Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
845/21.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CONCEDIDO A PESSOA DIFERENTE DO RÉU
REPRESENTAÇÃO APARENTE
INVALIDADE
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 23.º, N.º 1, DL 178/86, DE 23/1
ARTIGO 30.º, 3, DL 72/2008, 16/4
ARTIGOS289.º, 1; 805.º; 1142.º, 1143.º; 2081.º E 2684.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Um negócio celebrado em nome de outrem sem que o outorgante esteja dotado de poderes para assumir essa representação é ineficaz em relação ao representado, se não for por ele ratificado – art.º 268º, n.º 1, do Código Civil.
Não é configurável neste caso a existência e relevância da denominada figura da representação aparente.

II.  Que só pode resultar da exigência de verificação de requisitos para a eficá­cia do negócio perante o representado, nomeadamente a ocorrência de uma confiança justificada e a contribuição para a mesma do representado, de que, com razoabilidade, decorra a existência de poderes de representação.

III. Não existindo quaisquer sinais de um comportamento da Ré sociedade com essas caraterísticas, não pode considerar-se que esta se encontra obrigada a reembolsar o Autor da quantia que este entregou ao Réu AA.

IV. Tendo-se provado que o Autor estava convicto de que o Réu AA tinha poderes de representação da sociedade Ré, aquele pode invocar a ineficácia absoluta e definitiva do negócio celebrado, conforme resulta do disposto no art.º 268º, n.º 4, do C. Civil, deixando o acordo celebrado entre o Autor e o Réu AA de ser idóneo a produzir qualquer efeito, não sendo, por isso, exigíveis as obrigações nele assumidas [1].

V. Estamos perante uma situação em que se deve aplicar o regime das invalidades, designadamente o seu efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que se prestou na execução de um contrato inválido – art.º 289º, n.º 1, do C. Civil.


[1] Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., UCP Editora, 2023, p. 799, Rui Pinto, Falta e abuso de poderes na representação voluntária, AAFDL, 1994, p. 91-94, Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 152, e Acórdão do S. T. J. de 16.10.2018, relatado por Paulo Sá.


Decisão Texto Integral: Relator: Sílvia Pires
Adjuntos: Cristina Neves
                Pires Robalo
          

Autor: BB

Réus: A..., Lda.
         AA

Interveniente: CC

                                               *

 Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O Autor intentou a presente ação com processo comum contra os Réus, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia total de € 28.808,22, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, o seguinte:
 - a Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de vendas de viagens e transportes rodoviários de pesados de passageiros e de mercadorias nacionais e internacionais;
- no início do ano de 2015, o Réu, apresentando-se como representante legal da Ré, transmitiu ao Autor que aquela estaria a atravessar dificuldades financeiras, designadamente de tesouraria para fazer face às despesas correntes e imediatas, como o pagamento a fornecedores e a empregados e que não tinha crédito junto das instituições bancárias e que, a única forma da Ré ultrapassar as dificuldades sentidas no âmbito da sua atividade comercial, seria através da obtenção de um empréstimo a um particular, tendo questionado o Autor sobre possibilidade de este emprestar à sociedade comercial, o valor de € 25.000,00;
- o Autor acedeu a este pedido pedido, tendo no dia 14 de Abril de 2015, entregue ao Réu, a quantia de € 25.000,00, em numerário, estando o Autor convicto de que o Réu agia em nome e representação da sociedade A..., Lda., aqui Ré;
- este valor não foi reembolsado ao Autor, apesar da Ré ter sido interpelada para tal;
- o Réu é solidariamente responsável pela restituição deste valor;
- sobre aquela quantia já se venceram, até a data da propositura da ação, juros de mora, no valor de € 3.808,22.
O Autor concluiu a petição inicial pela procedência da ação, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 28.808,22, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Citados, os Réus contestaram impugnando os arts. 3º, 8º, 9º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 23º e 30º da Inicial e alegando, em síntese o seguinte:
 - o Réu AA não era representante legal da empresa no início do ano de 2015, não podendo representar a Ré.
- é verdade que uma quantia em dinheiro foi entregue em mão pelo Autor ao Réu AA, nas instalações da Ré sociedade, enquanto funcionário da mesma, para fazer chegar aquela quantia ao gerente da Ré, CC, o que fez;
- o Réu AA só começou a agir em nome e representação da sociedade A..., Lda. a partir de 06.09.2017, não tendo assinado qualquer documento, de assunção de dívida, que vinculasse a empresa, antes dessa data, nem o poderia fazer,
Concluem os Réus que deverá a presente ação improceder e, em consequência, serem absolvidos dos pedidos que contra eles foram deduzidos.

Foi admitida a intervenção principal provocada de CC, a requerimento do Autor, para intervir nos presentes autos como associado dos Réus, o qual foi citado, tendo deduzido contestação alegando, em síntese, que não pediu qualquer dinheiro ao Autor, não negociou com ele qualquer empréstimo, nem subscreveu qualquer documento, nomeadamente a declaração de dívida junta com a p. i., e não recebeu dele qualquer quantia, pela mão do Réu AA, que nada lhe entregou.
Concluiu pela sua absolvição.

