Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
174/22.0T8OLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
OMISSÃO DE DESPACHO VINCULADO
NULIDADE
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 1346.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 195.º, 1; 197.º, 1; 199.º, 1; 200.º, 3; 590.º; 591, 1, C) E 609.º, 2, DO CPC
Sumário: i) Se o juiz não profere despacho pré-saneador destinado a convidar a parte ao aperfeiçoamento dos articulados, designadamente completamento de articulado deficiente, na vertente de insuficiência na exposição da matéria de facto alegada, nem tal suprimento ocorre na audiência prévia, tratando-se de um dever que o juiz deve de exercer, está em causa a omissão de um despacho vinculado;

ii) Na hipótese de o dever fazer, tal omissão constitui uma nulidade processual, sujeita ao regime dos arts. 195º, nº 1, 197º, nº 1, 199º, nº 1, 200, nº 3, do NCPC, que deve ser arguida, arguição que os AA podiam e deviam ter feito oportunamente, mas que nunca arguiram, nem neste momento, em recurso, o fizeram, que, aliás, a ser feita seria intempestiva.

iii) A expressão “com frequência” a aditar ao elenco dos factos provados, não pode ser acolhida, pois trata-se de uma mera conclusão de facto e não de um facto, e só estes devem ser levados ao elenco dos factos apurados (art. 607º, nº 3, 4º e 5º do NCPC);

iv) A dita expressão não passa de mera conclusão, pois só sabendo quantas vezes, ainda que aproximadamente ou por arredondamento, uma lareira foi acesa, por ex: 2 vezes por dia, diariamente, em dias alternados, 3 vezes por semana, 2 vezes por semana, uma vez semanalmente, uma vez de 10 em 10 dias, no limite uma única vez, se poderá então concluir por essa frequência; o que interessava, pois, era o número de vezes com que se podia subsumir tal frequência, factualidade que, contudo, não se apurou;

v) Nem, naturalmente, por presunção judicial se consegue chegar ao número de vezes que a lareira terá sido acesa;

vi) As presunções judiciais baseiam-se em regras de experiência comum; com base em tais regras não é possível saber-se se o ar se tornou irrespirável numa fracção, ainda que com arejamento do imóvel ou mesmo sem arejamento através das janelas, por durante o inverno estarem fechadas, com uma lareira acesa, podendo acontecer ou não, dependendo das circunstâncias:

vii) No caso desconhece-se se as ditas janelas estavam abertas ou fechadas, quantas vezes apareceu fumo na habitação dos AA, se o fumo era muito ou pouco, e, até, se no indicado período temporal os AA residiam permanentemente na referida habitação ou não, pelo que não se torna possível mobilizar uma presunção judicial para alcançar o resultado pretendido pelos apelantes.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 1. AA, residente em ..., BB e CC, ambos residentes em França, intentaram acção declarativa contra DD e EE, ambos residentes em ...,

pedindo a condenação dos réus a:

a) cessar a emissão de fumos e vapores da lareira, e a cessar a entrada de fumos no prédio dos autores identificado sob o artigo 1º da petição;

b) pagar, a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 750 € por cada dia em que haja emissão e invasão de fumo no prédio dos autores;

c) pagar aos autores indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por estes, valores que deverão ser fixados e liquidados em execução de sentença.

Alegaram, em resumo, que sofreram danos patrimoniais, a sua fração evidencia estragos, e não patrimoniais, em virtude das fissuras existentes na conduta individual de extração de fumos existente na habitação pertença dos réus e da consequente entrada de fumo da habitação da pertença dos autores.

A ré contestou, referindo que o réu já faleceu, que as condutas de extração de fumos das frações existentes do lado direito do prédio de ambas as partes apresentavam fissuras e que acendeu a sua lareira no Inverno, tendo impugnado a restante factualidade e aduzido a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da ré.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência da excepção deduzida. Mais adiantaram que já foi concluída a realização de uma obra no apartamento e no andar dos réus, com a presumível resolução do problema.

Por apenso à acção correu incidente de habilitação de herdeiros, tendo a ré sido habilitada, como única e universal herdeira do falecido réu, para em seu lugar prosseguir a acção principal.

