Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2194/23.8T8CBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DEVEDOR DE BOA-FÉ
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 186.º, N.º 2, E 238.º, N.º 1, AL.ª E), DO CIRE
Sumário: I – A exoneração do passivo restante constitui um mecanismo cujo objectivo final é a extinção das dívidas e a libertação do devedor de parte de seu passivo, de forma mais breve e leve que a prescrição tradicional, correspondendo ao objectivo do legislador de facultar ao devedor singular uma segunda oportunidade, dando primazia à sua reabilitação produtiva.

II – A exoneração do passivo restante, na perspectiva do devedor, serve a realização de valores constitucionalmente consagrados, como a liberdade económica – ou, em rigor, a recuperação dessa liberdade. Essa tutela, agora na perspectiva do credor, colide naturalmente – ou pode colidir –, ao aspirar à liberação, objectiva e subjectiva, das dívidas restantes do devedor, com a tutela constitucional da titularidade dos direitos de crédito de natureza patrimonial, protegidos pela via do art.º 62º, 1, da CRP – direito à propriedade privada;

III – Assim, este benefício só poderá ser concedido ao devedor que não tenha incorrido em condutas culposas e recorrentes relacionadas com a insolvência – vale apenas para o devedor de boa fé.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2194.23.8T8CBR-D.C1

(Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ...)

1.Relatório

AA requereu que lhe fosse concedido a exoneração do passivo restante.

Alega, quanto a tal pedido, e em suma, que preenche os requisitos e dispõe-se a observar todas as condições exigidas pelos artigos 235º e segts. do CIRE.

A senhora Administradora Judicial veio pronunciar-se no sentido que deve ser concedido à insolvente a possibilidade de após o período de três anos previsto no art.º 239º, nº 2, do CIRE, de se exonerar dos compromissos que até então não lhe seja possível saldar.

A credora A..., S.A. veio pronunciar-se desfavoravelmente, dizendo, em suma, que a insolvente incumpriu o dever de se apresentar à insolvência, causando prejuízo para os credores, avolumando os seus créditos, face ao vencimento dos juros e consequente aumento do passivo global da insolvente.

A credora B..., S.A. veio dizer que se opõe ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, porquanto, entende que se encontram preenchidas e verificadas as seguintes condições previstas no art.º 238.º do CIRE para indeferimento liminar da exoneração do passivo restante: (1) existência de elementos que indiciam, com toda a probabilidade a existência e culpa da devedora no agravamento da sua situação de insolvência, (2) dolo ou culpa grave da Insolvente na violação de deveres de informação, apresentação e colaboração no processo de insolvência e (3) violação do dever de apresentação à Insolvência.

O credor, Banco 1..., S. A. veio dizer, em suma, que a Insolvente não só se absteve de apresentar atempadamente à insolvência e não o fazendo deixou avolumar as dividas de cada um dos credores, com juros remuneratórios e moratórios, como estes credores, sociedade comerciais, tiveram que dispor de novo dinheiro, para constituir provisões contabilísticas legais, e no caso dos Bancos, como o ora Reclamante, provisões especialmente agravadas e gravosas por via das regras impostas pelo Regulador - Banco de Portugal.

Com o início do incumprimento generalizado (em 2011) a insolvente doou património à sua mãe, com prejuízo para a generalidade dos seus credores aquela data.

A Insolvente não só tinha pelo conhecimento em Março da sua situação de insolvência como, sabendo da situação dos demais credores, quis favorecer um em especial, constituindo penhor a seu favor, em detrimento dos demais, sendo a sua conduta ilegal e reprovável.

O credor Banco 2..., S.A. veio pugnar pelo indeferimento liminar, porquanto, nos termos da alínea d), do nº 1 do artigo 238º do CIRE, já que a devedora se encontra, há vários anos, em situação de insolvência, sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, e ao não se apresentar à insolvência causou prejuízos aos credores, que se viram impedidos de cobrar os seus créditos.

O credor C..., S.A. pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à exoneração do passivo restante.

A devedora veio responder a cada uma das posições vertidas pelos credores, chamando à colação que o ónus da prova é dos credores para as situações que invocam para o indeferimento liminar, dando conta da data em que tomou consciência que não conseguia pagar aos seus credores, que não embargou, deduziu oposição em cada uma das execuções referidas, que não teve comportamento que leve ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, e pugnando, assim, pelo deferimento limiar da exoneração do passivo restante, e fazendo alusão á posição assumida e respectivos fundamentos pela administradora Judicial no sentido do deferimento liminar.

A administradora judicial veio informar que mantém tudo o quanto se encontra plasmado no relatório que apresentou (referência 46030849), em especial no ponto 6.5., com a epigrafe “DO PEDIDO DE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE”.

*

A insolvente veio arguir nulidade do Requerimento apresentado a 17.11.2023, porquanto já seria extemporâneo. A credora veio pugnar pelo seu direito a tomar posição.

Ora, o Requerimento apresentado na data de 17.11.2023, nos termos do qual a aqui credora veio reiterar a sua posição quanto ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante foi na sequência da notificação conforme despacho judicial de 14.11.2023 e assim se pronunciar quanto aos ofícios de certidão dos processos executivos e consulta na Segurança Social quanto à carreira contributiva da Insolvente, o que assiste às partes se pronunciarem, sendo certo que o que se encontra invocado no requerimento já o fora de outra forma invocado anteriormente pela mesma credora, pelo que não se verifica qualquer nulidade na apresentação de tal requerimento, indeferindo-se a arguida nulidade.

*

Foi ouvida em depoimento BB cujo crédito que reclamou e não foi reconhecido, e cuja exclusão da lista definitiva impugnou e veio posteriormente desistir e cancelar os penhores registados sobre as quotas apreendidas nos autos.

Foi, pela referida BB junto requerimento a dizer, além do mais, que “Não obstante de BB ter desistido da reclamação de créditos que detinha contra a insolvente, AA, (conforme requerimento junto ao processo n.º 2194/23...., com referência nos autos n.º 8346132 e n.º 8346377, e confirmada por V. Exas por despacho nos mesmo autos com referência n.º 92272837), prestou declarações, não sendo parte nos presentes autos.

BB reafirma o conteúdo do depoimento prestado, em 26 de fevereiro de 2024, nomeadamente que emprestou à insolvente, AA, quantias em dinheiro face às dificuldades financeiras que esta vinha sentindo e vivenciando no seu quotidiano. Porém, por lapso referiu que tinha efetuado transferências bancárias para a insolvente, AA, sendo que tendo verificado os seus extratos bancários que tal alusão se afigura incorreta, pelo que muito se penitencia.”

Os credores notificados vieram, em tempo-prazo de 10 dias com lugar a pagamento de multa dentro dos três dias úteis-, se pronunciar, reiterando, em suma, as posições já vertidas nos autos.

A insolvente veio dizer que deverão ser declarados nulos os requerimentos dos Credores aos quais foram atribuídos os números de referência 48537520, 48559128, 48562556, 48562894 e 48564670 por, de forma manifesta, terem sido praticados em momento temporal que a lei não permite ou prevê, momento temporal esse que foi estabelecido pelo próprio tribunal no despacho de 12/02/2024, e que deve ser deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Os credores B... e S.A, Banco 1..., S.A. e vieram traduzir que os actos levados a cabo são no âmbito do contraditório com fundamento nos art.º 3.º n.º 3 e 149.º n.º 1 do CPC aqui aplicável por via do art.º 17.º do CIRE

A insolvente veio reiterar a posição já vertida nos autos.

Ora, ainda que os credores tenham tão somente reiterado as posições que já se encontravam vertidas nos autos, em face da audição da interveniente, e não é pelo facto de não ser parte que não pode ser ouvida e juntar requerimentos e/ou documentos para serem tidos em apreço nos autos, conforme determinado pelo Tribunal, o certo é que os credores em face do requerimento junto pela referida interveniente que vinha esclarecer o seu depoimento, têm o direito de se pronunciar no prazo legal no limite da factualidade que já tinha sido aduzida nos autos, mas que, no essencial, reiteraram o que já se encontra vertido nos mesmos.

Assim não se verificando qualquer nulidade na apresentação de tais requerimentos que devem ser enquadrados no limite da factualidade que já tinha sido aduzida nos autos, indefere-se a arguida nulidade.

Foram juntos documentos, pelo que se entende, estando salvaguardado o princípio do contraditório, não ser necessário produção de ulterior prova, dado que os documentos juntos se afiguram suficientes para decidir, neste momento, o pedido de exoneração do passivo restante.


