Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
760/06.5TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
FUNDAMENTOS
IMPRECISÃO DA ALEGAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 3º, NºS 1 E 2, E 27º, Nº 1, AL. B), DO CIRE (D.L. Nº 53/2004, DE 18/04)
Sumário: I – São dois os fundamentos para que se possa decretar a insolvência de um devedor, mas alternativos: que se verifique a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas; e que o passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (este em relação às pessoas colectivas e aos patrimónios autónomos).

II – Portanto, para além de se poder pedir a insolvência de um devedor quando exista a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, pode também pedir-se a insolvência, em relação às pessoas colectivas e patrimónios autónomos, quando o passivo seja manifestamente superior ao activo.

II – Não basta a circunstância de haver falta de cumprimento de obrigações para poder ser decretada uma insolvência, sendo necessário que as dívidas, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

III – Tendo o Requerente da insolvência sido genérico e pouco preciso na alegação da impossibilidade real do requerido satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, aduzindo apenas factos vagos e conclusivos, dever-se-á, nos termos do artº 27º, nº 1, al. b), do CIRE, ser concedido prazo para o requerente corrigir os vícios da petição.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- No Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, A..., residente na Rua da Capela, 21/23 Rendufas, Torres Novas, B..., residente na Rua dos Vales, nº 1, Alqueidão da Serra, C..., residente na Rua dos Vales, nº 1, Alqueidão da Serra e D..., residente na Rua da Valada, Loureira, Santa Catarina da Serra intentaram a presente acção especial de insolvência, pedindo a declaração de insolvência de E..., com sede na Estrada de Leiria, n.º 30, Rotunda Norte, em Fátima.
Fundamentam o seu pedido, em síntese, alegando terem trabalhado para a sociedade requerida, desde 01.08.1996, mas que, por cartas de 01.03.2006, comunicaram a esta a resolução dos respectivos contratos de trabalho, invocando, como fundamento, o facto de não lhes terem sido pagos os subsídios de férias de 2004, os subsídios de férias e de Natal de 2005, o ordenado do mês de Janeiro de 2005, os subsídios de almoço e as ajudas de custo. Por isso, interpuseram uma acção judicial no Tribunal de Trabalho de Tomar, em 05.04.2006, pedindo o pagamento total de 59.188,44 euros, sendo 23.314,24 euros a A..., 12.967,05 euros o B..., 9.369,93 euros a C... e 13.537.22 euros o D.... Até à presente data ainda não obtiveram o pagamento de tais quantias, sendo que, tanto quanto é conhecimento dos requerentes, a sociedade requerida não dispõe de património ou liquidez capaz de solver as suas dívidas. Tal facto indicia que a empresa requerida se encontra insolvente e impossibilitada de cumprir com pontualidade a generalidade das suas obrigações, nos termos dos arts. 3.º e 20.º, n.º 1, alínea b) e g) (iii) do CIRE.
1-2- O Mº Juiz, ao abrigo do citado artigo 27.º, n.º 1, alínea a) do CIRE, decidiu indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência requerido.
1-3- Não se conformando com esta decisão, dela vieram recorrer os requerentes, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1-4- Os recorrentes alegaram, tendo concluído da seguinte forma:
1ª- Os factos alegados pelos requerentes e consubstanciados na falta de pagamento dos dois últimos salários relativos ao 1º de 2006 e ao 14º de 2005 e acompanhados de circunstancialismo da requerida dever os subsídios de férias de 2004 e 2005, os subsídios de alimentos, as retribuições relativas ao trabalho suplementar, tudo isto em alimentos, em relação aos quatro requerentes e de até hoje e apesar de terem proposto contra a requerida a acção para haverem o pagamento destas retribuições em atraso, eram suficientes para preencherem os requisitos para a declaração de insolvência, previstos no art. 20º nº 1 al. b) do CIRE.
2ª- Nos termos expostos o Mº Juiz deveria ter ordenado a citação da requerida, nos termos do art. 29º nº 2 do CIRE.
3ª- Ao indeferir liminarmente o requerimento inicial, violou o Mº Juiz o disposto no citado art. 29º nº 2 do CIRE.
1-5- A recorrida não respondeu a estas alegações.
1-6- O Mº Juiz sustentou a sua decisão.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- A questão que o recurso submete a apreciação deste tribunal é a de saber se os factos que os recorrentes invocam, designadamente, a falta de pagamento pela requerida dos salários e subsídios indicados, preenche a causa de insolvência a que alude o art. 20º nº 1 al. b) do CIRE.
Vejamos:
Estabelece o art. 3º nº 1 do Código de Insolvência e Recuperação da Empresa (CIRE), que se encontra em situação de insolvência “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Acrescenta o nº 2 que “as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
