóteses acabadas de referir se verifica. Desde logo, não resulta dos autos que a agravante não tivesse podido juntar tais documentos, pelo menos, até ao momento em que foi proferida a decisão recorrida na conferência de interessados. Pelo contrário, dos elementos disponíveis nos autos tudo aponta que o pudesse ter feito até aí, quer pela natureza e pelas datas a que se reportam os documentos em causa, quer, sobretudo (e este como elemento mais seguro), se tivermos em conta que a sociedade Tenco no seu acima aludido requerimento, com o qual se apresentou nestes autos a reclamar o seu crédito, referiu no final do mesmo (artºs 8º, 9º e 10º) a existência ou pendência daquelas acções executivas (ali devidamente identificadas) instauradas contra a aqui agravante e agravado visando obter o pagamento de parte das dívidas, nos montantes ali indicados, que teriam para consigo. Requerimento esse que foi notificado, na sequência do ordenado no despacho de fls. 75, quer à ora agravante, quer ao seu ilustre patrono, através de cartas registadas datadas de 31/3/2005 (cfr. fls. 83/84), quando é certo que a conferência de interessados se realizou no dia 4/5/2005. Depois, e por tudo aquilo que se supra se deixou exarado, é manifesto que tais documentos não se destinam a provar factos ocorridos posteriormente, quer no que concerne ao próprio requerimento de reclamação apresentado pela ora agravante à relação de bens, quer no que concerne ao requerimento de resposta à mesma apresentado pelo ora agravado, quer no que concerne ao requerimento em que o crédito em causa foi também reclamado pela referida sociedade, quer mesmo em relação à própria conferência de interessados. Por último, não pode também dizer-se que junção dos referidos documentos só se tornou necessária em virtude da decisão recorrida (cfr. 2ª parte do nº 1 do artº 706 do CPC, aqui devidamente adaptado). A propósito desta última situação ou hipótese, o prof. A. Varela (in “RLJ, Ano 115, pág. 95”) refere o seguinte: “A junção de documentos com as alegações ..., afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão da 1º instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”. Desse modo é manifesto que não se mostram preenchidos os pressupostos legais exigidos para o efeito e que excepcionalmente permitiriam a junção nesta fase dos aludidos documentos. Aliás, mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que mesmo que se admitisse a junção aos autos de tais documentos, os mesmos, dado o seu teor, se mostrariam irrelevantes para a decisão em apreço neste recurso, e sobretudo no que diz respeito aos interesses do ora agravante. É que no concerne àquele documento respeitante ao despacho que, na respectiva execução, julgou a ora agravante parte ilegítima, tal apenas teve a ver com razões de índole meramente jurídico-processual ou formal e não de natureza substantiva. Daí não resulta e nem se pode extrair - nem de perto, nem de longe – qualquer conclusão (tal como aliás se extrai do próprio despacho que o consubstancia) sobre o fundo ou mérito da questão, ou seja, quer quanto à alegada inexistência da dívida em causa ou da sua irresponsabilidade ou incomunicabilidade à ora agravante, quer quanto ao alegado conluio entre o agravado e a referida sociedade reclamante no sentido de prejudicarem aquela. E o mesmo se dizendo em relação ao outro documento que apenas consubstancia em si uma letra, entregue a favor da dita sociedade reclamante, onde figura no lugar de aceite a assinatura da ora agravante, não se podendo extrair qualquer conclusão, e nem tal prova era agora sequer aqui legalmente possível, quanto à alegada falsificação da aludida assinatura. Termos, pois, em que se indefere pedido de junção dos sobreditos documentos – que acompanharam as alegações de recurso -, os quais, oportunamente, deverão ser desentranhados dos autos e remetidos à agravante, pelo que, não se terão, assim, em conta na decisão final que a seguir irá ser proferida. *** 2. Delimitação do objecto do recurso.2.1. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define e delimita o objecto dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC). 