*

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela ré.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

*

2. Os AA recorreram, concluindo que:

1.º Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação totalmente improcedente;

2.º O presente recurso visa averiguar da bondade da decisão que julgou a matéria de facto dada como não provada;

3.º A Mmª Juiz “a quo” considerou que os Autores por falta de alegações (principalmente) quer por falta de prova não lograram a prova do requisito da verificação do dano;

4.º Assacando aos Autores a falta de alegação de facto bastante à procedência do pedido;

5.º A insuficiência na identificação ou concretização adequada da causa de pedir e, v.g., a insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente de facto essenciais em que se estriba a pretensão deduzida;

6.º Deve haver convite a completar o articulado, podendo tal insuficiência ou incompletude ser completada, ainda, através da discussão da causa;

7.º O artigo 590º do Código do Processo Civil, do dever de gestão inicial, impõe que se convide as partes a colmatar qualquer irregularidade nos articulados, sugerindo o suprimento de insuficiências ou irregularidades, tendentes à boa decisão da causa;

8.º Este convite nunca foi feito, não havendo qualquer despacho de aperfeiçoamento da petição inicial;

9.º A sua omissão leva a que o julgamento possa e deva ser repetido;

10.º Sem conceder, dir-se-á, que o Tribunal “a quo” julgou, erradamente, o ponto 2.1.14, ao não dar como provada a periocidade de acender a lareira;

11.º Da contestação consta e, é confessado, que os Réus acenderam a lareira “amiúde” devendo, por isso, constar como apurada a frequência em que acenderam, isto é, ainda com frequência;

12.º Sob pena de tornar-se, excessivamente, gravosa ou incomportável, o ónus probatório (artigo 487.º do Código Civil) deveria ter sido mitigado pela intervenção da prova “prima facie” ou da primeira aparência, baseada em presunções materiais, judiciais, de facto ou da experiência;

13.º A prova por presunção judicial constitui um meio de prova, previsto pelos artigos 349.º a 351.º do Código Civil.

14.º A estrutura lógica de tal tipo de presunção carateriza-se pela conexão do facto através de um juízo de probabilidade que, por um lado, se apoia na experiência, de tal maneira que a prova de um resolve a prova do outro, obtém-se a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo-se de um outro facto básico (indícios) que se apuram através de um qualquer meio probatório e que estão, estritamente, ligados ao facto presumido a ponto de ser afirmado que provados o facto ou factos básicos, também, resulta provado o facto consequência ou facto presumido;

15.º Sendo, liminarmente, apreciados pelo Juiz, o Juiz valendo-se de presunção natural que são produtos das regras de experiência comum;

16.º Tendo dado como provado que entrou fumo ter-se-ia de ter dado como provado que o ar se tornou irrespirável, sabendo-se que as janelas, durante o inverno, permanecem fechadas;

17.º Sendo abertas para o arejamento obrigatório;

18.º O Tribunal não valorou os danos na pintura, incluindo tectos nem a sujidade de todas as divisões da habitação e respectivo recheio, no cheiro a fumo em todas as roupas, de cama e vestir, sofás, colchões e tapetes.

19.º Resulta da matéria de facto provada que a habitação dos recorrentes é composta por um “vestíbulo, sala, 3 quartos, cozinha, despensa, 2 WC” - tudo em conformidade com o ponto 2.15 da matéria de facto provada;

20.º Ter-se-ia ter sido dado como provados os pontos 2.2.2, 2.24, 2.26, 2.27, 2.28, 22.10 e 22.11 todos dos factos elencados como não provados.

21.º A testemunha FF (início 00.00 e termo a 21:07, por referência à gravação, afirmou que:

(… transcrição do depoimento);

22.º Reafirmou que:

(… transcrição do depoimento);

23.º A testemunha, GG, gravação desde o minuto 15:05 até ao minuto 15:22 declarou que:

(… transcrição do depoimento);

24.º (… transcrição)

25.º (… transcrição)

26.º (…transcrição)

27.º (… transcrição);

28.º A testemunha, HH, contou que:

(… transcrição do depoimento);

29.º Disse:

(… transcrição);

30.º Deixou-se mencionado, somente, o depoimento das testemunhas porquanto o Tribunal recorrido considerou que depuseram com isenção e credibilidade;

31.º O depoimento do II não foi, assim, transcrito, uma vez que o mesmo relatou matéria factual relativa a um período de tempo diferente;

32.º Da conjugação dos depoimentos transcritos, resulta, de forma clara, que a habitação ficou toda suja de cinzas;

33.º Cinza esta que cobre as paredes, o chão e os móveis que aí estão;

34.º Mas resulta provado, pelo menos em parte, a composição da habitação e os móveis que a integram;

35.º As testemunhas falaram na sala, de um móvel tipo bar, de sofás, de uma mesa de jantar, dos cortinados e dos tapetes;

36.º Mais relataram que tinha a casa toda mobilada, tendo falado das roupas e colchões;

37.º E, outrossim, nos quartos mobilados;

38.º Ter-se-á de concluir que os mesmos são compostos por uma cama, uma mobília de cabeceira, uma cómoda e um tapete;

39.º Deveria o tribunal recorrido concluir pela existência de mobília nos quartos ou, pelo menos, um dos quartos;

40.º Estas são as mobílias mínimas dos quartos e as testemunhas mencionaram que os quartos estavam mobilados;

