Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2707/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EXECUÇÃO: VENDA JUDICIAL POR PROPOSTAS EM CARTA FECHADA
DEPÓSITO DO PREÇO
PRAZO
SANÇÕES
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Nacional: ART. S 897° E 898° DO C. P. C.
Sumário:
I - Resulta do disposto nos art. s 897° e 898° do Código de Processo Civil, que o prazo de 15 dias para o proponente depositar o preço é peremptório para o efeito previsto no n° 1 do artigo citado em último lugar, mas já não para o efeito de a venda ficar sem efeito, já que esta só ocorre se o juiz assim o determinar.
II - As sanções previstas no art. 898° podem não ter aplicação se, pelo proponente preferido, for invocado justo impedimento para a não realização atempada do depósito do preço, e for reconhecida a verificação do impedimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Coimbra:
Na execução ordinária a correr termos pelo Tribunal Judicial de Leiria com o nº 378/95, em que é exequente Banco ..., S.A., e executados Alexandre ... (Sucessores), Ldª., e outros, melhor identificados nos autos, foi, por despacho de 05/06/2002, ordenada a venda por propostas em carta fechada de um prédio pertencente aos executados.
Na acta do auto de abertura e aceitação de propostas, com data de 02/10/2002, consta, além do mais, que foi aceite a proposta no valor de 275.000,00 euros apresentada por SCS IMO, Actividades Imobiliárias, Ldª, e que o MMº Juiz ordenou a notificação da proponente para, nos termos do artº 897º do CPC, no prazo de 15 dias depositar na Caixa Geral de Depósitos a importância devida e demonstrar a satisfação das obrigações fiscais, inerentes a transmissão dos bens, com a cominação de que, caso o não faça, a secretaria liquidará a respectiva responsabilidade, procedendo-se em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do artº 854º do CPC (898º do CPC), isto é, será ordenado o arresto em bens do proponente suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas.
Em 17/10/2002 (fls. 121), requereu a adjudicatária a prorrogação do prazo por mais 10 dias, a fim de poder concretizar a operação de financiamento por parte de um Banco e o subsequente depósito do preço oferecido, em virtude de o referido Banco lhe ter comunicado que não conseguiria disponibilizar a quantia objecto da proposta senão no dia 24 desse mês.
Por despacho desse mesmo dia (fls. 123) foi considerada justificada a falta do depósito do preço nos termos do disposto nos artºs 898º, nº 1, e 854, nº 2, do C.P.C., ordenando-se a notificação da adquirente para, no prazo de 10 dias, efectuar o depósito em falta.
Tal despacho foi notificado à adjudicatária com data de 04/11/2002.
Em 22/11/2002 (fls. 126/127) veio a adjudicatária informar que já estava em condições de efectuar o depósito do preço, levantando, no entanto, certas questões e requerendo determinadas diligências e que fosse alargado o prazo para depositar o respectivo preço até que tais questões ficassem resolvidas.
Em 28/11/2002 (fls.130/131) veio a executada Alexandre Ferreira do Souto (Sucessores), Ldª, requerer que, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 898º do CPC, se determinasse que a venda judicial ficasse sem efeito e que o imóvel penhorado fosse de novo vendido, em virtude de o proponente não ter depositado o preço que ofereceu no prazo imperativo a que alude o artº 897º do CPC, nem o tendo feito no prazo que requereu e reputou suficiente para o efeito.
A fls. 132 (18/01/2003) foi prestada a informação de que a proposta aceite foi de 270.000 euros, tendo, no entanto, sido passada guia de depósito obrigatório de 175.000 euros.
Por despacho de 18/01/2003 (fls. 133/134), foi ordenada a emissão de novas guias, devendo ser dada sem efeito a emitida inicialmente, no seu correcto valor para, em 2 dias após a notificação desse despacho, ser efectuado o depósito devido, sob pena de se dar cumprimento imediato ao disposto no artº 898º, nº 1., do C.P.C.
Mais se diz nesse despacho que, quanto às demais questões suscitadas no requerimento de fls. 126, entende o Tribunal que os mesmos em nada obstam ao depósito do preço e haverá que esperar pela efectivação deste a fim de se pronunciar sobre os mesmos.
Acrescentando-se que a fls. 134, a 28/11/02, veio o executado requerer que seja dada sem efeito a venda porquanto a proponente não depositou o preço devido no prazo que lhe foi dado. Atenta a 1ª parte desse despacho, nada a ordenar por ora, sem prejuízo de se atender ao pedido que nele é formulado após o terminus do prazo nele estipulado.
Tal despacho foi notificado às partes e à proponente através de cartas registadas expedidas em 20/01/2003 (cfr. fls. 135 a 137).
