Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | ARRESTO JUSTO RECEIO DE PERDA DE PATRIMONIAL SEGURO-CAUÇÃO FORMALIDADES | ||
Data do Acordão: | 01/31/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 406º, Nº 1, DO CPC . DEC. LEI Nº 183/88, DE 24/5 . | ||
Sumário: | I – Estatui o artº 406º, nº 1, do CPC que o procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos : - a probabilidade da existência do crédito ; - e o justo receio da perda da garantia patrimonial . II – O seguro-caução, regulado pelo D.L. nº 183/88, de 24/5, é um contrato de seguro a favor de terceiro que cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento de obrigação que, por lei ou convenção, seja susceptível de caução, fiança ou aval, nele figurando, como pessoas distintas, o segurador, o tomador do seguro (devedor) e o segurado – credor da obrigação garantida . III – O contrato de seguro é um negócio rigorosamente formal, nos termos do artº 426º do C. Comercial, ao qual a solenidade exigida para a sua realização deve considerar-se como formalidade ad substantiam , sem o que é nulo o contrato . IV – A distinção doutrinária entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova, cuja inobservância gera a nulidade, enquanto que as segundas a sua falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO A requerente - A..., com sede na Rua de S.Tomé, nº11, Covão do Lobo – instaurou na Comarca de Vagos procedimento cautelar de arresto contra a requerida - B..., com sede na Quinta de S. Marcos, Fundão. Alegando, em resumo, ter um crédito sobre a requerida no valor de € 37.579,88, que se recusa a pagar, havendo encerrado as suas instalações, pediu o arresto dos bens descritos na petição inicial. Após produção de prova, foi proferida decisão a indeferir o arresto. Inconformada, a requerente recorreu de agravo, concluindo, em síntese: 1º) - A decisão que indeferiu o arresto considerou não se verificar o justo receio da perda de garantia patrimonial, em virtude da existência de um contrato de seguro caução celebrado pela agravante, cuja prova se baseou no depoimento das testemunhas. 2º) – Tal facto constitui violação do art.426 do Código Comercial, visto que o contrato de seguro tem de ser reduzido a escrito, sendo uma formalidade ad substantiam. 3º) – Não se encontrando no processo qualquer documento escrito que titule o referido contrato de seguro, não poderia o tribunal dar como provada a sua existência. 4º) – Além do mais, não é de caução a modalidade do contrato de seguro que a agravante celebrou com a seguradora. 5º) – Mas ainda que assim fosse, tal facto não seria impeditivo do decretamento do arresto, já que a pretensão indemnizatória que o segurador se obriga é uma prestação própria, diferente da prestação a que o devedor se obrigou. 6º) – Só assim não seria se a seguradora se tivesse sub-rogado no crédito da agravante perante a requerida. 7º) – Os factos provados ( alínas G/,H/,I/ ) são reveladores do justo receio de perda de garantia patrimonial, pelo que conjugada com a prova da existência do crédito estão reunidos os pressupostos legais do arresto. O M.mo Juiz manteve a decisão recorrida. II FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Os factos provados: 1) - No exercício da sua actividade comercial, a Requerente forneceu à Requerida, a pedido expresso desta, para o exercício da sua actividade, mercadoria, nas quantidades e preços, que constam das facturas n.° 209067, emitida em 16-06-2004, no montante de € 34.335.00 e factura n.° 210116, emitida em 14-12-2004, no montante de € 9.780,75, perfazendo o total de € 44.115,75. 2) - As facturas identificadas tinham vencimento formal a 30 dias após a data da respectiva emissão, mas o seu pagamento era tolerado até 90 dias. 3) - Todas as mercadorias especificadas nas facturas foram recebidas pela Requerida sem qualquer reserva no que toca à qualidade, quantidade ou preço. 4) - Na sequência das inúmeras interpelações efectuadas pela Requerente e seus mandatários no sentido de obter o pagamento da quantia em dívida, em 25-102004, a R. emitiu 6 (seis) letras no montante de € 5.722,50 cada, com vencimento para os dias 25 de cada mês entre Dezembro de 2004 e Maio de 2005. 5) - Das mencionas letras, apenas as duas primeiras foram pagas. 6) - A requerente suportou a quantia de € 447,20 em despesas resultantes do não pagamento das letras na data do seu vencimento. 7) - Desde de Maio de 2005 foram registadas as seguintes alterações na administração da requerida: - Pela Ap.12/2005.05.09: CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DOS ADMINISTRADOR Francisco Ferreira Gonçalves, Alfredo José Mendes Ferreira e Maia Natália Mendes Ferreira Soares, por renúncia em 2005.02.24; - Pela Ap. 13/2005.05.09: NOMEAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO PARA QUADRIÉNIO DE 2005/2008 por deliberação de 2005.02.24. passando a constar como PRESIDENTE – Mário da Costa Borralho, como VICE-PRESIDENTE – Henrique Justino Teixeira, e como VOGAL – Odileia Ribeiro Martins; - Pela Ap. .5/2005.08.30: CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DO ADMINISTRADOR Mário da Costa Borralho, por ter renunciado em 2005.06.30; - Pela Ap.6/2005.08.30: NOMEAÇÃO DO PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÂO PARA O QUADRIÉNIO EM CURSO 2005/2008 Por deliberação de 1005.06.30: VALDIR APARECIDO REYNALDO. 