2.1.1 Ora, calcorreando as conclusões do recurso, verifica-se que as questões que importa aqui apreciar são, essencialmente, as seguintes: a) Saber se o despacho recorrido é nulo, por ter indeferido a produção de prova requerida e indicada pela agravante? b) Saber se o juiz a quo andou ou não bem quando reconheceu, em conferência de interessados, todo passivo relacionado pelo cabeça-de-casal? *** 3. Os factos.Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, devem ter-se como assentes os factos acima descritos e referenciados (e particularmente sob os nºs 1 a 6 do ponto I). *** 4. De direito.4.1 Quanto à 1ª questão. Da nulidade por rejeição da produção de prova indicada pela agravante. Da relação de bens, para partilha dos bens comuns do casal que constituiu com a ora agravante, o ora agravado, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou a relação de bens de fls. 14/15, composta por 12 verbas. Dessas verbas, e para aquilo que ora nos interessa, a verba nº 7 dizia respeito a um alegado direito sobre um estabelecimento comercial (atribuindo-lhe o valor de € 00,00 por alegadamente, e pelas razões ali aduzidas, não ter qualquer activo e valor patrimonial), e as verbas nºs 8ª a 12ª diziam respeito a alegadas dívidas passivas (da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges). Da reclamação que apresentou de tal relação, a ora agravante aceitou expressamente as verbas com os nºs de 1 a 6 e bem assim a verba com o nº 10 (cfr. artº 1º). No que concerne a verba nº 7 a então reclamante entendeu, pelas razões aí aduzidas (artº 2º), que ao “bem” nela descrita deveria ser atribuído o valor de € 20.000. Quanto à demais reclamação fundamentou-a no seguintes termos: “As verbas do passivo 8º, 9º e 11º não devem ser relacionadas, em virtude das máquinas referentes aos respectivos empréstimos, estarem no activo, a dar rendimentos, donde o cabeça de casal tira lucros (artº 3º)”. “A verba do passivo nº 12º não deve ser relacionada, pois o cabeça de casal aplicou esse dinheiro, uma parte, numa reforma poupança em nome individual e outra parte comprou máquinas usadas ao comerciante de nome Carlos Manuel da Silva Fernandes para seu proveito” (artº 5º). No final desse mesmo requerimento arrolou duas testemunhas, requerendo ainda que o cabeça-de-casal apresentasse os balancetes (que depois, no requerimento de fls. 48, rectificou para mapas de movimento das facturas recibo) referente ao estabelecimento aludido na “verba nº 7 e para prova da verba 11º”. Na sua resposta, o cabeça-de-casal para além de ter pedido, pelas razões aí aduzidas, a improcedência da mesma, informou ainda, no final da mesma, que não podia apresentar os documentos solicitados pela reclamante dado não possuir contabilidade organizada - não existindo quaisquer balancetes – e não estar na posse tais documentos. Resulta, assim, do exposto que, face aos termos em que a reclamação foi apresentada, apenas estavam nela em causa questões relativas à descrição do passivo que foi relacionado sob as verbas nºs 8º, 9º e 11º e ao valor do bem de uma verba do activo (a nº 7). Logo, sendo assim, e tal como resulta do estatuído no artº 1353, nºs 3 e 4 al. a) ex vi artº 1404, nº 3, ambos do CPC, o local próprio para conhecer de tais questões é a conferência de interessados, a quem competirá deliberar sobre as mesmas. Nesses termos, e não estando perante uma situação que caia na alçada da previsão dos conjugados artºs 1349, nº 3, e 1344, nº 2, bem andou o srº juiz a quo ao não ter ordenado, sobre tais questões, produção de prova e ao limitar-se, como o fez através do seu despacho de fls. 73, a diferir para a conferência de interessados a resolução sobre as aludidas questões. Todavia, mesmo que porventura assim não se entendesse, tal despacho (e bem assim aquele outro que designou dia para a conferência de interessados) ao ser notificado aos interessados, e nomeadamente à reclamante, através de cartas registadas datadas de 31/3/2005 (cfr. fls. 83/84), já há muito havia transitado, nomeadamente aquando da realização da aludida conferência, por não ter sido oportunamente