41.º Assim, como deveria ter concluído, que a cozinha está equipada com os equipamentos ou electrodomésticos básicos, ou seja, frigorífico, fogão, máquina de lavar, armários e mesa;

42.º Isto é o que constitui um equipamento básico de uma qualquer cozinha, em termos dos eletrodomésticos que a equipam;

43.º Quanto às casas de banho, sabe-se que são duas, atenta a matéria factual provada na douta sentença;

44.º Uma casa de banho é constituída por um lavatório, um duche e um armário, sendo este o equipamento mínimo de qualquer casa de banho;

45.º Devendo, o Tribunal “a quo” fazer apelo às regras da experiência comum, a que fizemos referência supra, na motivação de resposta afirmativa aos pontos da matéria de facto referidos;

46.º Sabido que o fumo se espalha, com uma enorme facilidade;

47.º Sabido, ainda, que o fumo se entranha em tudo o que é tecido ou roupa;

48.º Ter-se-ia dado como provado que os tecidos, mesmo lavados, não se consegue atenuar o cheiro entranhado, sendo necessário recorrer a limpeza a seco;

49.º O mesmo se diga da necessidade de pintura, o fumo torna não só as paredes sujas, como ficam amareladas;

50.º Sendo necessário proceder à sua limpeza e à respetiva pintura;

51.º Para se ter como, processualmente, adquiridos tais factos não é necessário que as testemunhas refiram, expressamente, que a casa tem toda de ser limpa e toda de ser pintada;

52.º Tais consequências dos danos resultam das regras da experiência comum e, outrossim, a necessidade de limpeza a seco, quando o fumo entranha em qualquer tecido;

53.º A entrada do fumo é de tal ordem grande que, como relataram todas as testemunhas ficou tudo sujo de cinzas em todo o lado por todo o lado;

54.º A medida de cinza, existente na habitação, revela, de uma forma indireta, que a entrada de fumo foi enorme e contínua, e, por isso, entranhando-se a mesma nos tecidos que se encontram no interior;

55.º Naqueles descritos danos ter-se-á de afirmar que os Autores terão de despender na respetiva limpeza, e pintura em quantia não apurada nos autos;

56.º Os Autores não formularam um pedido de condenação líquido porquanto a lareira só foi reparada no decurso do processo em Tribunal, não se podendo, assim, liquidar danos que, ainda, estavam a decorrer;

57.º O Tribunal “a quo” entendeu que nenhum dano e, por isso, não decidiu pela necessidade de ulterior liquidação, conforme requerido;

58.º A ter-se- verificado a aquisição processual dos danos que, pelo presente recurso, se pretende sejam reconhecidos, o Tribunal “a quo” teria de relegar a sua execução ulterior, conforme resulta, claramente, da decisão impugnada.

Termos em que, deve o presente recurso ser provido e alterada a matéria de facto não provada e impugnada,

fazendo-se, assim JUSTIÇA

3. Inexistem contra-alegações.

 

II – Factos Provados

 

2.1.1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... o prédio urbano n.º ...09, inscrito na matriz predial urbana ...64, sito em ..., composto por «Edifício de cave, rés-do-chão, 1.º e 2.º andares e arrecadações no sótão, constituído em regime de propriedade horizontal pela apresentação n.º ... de 2001/03/30, incluindo as frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P e Q.

2.1.2. A fração autónoma, designada pela letra “L”, correspondente ao primeiro andar direito, é da pertença dos Réus EE e DD.

2.1.3. O Réu DD faleceu no dia ../../2022, na freguesia e concelho ..., no estado de casado com EE.

2.1.4. No dia 13 de abril de 2010, no ... Cartório Notarial ..., foi o outorgado o documento designado «Título de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca», do qual consta, além do mais, que pelos primeiros outorgantes JJ e KK foi declarado que «vendem aos representados do segundo [LL e AA], os imóveis supra identificados [fração autónoma, designada pela letra «O» correspondente ao segundo andar direito, destinado a habitação, do prédio urbano descrito sob o número ... e cinco na Conservatória do Registo Predial ..., sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo ...64 («Prédio 1») e fração autónoma, designada pela letra «A» correspondente ao segundo andar direito, correspondente à Garagem, do prédio urbano descrito sob o número ... e cinco na Conservatória do Registo Predial ..., sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo ...64 («Prédio 2»)], pelo preço global de sessenta e cinco mil euros, que já receberam, sendo o preço da fração “O”, de sessenta e dois mil e quinhentos euros e o preço da fração “A”, de dois mil e quinhentos euros.», tendo os segundos outorgantes, aqui Autores, declarado «aceitar o negócio, nos termos exarados».

2.1.5. A fração autónoma ora identificada como «Prédio 1», designada pela letra “O”, encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09... como um segundo andar direito, destinado a habitação, composto por «1 vestíbulo, sala, 3 quartos, cozinha, despensa, 2 WC e a arrecadação n.º 6 no sótão».