*

Pelo Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ..., foi proferida a seguinte decisão final:

”Em suma, entendemos que se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 238 do CIRE, pelo deve ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora.

Assim, pelos fundamentos supra vertidos, em conformidade com o disposto no artigo 238.º n.º 1, al. e), do CIRE, decide-se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente.

**

Custas pela insolvente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.

*

Valor do incidente: Valor do passivo que a devedora pretendia exonerar-se- art.º 248.º n.º4, do CIRE e art.º 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Notifique, registe e demais d.n..

*

..., 2024-06-19.”

AA não se conformando com tal decisão dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…).

2. Do objecto do recurso

2.1-Das nulidades;

Alega, desde logo, a Apelante:

(…)

XXI. Acresce que sobre esta matéria, ou seja, o facto que segundo a decisão recorrida seria suscetível de enquadrar a previsão da al. d) do n.º 2 do artigo 186º não foi invocado por nenhum credor, nem pelo Sr. Administrador de Insolvência, pelo que, a decisão recorrida foi proferida por iniciativa do tribunal sem que a Recorrente se pudesse pronunciar sobre a mesma, sendo, pois, nula.

XXII. Com efeito, sobre o facto em causa, pronunciou-se a interveniente BB no passado dia 26/02/2024, data em que já havia extinto o penhor e desistido da impugnação à lista de credores elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE, ou seja, o tribunal recorrido, em momento algum, sobre estes factos concedeu o direito ao contraditório à ora Recorrente.

XXIII. Pelo que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 3.º e 615º do CPC,

XXIV. Porquanto foi proferida uma decisão sobre matéria que a ora Recorrente não foi chamada a pronunciar-se.

Esmiuçando:

É sabido que no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes – princípio do inquisitório -, sendo que a audiência do devedor prevista em qualquer das normas do CIRE, incluindo a citação, (só) pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro, devendo, no entanto e sempre que possível, ouvir-se um representante do devedor, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto – artigos 11.º e 12.º do CIRE.

No fundamento invocado, o tribunal teria violado o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, na dimensão normativa aí estatuída, que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório.

A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão - surpresa -  quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico.

Diz tal norma que, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

A violação do princípio da audição e do contraditório, com a consequente prolação de decisão-surpresa, sucede quando o tribunal conhece questão sem que as partes sobre a mesma não tenham tido oportunidade de se pronunciar e não pudessem razoavelmente com ela contar, nomeadamente por nunca haver sido debatida nos articulados. Será, assim, surpresa, no sentido próprio do termo – i.é, de decisão inopinada, inesperada, sem audição prévia – a sentença/despacho que decide assuntos não debatidos previamente pelas partes ou que, face ao requerimento de uma delas, não ausculta a contraparte sobre o mesmo.

O art.º 3º n.º 3 proíbe as decisões surpresa, ou seja, as decisões baseadas em fundamento de conhecimento oficioso não alegado por alguma das partes e sem que, nomeadamente a parte prejudicada com a decisão, tivesse a obrigação de prever que a mesma fosse proferida com aquele fundamento - decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte e sem que a mesma tivesse obrigação de a prever.

Como se escreve no Acórdão do STJ, de 17.6.2014, Relatora Maria Clara Sottomayor (in www.dgsi.pt) ocorreu “um avanço no entendimento do princípio do contraditório, na nossa lei processual, perdendo assim actualidade a concepção restrita do mesmo, segundo a qual o processo consistia numa discussão duma parte contra a outra, com o juiz, acima delas, a decidir. Mais do que uma discussão dialéctica entre as partes, está agora aberto o caminho para que estas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega, pois a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”; “Levar a esse ponto o dever de, nos termos do artº 3º, nº 3, CPC, fazer cumprir o contraditório e de prevenir as partes da exacta interpretação normativa a empreender e dos precisos termos da sua consequente aplicação ao caso para sobre a solução, assim na prática previamente revelada, se pronunciarem, seria, por um lado, postergar o princípio da liberdade de julgamento consagrado no artº 5º, nº 3, e, por outro, antecipar uma impugnação que, de acordo com a metodologia adjectiva vigente, só deve ter lugar depois de proferida a decisão e por via do respectivo recurso” - Acórdão da Relação de Guimarães, de 21.5.2020, Relator José Amaral, in www.dgsi.pt.

Nos termos da norma do artigo 615.º do Código do Processo Civil é nula a sentença quando:

(…)

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

(…)

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Compulsados os autos, e ao contrário do alegado pela Apelante, esta matéria foi trazida aos autos pelos credores quando se pronunciaram, além do mais, quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.

Desde logo, o credor B..., S.A alegou:

5.

Simultaneamente e por forma também a evitar a penhora de quota da sociedade da qual a Insolvente é única sócio-gerente (único bem da Insolvente para liquidação), tudo indicia a que a Insolvente tenha no passado mês de março de 2023, (convenientemente aquando da renovação do processo executivo do aqui Credor e três meses apenas antes da apresentação à insolvência!) simulado empréstimos e a constituição de uma garantia de penhor da quota em benefício da Credora singular BB.

6.

Tudo por forma a evitar o prosseguimento da penhora e venda da referida quota em processo executivo e/ou a satisfazer os créditos dos credores na liquidação no âmbito da insolvência, uma vez que em face da garantia, pela venda apenas sairia salvaguardado o pagamento do crédito à credora Credora Singular BB – facto que deverá ser tido em consideração para efeitos de apreciação de insolvência culposa da Insolvente nos termos do disposto no art.º 186.º n.º 2 do CIRE:

7.

E também para apreciação deste ponto e do indício de agravamento de insolvência e prejudicar dos credores pela Insolvente, realça-se que, a ter existido um alegado empréstimo/mútuo entre pessoas singulares (Insolvente e Credora BB) na quantia global de €200.000,00 (duzentos mil euros), o mesmo só seria válido se celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado (art.º 1143.º do Código Civil) – facto que a Insolvente, enquanto notária de profissão bem tem conhecimento;

8.

E na Reclamação de Créditos apresentada pela Credora Singular BB à qual o aqui Credor procedeu à consulta, não resulta a junção de qualquer contrato de mútuo, ainda que por documento particular, nem é efetuada qualquer prova da transferência dos valores à Insolvente a título de empréstimos, apenas sendo feita referência à escritura de constituição de penhor, que de pouco vale à prova da existência do crédito – o que também deverá ser apreciado em sede de impugnação de créditos a que se dará impulso”.

Também o credor, Banco 1..., S. A., pediu o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, escrevendo:

17º

Acresce que a Insolvente em 2020 constituiu uma sociedade unipessoal que adoptou a firma de “D..., Sociedade Unipessoal, Lda” com o capital social de cem euros, correspondendo a uma quota de igual valor nominal” Doc nº 1

18º

Em Abril de 2023 foi registado um aumento de capital da referida sociedade quer ficou com um aumento de capital de € 30.000,00

19º

Em 22 de Março de 2023 a Insolvente contitui penhor sobre a quota social na predita sociedade para garantia de uma divida de 200.000,00€

20º

Refere o contrato de penhor “que a referida divida no montante global de duzentos mil euros, acrescido de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis novembro de 2020) é resultante de vários empréstimos particulares já concedidos ao longo dos últimos dez anos pela primeira outorgante à segunda outorgante”

21º

Aqui chegados impõe-se trazer à colação o que dispõe a Lei nomeadamente a alínea c) do nº 1 do Artigo 121º do CIRE, a saber: “São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos: (…) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência”

22º

A constituição do referido penhor por parte da Insolvente, na data em que foi constituído, esta dentro do período temporal do c) do nº 1 do Artigo 121º do CIRE e como tal negocio devera ser imediatamente resolvido em favor da massa insolvente pela senhora administradora Judicial.

23º

Por outro lado o nº 1 do Artigo 229 do Código Penal estabelece :

“O devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, solver dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para suas dívidas a que não era obrigado, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, se vier a ser reconhecida judicialmente a insolvência.”

24º

Afigura-se ao ora Reclamante que a Insolvente não só tinha pelo conhecimento em Março da sua situação de insolvência como, sabendo da situação dos demais credores, quis favorecer um em especial, constituindo penhor a seu favor, em detrimento dos demais, sendo a sua conduta ilegal e reprovável. Insolvente não só tinha pelo conhecimento em Março da sua situação de insolvência como, sabendo da situação dos demais credores, quis favorecer um em especial, constituindo penhor a seu favor, em detrimento dos demais, sendo a sua conduta ilegal e reprovável”.

