Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1128/07.1TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÉLIX ALMEIDA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
APRECIAÇÃO
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61º, Nº 2 DO CP
Sumário: Como pressuposto para a concessão da liberdade condicional, unicamente se exige, quer relativamente ao meio, quer aos 2/3 da pena, para além da alínea a) do n.0 2 do referido artº 62º do C.P., que o arguido tenha já cumprido (e tão só) 6 meses d(a)essa pena em que foi condenado, mas não que entre cada avaliação tenha também decorrido esse período de seis meses.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na secção criminal:
Vem, em separado, interposto recurso do despacho judicial proferido nos autos em epígrafe e que é do teor que segue.
Nos presentes autos de Processo Gracioso para concessão de Liberdade Condicional, é apreciada a situação do arguído, AA, melhor identificado nos autos.
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O arguido encontra-se em reclusão, presentemente, no Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro, e esta é a 1a vez que vê a sua situação apreciada.
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O Processo seguiu a normal tramitação, mostra-se devidamente instruído e foram observadas as legais formalidades.
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Foram juntos aos autos, os Relatórios e Parecer, exigidos pelo artigo 4840, n0s 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto no artigo 435º, n01 do mesmo diploma legal, o Ministério Público, emitiu Parecer desfavorável, à concessão de Liberdade Condicional ao arguido, nos termos melhor constantes de folhas 72, que aqui se dá, por integralmente reproduzido.
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O Conselho Técnico reunido em 05/03/08, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu Parecer desfavorável, por unanimidade, à concessão da Liberdade Condicional do arguido.
Ouvido o arguido, este não requereu a produção de qualquer prova e prestou o seu consentimento a concessão da Liberdade Condicional, conforme consta da respectiva acta aqui dada por reproduzida.
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O Tribunal é competente.
O Processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito.
Cumpre pois, apreciar e decidir:
A concessão da Liberdade Condicional assenta num Juízo de prognose, decorrente da análise de vida anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso. (artigos 61º e 42º do CP).
Medida de excepção no cumprimento da pena, a Liberdade Condicionai visa a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.
Implica pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena. ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
No que aqui nos interessa, e sendo esta apreciação, a correspondente ao meio do cumprimento da pena, (já ultrapassado), há que atentar no que dispõe o artigo 61º n0 2, alíneas a) e b) do Código Penal, que refere.
“O tribunal coloca o condenado a prisão, em liberdade condicional, quando se encontrar cumprida, metade da pena. e no mínimo seis meses, se:
- for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta, durante a pena de prisão, que o condenado, unia vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, e
- a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social” Verificados que se encontrem os legais requisitos. é poder-dever do Tribunal, no fundo, um poder vinculado, colocar o condenado em liberdade condicional.
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Apreciando:
Resulta dos autos que o arguido se encontra a cumprir, no âmbito do processo n0 613/05.5PEAVR, a pena de 1 ano e 10 meses de prisão crime de roubo simples, cujo meio ocorreu em 28/01/08, atingindo os 2/3 em 28/12/08, de acordo com a liquidação, do tribunal da condenação, de folhas 40, que aqui se dá por reproduzida.
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Dos elementos colhidos no processo, sustentados nos factos que constam dos pareceres e informações, bem como da audição do Conselho Técnico e do arguido, resulta que este, não interiorizou, ainda, devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, que desvaloriza, nem parece suficientemente intimidado, sendo, por isso, prematura a sua libertação antecipada.
Trata-se de recluso, jovem, primário, que vem tendo um percurso prisional instável, revelando grande imaturidade;
Por alegado tráfico de estupefacientes” dentro do EP, sofreu punição disciplinar recente:
Por falta de mérito, ainda não beneficiou de Saídas Precárias;
Dispõe de apoio familiar no exterior, sendo que os familiares mais próximos o visitam com regularidade;
No aspecto laboral não apresenta qualquer projecto concreto de futuro:
No meio da residência, existe, ainda alguma desconfiança, face ao anterior comportamento do arguido;
Importa pois, que evolua, amadureça, e dê mostras claras de arrependimento e intimidação.
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Do que acima se expôs, forçoso se torna concluir que não estão demonstrados os requisitos que permitem fazer funcionar o regime da Liberdade Condicional. Com efeito e atento, os crimes cometidos, a sua personalidade e a postura adoptada durante a reclusão, não se nos afigura, que já esteja em condições de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
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Por tudo o exposto, decide-se não conceder ao arguido, AA, a Liberdade Condicional.
Notifique e comunique ao EP e à DGRS.
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Não obstante os 2/3 da pena que cumpre, ocorreram em 18/05/08, renovamos a Instância para início de Setembro, porquanto atento o critério definido pelo artº 61º n0 2 do Código Penal, entendemos, por maioria de razão, que, entre cada apreciação, deve haver um período mínimo de 6 meses, para possibilitar que o arguido se reoriente, e permita um Juízo diferente, na próxima apreciação.