2.1.6. A aquisição deste prédio encontra-se registada a favor da Autora AA e de LL, mediante a respetiva apresentação n.º ...6 de 2010/04/13, por «aquisição».

2.1.7. A fração autónoma ora identificada como «Prédio 2», designada pela letra “O”, encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09... como garagem.

2.1.8. A aquisição deste prédio encontra-se registada a favor da Autora AA e de LL, mediante a respetiva apresentação n.º ...6 de 2010/04/13, por «aquisição».

2.1.9. No dia 08 de setembro de 2023, em Cartório Notarial ..., foi outorgada a escritura com o título “habilitação”, da qual consta, além do mais, que «no dia dezasseis de Março de dois mil e quinze, em França, faleceu, LL, (…), que teve a sua última residência habitual em 60, Rue ... ..., em França, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos com AA, sob o regime da comunhão de adquiridos» e «que o falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, sua viúva; a) AA, ora outorgante; E seus filhos (…) b) MM, contribuinte fiscal número ...99, (…) e c) BB, contribuinte fiscal número ...49».

2.1.10. As frações autónomas identificadas nos pontos 2.1.2. e 2.1.5. dispõem de uma lareira para aquecimento, desde a sua construção e à data em que a presente ação foi instaurada (12/11/2022).

2.1.11. Entre data não concretamente apurada, mas compreendida entre o dia 25 de dezembro de 2021 e o dia 28 de março de 2022, constatou-se que as tubagens individuais de extração de fumos existentes nas frações autónomas respeitantes ao lado direito do prédio urbano referido no ponto 2.1.1. apresentavam fissuras, concretamente por referência às condutas existentes nas frações localizadas no rés-do-chão, no primeiro andar (referida em 2.1.2.) e no segundo andar (referida em 2.1.5.).

2.1.12. As condutas individuais de extração de fumos existentes nas frações autónomas correspondentes ao lado direito do prédio urbano identificado em 2.1.1., aludidas no ponto anterior, têm comunicação entre elas, através de tubo único, que as liga e conduz à única chaminé exterior.

2.1.13. Entre data não concretamente apurada, mas compreendida entre o dia 25 de dezembro de 2021 e o dia 28 de março de 2022, os Autores e os Réus tiveram conhecimento da factualidade vertida no ponto 2.1.11.

2.1.14. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 01 de março de 2022 e o dia 21 de março do ano de 2022, os Réus utilizaram a sua lareira, existente na fração referida em 2.1.2., com periodicidade não concretamente apurada.

2.1.15. Nas circunstâncias de tempo referidas no ponto anterior, com periodicidade e extensão não concretamente apuradas, entrou fumo dentro da fração autónoma referida em 2.1.5., através da lareira aí existente.

2.1.16. Em outubro de 2022 foram realizadas obras de reparação das fissuras existentes na conduta individual de extração de fumos existente na fração autónoma designada pela letra «L» e identificada no ponto 2.1.2.).

*

Factos Não Provados:

(…)

2.2.2. Nas circunstâncias referidas no ponto 2.1.15., apesar do arejamento do imóvel, o ar encontrava-se irrespirável.

(…)

2.2.4. Mesmo com o arejamento contínuo da fração autónima referida em 2.1.5., em virtude da factualidade referida em 2.1.15., a Autora AA deixou de aí habitar, por falta de condições mínimas do ar do interior da habitação e do cheiro que não conseguiu debelar.

(…)

2.2.6. Para a limpeza da fração autónoma referida em 2.1.5., com a tipologia aí descrita, incluindo lavagem de paredes e limpeza de móveis, os Autores terão de despender a quantia de €1.000,00 (mil euros).

2.2.7. Para a limpeza a seco, na lavandaria, da roupa dos quartos (roupa de cama e dos roupeiros e cómodas) e das peças de tecido existentes na cozinha e na casa de banho da fração referida em 2.1.5., os Autores terão de despender a quantia de €1.000,00 (mil euros).

2.2.8. Para a limpeza a seco dos tecidos existentes na sala da fração referida em 2.1.5., concretamente de uma cortina, de dois tapetes, do sofá, das seis almofadas do mesmo, e do candeeiro, os Autores terão de despender a quantia de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

(…)

2.2.10. A Para a limpeza dos móveis de madeira da sala e da lareira, existentes na habitação referida em 2.1.5., os Autores terão de despender a quantia de €400,00 (quatrocentos euros).

2.2.11. Em consequência da entrada de fumos na fração referida em 2.1.5., todas as paredes da habitação dos Autores carecem de ser limpas e pintadas, com tinta plástica, o que acarretará uma despesa que se cifra no valor de €4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros).

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Despacho de aperfeiçoamento.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade da R. por danos patrimoniais sofridos pela A. e medida do seu ressarcimento.