A insolvente teve acesso a esta alegação, teve a sua oportunidade, o seu contraditório, tendo respondido, inclusive, nos pontos 145.º a 148 e 66.º e sgs. dos seus requerimentos contraditórios de 19.7.2023 e 26.7.2023.

Improcede, pois, a invocada nulidade.


*

2.2- Da impugnação da matéria de facto;

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

1.º A devedora é notária, exercendo a sua atividade profissional para a sociedade designada D..., Sociedade Unipessoal Limitada, auferindo a remuneração mensal líquida de €1.829,49 (cfr. recibos de vencimento juntos à petição inicial) e apresentou-se à insolvência a 11/05/2023;

2.º Reside em casa arrendada, partilhando com o seu companheiro, CC, fazendo entrega a este do valor mensal de €625,00 (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial).

3.º O agregado familiar da devedora é composto pela própria, companheiro e dois filhos, a saber;

a) DD de 10 anos de idade (cfr. certidão de assento de nascimento junto à petição inicial);

b) EE de 13 anos de idade cfr. certidão de assento de nascimento junto à petição inicial);

4.º O pai dos seus filhos contribui, a título de pensão de alimentos, com a importância de 130,00€ para cada um deles (cfr. doc. 10 junto com a petição inicial).

5.º O pai não tem contribuído para outras despesas que tem com os seus filhos, como sejam, atividades extracurriculares, saúde e aquisição de livros;

6.º A requerente gasta em média, mensalmente, os seguintes valores:

a) Na partilha da renda de casa referida com o seu companheiro faz a entrega do valor mensal de 625,00€;

b) Em alimentação 400,00€ por estimativa,

c) Em Seguro de Saúde para si e para seus filhos 123,13€;

d) Despesas de saúde, mais precisamente, pedopsiquiatra, psicologia entre outros tipos de especialidades médicas, valor superior a 100,00 € mensais;

e) Em medicação valor superior a 100,00€ mensais;

f) Em vestuário e material entre si e seus filhos 100,00€;

g) Em atividades extracurriculares e desportivas para seus filhos uma média de 80,00€ mensais;

h) Em explicações para seus filhos uma média de 55,00€ mensais;

i) Despesas diversas no valor de 75,00€.

7.º Do certificado de registo criminal da insolvente nada consta (cfr. certificado de registo criminal junto com a petição inicial);

8.º À data da apresentação à insolvência (11/05/2023) corriam contra a insolvente os seguintes processos executivos: a) Processo nº 705/22.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, juízo de Execução 1, em que é Exequente o Banco 2...;

b) Processo nº 199/12.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ... em que é Exequente o Banco 3..., S.A;

c) Processo nº 795/14.... e 795/14.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ... em que é Exequente Banco 4... Gmbh, Sucursal Portuguesa;

d) Processo nº 529/13.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Juízo de Execução ... – Juiz ...;

e) Processo nº 2788/19.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ...;

f) Processos nº 1441/18...., 1441/18...., 1441/18.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ... em que é Exequente Banco 5..., S.A;

g) Processo nº 281/18.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ...;

h) Processos nº 803/12.... e 803/12.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ... em que é Exequente o Banco 6..., S.A;

i) Processo nº 951/12...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ..., em que é Exequente o Banco 7..., S.A;

j) Processo nº 970/14.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Execução ... – Juiz ..., em que é Exequente o Banco 1..., S.A.

9.º A administradora judicial apresentou lista definitiva de créditos reconhecidos no valor total de €1 058 644,93 (cfr. lista junta no apendo da reclamação de créditos-Apenso C);

10.º A administradora judicial não reconheceu o montante de €240.000,00 reclamado por BB, dizendo “uma vez que não foi junto suporte documental que demonstre a existência do mesmo” (cfr. lista junta no apendo da reclamação de créditos-Apenso C e notificação a BB ao abrigo do disposto no artº 129º, nº 4, do CIRE);

11.ºDas dividas, que se encontram datadas, a mais antiga foi constituída em 2005 e a mais recente em 2013 (cfr. lista junta no apenso da reclamação de créditos-Apenso C-, identificação de processos de execução e documento de peças de execuções que se encontram pendentes);

12.º Das dividas que se encontram datadas quanto ao seu vencimento, a mais antiga reporta ao ano de 2011 e a mais recente ao ano de 2020 (cfr. lista junta no apendo da reclamação de créditos-Apenso C-, identificação de processos de execução e documento de peças de execuções que se encontram pendentes);

13.º A devedora é titular de duas quotas, com valor nominal de €100,00 e €29.900,00 (esta resultante do aumento de capital social com a criação de uma nova quota mediante incorporação de resultados transitados relativos a exercícios pretéritos e registado (online) através da Insc.2 Ap. ...21), respetivamente, correspondentes à totalidade do capital social da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, com valor contabilístico atual de €37.462,59.

14.º A insolvente consta como única sócia e gerente da referida sociedade “D..., Sociedade Unipessoal Limitada” (cfr. certidão permanente);

15.º Encontra-se junto à petição inicial como documento nº 5 denominado “DOCUMENTO PARTICULAR DE CONSTITUIÇÂO DE PENHOR”, datado de 11 de novembro de 2020, em que a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 100,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 100,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

16.º Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de um empréstimo particular já concedido pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

17.º Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 18/12/2020 a constituição do referido penhor de quota (100,00 Euros) a favor de BB (cfr. certidão junta a 07/08/2023 nos autos de apreensão-apenso A).

18.º Em 22/03/2023, por documento particular de constituição de penhor, a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 29.900,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 30.000,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB (cfr. documento particular não junto com a petição inicial, mas com o relatório previsto no artº 155º, do CIRE a 03/07/2023).

19.º Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de vários empréstimos particulares já concedidos ao longo dos últimos dez anos pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida” (cfr. documento particular junto, a 03/07/2023) com o relatório previsto no artº 155º, do CIRE).

20.º Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 02/05/2023 o referido penhor de quota (29.900,00 Euros) a favor de BB ((cfr. certidão junta a 07/08/2023 nos autos de apreensão- apenso A).

21º É referido no relatório previsto no artº 155º, do CIRE apresentado nos autos a 03/07/2023 que:

“(…) considerando que se trata de um negócio passível de ser resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º, das alíneas c) e e), do nº. 1 do art.º 121º e do art.º 123.º do CIRE, proceder-se-á à respetiva tramitação”.

22º BB renunciou ao referido penhor e veio, a 29/09/2023, desistir da reclamação de crédito que apresentou nos autos com base no documento referidos nos pontos 7º e 8º (cfr. requerimentos de 04/08/2023 e 29/09/2023 juntos no Apenso C).

(“BB renunciou ao referido penhor a 14/07/2023, conforme consta do requerimento apresentado pela Exma. Sra. Administradora de Insolvência em 28/07/2023, tendo apresentado em 29/09/2023 veio a desistir da reclamação de crédito conforme requerimento por esta apresentado em 29/09/2023 junto ao apenso C)

(Ponto 22 – A “Por decisão proferida em 10/12/2023 no apenso C foi homologada a desistência da impugnação à lista de créditos reconhecidos apresentada pela Sra. BB.”)

23º Com data de registo de 13/07/2023 foram cancelados os penhores das quotas aludidos nos pontos 15.º a 20.º, tendo como requerente e responsável a insolvente, na qualidade de notária (cfr. certidão junta, a 07/08/2023, nos autos de apreensão-apenso A).

24.º O processo de execução nº 705/22.... que corre termos pelo Juízo de Execução ..., em que é exequente Banco 2... foi iniciado em Março de 2022 e a quantia exequenda no valor de €12.121,56 (cfr. doc. 7 junto a 19/07/2023).

25.º Nesse processo foi penhorada conta bancária da insolvente (cfr. doc. 8 junto a 19/07/2023).

26.º Nos termos do documento 9 (junto a 19/07/2023), datado de 24/03/2023 foi o Cartório ..., notificado da penhora de salários realizado à aqui insolvente.

27.º A insolvente foi citada para deduzir oposição à execução mediante embargos nos termos do documento nº 10 (junto a 19/07/2023), datado de 30/03/2023, o que não fez.

28.º Na referida execução o credor procedeu à notificação dos clientes da insolvente de que os créditos que a mesma fosse titular haviam sido penhorados à ordem desse processo (cfr. doc. 11 e 12 jutos a 19/07/2023).