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa pela seguinte forma:
a) Julgo a presente ação improcedente por não provada no que respeita aos réus AA e A..., Lda, e em consequência, absolvo os Réus do pedido que contra ele foi formulado pelo autor.
b) Julgo a presente ação procedente no que respeita ao chamado CC e, em consequência, condeno este réu a pagar ao autor a quantia de €28.808,22 (Vinte e Oito Mil Oitocentos e Oito Euros e Vinte e Dois Cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.

                                                           *

O Réu CC interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal recorrido andou mal na apreciação que fez da prova.
2ª - Deve ser retirado da matéria provada que:
14. O empréstimo foi concedido a CC a título particular e pessoal.
3ª - Impõem essa alteração o documento 1 da PI, a alegação do A., aceite pelo chamado, de que este nada lhe pediu e ele nada lhe emprestou, a prevalência da prova documental sobre as declarações da parte e testemunha, interessadas no desfecho da causa e em sentido diametralmente oposto ao que consta do documento, as exigências legais relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos e as regras da experiência comum.
4ª - Deve ainda ser retirado à matéria provada a parte final do facto n.º 12:
12. (...) para fazer chegar a quantia ao responsável CC
5ª - Impõe essa alteração o facto de se ter provado que não foi o Chamado CC que recebeu essa quantia, nem que ela lhe chegou às mãos, a insuficiência e fragilidade dos depoimentos do Réu AA e mulher em relação à formulação desta convicção, que não atinge o limiar de prova relevante.
6ª - Devem ser acrescentados à matéria provada os seguintes factos:
i) O Réu agia em nome e representação da Ré.
o) O Autor entregou o montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), ao Réu, convicto de estar a conceder um empréstimo à Ré;
7ª - Impõem essa alteração, os termos em que o A. propôs a ação, o documento 1 da PI subscrito pelo Réu sob o carimbo “A Gerência” e os depoimentos do Réu AA e do Chamado CC na audiência de 09 de novembro de 2022 nas passagens transcritas nestas alegações (o do chamado ao minuto 00:04;53 e 00:09:34 e o Réu 00:19:50 e 00:21:00, conforme ata de fls..) que evidenciam a atuação do Réu AA enquanto gerente de facto da sociedade Ré.
9ª - Resulta destas alterações que a ação deve improceder quanto ao aqui chamado, pois, o que aqui está em causa é a celebração de um contrato de mútuo entre o Autor e a sociedade Ré, formalizado através da atuação do Réu AA, que agia em nome e representação da sociedade, não podendo tal deixar de ser provado com fundamento em meras convicções subjetivas.
10ª - Violou o Tribunal recorrido, na apreciação que fez da prova, o disposto nos arts. 238º, 364º e 393º do C. Civil, o art. 607º, nº 4 do CPC e o princípio da livre apreciação da prova que impõem ao Juiz que considere os factos admitidos por acordo e que compatibilize toda a prova adquirida, extraindo dos factos as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência.
11ª - Considerando que nos autos A. e chamado estão de acordo que o chamado não lhe pediu dinheiro, nem dele o recebeu, a única forma de se concluir pela celebração desse mútuo com o Chamado CC seria pela via da representação.
12ª - Os atos praticados por um representante sem poderes são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, salvo se tiver lugar a ratificação.
13ª - Não havendo ratificação, como aqui ocorre, é o representante sem poderes que responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial (cfr. artigo 227.º do Código Civil).
14ª - A obrigação de restituir pressupõe sempre a prova de que o objeto a restituir entrou na esfera do obrigado.
15ª - Não se provando que o dinheiro supostamente emprestado foi entregue ao chamado, não podia ele ser condenado na sua restituição.
16ª - Violou o Tribunal recorrido, na aplicação que deles fez ao caso, o disposto nos arts. 1142º e 1144º do C. Civil.
17ª - Ainda que assim não fosse (o que só por dever de patrocínio se equaciona), sendo nulo o suposto mútuo havido com o chamado nunca ele poderia ser condenado no pagamento de juros vencidos desde a data de vencimento aposta num documento que não subscreveu, porque tal obrigação de juros só poderia nascer com a citação.
Conclui pela procedência do recurso.