Quer isto dizer que são dois os fundamentos para que se possa decretar a insolvência de um devedor, quando se verifique a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e quando o passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (este em relação às pessoas colectivas e aos patrimónios autónomos). Estes fundamentos são alternativos, circunstância que se deduz da expressão legal de «são também». Isto é, para além de se poder pedir a insolvência de um devedor quando exista a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, pode também pedir-se a insolvência, em relação às pessoas colectivas e patrimónios autónomos, quando o passivo seja manifestamente superior ao activo. Aliás, compulsando o preâmbulo do Dec-Lei 53/2004 de 18/4 que aprovou o CIRE, verifica-se que, expressamente, se referiu que “recupera-se, não obstante, como critério específico de determinação da insolvência de pessoas colectivas... por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente a superioridade do seu activo sobre o passivo” (sublinhado nosso), donde fluiu que foi intenção do legislador aditar ao regime geral de definição da situação de insolvência, um fundamento específico em relação às pessoas colectivas.
Os apelantes sustentam que os factos que alegaram no requerimento inicial demonstram o fundamento atinente à impossibilidade da requerida/devedora de cumprir as obrigações vencidas, tendo sido este, aliás, o motivo invocado por eles, requerentes, para pedirem a declaração de insolvência da requerida.
No que toca à legitimidade dos interessados no pedido de declaração de falência, estabelece o art. 20º nº 1 al. b) do CIRE que a “declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida… por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito … verificando-se algum dos seguintes factos: b) falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Esta dispositivo, juntamente com as outras alíneas do art. 20º nº 1, concretiza a referência genérica de situação de insolvência a que se refere o mencionado art. 3º do diploma.
Para o aqui interessa, estará numa situação de insolvência, o devedor cuja falta de cumprimento, de uma ou mais obrigações (pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento) revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Na petição inicial, os requerentes alegaram que são credores da requerida, em virtude de salários e subsídios não pagos. Neste contexto, poder-se-á dizer que a requerida se encontra em falta no cumprimento de obrigações. Simplesmente, não basta esta circunstância para que a insolvência de uma entidade, possa ser decretada. É necessário, como já se viu, que as dívidas, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Os requerentes também alegaram que a requerida “tanto quanto é conhecimento dos requerentes, não dispõe de património ou de liquidez capaz de solver as suas dívidas”, vislumbrando-se “insuperável a sua deficitária situação económico-financeira”.
Se traduzidos em factos concretos, esta circunstância poderia denunciar a impossibilidade real de a requerida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Mas os requerentes, como devem aceitar, na alegação que fizeram, foram genéricos e pouco precisos, aduzindo factos vagos e conclusivos, circunstância que obsta a que se possa produzir prova sobre eles, como decorre do disposto no art. 511º nº 1 do C.P.Civil.
Por isso, a petição não estava em condições de ser recebida.
Simplesmente entendemos que, ao invés de ter indeferido o requerimento inicial e visto que, a nosso ver, não ocorre um caso de manifesta improcedência da declaração de falência, mas sim uma alegação deficiente de factos, o Mº Juiz, nos termos do art. 27º nº 1 al. b) do CIRE, deveria ter concedido prazo para os requerentes corrigirem os vícios da petição, concretamente a deficiente alegação no que toca aos factos que poderão integrar a causa de insolvência em questão. Mais concretamente deveria ter ordenado a tradução em factos concretos, da alegação referida, no que respeita à alegada “insuperável deficitária situação económico-financeira” da requerida.
Quer isto dizer que, se bem que por esta razão, o recurso merece parcial provimento.
De sublinhar, por outro lado, que no tocante às dívidas emergentes de contrato de trabalho, estabelece al. g),iii) do nº 1 do referido art. 20º, que é causa de insolvência, o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, dessas dívidas. Quer dizer, desde que se prove o incumprimento generalizado de dívidas de contrato de trabalho, a insolvência do devedor será declarada, sem que seja necessário provar qualquer outra condição.
Na decisão recorrida, por não se alegarem factos atinentes integradores do incumprimento generalizado, foi excluída essa causa de insolvência. Esta posição é certa, salientando-se, porém, que, como se vê das conclusões de recurso (que, como se sabe, limitam o objecto do recurso), não foi por esta razão que a decisão foi impugnada. A decisão foi contestada, porque, no entender dos agravantes, violou o disposto no art. 20º nº 1 al. b) do CIRE. E, neste contexto, como acima se disse, o Mº Juiz deveria ter convidado os requerentes corrigirem os vícios da petição inicial, no que toca à alegação de matéria factual.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra em que se convide os requerentes, no prazo máximo de cinco dias, a apresentar nova petição inicial, com correcção da deficiente alegação nos termos expostos.
Custas pela parte vencida a final.