2. Afirmam os recorrentes que a insuficiência na identificação de factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida deve merecer convite para completar o articulado, podendo tal insuficiência ser completada, ainda, através da discussão da causa. O art. 590º do NCPC, impõe que se convide as partes a colmatar qualquer os articulados, sugerindo o suprimento de insuficiências tendentes à boa decisão da causa. No caso, este convite nunca foi feito, não havendo qualquer despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, e a sua omissão leva a que o julgamento possa e deva ser repetido (cfr. conclusões de recurso 3º a 9º). Não acolhemos esta posição.

Apresentado o último articulado ou terminado prazo para tal o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, designadamente completamento de articulados deficientes, na vertente de insuficiências na exposição da matéria de facto alegada (art. 590º, nº 2, b) e 4, do NCPC). Podendo tal suprimento, inclusive, ocorrer na audiência prévia (art. 591º, nº 1, c), do mesmo código). Está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada.

Trata-se de um poder vinculado, que o juiz tem o dever de exercer quando ocorram nos articulados insuficiências na exposição da matéria de facto alegada. A omissão do despacho constitui, pois, uma nulidade processual, sujeita ao regime dos arts. 195º, nº 1, 197º, nº 1, 199º, nº 1, 200, nº 3, daquele diploma processual (vide Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 155/156).

No caso, o juiz não proferiu despacho pré-saneador com tal fim (apesar de ter agendado em Junho de 2023 a audiência prévia), nem o fez na audiência prévia (em Julho de 2023).

Na hipótese de o dever fazer, no caso em análise, terá cometido uma nulidade processual. Só que os recorrentes/AA nunca arguiram tal nulidade processual até agora, apesar de o poderem e deverem ter feito. Nem neste momento, em recurso, o fizeram, que, aliás, a ser feita, seria intempestiva.

Não procede, pois, esta parte do recurso.

3. Os recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto quanto ao facto provado 14., com aditamento que sugerem, por via de presunção judicial, e quanto aos não provados 2., 4., 6. a 8., 10. e 11., com base nos depoimentos das testemunhas FF, GG e HH (cfr. conclusões de recurso 10º a 54º).

Na motivação da decisão da matéria de facto a julgadora exarou que:  

“Também os pontos …. a 2.1.14. dos factos provados emergiu do acordo das partes, apesar da impugnação genérica da correspondente matéria alegada pelos Autores na petição inicial. …. A título de exemplo, veja-se a seguinte alegação da Ré: …«a Ré ter acendido a sua lareira de amiúde durante o inverno [decorrendo da respetiva peça processual, e da comumente sabida data de início e termo das diversas estações do ano, que se trata do lapso de tempo compreendido entre o fim do mês de dezembro de 2021 e o fim do mês de março de 2022]».

(…)

*

Soçobrou, diferentemente, a demonstração da matéria de facto vertida nos pontos 2.2.1. a 2.2.11., uma vez que dela não foi feita prova suficiente em audiência de julgamento, não lhe tendo sido feita aí qualquer menção expressa, nem oferecido documento algum que a amparasse, não se tendo, assim, logrado fundar convencimento idóneo ou de probabilidade qualificada a seu respeito (a prova produzida não foi de modo algum suficiente para que sobre os mesmos influísse um juízo favorável quanto à sua verificação). É apenas de ressalvar que, quanto à factualidade dada como não provada sobre o ponto 2.2.11., a mesma resulta expressamente da falta de alegação por parte dos Autores quanto à verificação de qualquer dano compatível com os referidos serviços (a esse respeito os Autores limitam-se a invocar a entrada de fumo), pelo que sempre resultaria não provado que as paredes carecessem de ser limpas em virtude da entrada de fumo na fração autónoma dos Autores; no mais, apesar de os Autores terem logrado juntar aos autos o respetivo orçamento (v. documento n.º 24 da petição inicial), cujo teor foi corroborado em audiência pela testemunha GG, o valor referenciado não tem, por si só, relevância autónoma.”.

3.1. Quando se impugna a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar a decisão, que no seu entender, deve ser proferida sobre o ponto de facto impugnado. O que os recorrentes respeitaram, pretendendo que no facto provado 14. passe a constar que a periocidade era “com frequência” (conclusão 11º) ou que o “ar se tornou irrespirável” (conclusão 16º), através de presunção judicial, prevista no art. 351º do CC.

Relativamente ao ar irrespirável a impugnação mais própria devia dirigir-se ao facto não provado 2., o que os apelantes efectuaram. Assim, infra, aquando da análise da impugnação a tal facto melhor será apreciada.