O Autor interpôs recurso subordinado, concluindo pela seguinte forma:
A. A douta sentença decidiu pela condenação do chamado/recorrente CC, condenando-o no pagamento ao autor da quantia peticionada, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, tendo absolvido os réus AA e A..., Lda., do pedido.
B. Atendendo às doutas alegações apresentadas pelo Chamado e no caso destas virem a proceder, haverá essa procedência de ter como consequência a condenação dos réus AA e A... Lda., porquanto, como se extrai da argumentação apresentada pelo chamado, o autor tem o direito de receber a quantia, que se provou ter emprestado, desses mesmos réus.
C. Como se extrai das doutas alegações de Recurso e da douta sentença, ficou provado que o autor entregou a quantia de 25.000€ (aliás foi por este confessado que assim aconteceu) ao réu AA.
D. Quanto à entrega dessa quantia, a título de empréstimo, nenhuma dúvida subsiste nos autos, nem é a este respeito que as doutas alegações de recurso se centram, pois que não colocam em causa a matéria de facto dada como provada respeitante a esta questão, mas antes sobre o destino que foi dado a esse dinheiro, recebido pelo réu AA do autor, por forma a que, como defende, se decida diferente sobre quem tem a obrigação de pagar essa quantia ao autor.
E. Por conseguinte, resulta da douta sentença, da matéria dada como provada e também das doutas alegações de recurso apresentadas pelo chamado - que entrega do valor de 25.000€ ao réu AA – que o autor deve receber a quantia que emprestou, versando o recurso apresentado apenas sobre “quem deve pagar ao autor”, se o chamado, se os réus AA e sociedade A..., Lda.
F. Ora, a procedência do recurso apresentado pelo chamado, deverá por isso ter como consequência, atendendo à matéria de facto dada como provada, a condenação dos réus AA e A..., nos exatos termos em que o chamado havia sido condenado.
G. Os factos provados sob os pontos 1 a 13 e 17 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, que não são objeto do recurso apresentado pelo chamado, assim obriga que aconteça.
H. Dessa matéria destaca-se a seguinte: a) O Réu é sócio e gerente da Ré, exercendo funções de controlo, administração e gestão da sociedade; b) No dia 14 de abril de 2015 o Autor entregou ao Réu, em mão, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros); c) No dia em que o Autor entregou o dinheiro ao Réu, este entregou ao autor a declaração junta a fls. 12; d) A 19 de Outubro de 2020, o Autor enviou à Ré carta a solicitar o reembolso do montante de capital e dos juros vencidos; e) O Autor nunca foi reembolsado da quantia identificada no ponto 3.
I. Razão pela qual, a proceder o recurso interposto pelo chamado, haverá de ser dado como procedente o presente recuso subordinado, condenando-se os réus AA e a sociedade A..., Lda., solidariamente, no pagamento da quantia de 28.808,22€ ao autor, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a citação.
TERMOS EM QUE,
No caso de procederem as alegações de recuso apresentadas pelo chamado, deve o presente recurso subordinado a esse ser apreciado e julgado, devendo decidir-se pela condenação dos réus AA e A... Lda. ser condenados, solidariamente, no pagamento ao autor da quantia de 28.808,22€, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.

Não foram apresentadas respostas.

                                                           *

1. Do objeto dos recursos
Tendo em consideração as conclusões dos recursos principal e subordinado e o teor da sentença recorrida, são as seguintes as questões a apreciar:
Quanto ao recurso principal interposto pelo Interveniente Principal:
- deve ser retirado o facto provado n.º 14?
- deve ser alterada a redação do facto provado n.º 12?
- deve ser considerada provada a factualidade constante das alíneas e) e f) dos factos não provados?
- o Interveniente CC não é responsável pelo reembolso da quantia entregue pelo Autor?
Quanto ao recurso subordinado interposto pelo Autor, a ser conhecido apenas se o recurso principal for procedente:
- o Réu AA e a sociedade Ré estão ambos obrigados a devolver ao Autor a quantia entregue pelo Autor ao Réu AA?