Contudo, admitimos sempre, eventual apreciação extraordinária, que se justifique.
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Oportuna e atempadamente, cumpra o disposto no artigo 484º, parte útil, do Código de Processo Penal, para efeitos do artigo 61º do Código Penal, e, juntos aos autos, os necessários elementos, abra Vista.
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Inconformada com esta última parte da decisão, recorre a Digna Magistrada do M.P., conclusando:
1. Os despachos que calendarizam as datas da apreciação da liberdade condicional são recorríveis porque afectam direitos, liberdades e garantias individuais.
2. Por maioria de razão quando fazem parte de sentença expressamente recorrível.
3. A decisão que difere a apreciação da liberdade condicional do recluso para Setembro de 2008, em vez de ordenar a reapreciação para a data dos 2/3, em 18.5.08 viola a lei o direito do recluso de ver apreciada tempestivamente, a sua libertação antecipada.
4. Tendo o recluso a cumprir 22 meses de prisão, desde 28.2.07, teria o direito de ver apreciada a sua libertação em 28.1.08 e em 18.5.08.
5. Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses de prisão entre apreciações de liberdade condicional pelo meio e pelos 2/3.
6. Tendo a primeira apreciação sido apreciada com atraso, fazer cumprir um período de seis meses antes da nova apreciação, consistiria em penalizar um arguido por atraso que lhe não é imputável.
7. Foram violadas as normas do artigo 61º do Código Penal e o artigo 484º do Código do Processo Penal.
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Atempadamente respondeu o arguido, o qual pugna pela procedência do recurso do Ministério Público.
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Emitiu Parecer de procedência, o Ex.mo PGA.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Não se nos oferecem dúvidas sobre a admissibilidade do recurso, além do mais porque a decisão não só denegou a Liberdade Condicional (Acórdão Tribunal Constitucional 638/06, de 21/11/2006 — Processo n.0 734/05, no qual se decidiu, “Julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º dos artigos 20º nº 1, 27º nº 1 e do artigo 32º nº 1 da Constituição, a norma do artigo 127º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional”) como, ao mesmo tempo, renovou a instância (o princípio geral do art.0 399º do C.P.P. dá-lhe cobertura, pois que o art.0 401º n.0 1 alínea a) do mesmo Diploma, estabelece a legitimidade formal do Ministério Público para recorrer “de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido”.
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Recorre-se, no essencial, da decisão proferida em 03/02/2008 pela M.ma Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, no Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.0 630/07.OTXCBR, no qual, relativamente ao arguido AJ…, que se encontra em cumprimento da pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de Tráfico de Menor Gravidade, aplicada no Processo nº 267/04.5PAMGR. Aí o meio da pena ocorreu em 10/12/2007, os 2/3 ocorreriam em 09/04/2008 e o termo em 10/12/2008.
Ora, para além de lhe ter denegado a Liberdade Condicional, renovou-lhe a instância para nova apreciação desta, para Julho de 2008, e não antes, designadamente na data dos referidos 2/3 da pena, por entender que o disposto no art.0 61º n.0 2 do C.P., exige que entre cada apreciação tenha de decorrer um período mínimo de 6 meses de cumprimento da pena.
E é sobre esta interpretação que esgrime a Recorrente, dizendo que, ao não se proceder à avaliação da eventualidade de conceder ao arguido a liberdade condicional aos 2/3 da pena, tal como se determina neste normativo, houve violação da Lei.
Afigura-se-nos certa e ajustada a posição defendida pelo M.P.: a não ser assim, ficaria irremediavelmente suprimida aos arguidos a possibilidade de, em casos como o dos autos, poder usufruir da Liberdade Condicional aos 2/3, tal como impõe o referido art.0 61º nº 3 do C.P., sendo mesmo certo que nestes autos tal é já uma absoluta premência, pois que os 2/3 da pena já ocorreram em 09/04/2008.
Por outro lado, segundo nós haverá um manifesto equívoco no que toca à exigência dos referidos 6 meses entre cada apreciação, pois que, como pressuposto para a concessão da liberdade Condicional, unicamente se exige, quer relativamente ao meio, quer aos 2/3 da pena, para além do pressuposto da alínea a) do n.0 2 do referido artº 62º do C.P., que o arguido tenha já cumprido (e tão só) 6 meses d(a)essa pena em que foi condenado, mas não que entre cada avaliação tenha também decorrido esse período.
De outra forma, diga-se, tornar-se-ia inconciliável o disposto nos n.0s 2 e 3 do citado art.0 62º C.P. para este tipo de penas de prisão inferiores a 3 anos, o que o legislador não poderia ignorar, e certamente não teve intenção de exarar.
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Termos em que, na procedência do recurso, se revoga a decisão recorrida, devendo proceder-se, à apreciação da liberdade condicional do arguido/recluso.
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Sem tributação.
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Coimbra,
Arlindo Félix de Almeida.