29º Nessa execução foram penhorados bens móveis (cfr. doc. 13, reportado a 27/04/2022 (junto a 19/07/2023).

30.º Notificada a insolvente para deduzir oposição à referida penhora, não o fez, nem constituiu mandatário (cfr. doc. 14 junto a 19/07/2023).

31.º Os referidos bens móveis estavam penhorados à ordem do processo nº 951/12.... (cfr. doc. 15 junto a 19/07/2023).

32º A Insolvente havia realizado um pagamento parcial no processo que correu termos sob o nº 951/12...., tendo ocorrido o cancelamento da penhora daqueles bens e a Insolvente colocada na lista publica de execuções desde 04/11/2020 (cfr. doc. 15 junto a 19/07/2023).

33.º Os referidos bens foram alienados no referido processo (cfr. docs. 16, 17 e 18).

34.º A referida execução foi extinta a 6/11/2022 (cfr. doc.19 junto a 19/07/2023).

35.º O processo que correu termos sob o 199/22...., teve o seu início em 27/10/2012 (cfr. doc. 20 junto a 19/07/2023).

36.º O primeiro auto de penhora data de 12/05/2016 e consistiu na penhora de 1/3 do vencimento que auferia na E... UNIPESSOAL LDA (cfr. doc. 21 junto a 19/07/2023).

37.º O segundo auto de penhora data de 02/08/2013 çonsistiu na penhora de 1/3 da vencimento que auferia na F..., Lda (cfr. doc. 22 junto a 19/07/2023).

38.º O terceiro auto de penhora data de 11/04/2019 consistiu na penhora de da vencimento que auferia na G..., (cfr. doc. 23 junto a 19/07/2023).

39.º O quarto auto de penhora data de 04/10/2022, consistiu na penhora de 1/3 do vencimento que auferia no Cartório notarial, (cfr. doc. 24 junto a 19/07/2023), quando este já havia sido penhorado nos termos do documento 9 datado de 24/03/2022.

40.º De acordo com os docs. 25 a 28 (juntos a 19/07/2023) nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022, e por motivos não concretamente apurados, o vencimento da insolvente era de 527,32€.

41.º A insolvente, pelo menos, em dezembro de 2022 apercebeu-se que, por muito que lutasse, por muito que ganhasse, não poderia solver os seus créditos (declaração a 19/07/2023).

42.º A insolvente sabendo da situação dos credores, tendo em conta o facto vertido no ponto anterior, constituiu e foi registado o penhor aludido nos pontos 18.º a 20.º por forma a evitar a penhora/apreensão e venda de quota da sociedade da qual a insolvente é única sócio-gerente (único bem da insolvente para liquidação para além dos montantes de contas bancárias) e/ou a satisfazer os créditos dos credores na liquidação no âmbito da insolvência, uma vez que em face da garantia, pela venda apenas sairia salvaguardado o pagamento do crédito a BB.

43.º A insolvente em 22 de março de 2023 tinha conhecimento que estava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, tendo-se apresentado à insolvência em 11/05/2023 (cfr.o facto vertido no ponto 41.º);

44.º No âmbito dos processos executivos correspondentes aos créditos reclamados pelo Credor B..., S.A., designadamente processos 199/12.... e 803/12.... foram promovidas tentativas de penhora de vencimento da Insolvente, mediante notificação à entidade patronal- D..., Sociedade Unipessoal Limitada- para penhora de vencimento (cfr. notificações para penhora de vencimento juntas sob docs.1 e 2, respetivo comprovativo de receção da notificação junto como doc.3 no requerimento de 06/07/2023, que se dão por integralmente reproduzidas e recibos de vencimento juntos pela Insolvente na Petição Inicial sob doc.11).

45.º O aviso de receção da notificação referido no ponto anterior foi assinado, a 27/10/202, por BB, empregada da sociedade a notificar (cfr. doc.3 no requerimento de 06/07/2023).

46.º A referida sociedade, da qual a insolvente é única sócia e gerente, não respondeu ou deu cumprimento aos descontos de penhora sobre o vencimento da insolvente, conforme os próprios recibos de vencimento o comprovam ao não discriminar os descontos de penhora (cfr. doc. 2 junto no requerimento de 06/07/2023 e recibos de vencimento juntos pela Insolvente na Petição Inicial sob doc.11).

47.º A sociedade calculava que ao não cumprir das suas responsabilidades e ao pagamento/amortização dos créditos em dívida, prejudicava, de forma deliberada, a satisfação de créditos dos seus credores e agravando a situação de insolvência, ao não permitir a amortização dos créditos em dívida por via da penhora de vencimento.

48.º No processo nº 199/12.... a insolvente não embargou ou se opôs a qualquer diligência (cfr. documentos/informação junta a 08/11/2023).

49.º No âmbito das consultas efetuadas junto da Segurança Social no processo executivo 803/12...., resulta no mês de abril de 2023, um vencimento auferido pela Insolvente de €8.889,98 (oito mil, oitocentos e oitenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), o qual a insolvente não referiu, desde logo, na petição inicial (cfr. resultados das consultas efetuadas às bases de dados gerais da Segurança Social junta sob doc.4 no requerimento de 06/07/2023 e que se dão por integralmente reproduzidas).

50.º A insolvente, enquanto sócio-gerente da sociedade sua entidade patronal não refere, desde logo, na petição inicial, além do seu vencimento, eventuais distribuições de lucros da sociedade (cfr. petição inicial).

51.º Foram apreendidas para a massa insolvente as seguintes verbas:

(“sobre os direitos apreendidos não existia qualquer ónus ou encargos”)

Verba n.º 1

Duas quotas no valor nominal de 100,00 Euros e 29.900,00 Euros, respetivamente, correspondentes à totalidade do capital social da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, com sede na Rua ..., ..., ..., ... ..., com valor contabilístico atual de €37.462,59

Verba n.º 2

Saldo bancário da conta de depósitos à ordem, no Banco 8..., CRL, no montante de €174,45

Verba n.º 3

Saldo bancário da conta de depósitos à ordem n.º ...62, no Banco 1..., S.A., no montante de €481,62.

52.º  Em requerimento junto a 28/07/2023 no Apenso B-Liquidação-veio a administradora judicial dizer o seguinte:

“em 22/03/2023, por documento particular, a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 29.900,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 30.000,00 Euros.

Considerando que se trata de um negócio passível de ser resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º, das alíneas c) e e), do nº. 1 do art.º 121º e do art.º 123.º do CIRE, era intenção da signatária proceder à respetiva tramitação.

Sucede que, após a notificação do referido relatório à credora BB, titular da garantia, e tendo a mesma tido conhecimento da intenção da signatária, procedeu, de forma livre e espontânea, à renúncia do penhor que incidia sobre as duas quotas da sociedade supra mencionada – cfr. doc. n.º 1.

Atento tudo o quanto se supra expôs, diligenciar-se-á pelo registo do averbamento da insolvência nas verbas apreendidas junto da Conservatória do Registo Comercial.”

53.º A 08/04/2024 foi apresentado requerimento por BB do seguinte teor (extrato):

“Não obstante de BB ter desistido da reclamação de créditos que detinha contra a insolvente, AA, (conforme requerimento junto ao processo n.º 2194/23...., com referência nos autos n.º 8346132 e n.º 8346377, e confirmada por V. Exas por despacho nos mesmo autos com referência n.º 92272837), prestou declarações, não sendo parte nos presentes autos.

BB reafirma o conteúdo do depoimento prestado, em 26 de fevereiro de 2024, nomeadamente que emprestou à insolvente, AA, quantias em dinheiro face às dificuldades financeiras que esta vinha sentindo e vivenciando no seu quotidiano. Porém, por lapso referiu que tinha efetuado transferências bancárias para a conta bancária da insolvente, AA, sendo que tendo verificado os seus extratos bancários que tal alusão se afigura incorreta, pelo que muito se penitencia.”

(54.º - Por decisão transitada em julgado, proferida no apenso C, foram reconhecidos todos os créditos propostos pela Sra. Administradora de Insolvência no seu requerimento de 20/07/2023, não constando desta qualquer garantia sobre as quotas nem como credora a Sra. BB.