                                                                       *


2. Os factos
2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O Réu CC, por discordar do julgamento da matéria de facto, pretende que, após reapreciação dos depoimentos prestados e que identifica, bem como dos documentos que refere, sejam eliminados dos factos provados os factos enumerados em 12 e 14 e sejam aditados como provados os seguintes factos que correspondem às alíneas e) e f) da factualidade julgada não provada:
O Réu agia em nome e representação da Ré.
O Autor entregou o montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), ao Réu, convicto de estar a conceder um empréstimo à Ré;
Os factos provados impugnados são:
12. A quantia identificada no ponto 3. foi entregue em mão, ao réu, nas instalações da agência, mas enquanto funcionário da mesma, para fazer chegar a quantia ao responsável CC.
14. O empréstimo foi concedido a CC a título particular e pessoal.
E a sua prova mereceu a seguinte fundamentação:
Foi ainda ponderado o depoimento de parte do réu AA, o qual apesar dessa qualidade apresentou um depoimento lógico, calmo e seguro e que confirmou os factos constantes dos pontos 3, 4, 12, 13 e 14 e que referiu que em abril ou maio de 2015 o Autor, na agência, entregou-lhe 25.000€ e disse-lhe que era para entregar ao Sr. CC, que o Autor pediu-lhe a ele fazer um documento em conforme lá deixou os 25.000€, que o dinheiro foi emprestado pelo Autor e que este sabia que ele era funcionário, sabia que não era o dono da Ré, que entregou a declaração junta a fls. 12 ao Autor por ordem do Sr. CC, estava lá a D. DD que era a companheira do BB, que agiu como funcionário, que nunca disse que era gerente, só ficou gerente em 2017, não ficou responsável por qualquer divida da ré ao autor. Confrontado com a declaração junta a fls. 12, confirmou que foi essa a declaração que fez na agência, foi ele que redigiu, por ordem do Sr. CC, sabia que o Autor lá ia à agência, ele levou o dinheiro e no momento ligaram ao CC porque o Autor pediu um documento e foi o Sr. CC que disse o prazo dos 24 meses, na agência nesse momento estava ele, a mulher EE, o autor e a DD. Disse ainda que uma parte do dinheiro foi depositada ao balcão no Banco 1... numa conta que foi o Sr. CC lhe deu o número e a outra parte deu ao Sr. CC na semana seguinte quando veio a Portugal, tendo tudo sido feito por ordens do Sr. CC, sendo que, na altura ele era funcionário, foi genro do CC até 2006, casado com a filha que era a FF, divorciou-se nesse ano, começou a trabalhar na ré em 2011/2012, sendo que a ré tinha um funcionário que saiu, ficou a atual esposa dele  (EE) ele era motorista, em 2015 tinha um autocarro e um minibus, ele era motorista, a funcionária era a mulher. Referiu também que em 2015, o Autor já conhecia o Sr CC há muitos anos, são da mesma aldeia, eram amigos de infância, estiveram na Suíça juntos, que o GG era o sócio do Sr. CC e tinha 40%, que o Sr. CC conhecia o GG, que ele conhecia o Autor porque era vizinho dos pais. Disse ainda que em 2015 que tinha atrasos nos salários, que havia dificuldade na empresa, que já sabia que o Autor ia lá levar os 25.000€ pois o Sr. CC tinha-lhe dito que ia lá, que o Autor é que lhe pediu um documento em conforme lá deixou o dinheiro, e ele fez a declaração porque o CC mandou, que o Autor lhe disse que tinha emprestado o dinheiro ao Sr. CC, que naquela semana, o Sr. CC pagou-lhe alguns ordenados em atraso, que a EE redigiu a declaração, ele rubricou e carimbou com ordens do CC; o depoimento de parte do chamado CC que referiu que em abril de 2015 o gerente era ele (CC) e o AA era funcionário, que conhece o Autor há muitos anos, que a DD era companheira do autor, que em 2015 a ré estava com dificuldades financeiras.
Teve-se ainda em consideração o depoimento da testemunha GG, o qual foi sócio-gerente da ré, e que referiu que tinha 40% até 2015, que vendeu a quota a CC, que o AA na altura era motorista, que em 2015 quem era o gerente era o CC, que o AA não pedia empréstimos, não comprava viaturas, que ele e o CC chegaram a acordo com o valor das quotas, que a situação da empresa nunca foi saudável, tinha algumas dívidas, que vendeu a quotas por 20/25 mil euros, que o CC lhe pagou com dificuldade, mas pagou, em cheques pré-datados. Disse ainda que conhece só de vista o Autor, que o encontrou num restaurante em Portugal e disse-lhe que tinha emprestado 25.000€ ao CC este para lhe comprar a parte dele, que nunca ouviu que foi o AA que pediu o empréstimo, sendo que, na altura era motorista e não tinha nada a ver com a empresa.
Teve-se também em consideração o depoimento da testemunha HH, o qual referiu que conhece o Autor há muitos anos, são da mesma aldeia, que conhece o CC, trabalhou para ele como motorista, talvez em 2005, que o Autor conhece o CC e que são amigos de infância.
O Tribunal levou ainda em consideração o depoimento da testemunha EE, a qual é mulher do réu, antes era funcionária e agora é  sócio-gerente, mas que apesar dessa qualidade apresentou um depoimento lógico, calmo e seguro e que referiu que conhece o autor como cliente, fazia viagens de cá para a Suíça e de lá para cá, que em 2015 era funcionária, ela e o marido, eram motoristas, estavam no escritório, atendiam clientes, levavam os carros à oficina, que não conhecia o outro sócio, só no dia da audiência de julgamento o conheceu, ele não geria a empresa, quem depositava dinheiro eram eles, levantamentos e transferências era o Sr. CC que assinava. Disse ainda que no dia 14 de abril de 2015 foi ela que fez a declaração por ordem do Sr. CC, este tinha ligado a dizer que o Autor ia lá levar o dinheiro, estava lá na agência ela e o marido, o CC estava na Suíça, e disse que ia lá o Autor, foi o réu AA que ficou com o dinheiro. Referiu também, que em 2015 comprou as quotas juntamente com o réu AA, que chegou a ter meio ano de salários em atraso, que quando foi feito o empréstimo ao Sr. CC, foram pagas faturas, foram pagos salários, e coincidiu com a saída do sócio GG, que o Autor nunca lhe pediu a quantia de 25000€, e que posteriormente a 2015, pediram dinheiro ao Autor, 14.000€, pouco tempo depois de adquirirem a empresa e já lhe pagaram.
O depoimento da testemunha FF não foi levado em consideração, uma vez que se mostrou vago e ambíguo, não se recordando de nada do assunto em causa nos autos.
Bem como não foi levado em consideração o depoimento da testemunha DD, companheira do autor até 2017, uma vez que se mostrou pouco parcial e credível.
Da prova produzida em audiência, resultou a nossa convicção de que o Autor entregou a importância de €25.000,00 ao réu AA. Sucede porém, que a prova produzida não foi suficiente para criarmos a convicção de que tal empréstimo se destinou à atividade comercial que a ré exercia e que o Autor entregou tal quantia ao réu AA na qualidade de legal representante da Ré, estando convicto de que o Réu agia em nome e representação da sociedade A..., Lda., aqui Ré, e assim é visto que, a nosso ver, se o dinheiro fosse efetivamente entregue à ré, tal valor deveria constar da contabilidade organizada da ré, o que não sucedeu, sendo pouco credível que alguém empreste a quantia de €25.000,00 a uma empresa sem que tal se reflita na sua contabilidade organizada e sem que o mutuário se certifique sobre quem constitui e obriga a empresa, o que poderia e deveria fazer, uma vez que na data em que o autor entregou a quantia de €25.00,00 eram gerentes da ré CC e FF conforme consta da certidão permanente da ré, o empréstimo de tal quantia justificaria a consulta desta e não apenas o ficar-se pelas “aparências” e a criação da convicção que o Réu AA era gerente da ré pelos seus comportamentos e atitudes.