8) - Desde essa data, não mais logrou a Requerente obter qualquer contacto com os responsáveis pela requerida. 9) - Alguns dos credores, designadamente a sociedade Pescas Tavares Mascarenhas, S.A constataram, tal como a Requerente, que a Requerida encerrou as suas instalações no Fundão, não se verificando nelas qualquer sinal de actividade. 10) - A requerente celebrou com uma empresa seguradora um contrato de seguro-caução que abrange os créditos da requerente sobre a requerida em causa nestes autos. 2.2. – De Direito: Como resulta das conclusões do recurso, delimitadoras do seu objecto ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), a questão essencial contende com a comprovação ou não do justo receio da perda de garantia patrimonial, desdobrando-se nas seguintes sub-questões: a) – Se podia o tribunal dar como provado o contrato de seguro caução apenas com base na prova testemunhal; b) – E se, com ou sem seguro-caução, a factualidade apurada é suficiente para o justo receio. Estatui o art.406 nº1 do CPC, que o procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: (1) a probabilidade da existência do crédito e (2) o justo receio da perda da garantia patrimonial A decisão recorrida, não obstante considerar provada a probabilidade séria da existência de um crédito a favor da requerente, no valor de €37.579,88, julgou, no entanto, improcedente o arresto com fundamento na ausência da comprovação do justo receio da perda de garantia patrimonial. Argumentou-se que, apesar de ter ficado assente o encerramento de instalações da requerida e ausência de contactos e a existência de outros débitos, o certo é que também se apurou que a requerente celebrou um contrato de seguro caução que abrange o crédito sobre a requerida, logo dispondo a requerente de garantia específica para a satisfação do crédito está afastado o periculum in mora. O tribunal deu como provado o ponto 10 ( A requerente celebrou com uma empresa seguradora um contrato de seguro-caução que abrange os créditos da requerente sobre a requerida em causa nestes autos.) com fundamento na prova testemunhal ( depoimento da primeira testemunha, corroborado pela segunda ). O seguro-caução é um contrato de seguro a favor de terceiro que cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento de obrigação que, por lei ou convenção, seja susceptível de caução, fiança ou aval, nele figurando, como pessoas distintas, o segurador, o tomador do seguro ( devedor ) e o segurado - credor da obrigação garantida.. Regulado pelo Dec.Lei nº. 183/88 de 24 de Maio, "cobre, directamente ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval" (art. 6º, nº. 1). E dele deve constar, além do estabelecido no Código Comercial, a identificação do tomador do seguro e do segurado, caso as duas figuras não coincidirem na mesma pessoa, a obrigação a que se reporta o contrato de seguro, a percentagem ou quantitativo do crédito seguro e os prazos de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações (art. 8º, nº. 1). Sendo que, nos termos do art. 426º do C. Comercial, cuja aplicação prévia o art. 8º ressalva, o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro, a qual, datada e assinada pelo segurador, deve enunciar: o nome ou firma, residência ou domicílio do segurador; o nome ou firma, qualidade, residência ou domicílio do que faz segurar, o objecto do seguro e a sua natureza e valo; os riscos contra quem se faz o seguro, o tempo em que começam e acabam os riscos; a quantia segurada; o prémio do seguro; e, em geral, todas as circunstâncias, cujo conhecimento possa interessar ao segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes. É, pois, o contrato de seguro um negócio rigorosamente formal, acrescendo, ainda, que a solenidade exigida para o contrato deve considerar-se como formalidade ad substantiam, já que, a não ser reduzido a escrito, através da emissão da apólice, o contrato é nulo ( cf. por ex., Ac do STJ de 27/5/04, www dgsi.pt ). São características gerais das providências cautelares, a provisoriedade, a instrumentalidade, a sumario cognitio, o carácter urgente e a estrutura simplificada. A propósito da prova sumária, refere TEIXEIRA DE SOUSA que “ as providências cautelares só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre requerido e requerente observem as regras gerais ( art.342 nº1 e 2 do CC ) “ ( Estudos Sobre o Processo Civil, pág.233 ) e, problematizando sobre determinado tipo de documentos, esclarece ANTÓNIO GERALDES que os meios probatórios no âmbito dos procedimentos cautelares devem ser adoptados segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, dada a natureza da tutela preventiva (Temas da Reforma de Processo Civil, vol.IV, 2ª ed., pág.88 ). III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar procedente o agravo e revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra a decretar o arresto nos bens indicados.2) Sem custas.+++ |