atacado, quer por via de arguição de qualquer eventual nulidade, quer por via de interposição de recurso. Por outro lado, e no que concerne ao indeferimento daquela prova feita em plena conferência de interessados, pelo despacho recorrido, já se viu não ser ali admissível (cfr. ainda, além dos normativos atrás citados, o artº 1355 do CPC), quanto às sobreditas questões, a produção de prova testemunhal, sendo ainda de assinalar que o srº juiz a quo aceitou por boa a explicação dada anteriormente pelo cabeça-de-casal para a não apresentação dos documentos (com a justificação de última que os não possuía) cuja junção aos autos havia sido requerida pela reclamante. Ora, no caso de tal não corresponder à verdade, era sobre a requerente-reclamante que incumbia, tal como resulta do disposto no artº 529, nº 1, do CPC, o ónus de demonstrar o contrário, e que a última não respeitou (fazendo essa prova ou demonstração). Aliás, devemos ainda dizer que, como atrás se deixou exarado, é, em primeira linha, à conferência de interessados que compete deliberar os sobre as aludidas questões. Termos, pois, em que se conclui não se verificar a nulidade que a ora agravante arguiu, e, nessa parte, o recurso, terá, assim, de improceder. 4.2. Quanto à 2ª questão. Do reconhecimento do passivo relacionado. Como resulta do supra exarado, do passivo relacionado estão só aqui em causa as dívidas ou o passivo em que são credores a Credibanco – Banco de Crédito Pessoal, SA.; BBVA – Instituição Financeira de Crédito, SA., e Tenco – Torrefacção e Empacotamento de Cafés, Lda. Na verdade, de todo o passivo relacionado na conferência de interessados, e tal como consta do exarado da respectiva acta (que não foi impugnada), apenas foi aprovado por ambos os ex-cônjuges aquele em que é era credor o BNC, sendo que quanto ao demais, que foi relacionado sob as verbas nºs 8, 9 e 11, em que, respectivamente, figuram como credores aquelas outras entidades, o mesmo apenas foi aprovado pelo cabeça-de-casal, ora agravado, sendo que agravante contestou a sua existência. No essencial, o crédito do Credibanco ali relacionado cifra-se em € 4.586,44 (tendo a ver com uma alegada aquisição de máquinas de café que foram relacionadas sob a verba nº 3), o do BBVA respeita ao montante de € 16.575,45 (tendo a ver com um alegado financiamento para aquisição de máquinas de café que foram relacionadas sob a verba nº 4) e o da Tenco reporta-se ao montante de € 50.914,00 (e que tem a ver com alegado fornecimento de café ). Dívidas essas que o srº juiz a quo, decidiu, todavia, reconhecer, com base na fundamentação exarada no seu despacho recorrido, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. E é contra esse reconhecimento que a ora agravante ser insurge. Apreciemos. Como resulta do disposto no artº 1355 do CPC (aqui aplicável ex vi artº 1404, nº 3, do mesmo diploma) mesmo que todos os interessados sejam contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. Através dessa norma pretende-se obstar à desaprovação de dívidas por capricho ou sem razões convincentes. Assim, desde que o juiz obtenha a segurança da sua existência deve decidir em relação a elas e caso não obtenha essa segurança deve abster-se de o fazer. Contudo, a lei condiciona tal decisão à produção de prova documental para o efeito, sendo que, muito embora tal não resulte expressamente do normativo em causa, haja ainda quem entenda ser admissível, com vista a invalidar a mesma, a dedução do incidente de falsidade quanto a essa prova que tenha sido apresentada (vidé, Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais, II Vol., 4ª ed., págs. 154 e ss”). Ora, posto isso, e debruçando-nos sobre o caso apreço, diremos: Pelos vários elementos carreados para aos presentes autos (e seus apensos), é possível concluir-se, tal como o fez o srº juiz a quo, que os ex- cônjuges desenvolviam um pequeno comércio de mini-mercado e venda de café, de estrutura familiar, sem forma societária ou título especial e sem contabilidade organizada. Para prova do crédito da Credibanco juntou o cabeça-de-casal do documento de fls. 26 (emitido por aquela