Bem como, nos parece atendível o facto de no contrato de cessão de quotas nada constar sobre o valor em dívida, sendo certo que da cláusula quarta consta que "...pelo preço de €80.000,00 cede ao quarto outorgante (AA) livre de ónus ou encargos, a segunda quota ... ", o que significa que não foram tidas em conta quaisquer dívidas da ré, sendo, no mínimo estranho, que existindo uma divida de €25.000,00 ao cedente da quota, este não o referisse, salvaguardando a sua posição de credor da ré.
Assim sendo, é nosso entendimento que o Autor não logrou provar que foram os réus que contraíram a dívida para com ele. Tendo ficado provado que a quantia de €25.000,00 foi entregue em mão, ao réu, nas instalações da agência, mas enquanto funcionário da mesma, para fazer chegar a quantia ao responsável CC e que o empréstimo foi concedido a CC a título particular e pessoal.
É da valoração dos depoimentos constantes da fundamentação acima transcrita que o Réu discorda.
Da audição da prova produzida resulta que o Réu AA, no depoimento de parte que prestou negou que tenha tido com o Autor qualquer conversa sobre a situação económica da sociedade Ré ou lhe pedido qualquer empréstimo para esta, tendo, no entanto, confirmado que o Autor lhe entregou € 25.000,00 em numerário para entregar ao Sr. CC, tendo-lhe entregue a declaração junta aos autos e por si redigida por ordem do sr. CC. O Réu, nessa data não era representante da Ré, nem agiu como tal, sendo um mero funcionário.
O declarante não explicou de uma forma convincente os contornos do encontro entre si e ou Autor, dizendo que o negócio já lhe tinha sido comunicado pelo Sr. CC. Disse ter procedido ao depósito dos € 25.000,00 no banco sem conseguir identificar se o foi numa conta da titularidade da Ré ou outra.
O declarante foi, até 2006, genro do Recorrente CC, tendo começado a trabalhar na sociedade Ré em 2011/2012.
O Réu não prestou um depoimento convincente, escudando-se sempre no facto de ser só funcionário e não ter grande informação sobre o assunto, fazendo questão de dizer que o dinheiro nunca foi emprestado pelo Autor à sociedade, mas ao Sr. CC. O modo como este depoimento foi prestado resulta do interesse do depoente no desfecho da causa, uma vez que passou a ser sócio da Ré. Assim, face à sua parcialidade e falta de isenção, entende-se que o mesmo não pode ser considerado como prova dos factos impugnados.
CC, não sabe de qualquer conversa entre o Autor e o Réu AA sobre a situação económica da sociedade Ré, desconhecendo também a entrega de qualquer montante pelo Autor tanto a si como aos demais Réus. O declarante disse que o Réu AA comportava-se como se fosse gerente da sociedade, tendo que tinha o poder efetivo de decidir a vida da Ré e agindo assim perante todos, intitulando-se como tal. O declarante não apresentou qualquer razão de ciência válida para os factos que narrou, dizendo desconhecer o documento junto com a p. inicial. Afirmou que durante a sua gerência nunca o dinheiro reclamado pelo Autor deu entrada na sociedade.
FF, empregada bancária, vive na Suíça onde trabalha desde 2007, filha do Réu CC e ex-cônjuge do Réu AA, disse conhecer o Autor. A testemunha não tem conhecimento de qualquer negócio do seu pai com o Autor.
Quem geria a sociedade Ré era o Réu AA,
DD, foi companheira do Autor durante 8 anos, tendo terminado esse relacionamento em 2017. Confirmou que o Autor emprestou os €25.000,00 ao Réu AA, que se comprometeu a pagar, porque aquele lhe contou e presenciou, mais tarde a entrega desse montante.
A testemunha revelou conhecimento do documento junto com a p. inicial que foi assinada pelo Réu AA que era quem estava na empresa uma vez que o Sr. CC estava na Suíça.
Também a D. II disse ao Autor, num jantar onde estava a testemunham os Srs. CC e AA, que não se preocupasse porque o dinheiro ser-lhe-ia pago.
Mais tarde, na Suíça, o Réu CC perguntou ao Autor, o que foi presenciado pela testemunha, se queria que fosse ele ou o Réu AA a pagar-lhe o montante em causa.
Esta testemunha depôs de uma forma descomprometida, reveladora de isenção determinante de ser caraterizada por credível.
GG, empresário, ex-sócio e ex-gerente da sociedade Ré até 2015, data em que vendeu a sua quota ao Sr. CC por €20.000,00 que lhe pagou, faseadamente, através de três ou quatro cheques. Disse que o Sr. AA não desempenhava quaisquer funções de gerente. Disse ainda que já durante a pandemia, talvez em 2019, encontrou o Sr. BB que lhe disse que tinha emprestado ao Sr. CC €25.000,00 para lhe comprar a quota e que este ainda não lhe tinha pago.
HH, conhece o Autor e o Réu CC porque são todos da mesma aldeia, tendo trabalhado como condutor para este último. O Autor e o Réu CC são amigos de infância, conhecendo também o Réu AA.
EE, antiga funcionária da Ré, cônjuge do Réu AA, declarou que este nunca se intitulou ou agiu como gerente da sociedade. Disse ainda que foi quem fez a declaração referente ao empréstimo junta com a p. inicial segundo indicações telefónicas prévias do Sr. CC que lhe tida dito que o Autor lá ia fazer a entrega do dinheiro. O Réu AA também se encontrava nos escritórios e foi quem fez a contagem do dinheiro.
Na data do empréstimo a empresa tinha o pagamento dos salários com vários meses de atraso – cerca de ½ ano.
Em 2018 a testemunha e o Réu AA pediram um empréstimo ao Autor que este lhes concedeu e nunca o Autor lhes pediu o pagamento dos €25.000, emprestados em 2015 ao Réu CC.
A testemunha não soube explicar, depois de ter dito que ela e o seu marido eram amigos de casa do Autor, este ter demandando o Réu AA.
O depoimento foi prestado de uma forma pouco clara, não sendo compreensível a explicação dada para ter sido o Réu AA a assinar a declaração junta com a p. inicial, nem o destino que deram a esse dinheiro, o que, aliado à sua relação, naquela data, com o Réu AA, compromete a credibilidade da depoente.
Ora, da audição de toda a prova produzida, contrariamente à convicção formada pelo juiz da 1ª instância, não entendemos, perante o seu interesse manifesto no desfecho da causa, como já dissemos, que os depoimentos prestados pelo Réu AA e pela testemunha sua mulher, sejam credíveis, não estando demonstrado com o mínimo grau de certeza que o dinheiro tenha sido mutuado ao Réu CC, tanto mais que o próprio Autor o nega nos articulados.
Acresce que sendo o autor amigo do Réu AA e da sua mulher ficaria por explicar a sua demanda, não fosse o facto de ter sido este quem lhe pediu o dinheiro.
Impõe-se, assim, a eliminação do elenco dos factos provados do 14º, bem como a alteração do 12º que passará a ter a seguinte redação:
12. A quantia identificada no ponto 3. foi entregue em mão, ao réu AA.
Quanto à prova dos factos correspondentes às alíneas e) f) da factualidade não provada, apenas se sabe que o Réu AA, na altura do empréstimo da quantia em causa não tinha poderes de representação da Ré e que o documento junto a fls. 12 foi redigido e assinado pelo Réu AA sobre os carimbos da Ré sociedade e da sua gerência, conforme foi assumido por este Réu, em depoimento de parte, e presenciado pela testemunha DD que o relatou em tribunal.
O modo como foi titulado o empréstimo daquela quantia, através do documento referido em 12, permite presumir, com a necessária segurança, que o Autor terá ficado convencido que a quantia emprestada se destinava à sociedade Ré e que era esta quem assumia a obrigação de lhe devolver o montante emprestado.
Assim, deve considerar-se provado que foi o Réu AA quem redigiu e assinou o documento de fls. 12, sobre os carimbos da Ré sociedade e da sua gerência, o que deve ser aditado ao ponto 4. da matéria de facto provada, e deve considerar-se também provado, sob um novo número 12-A que o Autor estava convicto de que o Réu AA agia em nome e representação da sociedade A..., Lda., aqui Ré, mantendo-se na lista dos factos não provados a alínea e), o que se encontra, aliás, em consonância com o facto provado n.º 13, mas não a alínea f).