*

Não se provou:

Que os credores, sociedade comerciais, em face da não apresentação da devedora à insolvência tiveram que dispor de novo dinheiro, para constituir provisões contabilísticas legais, e no caso dos Bancos, provisões especialmente agravadas e gravosas por via das regras impostas pelo Regulador - Banco de Portugal e que tal tenha avolumado o passivo por parte dos credores”.

E fez, assim, a sua motivação:

A factualidade exarada supra resulta quanto aos pontos 1.º, 3.º, 4.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36,º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 44,º, 45.º, 46.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51º, 52.º, a que se foi fazendo referência expressa da sentença proferida, relatório previsto no artº 155º, do CIRE elaborado, documentos juntos, auto de apreensão, certificado do registo criminal, requerimentos e tramitação dos autos

Quanto ao ponto 41.º resulta de declaração da própria insolvente.

No que concerne aos factos vertido 42.º, partindo da factualidade objectiva, e sem prejuízo da presunção do artº 186º, nº 2, do CIRE, a insolvente actuando da forma como o fez, sabendo e conhecendo a sua situação e admitindo que a partir de dezembro de 2022 já não conseguia pagar os créditos-estando, assim, numa situação de insolvência-ainda celebrou a constituição de penhor sobre uma nova quota da sociedade-22/03/2023- e procedeu ao seu registo na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 02/05/2023, sabendo-se que se apresentou à insolvência a 11/05/2023-, o que decorre que, aliando às regras da experiência, só podia ter aquela vontade e intenção dadas como provadas.

O vertido no ponto 43.º resulta, desde logo, da análise do facto dado com provado no ponto 41.º.

A factualidade dada como provada no ponto 47.º parte da factualidade objectiva, aliando às regras da experiência, retirando-se que a sociedade actuando da forma como o fez, sabendo e conhecendo a obrigação decorrente das notificações operadas à mesma e não cumprindo, só podia ter aquela vontade, intenção e consequências dadas como provadas.

No ponto 53.º relatou-se o vertido no requerimento apresentado e que consubstancia declarações de BB.

Relativamente aos demais facto-pontos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º- resulta, para além de documentos referidos, do aduzido pela insolvente quanto à sua situação pessoal e despesas.

Quanto ao depoimento de BB, que impugnou a lista de credores por exclusão do seu crédito, apesar de algumas incongruências, acabou por referir a factualidade vertida nos documentos de constituição do penhor, e que a sua desistência e cancelamento foi motivada por não querer prejudicar a insolvente na exoneração do passivo restante, sendo certo que, apesar das incongruências, uma vez que se trata de uma prova incidental e não da prova da existência, ou não, das entregas, que teria que se dar oportunidade às partes de arrolarem prova, e em face da desistência, apenas se deu como provado a existência daqueles documentos e registo dos penhores e referidos nos pontos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º.

A factualidade dada como não provada resulta de não se considerar ter sido feito prova sobre a mesma.


*

Alega a Apelante:

“XXV. No respeitante à alteração da matéria de facto, peticiona-se o aditamento ao ponto 22º, passando este a ter a seguinte redação:

“BB renunciou ao referido penhor a 14/07/2023, conforme consta do requerimento apresentado pela Exma. Sra. Administradora de Insolvência em 28/07/2023, tendo apresentado em 29/09/2023 veio a desistir da reclamação de crédito conforme requerimento por esta apresentado em 29/09/2023 junto ao apenso C

XXVI. Porquanto, a renuncia ao penhor por parte desta interveniente ocorreu na referida data conforme consta dos requerimentos indicados nas presentes alegações.

XXVII. Igualmente, deve ser aditado o ponto 22- A, porquanto o mesmo resulta da verdade processual, passando este a ter a seguinte redação: Ponto 22 – A “Por decisão proferida em 10/12/2023 no apenso C foi homologada a desistência da impugnação à lista de créditos reconhecidos apresentada pela Sra. BB.”

XXVIII. Igualmente, peticionamos a alteração da matéria de facto no respeitante ao ponto 42 uma vez que na sua atual redação é omitido que o penhor registado em 2/05/2023 correspondente à manutenção da mesma garantia que havia sido prestada em 11/11/2020.

XXIX. Com efeito, tendo ocorrido um aumento de capital social com recurso a resultados transitados, ou seja, resultados não distribuídos, o referido penhor destinou-se a manter a mesma garantia, vide artigo 670º do CPC, e atenta a origem das importâncias que permitiram a constituição da quota – resultados não transitados – ou seja, dividendos não distribuídos, o mesmo corresponde a frutos do direito que deveriam ser sempre recebidos nos termos do artigo 672º do Código Civil pelo credor pignoratício sendo o penhor então constituído, nada mais do que o cumprimento da norma do n.º 1 do artigo 685º do Código Civil.

XXX. Ora, a matéria assente parte do pressuposto que é possível iniciar uma atividade social de uma sociedade que presta serviços ao público com 100,00 € (cem euros) de capital social, o que, como é facto público e notório não é possível pois, apenas o registo da constituição da sociedade custa 460,00 € (quatrocentos e sessenta euros),

XXXI. Ou seja, embora a lei permita a constituição de sociedades com valores diminutos, como seja 100,00 € (cem euros), tal não retira o facto público e notório de que nenhuma sociedade inicia a sua atividade com apenas 100,00 € (cem euros), porquanto a taxa de registo da mesma custa 460,00 € (quatrocentos e sessenta euros).

XXXII. Assim, o ponto 42 da matéria de facto assente deverá reconduzir-se a factos e não a juízos de valor, devendo passar a ter a seguinte redação:

“Pela apresentação n.º 9 de 11/11/2022, foi constituída a sociedade H..., Sociedade Unipessoal, sendo a data da constituição da sociedade de 6/11/2020, tendo esta o capital social de 100,00 € (cem euros)”

XXXIII. Peticionamos igualmente o aditamento do ponto 42 – A novo com a seguinte redação:

Na mesma data, foi constituído um penhor sobre a quota então criada nos termos do ponto 16º da matéria de facto assente sobre a quota de 100,00 € (cem euros) então constituída como consta do ponto 16º da matéria de facto assente.”

XXXIV. Igualmente se peticiona a introdução do ponto 42 – B novo com a seguinte redação Ponto 42 – B (novo) Em 23/04/2023, a Sociedade Cartório Notarial – AA procedeu ao aumento de capital social no valor de 29.900,00 € (vinte e nove mil e novecentos euros) na modalidade e forma de subscrição: totalmente subscrito e realizado pela sócia única por incorporação de resultados transitados dos exercícios de 2020 e 2021 para constituição de uma nova quota.

XXXV. A referida redação resulta integralmente do teor da certidão comercial da referida sociedade que constituirá documento que instrui as presentes alegações de recurso.

XXXVI. Igualmente se peticiona o aditamento do Ponto 42 – C (novo) com a seguinte redação:

Em 2/05/2023 foi constituído o seguinte penhor da quota criada em 23/04/2023 tendo o mesmo sido registado pelo depósito realizado pela dra. FF, conforme resulta de documento autêntico

XXXVII. Ora, a decisão recorrida ao pretender retirar qualquer juízo de valor sobre a constituição deste penhor o qual é absolutamente irrelevante para a satisfação dos credores, pois, a beneficiária do mesmo renunciou a este, apenas formulou juízos de valor fundados em preconceito e apenas chegou a esta conclusão pois, o tribunal recorrido, conforme referiu, entendeu não dar direito ao contraditório à ora Recorrida.

XXXVIII. Ora, conforme consta das alegações, a al. h) do n.º 3 do artigo 11º - E do DL 158/2009 define que resultados transitados são resultados não distribuídos de uma sociedade.

XXXIX. Ora, se a quota sobre a qual incidiu o penhor foi constituída com frutos civis de direito penhorado, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 685º, a quota teria de ser objeto de penhor, porquanto, foi prestada à insolvente uma quota por conta de dividendos não distribuídos e assim sendo, e como o credor pignoratício dispunha do direito não censurado da decisão recorrida de receber os frutos civis, o n.º 1 do artigo 685º assim o determinou, pelo que, a insolvente apenas cumpriu a lei e ninguém pode ser sancionado por cumprir a lei.

XL. Ao invés da decisão recorrida, cumprir a lei ainda é um ato lícito, e nem se compreenderia que um credor que dispusesse de um penhor sobre a totalidade do capital social e sendo este aumentado com recurso a frutos que o credor deveria ter recebido que este não obtivesse o penhor sobre a quota constituída com frutos que seus deveriam ser.