Em 31/01/2003 veio a proponente informar que não lhe foi possível efectuar o depósito no prazo de dois dias, conforme carta registada levantada no dia 29 desse mês, em virtude de os seus escritórios terem sido assaltados nesse dia 31 e ter desaparecido a pasta onde estavam as guias para efectuar o competente depósito, requerendo, assim, que fosse ordenada a passagem de novas guias para efectuar o depósito na segunda-feira, dia 3 de Fevereiro.
Por despacho de 03/02/2003 foi ordenado que se solicitasse, via telefone, informação às autoridades da Marinha Grande, a fim de se apurar se foi apresentada queixa relativa a furto no dia 31 de Janeiro nas instalações da proponente, e aos Correios, para se apurar a data em que foi entregue a notificação de fls. 137 à mesma proponente.
Após informação prestada em 03/02/2003 de que as autoridades policiais informaram que não foi participado nenhum furto no dia 31 de Janeiro nas instalações da proponente e de que os correios informaram que o registo nº 198208699 PT, foi levantado no dia 30 de Janeiro, foi proferido despacho, nessa mesma data, a ordenar a notificação da proponente, via fax e telefone, para vir dia 4 de Fevereiro ao Tribunal levantar novas guias e proceder ao respectivo depósito ainda nesse dia, sob pena de se dar sem efeito a venda efectuada, nos termos do disposto no artº 898º do CPC.
Pela cópia do conhecimento de depósito junta a fls. 147, verifica-se ter a proponente efectuado o depósito do preço no dia 04/02/2003.
Em 07/02/2003 veio a executada Alexandre Ferreira de Souto (Sucessores), Ldª, requerer que, nos termos do artº 898º, nº 2, do CPC, fosse a venda dada sem efeito, em virtude de o proponente ter excedido o prazo para efectuar o depósito do preço, não admitindo a lei tal prorrogação, sendo certo que a executada tem agora um comprador para o prédio em causa que se propõe adquirir o mesmo pela quantia de 57.000.000$00.
Sobre tal requerimento recaiu, em 17/02/2003 (fls. 156), o seguinte despacho:
“Constata-se que o depósito do preço foi efectuado a 3.02.03, sendo que o requerimento de fls. 151-152 data de 7.02.03. Consumou-se a venda naquela data, pelo que se indefere o ora requerido.
Notifique.
Susto a execução. À conta”.
Inconformada com tal despacho, interpôs a referida executada recurso de agravo, cuja alegação termina com as seguintes conclusões:
1- O prazo fixado no artº 897º do CPC tem natureza peremptória;
2- A sua prorrogação só poderá fazer-se mediante acordo de todas as partes nesse sentido, atento o teor do artº 147º do CPC;
3- Ainda que contrariando essas disposições legais, o Mmº Juiz da 1ª instância tenha prorrogado por dez dias o prazo em questão, o proponente independentemente da prolação desse despacho, não poderia ter deixado de, no prazo que reputou suficiente para reunir o dinheiro correspondente ao preço que propôs, ter feito o respectivo depósito;
4- De qualquer forma, ao permitir que perdurasse no tempo a obrigação de depósito do preço oferecido, a 1ª instância concedeu ao proponente um benefício que a lei não contempla, proporcionando-lhe uma vantagem que a outros proponentes e eventuais interessados na aquisição de bem cuja venda judicial se promovia, não dispuseram;
5- Ao contemporizar com a pretensão do proponente e ao considerar válido o depósito efectuado muito para além do prazo que a lei imperativamente fixa, o despacho de fls. 156 violou o disposto nos artºs 897º, 898º, 145º, nº 3, e 147º do Código de Processo Civil e o preceituado no artº 13º da Constituição da República;
6- Deve consequentemente ser revogado o despacho de fls. 156, declarando-se sem efeito a venda judicial efectuada no processo e determinar a realização de nova venda tal como prevê o nº 2 do artº 898º do CPC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Sr. Juiz sustentou o despacho recorrido.
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Corridos os legais vistos, cumpre decidir.
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Na venda judicial mediante propostas em carta fechada, dispõe o artº 897º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência), na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 38/03, de 8 de Março, que, aceite alguma proposta, é o proponente notificado para, no prazo de 15 dias, depositar na Caixa Geral de Depósitos o preço devido, sob a cominação prevista no artº 898º.
Este normativo dispõe, por sua vez, que, se o proponente não depositar o preço, a secretaria liquidará a sua responsabilidade, sendo logo ordenado o arresto em bens seus suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal, sendo logo executado no processo para pagamento de tal valor e acréscimos (nº 1). Além disso, pode o juiz determinar, ouvidos os interessados na venda, que esta fique sem efeito e que os bens voltem a ser vendidos pela forma mais conveniente (nº 2).