Respeitante à expressão com frequência, a dita impugnação não pode ser acolhida, pois trata-se de uma mera conclusão de facto e não de um facto, e só estes devem ser levados ao elenco dos factos apurados (art. 607º, nº 3, 4º e 5º do NCPC). Ora a dita expressão não passa de mera conclusão, pois só sabendo quantas vezes, ainda que aproximadamente ou por arredondamento, a lareira foi acesa, por ex: 2 vezes por dia, diariamente, em dias alternados, 3 vezes por semana, 2 vezes por semana, uma vez semanalmente, uma vez de 10 em 10 dias, no limite uma única vez, se poderá então concluir por essa frequência. O que interessava, pois, era o número de vezes com que se podia subsumir tal frequência, factualidade que, contudo, não se apurou. Nem, obviamente, por presunção judicial se consegue chegar ao número de vezes que a lareira terá sido acesa.

Indefere-se, por isso este ponto da impugnação dos AA.     

3.2. Quanto aos factos não provados 2. e 4., relembremos que no respeitante ao primeiro se guardou a apreciação para agora (vide o ponto 3.1. supra), estribando-se a impugnação dos apelantes na presunção judicial prevista no art. 351º do CC, como atrás referido.

As presunções judiciais baseiam-se em regras da experiência de experiência comum. Com base em tais regras não é possível saber-se se o ar se tornou irrespirável numa fracção, ainda que com arejamento do imóvel ou mesmo sem arejamento através das janelas, por durante o inverno estarem fechadas, com uma lareira acesa. Pode acontecer ou não acontecer, depende das circunstâncias. No caso desconhece-se inclusive se as ditas janelas estavam abertas ou fechadas, quantas vezes apareceu fumo na habitação dos AA, se o fumo era muito ou pouco, e, até, se no indicado período temporal os AA residiam permanentemente na referida habitação ou não (as testemunhas FF e HH referiram que a A. vivia em França e vinha cá algumas vezes à casa dela, conforme decorre do seu depoimento infra indicado).

Isto é, não se torna possível mobilizar uma presunção judicial para alcançar o resultado pretendido pelos apelantes.

Da parte das 3 testemunhas identificadas pelos recorrentes, e cujo depoimento gravado foi ouvido, nenhuma mencionou tal facto 2.

Nem essas mesmas testemunhas confirmaram o facto não provado 4.

Pelo que, vai indeferida a impugnação nesta parte referente aos factos 2. e 4. não provados

3.3. Respeitante aos demais factos não provados.

Verificamos que a testemunha FF, presidente da Junta de Freguesia, declarou que se deslocou a casa da A. uma vez, em Março de 2022. A A. chamou-o lá a casa para ver a casa dela e o que estava a acontecer em casa. Foi lá. Viu fumo na casa, vindo da lareira. Sentiu o fumo um bocadinho. E havia uma fuligem nos eletrodomésticos, nas roupas, nos cortinados e nas toalhas. Não foi aos quartos todos, mas nas divisões principais havia essa fuligem. Esteve na sala, cozinha e um quarto. Na sala tem um sofá ou dois sofás, tem um móvel tipo bar e tinha uma mesa. No quarto a casa estava mobilada, tinha um tapete no chão, uma cama, uma cómoda. Na cozinha tinha os móveis de cozinha, mesa e os electrodomésticos. A A. vivia em França e vinha à casa dela algumas vezes.

A testemunha GG, construtor civil, disse que foi a casa da A, para fazer um orçamento para pintar a casa que tinha ficado estragada por fumo. Confirma o orçamento que fez (doc. 24, junto com a p.i.). Estava tudo cheio de fumo. O chão, os móveis, o chão, as roupas, tudo. Viu os quartos, o roupeiro, estava tudo cheio de fumo. Tudo sujo, colchões sujos. Estava tudo cheio de fumo. Na sala, havia cortinados, estores e roupa de sala. Tinha fumo e cinzas que saem.

A testemunha HH, vizinha do r/c de ambas as partes, afirmou que foi a casa da A. ver o estado dela. Viu fumo a sair pela lareira, pela cassete para fora. E viu tudo cheio de pó, parecia borralho, de lenha queimada, nos móveis, no chão. Muito pó, assim no chão e por tudo. Tudo queimado, as paredes e a roupa. Os cortinados na casa, tapetes. Viu as mobílias, a mobília de sala, uma mesa, um bar, um armário, sofás.

Destes depoimentos resulta inequivocamente que a A. sofreu danos materiais na sua casa, pelo que os factos não provados 6. a 8., 10. e 11., terão de obter uma resposta positiva, embora só relativamente a um deles se tivesse logrado apurar o valor, pois a testemunha que o elaborou, NN, confirmou o mesmo.

Assim, reflectindo a prova produzida, os apontados factos passarão a provados (a negrito, ficando na parte não provada em letra minúscula), mas não integralmente, com excepção do último, nos seguintes termos, numericamente sequente aos já provados:

2.1.17. Para a limpeza da fração autónoma referida em 2.1.5., com a tipologia aí descrita, e limpeza de móveis, os Autores terão de despender a quantia não concretamente apurada.