XLI. Pelo que, os juízos de valor constantes do ponto 42º são erróneos e contra lei, nem correspondem a nenhum facto mas sim a um preconceito do tribunal recorrido que devia ter sido esclarecido se tivesse concedido o direito ao contraditório, pelo que, se peticiona as alterações aos pontos 42 – A a C novos.

XLII. No respeitante aos pontos 46 e 47, os mesmos padecem do mesmo vício, neste caso o vício não se funda em preconceito, mas apenas em erro na aplicação da lei.

XLIII. Ora, segundo a atual redação dos pontos 46 e 47, uma entidade patronal, quando notificada do penhor do salário de um colaborador, se nada disser estaria a prejudicar os credores.

XLIV. Ora, dizer isso é exatamente o mesmo que afirmar que num processo declarativo o silêncio do Reu prejudica o Autor, como se o efeito cominatório não existisse.

XLV. No caso dos pontos 46 e 47, os juízos de valor dele constantes não têm nenhum fundamento porque a lei determina que o silencio da sociedade notificada para penhorar um salário de um colaborador corresponde ao conhecimento dessa obrigação.

XLVI. Ora, assim determina o artigo 733º do Código Civil, pelo que, o juízo de valor constante destes dois pontos da matéria de facto assente é errado porque a lei não o permite, pelo que, deverão ambos ser suprimidos.

XLVII. No respeitante ao ponto 50 da matéria de facto assente, deverá o mesmo ser suprimido, pois a lei não exige que os insolventes declarem factos inexistentes.

XLVIII. Ora, caso o tribunal recorrido tivesse apreciado a certidão do registo comercial junto aos autos ter-se-ia apercebido que a sociedade em causa dispunha de resultados transitados, e com estes foi constituída a quota de 29.900,00 € (vinte e nove mil e novecentos euros).

XLIX. Tal informação consta da certidão comercial, pelo que, nada na lei exige que qualquer insolvente declare factos inexistentes.

L. Com efeito, se não houve distribuição de lucros, qual o fundamento na lei para que a insolvente e agora Recorrente tivesse que declarar que nada recebeu a título de dividendos, pelo que, se trata de um facto da matéria assente absolutamente inócuo pois exige a declaração de algo que não existe e que a lei não prevê.

LI. No respeitante ao ponto 51 da matéria assente, deve ser aditado a final a seguinte expressão: “sobre os direitos apreendidos não existia qualquer ónus ou encargos”

LII. Devendo, igualmente, ser aditado o ponto 54 novo que resulta da sentença da graduação de créditos proferida em 10/12/2023 com a seguinte redação:

Por decisão transitada em julgado, proferida no apenso C, foram reconhecidos todos os créditos propostos pela Sra. Administradora de Insolvência no seu requerimento de 20/07/2023, não constando desta qualquer garantia sobre as quotas nem como credora a Sra. BB.

LIII. A Recorrente entende que este facto deve ser dado como assente, pois, quando a decisão foi proferida, o Tribunal tinha total e perfeito conhecimento, através de sentença por si proferida e transitada da extinção do penhor e da desistência da impugnação à relação de credores elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE pela Sra. BB, ou seja, que o tribunal recorrido tinha perfeito e total conhecimento da irrelevância do facto em causa para a satisfação universal dos credores.

LIV. Aliás, como decorre da matéria de facto assente, todos os demais credores viram vencidos os seus créditos o mais tardar no ano de 2013, pelo que, a constituição da quota, a qual se encontra apreendida, constitui um ativo e não um passivo.

LV. Assim, deve ser aditado o ponto 54º à matéria de facto assente”.

Avaliando.

Resultando dos autos, nomeadamente de documentos autênticos/autenticados, procede, neste particular, a impugnação da matéria de facto, aditando-se os mesmos na forma requerida (ficam a constar, a negrito, no local próprio), com excepção da alteração/aditamento pedida quanto ao ponto 42 - na sua atual redação é omitido que o penhor registado em 2/05/2023 correspondente à manutenção da mesma garantia que havia sido prestada em 11/11/2020 – uma vez que se trata de matéria conclusiva/direito, a tratar no momento próprio.

Apenas esta nota.

Embora a 1.ª instância não tenha levado aos factos assentes, alguns dos factos, agora impugnados, transporta-os para sua decisão de direito:

“Também resultou apurado que a administradora judicial não reconheceu o montante de €240.000,00 reclamado por BB, dizendo “uma vez que não foi junto suporte documental que demonstre a existência do mesmo”.

A devedora é titular de duas quotas, com valor nominal de €100,00 e €29.900,00 (esta resultante do aumento de capital social com a criação de uma nova quota mediante incorporação de resultados transitados relativos a exercícios pretéritos e registado (online) através da Insc.2 Ap. ...21), respetivamente, correspondentes à totalidade do capital social da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, com valor contabilístico atual de €37.462,59.

A insolvente consta como única sócia e gerente da referida sociedade “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”.

Encontra-se junto à petição inicial como documento nº 5 denominado “DOCUMENTO PARTICULAR DE CONSTITUIÇÂO DE PENHOR”, datado de 11 de novembro de 2020, em que a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 100,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 100,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de um empréstimo particular já concedido pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 18/12/2020 a constituição do referido penhor de quota (100,00 Euros) a favor de BB.

Em 22/03/2023, por documento particular de constituição de penhor, a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 29.900,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 30.000,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de vários empréstimos particulares já concedidos ao longo dos últimos dez anos pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 02/05/2023 o referido penhor de quota (29.900,00 Euros) a favor de BB ((cfr. certidão junta a 07/08/2023 nos autos de apreensão- apenso A).

É referido no relatório previsto no artº 155º, do CIRE apresentado nos autos a 03/07/2023 que:

“(…) considerando que se trata de um negócio passível de ser resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º, das alíneas c) e e), do nº. 1 do art.º 121º e do art.º 123.º do CIRE, proceder-se-á à respetiva tramitação”.

BB renunciou ao referido penhor e veio, a 29/09/2023, desistir da reclamação de crédito que apresentou nos autos com base no documento de constituição de penhor referido.

Com data de registo de 13/07/2023 foram cancelados os penhores das quotas aludidos nos pontos 15.º a 20.º, tendo como requerente e responsável a insolvente, na qualidade de notária.

(…)


*

2.3-Estes factos permitem que seja concedida à Apelante a exoneração do passivo restante?

A 1.ª instância - depois de arredar os pressupostos exigidos pelo art. 238º, nº 1, e, desde logo, em primeira linha nas als. d) e e), do CIRE, que fundamentaram a posição dos credores no sentido do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora -, porque considerou verificar-se uma situação patente de uso do património da insolvente contrário ao seu interesse e do seu património, e da disposição dos bens da devedora em proveito de terceiros - artigo 186° nº 2 alíneas f) e d) do CIRE - negou-lhe tal pedido.

Depois de afastar a restante argumentaria invocada pelos credores – nomeadamente quanto à penhora no vencimento da insolvente, apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da sua situação de insolvência -, fundamenta assim o decidido – na parte que justifica a apelação:

“Também resultou apurado que a administradora judicial não reconheceu o montante de €240.000,00 reclamado por BB, dizendo “uma vez que não foi junto suporte documental que demonstre a existência do mesmo”.

A devedora é titular de duas quotas, com valor nominal de €100,00 e €29.900,00 (esta resultante do aumento de capital social com a criação de uma nova quota mediante incorporação de resultados transitados relativos a exercícios pretéritos e registado (online) através da Insc.2 Ap. ...21), respetivamente, correspondentes à totalidade do capital social da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, com valor contabilístico atual de €37.462,59.

A insolvente consta como única sócia e gerente da referida sociedade “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”.

Encontra-se junto à petição inicial como documento nº 5 denominado “DOCUMENTO PARTICULAR DE CONSTITUIÇÂO DE PENHOR”, datado de 11 de novembro de 2020, em que a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 100,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 100,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de um empréstimo particular já concedido pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 18/12/2020 a constituição do referido penhor de quota (100,00 Euros) a favor de BB.

Em 22/03/2023, por documento particular de constituição de penhor, a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 29.900,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 30.000,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de vários empréstimos particulares já concedidos ao longo dos últimos dez anos pela primeira outorgante à ora segunda outorgante.

Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 02/05/2023 o referido penhor de quota (29.900,00 Euros) a favor de BB ((cfr. certidão junta a 07/08/2023 nos autos de apreensão- apenso A).