Resulta destes normativos que o prazo de 15 dias para o proponente depositar o preço é peremptório para o efeito previsto no nº 1 do artigo citado em último lugar, mas já não para o efeito de a venda ficar sem efeito, já que esta só ocorre se o juiz assim o determinar.
É o que resulta expressamente da lei, ao dizer que o juiz pode determinar que a venda fique sem efeito: o juiz, ponderando os interesses em jogo – do exequente, do executado e dos demais credores – é que decide se a venda se mantém, ficando o proponente, não obstante, sujeito às sanções previstas no nº 1 do artº 898º, ou se a mesma fica sem efeito e os bens voltem a ser vendidos pela forma considerada mais conveniente.
Independentemente do que ficou dito, importa tomar em consideração que pode ser invocado pelo proponente preferido justo impedimento para a não realização atempada do depósito do preço.
No presente caso, não foi dado cumprimento pela secretaria ao disposto no nº 1 do artº 898º.
Desconhece-se o motivo de tal omissão, podendo ter-se ficado a dever ao facto de a proponente preferida ter requerido, no 15º dia, a prorrogação do prazo por 10 dias, invocando o fundamento de um Banco não lhe ter disponibilizado o depósito do preço oferecido.
A entender-se que, com a omissão do disposto no nº 1 do artº 898º, foi cometida uma irregularidade, susceptível de determinar uma nulidade processual, com previsão no artº 201º, dado que não foi deduzida reclamação e não é de conhecimento ofícioso, a mesma encontra-se sanada – artºs 202º e 203º, nº 1.
Como vimos, o Sr. Juiz considerou justificada a falta do depósito do preço no prazo legal de 15 dias.
É de concluir que aceitou como válido o fundamento invocado pela proponente.
No entanto, não deu cumprimento ao disposto no nº 2 do artº 146º, ouvindo o exequente e o executado, acerca do justo impedimento alegado pela proponente.
Foi, assim, cometida uma irregularidade, que, contudo, se encontra sanada, por não ter sido arguida por qualquer interessado, e não ser de conhecimento oficioso – cfr. os citados artºs 201º, 202º e 203º.
Posteriormente, em 31/01/2003, veio a proponente invocar novo justo impedimento para não efectuar o depósito do preço nesse dia, alegando que as guias se encontravam numa pasta que desapareceu quando os seus escritórios foram assaltados nesse dia 31.
Mais uma vez o Sr. Juiz fixou um novo prazo para a proponente efectuar o depósito em falta, sem ouvir os interessados, tendo, assim, sido cometida nova irregularidade, que, à semelhança da referida anteriormente, se encontra sanada, pelos motivos aí indicados.
É de anotar que, mesmo que se entenda que, ao contrário do que se acabou de referir, não foi invocado, expressamente, pela proponente preferida qualquer justo impedimento, não pode agora a recorrente atacar as duas prorrogações dos prazos concedidas para o depósito do preço, uma vez que os despachos que as concederam não foram, oportunamente, objecto de qualquer recurso, tendo, assim, transitado em julgado.
No que diz respeito à pretensão da recorrente no sentido de se declarar sem efeito a venda efectuada, ela não pode proceder, pois a lei não prevê a sua ocorrência automática no caso de o proponente não efectuar o depósito no prazo legal de 15 dias, uma vez que, como vimos, tal determinação está dependente da vontade do juiz do processo, sendo certo que o Sr. Juiz a quo, dentro de tal prerrogativa, decidiu manter a venda e validar a mesma após o depósito do preço efectuado fora do prazo que havia sido fixado para o efeito.
Conclui-se, assim, que improcedem todas as conclusões e, consequentemente, o recurso, não tendo sido violados os preceitos indicados pela recorrente e, nomeadamente, o artº 13º da Constituição da República.
Esta norma consagra o princípio da igualdade, dispondo que todos os cidadãos são iguais perante a lei.
A decisão recorrida não violou tal princípio, visto que, tendo sido preferida a proposta de um dos proponentes, concretamente da firma “SCS IMO, Actividades Imobiliárias, Ldª”, ficaram todos os outros concorrentes excluídos, permanecendo em campo apenas a proponente preferida, em relação à qual não há, por isso, que estabelecer qualquer comparação, em termos de benefício ou de prejuízo, com as restantes proponentes preteridas.
A validação da venda, pelo despacho recorrido, não obstante o depósito do preço não ter sido efectuado no prazo legal, não viola o princípio da igualdade, visto tal facto não afectar os restantes concorrentes, que ficaram excluídos devido à exiguidade das respectivas propostas em relação à preferida pelo tribunal, nada nos permitindo concluir que teriam apresentado propostas mais altas se soubessem que o prazo para a realização do depósito poderia ser prorrogado.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.