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2.2. Factos provados
Os factos provados são, pois, os seguintes:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de vendas de viagens e transportes rodoviários de pesados de passageiros e de mercadorias nacionais e internacionais, numa base de vendas por grosso ou a retalho, a particulares e a empresas.
2. O Réu é sócio e gerente da Ré, exercendo funções de controlo, administração e gestão da sociedade.
3. No dia 14 de Abril de 2015 o Autor entregou ao Réu, em mão, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
4. No dia em que o Autor entregou o dinheiro ao Réu, este entregou ao Autor a declaração junta a fls. 12, por si redigida e assinada sobre os carimbos da Ré sociedade e da sua gerência, com o seguinte conteúdo:
 5. A 19 de Outubro de 2020, o Autor enviou à Ré carta a solicitar o reembolso do montante de capital e dos juros vencidos.
6. O Réu apenas assumiu o cargo de gerente da Ré em 06.09.2017.
7. No início do ano de 2015, a gerência da Ré que resultava dos estatutos era constituída por CC, FF e GG.
8. O GG renunciou à gerência em 06.03.2015.
9. Permanecendo como gerentes CC e FF, que posteriormente renunciam à gerência em 06.09.2017, data em que o ora Réu assume formalmente o cargo de gerente da Ré.
10. Existe registo da transmissão de uma quota da sociedade para o Réu, no valor de €80.000,00 efetuado em 14.12.2017.
11. O Réu é comerciante, exercendo a gerência da A..., Lda desde 06 de setembro de 2017.
12. A quantia identificada no ponto 3. foi entregue em mão, ao Réu, nas instalações da agência.
12-A. O Autor estava convicto de que o Réu AA agia em nome e representação da sociedade A..., Lda., aqui Ré.
13. O Réu só começou a agir em nome e representação da sociedade A..., Lda. a partir da data de 6 de setembro de 2017.