2.1.18. Para a limpeza a seco, na lavandaria, da roupa dos quartos (roupa de cama e dos roupeiros e cómodas) e das peças de tecido existentes na cozinha e na casa de banho da fração referida em 2.1.5., os Autores terão de despender quantia não concretamente apurada.

2.1.19. Para a limpeza a seco dos tecidos existentes na sala da fração referida em 2.1.5., concretamente de uma cortina, de dois tapetes, do sofá, das seis almofadas do mesmo, e do candeeiro, os Autores terão de despender quantia não concretamente apurada.

2.1.20. Para a limpeza dos móveis de madeira da sala e da lareira, existentes na habitação referida em 2.1.5., os Autores terão de despender quantia não concretamente apurada.

2.1.21. Em consequência da entrada de fumos na fração referida em 2.1.5., todas as paredes da habitação dos Autores carecem de ser limpas e pintadas, com tinta plástica, o que acarretará uma despesa que se cifra no valor de €4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros).

4. Na fundamentação jurídica da sentença recorrida afastou-se o disposto no art. 1346º, do CC (normativo trazido à colação pelos AA) que «o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam», por se ter entendido não estarem reunidos os respectivos requisitos, consequentemente improcedendo, nesta parte, os pedidos expostos nas alíneas a) e b) da p.i. E, também, porque, dos factos provados decorre que os fumos emitidos pelos RR apenas entram na fração autónoma dos AA em virtude da existência de fissuras na conduta individual de extração de fumo existente na fração dos RR e que, entretanto, tal problemática já foi resolvida, mediante a realização de obras para o efeito, pelo que se entendeu que perderam acuidade os pedidos efetuados a este respeito.

O que os ora recorrentes acabaram por não questionar.

Mas entendeu-se que se podia recorrer à responsabilidade civil e aí se exarou que:

“Por último, nada obsta a que o proprietário do prédio passivo (que recebe os fumos), independentemente da verificação dos requisitos exigidos no artigo 1346.º do Código Civil, invoque a responsabilidade civil do titular do prédio vizinho nos termos gerais, para o funcionamento daquela basta o dano, qualquer que seja a sua medida e fonte.

*

Atendendo à causa de pedir e ao pedido tal como foram estruturados pelos Autores na sua petição inicial, o objeto da presente ação assenta essencialmente na responsabilidade civil dos Réus (atualmente, apenas da Ré EE) decorrentes da entrada de fumo na habitação dos Réus.

O instituto da responsabilidade civil previsto no ordenamento jurídico português reúne em si duas formas distintas de responsabilidade – contratual e extracontratual – tratando o Código Civil de forma autónoma cada uma delas. Sendo certo que o litígio subjacente aos presentes autos não assenta numa relação de natureza contratual, será por referência à responsabilidade extracontratual que o mesmo se irá compor.

(…)

Trazendo à colação especificamente a responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõe o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Com base no transcrito dispositivo legal, tendem a doutrina e a jurisprudência a reconduzir os pressupostos da responsabilidade civil à existência de um facto voluntário do agente, à ilicitude do facto do lesante (decorrente da violação de direitos subjetivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheiros), à imputação do facto ao lesante (culpa, lato sensu, enquanto juízo de reprovação da ação ou omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, suscetível de assumir a configuração de uma atitude dolosa ou negligente), ao dano (perda in natura sofrida pelo lesado nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar) e ao nexo de causalidade entre o facto e o dano (o qual se deverá aferir segundo um critério de causalidade adequada adotado pelo artigo 563.º do Código Civil, o que pressupõe que a ação ou omissão do agente seja adequado ou apropriado ao seu desencadeamento) [PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, «Código Civil Anotado», Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, 1987, Coimbra Editora, Coimbra, página 471].

(…)

Com relevância para o caso dos presentes autos, nesta parte, o artigo 493.º do Código Civil, sob a epígrafe «Danos causados por coisas, animais ou atividades» dispõe que: «1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

(…)

Neste normativo consagra-se uma presunção que implica uma inversão do ónus da prova, ilidível mediante prova em contrário (cfr. artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil).

(…)

No caso em apreço inexistem dúvidas de que a Ré é proprietária da fração referida no ponto 2.1.2. (matéria que não está concretamente em discussão nos autos) e que a referida fração apresentava fissuras na respetiva conduta individual de extração de fumos existente, na habitação da sua pertença, que, assim, é bem próprio da fração da Ré, e não bem comum do prédio em causa, ainda que a mesma vá desembocar numa conduta comum [cfr. artigos 1420.º e 1421.º, a contrario, ambos do Código Civil; pelo que respeita às instalações de água, eletricidade, aquecimento e outros, só são comuns até ao ponto em que sirva, uma pluralidade de condóminos: os ramais de derivação para cada fração autónoma são elementos privativos, pertencendo em propriedade ao respetivo condómino – neste sentido vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição Revista e Atualizada, página 422].