É referido no relatório previsto no artº 155º, do CIRE apresentado nos autos a 03/07/2023 que:

“(…) considerando que se trata de um negócio passível de ser resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º, das alíneas c) e e), do nº. 1 do art.º 121º e do art.º 123.º do CIRE, proceder-se-á à respetiva tramitação”.

BB renunciou ao referido penhor e veio, a 29/09/2023, desistir da reclamação de crédito que apresentou nos autos com base no documento de constituição de penhor referido.

Com data de registo de 13/07/2023 foram cancelados os penhores das quotas aludidos nos pontos 15.º a 20.º, tendo como requerente e responsável a insolvente, na qualidade de notária.

Ora, a insolvente, à data do segundo documento de constituição de penhor- 22/03/2023- não desconhecia a sua situação de insolvência, dado que, pelo menos, em dezembro de 2022 se apercebeu que, por muito que lutasse, por muito que ganhasse, não poderia solver os seus créditos.

A insolvente sabendo da situação dos credores, tendo em conta que, pelo menos, em dezembro de 2022 se apercebeu que, por muito que lutasse, por muito que ganhasse, não poderia solver os seus créditos (confissão a 19/07/2023), constituiu e foi registado o penhor aludido por forma a evitar a penhora/apreensão e venda de quota da sociedade da qual a insolvente é única sócio-gerente (único bem da insolvente para liquidação para além dos montantes de contas bancárias) e/ou a satisfazer os créditos dos credores na liquidação no âmbito da insolvência, uma vez que em face da garantia, pela venda apenas sairia salvaguardado o pagamento do crédito a BB.

A insolvente em 22 de março de 2023 tinha conhecimento que estava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, tendo-se apresentado à insolvência em 11/05/2023.

Ora, estipula a referida al. e), que o pedido de exoneração será indeferido liminarmente se “Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”.

Assim, para ser negado o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento nesta alínea, necessário se torna os autos nos demonstrem, nos indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor – ou seja da devedora – na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”.

(…)

Prevê efectivamente o nº 2 do artigo 186º do CIRE, entre outras situações, as seguintes (directamente relacionadas com o caso em análise): “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular (mas que lhe é aplicável, com as devidas adaptações, onde a isso não se opuser a diversidade das situações, por força do nº 4 do mesmo preceito), quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham (…) disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto”.

Assim, o nº 2 deste artigo 186º considera a insolvência sempre culposa se ocorrer qualquer dos factos enumerados nas suas alíneas, quando praticados pelo devedor, nos três anos anteriores à declaração da insolvência.

Da letra da lei resulta, portanto, que o legislador estabeleceu nestes casos uma presunção iuris et de iure, inilidível portanto, atento o que vem disposto no art. 350º, n.º 2, in fine, do Código Civil, conducentes à qualificação da insolvência sempre como culposa.

Significa isso que, verificada que seja qualquer uma das situações enumeradas nas citadas alíneas, presumir-se-á a culpa do devedor (ou dos seus administradores). A única forma do devedor se eximir da qualificação da insolvência como culposa é afastando a existência do próprio facto, porque a sua verificação determina, inelutavelmente, a qualificação da insolvência como culposa, sem possibilidade de prova em contrário (cfr. Na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, Vol. II, pág. 14; Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, pág. 175, 2.ª edição e, do mesmo autor, “Direito da Insolvência”, página 270; Carneiro da Frada, “A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência”, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco, Vol. II, pág. 963 e ROA, Ano 66, Set. 2006, pg. 692; e Maria do Rosário Epifânio “Manual de Direito da Insolvência”, pág. 132.

Na jurisprudência, entre outros, os Acs da RC de 14/11/06; da RP de 22/05/07, de 18/06/07, de 13/09/07 e de 27/11/07; da RL de 22/01/08 e desta RG, de 20/09/07 e de 5.6.2014, todos disponíveis in www. dgsi.pt).

Como referido no Acórdão do TRG, de 1/10/2013 (também disponível em www.dgsi.pt), que “O preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo determina a qualificação da insolvência como culposa, pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa, o que dimana do advérbio «sempre». Por isso que seja mais correcto afirmar-se, em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define (em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109) como “ficções legais”, pois que o que o legislador extrai a partir do facto base não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE. E por isso que, à semelhança das presunções juris et de jure, não admita prova em contrário, sendo que dispensa a alegação – e consequentemente a prova - de qualquer outro facto, ficcionando desde logo, a partir da situação dada, a verificação da situação de insolvência dolosa…”.

Ora, em face do acto praticado pela insolvente e em apreço afigura-se-nos que se mostram preenchidos os requisitos exigidos pelas alíneas d) e f) citadas, ou seja, que a requerente dispôs de bens «em proveito pessoal ou de terceiros», tendo feito uso do seu património em sentido contrário ao seu interesse e em proveito pessoal daquela mesma terceiro - (alínea f)).

E “como tem sido considerado, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a expressão utilizada na al. d) do nº 2 do artº 186º do CIRE, disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiro - não se confunde, nem tem equivalência com a transferência do direito de propriedade dos bens do devedor. A transferência do direito de propriedade representa apenas uma forma pela qual o administrador pode dispor daqueles bens; mas há outras formas de actuação que implicam uma conduta equivalente a dispor dos bens com um alcance diferente. Pode dizer-se que o administrador dispõe também dos bens do devedor quando, designadamente, sobre eles constitui outros direitos menores (comodato, usufruto, arrendamento, etc.) ou quando os limita com algum ónus ou garantia que sobre eles passam a incidir (hipoteca, penhor, etc.), como sucedeu no caso dos autos.

O ato é censurado na medida em que se retira do património do devedor (total ou parcialmente) um bem que devia ali ser mantido para pagamento dos credores em geral, segundo as regras consignadas no CIRE, e se beneficia com esse ato um determinado credor ou um terceiro em prejuízo dos demais.

Ou seja, sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, e todos se apresentam à insolvência para serem pagos, na medida do possível, pelos bens do devedor. Não faria por isso sentido que fosse o devedor a dispor do seu património, defraudando as expectativas daqueles credores – que podem muito bem ter concedido crédito ao devedor em face do seu património, com o qual contavam como garantia do seu crédito –, arrecadando para si o produto do mesmo, ou pagando, a seu bel prazer, a quem entendesse, beneficiando uns credores em detrimento de outros.” (Ac. do TRG, de 19-09-2019, publicado em www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, salvo melhor, foi precisamente o que aconteceu: a insolvente dispôs do seu património, onerando-o, a favor de um terceiro, que beneficiou constituindo a favor da mesma um penhor sobre, pelo menos, uma das quotas da sociedade- a constituição é de 22/03/2023, o registo de 02/05/2023, a consciência de que não poderia pagar as dívidas é de dezembro de 2022 e a apresentação à insolvência é de 11/05/2023, sendo certo que a existir a dívida, já vinha de longe, privilegiando esta credora em detrimento de outros credores.

Com efeito, em virtude do referido penhor, para os respectivos credores, haveria prejuízo, pois, em sede de liquidação, será mais difícil ou mesmo impossível verem-se ressarcidos dos seus créditos, na medida em que o património disponível para sujeitar a liquidação é de valor manifestamente insuficiente face ao montante dos créditos reclamados e reconhecidos, e a ser levada a cabo a liquidação das quotas da sociedade, que se encontravam com penhor registado a favor de uma credora nos termos referidos, apenas parte do crédito seria liquidado, nada sobrando para os demais credores.

É certo que se procedeu ao cancelamento dos penhores e a credora acabou por desistir da reclamação, mas também é certo que a administradora judicial também já ponderava a resolução do negócio em benefício da massa insolvente.

O acto não deixou de ser levado a cabo, pelo que, salvo melhor, se entende que não pode a devedora beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.

Com efeito, fazendo agora aplicação dos preceitos e princípios enunciados ao caso dos autos, não temos dúvidas em afirmar, perante a matéria de facto provada-, que se mostram verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas d) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE, para a qualificação da insolvência da devedora como culposa- aquele acto foi praticado no período considerado lesivo dos interesses dos credores, presumindo-se assim a insolvência da devedora, iure et de iuri, como culposa-, pelo que igualmente se mostram preenchidos os pressupostos necessários e exigidos pelo artigo 238º al. e) do CIRE, não podendo a devedora beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.

Verifica-se aqui uma situação patente de uso do património da insolvente contrário ao seu interesse e do seu património, e da disposição dos bens da devedora em proveito de terceiros (artigo 186° nº 2 alíneas f) e d) do CIRE, respectivamente).