15. A quantia identificada no ponto 3. não consta na contabilidade organizada da empresa.
16. Do contrato de cessão de quotas consta que a Ré foi comprada sem qualquer valor em dívida em responsabilidades de crédito.
17. O Autor nunca foi reembolsado da quantia identificada no ponto 3.

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3. O direito aplicável
3.1. O recurso principal interposto pelo Interveniente
O Autor, propôs a presente ação, pedindo que os Réus fossem condenados a reembolsá-lo do valor de € 25.000,00 que entregou ao Réu AA, alegando que entre ele e este Réu, que assumiu a qualidade de legal representante da Ré sociedade, foi celebrado um contrato de mútuo, pelo qual o Autor – mutuante – se obrigou a emprestar à Ré sociedade –  mutuária – aquela quantia, comprometendo-se esta a reembolsá-lo.
Tendo os Réus, na contestação, alegado que essa quantia foi antes emprestada a CC, à época gerente da Ré sociedade, e tendo sido admitida a intervenção principal deste ao lado dos Réus, a requerimento do Autor, foi proferida sentença que absolveu os Réus e condenou o Interveniente a pagar aquela quantia, por se ter entendido que a mesma foi emprestada pelo Autor ao referido CC e não a qualquer um dos Réus.
No entanto, tendo sido alterada, no âmbito deste recurso, a factualidade provada, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, face às alterações operadas verifica-se agora que não se provou que o Interveniente CC tenha sido parte no alegado contrato de mútuo, nem que este tenha recebido a quantia mutuada, pelo que o recurso por ele interposto procede, devendo ser revogada a sentença recorrida na parte em que o condenou a pagar ao Autor a quantia de €28.808,22, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.