A obrigação de indemnizar pressupõe ainda a existência de um dano, de um verdadeiro prejuízo na esfera daquele contra quem o facto ilícito culposo foi praticado. O nosso regime de responsabilidade civil aquiliana prevê a ressarcibilidade tanto dos danos patrimoniais como dos danos não patrimoniais. Quanto aos primeiros, estes compreendem tanto os danos emergentes (dannus emergens), como o lucro cessante (lucrum cessans), sendo essencial a reposição da situação patrimonial em que se encontraria o lesado caso não tivesse ocorrido a lesão do seu direito (cfr. artigos 564.º, n.º 1 e 566.º, n.º 2, respetivamente, do Código Civil).

(…)

Já no que diz respeito aos danos não patrimoniais, dispõe o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil que os mesmos serão indemnizáveis desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

(…)

Por fim, será necessário que exista um nexo de causalidade entre o dano causado e o facto praticado, ou seja, terá que ser esse facto a causa do dano verificado. Ora, o nexo de causalidade exigido para a obrigação de indemnizar circunscreve-se aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563.º do Código Civil), tendo o legislador adotado a posição que a doutrina vinha definindo como a teoria da causalidade adequada. Sufragando esta teoria, GALVÃO TELLES enuncia que «determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar» (apud ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, op. cit., página 578).

Volvendo ao caso dos autos, como tivemos a oportunidade de referir anteriormente, os Autores enquadraram a presente causa ao abrigo do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, sendo que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, «às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas», constituindo um ónus da parte que invoca o direito a prova dos factos constitutivos do mesmo (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Estando nós perante uma causa de pedir complexa, cabia então aos Autores alegar e provar a integralidade dos factos essenciais desta causa de pedir (sem prejuízo das presunções de que beneficiam, nos termos expostos supra), entre os quais se encontra a verificação de um concreto dano, não sendo este de presumir.

Com feito, atenta a factualidade dada como provada e não provada, é de considerar, desde logo, que não se preenche o requisito da verificação de dano (patrimonial ou não patrimonial) – quer por falta de alegação (principalmente), quer por falta de prova. Efetivamente, olhando os factos não provados, a generalidade deles correspondem aos que os autores alegaram enquanto seu prejuízo ou dano (daqueles que foi possível ao Tribunal extrair da matéria manifestamente conclusiva alegada na petição inicial). Olhando os factos provados, apenas resultou que existem fissuras na conduta individual de extração de fumos existente na fração dos Réus, que os mesmos utilizaram a sua lareira e que nas mesmas circunstâncias de tempo, com periodicidade e extensão não concretamente apuradas, entrou fumo dentro da fração autónoma referida em 2.1.5., pertencente aos Autores. É manifesto que não se fez prova de qualquer dano. E por isso, atendendo a tudo quanto se disse, a ação, também nesta parte, não podia proceder (v. neste sentido, num caso similar, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/03/2015, processo n.º 2400/11.1TBFLG.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Conclui-se, assim, que a conduta dos Réus não preencheu todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual consagrados no artigo 483.º do Código Civil, donde decorre que não impende sobre a Ré EE (por si e enquanto habilitada do Réu DD) uma qualquer obrigação de indemnizar.”

Os recorrentes dissentem, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (as 55.º a 58.º). Nesta parte, o seu recurso estava dependente da modificabilidade da decisão da matéria de facto impugnada, o que lograram parcialmente.

Tendo-se provado a existência de danos patrimoniais, ao contrário do que decidido em primeira instância, há que indemnizar tais danos. Parte deles, porém, não se apuraram em concreto – só um se conseguiu quantificar -, pelo que cabe recorrer ao disposto no art. 609º, nº 2, do NCPC, que estatui que se não houver elementos para fixar a quantidade o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja já líquida.

Isto é, os danos apurados nos factos provados 2.1.17. a 2.1.20. terão de ficar para liquidação em sentença, enquanto o do facto provado 2.1.21. deverá já ser de imediato objecto de condenação.

(…)

IV – Decisão

 Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, relativamente ao pedido formulado em c) da p.i., e. consequentemente, se condenando os RR a pagar aos AA, por danos patrimoniais, as quantias a liquidar em sentença, relativamente aos danos provados em 2.1.17. a 2.1.20., mais a quantia de 4.600 €, relativamente ao dano provado em 2.1.21., no demais se mantendo a sentença recorrida.

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Custas a cargo dos AA e RR, na proporção do vencimento/decaimento, fixando-se provisoriamente em 1/2 para cada uma das partes.

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Coimbra, 8.10.2024

  Moreira do Carmo

Alberto Ruço

Luís Cravo