instituição, e do qual consta da data do início do contrato – 10/2/2003 -, o montante da quantia do empréstimo e o plano de pagamento das prestações para amortização do capital em dívida e respectivos juros). Para prova do crédito do BBVA o cabeça-de-casal juntou o documento fls. 27 (emitido por aquela entidade, confirmando a existência de um contrato de locação financeira, identificando-o, e os montantes em dívida), tendo mais tarde, e como acima se deixou exarado, aquela mesma instituição vindo aos autos reafirmar e esclarecer o seu crédito, nos termos constantes de fls. 60/61, juntando cópia certificada do respectivo contrato de locação financeira, celebrado em 2002/10/31 (no qual figura o cabeça-de-casal como locatário, o seu objecto e os montes envolvidos) e um documento de extracto relativo a tal contrato e ao movimento a ele respeitante (fls. 62 e 63/66). Por último, para prova do crédito da Tenco o cabeça-de-casal juntou o documento de fls. 29 (emitido por aquela sociedade, donde consta uma descriminação das diversas facturas - em número de 11 - referentes aos produtos fornecidos ao último, sendo a 1ª delas com a data de emissão de 27/04/1993 e a última com data de emissão de 14/5/995, e totalizando o montante do seu crédito que foi descrito no passivo da relação de bens sob a verba nº 11º) e bem assim o documento de fls. 45 (carta, datada de 13/1/2004, enviada pela primeira ao último a solicitar-lhe que suspenderam todos os fornecimentos de produtos Tenco até que sejam regularizados os débitos em atraso no montante de € 50.914 e com a advertência de que, caso não procedam à sua regularização no prazo de 8 dias, enviariam o assunto para o seu departamento de contencioso). Crédito esse que, como acima também se deixou exarado, veio, a fls. 69/70, a ser reclamado nestes autos pela dita Sotenco, tendo na conferência de interessados ficado, inclusivé, exarado que o srº juiz a quo ouviu ali os representantes legais daquela entidade que explicitaram aqueles documentos. Como resulta do que supra também se deixou exarado, na sua reclamação a ora agravante não impugnou directamente tais créditos, tendo apenas aduzido para a sua não relacionação razões ou fundamentos que, salvo sempre o devido respeito, carecem de qualquer consistência jurídica. Por outro lado, nem aí e nem mais tarde, nomeadamente até à própria conferência de interessados, a ora agravante alguma vez impugnou expressamente o teor de tais documentos ou a sua genuidade, sendo que naquela conferência a mesma se limitou a dizer (conforme consta do exarado na acta) que contestava tal passivo, e que o não podia aprovar “porque o seu ex-cônjuge não lhe prestou contas da sua actividade e porque pode ser simulado o respectivo débito reclamado” (sem que, todavia, tenha sequer adiantado qualquer explicitação minimamente fundada para esse seu receio). Por fim, verifica-se que tudo aponta para que as dívidas em causa se reportam a datas em que a agravante e o agravado ainda viveriam juntos, como casal, e que terão sido contraídas no exercício da actividade comercial de ambos ou, pelo menos, do ex-cônjuge cabeça-de-casal, pelo que, dado que não foi feita qualquer prova do contrário, sempre serão de ser consideradas da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges (cfr. artºs 1691, nº 1 al. d) e 1695, do CC). Desse modo, face ao exposto, e atendendo, por um lado, ao teor dos sobreditos documentos (que nem sequer foram expressamente impugnados nos termos atrás referidos) e, por outro lado, dado que a reclamante-ora agravante não adiantou até então razões minimamente convincentes e fundamentadas para a não aprovação do referido passivo, teremos de concluir que não poderemos censurar o despacho do srº juiz a quo ao ter decidido reconhecer as sobreditas dívidas relacionadas como passivo do património comum do casal a partilhar. Termos, pois, em que terá de improceder o recurso. *** Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª instância.III- Decisão Custas pela agravante (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que, porventura, lhe tenha sido concedido). Coimbra, 2006/04/04 |