3.2. O recurso subordinado interposto pelo Autor
Tendo o recurso principal sido julgado procedente, cumpre agora apreciar o mérito do recurso subordinado interposto pelo Autor que incide sobre a decisão de absolvição dos Réus.
Provou-se que no dia 14 de abril de 2015 o Autor entregou ao Réu AA, em mão, a quantia de € 25.000,00, tendo este entregue ao Autor uma declaração escrita, por si redigida e assinada sobre os carimbos da Ré sociedade e da sua gerência, onde se lê:
A empresa A..., Limitada, com sede na Rua ..., ..., ..., ... ... vem por este meio declarar que recebeu de BB e de DD a quantia de € 25.000,00 com data prevista de reembolso do mesmo valor em 24 meses.
Desta factualidade resulta que foi celebrado entre o Autor e o Réu AA um contrato de mútuo –  art.º 1142º do C. Civil –, que obedeceu à forma prevista no art.º 1143º, do C. Civil, tendo o Réu AA outorgado esse contrato em representação da sociedade Ré, pelo que foi esta que nesse contrato figurou como mutuária.
No entanto, encontra-se provado que, à data da celebração do contrato, o Réu AA não tinha poderes de representação da Ré sociedade, uma vez que só em 6 de setembro de 2017 assumiu a gerência desta sociedade.
Um negócio celebrado em nome de outrem sem que o outorgante esteja dotado de poderes para assumir essa representação é ineficaz em relação ao representado, se não for por ele ratificado – art.º 268º, n.º 1, do Código Civil.
Não é configurável neste caso a existência e relevância da denominada figura da representação aparente.
O reconhecimento de efeitos a uma representação aparente, que apenas se encontra consagrado na lei na regulamentação dos contratos de agência e de seguro – art.º 23º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, e 30º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril – tem sido generalizado pela doutrina [1] e pela jurisprudência [2] a outras situações, designadamente quando uma pessoa de boa-fé, contrate com uma organização em cujo nome atue alguém a ela pertencente, em termos tais que, de acordo com os dados sócio-culturais vigentes e tendo em considera­ção a sua inserção orgânica nessa organização, seja aparente a existência de poderes de representação.
Tem-se entendido que no caso da procuração aparente, a existência de uma previsão legal a consagrar numa situação particular, permite, através do princípio da igualdade, justificar-se de modo particularmente nítido a aceitação de uma lacuna nas situações que por força desse princípio devam ser resolvidas de modo similar [3], esten­dendo o âmbito de aplicação daqueles artigos 23º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, e 30º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, a todo o fenómeno da representação voluntária, porquanto a sua aplicação radicará numa solução prudente e equilibrada entre os interesses do terceiro e do representado, conforme resulta do próprio preâmbulo do primeiro dos diplomas acima referidos.
Resulta daquelas normas a exigência de verificação de requisitos para a eficá­cia do negócio perante o representado, nomeadamente a ocorrência de uma confiança justificada e a contribuição para a mesma do representado, de que, com razoabilidade, decorra a existência de poderes de representação.
Uma extensão da proteção de terceiros a partir do art.º 23º, n.º 1, do diploma referido deve considerar os dois requisitos de que essa disposição faz depen­der aquela proteção. Por um lado, requer-se a presença de razões ponderosas que justifiquem a confiança do terceiro Por outro, exige-se “que o principal tenha igual­mente contribuído para fundar a confiança de terceiro”. Tal significa que não é o risco em si inerente à relação de agência, com a respetiva diferenciação de funções e o perigo indistinto de que o agente atue como falsus procurator, que chega para justifi­car a tutela de terceiros através da procuração aparente. Afigura-se necessária uma razão suplementar e qualificada em relação a esse risco. Não cremos que seja necessá­rio admitir que a “contribuição” do principal na criação da confiança do terceiro requeira uma conduta apertis verbis censurável; é comportável pela letra do preceito que apenas lhe seja imputável a criação de uma situação de risco acrescido de surgi­rem situações enganosas para terceiros.[4]
Neste caso, se é certo que a presença do Réu AA nas instalações da Ré sociedade aquando da entrega do dinheiro e da emissão da declaração contratual e da utilização de papel timbrado desta e dos seus carimbos era suscetível de gerar a confiança ao Autor, como gerou, de que aquele Réu tinha poderes de representação da sociedade Ré, não se encontra provada qualquer factualidade de onde resulte que a Ré sociedade tenha contribuído de algum modo para fundar essa confiança. Só a prova dessa contribuição era suscetível de atribuir efeitos a essa representação aparente e consequentemente considerar a sociedade vinculada pela atuação do Réu AA. Não existindo quaisquer sinais de um comportamento da Ré sociedade com essas caraterísticas, não pode considerar-se que esta se encontra obrigada a reembolsar o Autor da quantia que este entregou ao Réu AA.
Tendo-se provado que o Autor estava convicto de que o Réu AA tinha poderes de representação da sociedade Ré, aquele pode invocar a ineficácia absoluta e definitiva do negócio celebrado, conforme resulta do disposto no art.º 268º, n.º 4, do C. Civil, deixando o acordo celebrado entre o Autor e o Réu AA de ser idóneo a produzir qualquer efeito, não sendo, por isso, exigíveis as obrigações nele assumidas [5].
Estamos perante uma situação em que se deve aplicar o regime das invalidades, designadamente o seu efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que se prestou na execução de um contrato inválido – art.º 289º, n.º 1, do C. Civil.
Assim, encontra-se o Réu AA obrigado a restituir os € 25.000,00 que o Autor lhe entregou.
O Autor pede que este Réu seja também condenado a pagar juros de mora desde a data acordada para o reembolso da quantia emprestada.
A obrigação de restituição daquela quantia não resulta da vinculação contratual, mas sim da ineficácia absoluta e definitiva do negócio celebrado, pelo que a verificação de uma situação de mora estava dependente de interpelação pelo Autor do Réu AA, nos termos do art.º 805º do C. Civil.
Apenas se apurou uma interpelação com a citação para os termos da presente ação, pelo que o Réu AA só deve ser condenado a pagar juros de mora, à taxa legal, desde esse momento.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso principal interposto pelo Interveniente e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, passando-se a julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
- absolvem-se do pedido CC e A..., Limitada;
- condena-se AA a pagar a JJ a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros de mora desde a data da sua citação, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei, que tem sido de 4% ao ano, absolvendo-o do demais peticionado. 

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Custas do recurso principal pelo Autor.
Custas do recurso subordinado, na proporção de 57% pelo Autor e de 43% pelo Réu AA.
Custas da ação na proporção de 71% pelo Autor e de 29% pelo Réu AA.

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                                                                                              8.10.2024


[1] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 143, Pedro Albuquerque, in Representação Voluntária em Direito Civil, Almedina, 2004,  pág. 1054, e Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, 2020, p. 780-782, Paulo Mota Pinto, Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros, no BFD, n.º 69 (1993), pág. 587 e seg., e Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra Editora, p. 1304, nota 3654, Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, pág. 44, Júlio Vieira Gomes, A gestão de negócios. Um instituto numa encruzilhada, Separata do vol. XXXIX, do B.F.D.U.C., 1993, p. 269-281, Helena Mota, Do abuso de representação. Uma análise da problemática subjacente ao artigo 269.º do Código Civil de 1966, Coimbra Editora, 2001, p. 115-126, e Rui Ataíde, O regime de proteção de terceiros na lei do contrato de agência, em “Estudos de Direito Privado”, AAFDL, 2020, p. 681 e seg.

[2]  Ac. do T. R. L., de 29.4.2003, relatado por Pimentel Marcos,
   Ac. do S. T. J. de 25.3.2009, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, 
   Ac. do T. R. L., de 25.11.2011, relatado por Manuela Gomes,
   Ac. do T. R. C. de 24.1.2012, relatado por Sílvia Pires, 
   Ac. do T. R. L. de 27.6.2019, relatado por Vaz Gomes, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

[3] Pedro de Albuquerque, A representação voluntária no direito civil, cit., pág. 1056-1057.

[4] Carneiro da Frada, na ob. cit., pág. 59.

[5] Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., UCP Editora, 2023, p. 799, Rui Pinto, Falta e abuso de poderes na representação voluntária, AAFDL, 1994, p. 91-94, Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 152, e Acórdão do S. T. J. de 16.10.2018, relatado por Paulo Sá.