Em suma, entendemos que se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 238 do CIRE, pelo deve ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora.

Assim, pelos fundamentos supra vertidos, em conformidade com o disposto no artigo 238.º, n.º 1, al. e), do CIRE, decide-se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente”.

Discordando desta avaliação, feita pela 1.ª instância, escreve a Apelante:

XXXVII. Ora, a decisão recorrida ao pretender retirar qualquer juízo de valor sobre a constituição deste penhor o qual é absolutamente irrelevante para a satisfação dos credores, pois, a beneficiária do mesmo renunciou a este, apenas formulou juízos de valor fundados em preconceito e apenas chegou a esta conclusão pois, o tribunal recorrido, conforme referiu, entendeu não dar direito ao contraditório à ora Recorrida.

XXXVIII. Ora, conforme consta das alegações, a al. h) do n.º 3 do artigo 11º - E do DL 158/2009 define que resultados transitados são resultados não distribuídos de uma sociedade.

XXXIX. Ora, se a quota sobre a qual incidiu o penhor foi constituída com frutos civis de direito penhorado, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 685º, a quota teria de ser objeto de penhor, porquanto, foi prestada à insolvente uma quota por conta de dividendos não distribuídos e assim sendo, e como o credor pignoratício dispunha do direito não censurado da decisão recorrida de receber os frutos civis, o n.º 1 do artigo 685º assim o determinou, pelo que, a insolvente apenas cumpriu a lei e ninguém pode ser sancionado por cumprir a lei.

XL. Ao invés da decisão recorrida, cumprir a lei ainda é um ato lícito, e nem se compreenderia que um credor que dispusesse de um penhor sobre a totalidade do capital social e sendo este aumentado com recurso a frutos que o credor deveria ter recebido que este não obtivesse o penhor sobre a quota constituída com frutos que seus deveriam ser.

XLI. Pelo que, os juízos de valor constantes do ponto 42º são erróneos e contra lei, nem correspondem a nenhum facto mas sim a um preconceito do tribunal recorrido que devia ter sido esclarecido se tivesse concedido o direito ao contraditório, pelo que, se peticiona as alterações aos pontos 42 – A a C novos.

(…)

XXXIX. Ora, se a quota sobre a qual incidiu o penhor foi constituída com frutos civis de direito penhorado, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 685º, a quota teria de ser objeto de penhor, porquanto, foi prestada à insolvente uma quota por conta de dividendos não distribuídos e assim sendo, e como o credor pignoratício dispunha do direito não censurado da decisão recorrida de receber os frutos civis, o n.º 1 do artigo 685º assim o determinou, pelo que, a insolvente apenas cumpriu a lei e ninguém pode ser sancionado por cumprir a lei.

XL. Ao invés da decisão recorrida, cumprir a lei ainda é um ato lícito, e nem se compreenderia que um credor que dispusesse de um penhor sobre a totalidade do capital social e sendo este aumentado com recurso a frutos que o credor deveria ter recebido que este não obtivesse o penhor sobre a quota constituída com frutos que seus deveriam ser.

XLI. Pelo que, os juízos de valor constantes do ponto 42º são erróneos e contra lei, nem correspondem a nenhum facto mas sim a um preconceito do tribunal recorrido que devia ter sido esclarecido se tivesse concedido o direito ao contraditório, pelo que, se peticiona as alterações aos pontos 42 – A a C novos”.

Avaliando.

Muito resumidamente, podemos dizer que a exoneração do passivo restante tem por fundamento final proporcionar ao devedor um fresh start, ou uma nova oportunidade, de modo a que, liberto do passivo que o vinculava, se reabilite economicamente e se reintegre, plenamente, na vida económica e social.

Por isso, a apreciação liminar do pedido de exoneração do passivo restante pressupõe a avaliação conjunta, e em concreto, dos requisitos negativos previstos para o efeito no art.º 238º, do CIRE, devendo a decisão proferida - de admissão ou de indeferimento liminar - ser fundamentada - de facto e de direito-, sob pena de nulidade.

Tendo a exoneração do passivo restante carácter excepcional  - face ao princípio de que os contratos são para cumprir, conforme art.º 406º, n.º 1, do Código Civil -, o devedor insolvente só deverá beneficiar da mesma quando demonstre, ao longo de todo o processamento do incidente, que é merecedor da dita segunda oportunidade, sendo que o referencial de merecimento  verifica-se, grosso modo, desde que não haja dolo ou culpa grave da parte do devedor na situação de insolvência em que se encontra, nomeadamente, por ter agido de forma recta e honesta, cumprindo com o rigor, a transparência e a boa fé que lhe eram exigíveis e acessíveis as obrigações que previamente assumiu; e não ser a insolvência em que, não obstante, depois incorreu devida a contrário modo de proceder seu –“em nenhuma das situações previstas para o indeferimento liminar/cessação antecipada/recusa/revogação da exoneração do passivo restante se exige a aferição “em concreto” do merecimento (subjetivo) do benefício, tendo o legislador entendido que não se justifica a concessão desse benefício a quem culposamente contribuiu para o desmoronar ou o agravar dos danos da estrutura económica/património e assim comprometeu as legítimas expetativas dos credores ao recebimento do que lhes é devido, não podendo, como tal, ser premiado com uma libertação do passivo gerado – Acórdão desta Relação de Coimbra de 28.2.2023, pesquisável em www.dgsi.pt.

A exoneração do passivo restante constitui um mecanismo cujo objectivo final é a extinção das dívidas e a libertação do devedor de parte de seu passivo, de forma mais breve e leve que a prescrição tradicional, correspondendo ao objectivo do legislador de facultar ao devedor singular uma segunda oportunidade, dando primazia à sua reabilitação produtiva.

É a chamada exoneração do passivo restante, cujo benefício vale apenas para o devedor de boa fé que incorreu em situação de insolvência. A boa fé do devedor é excluída nas situações previstas no n.º 1 do artigo 238.º do CIRE - elencados num destes três grupos assim estruturados: - um que “respeita a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram” – previsto nas alíneas b), d) e e) do n.º1 do referido artigo; - outro que “compreende situações ligadas ao passado do insolvente” – previsto nas alíneas c) e f) do n.º1 do mesmo artigo; - e ainda um outro que “configura condutas adotadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência” - previsto na alínea g) do n.º1 do mesmo preceito -, nomeadamente na sua alínea e) - constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º.

Porque de um benefício se trata, é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta.

Recordamos que a exoneração do passivo restante, na perspectiva do devedor, serve a realização de valores constitucionalmente consagrados, como a liberdade económica - ou, em rigor, a recuperação dessa liberdade - e o direito ao desenvolvimento da personalidade, desde que o devedor não tenha incorrido em condutas culposas relacionadas com a insolvência.

Essa tutela, agora na perspectiva do credor, colide naturalmente - ou pode colidir -, ao aspirar à liberação, objectiva e subjectiva, das dívidas restantes do devedor, com a tutela constitucional da titularidade dos direitos de crédito de natureza patrimonial, protegidos pela via do art.º 62º, 1, da CRP - direito à propriedade privada.

Ora, no perímetro da liberdade de conformação do legislador, deve considerar-se que essa conciliação entre valores e direitos constitucionalmente protegidos corresponde a uma ponderação equilibrada de interesses, que não deixa de ter em conta os interesses dos credores e não menospreza o valor central da igualdade dos credores , ainda que os interesses do devedor insolvente não culposo prevaleçam, tendo em conta o peso do interesse na reintegração na vida económica  - e social - e da protecção social do mais fraco - sobre este ponto, ver o Acórdão do STJ de 23.3.2021, pesquisável em www.dgsi.pt.

Diz-nos a norma do artigo 186º - aplicável, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações -, na parte relevante para estes autos:

(…)

2 – Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;

f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;

3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:

a) O dever de requerer a declaração de insolvência;

b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.”

O artigo 186.º, n.º 2, do C.I.R.E., consagra presunções absolutas de insolvência culposa, estando vedado ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave – neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Relação de Coimbra, de 26.10.2021; 25.5.2021, retirados do site www.dgsi.pt./ Aliás, mesmo em relação ao n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, há quem duvide que estejamos perante verdadeiras presunções.

Resulta dos autos:

1. Que a administradora judicial não reconheceu o montante de €240.000,00 reclamado por BB, dizendo uma vez que não foi junto suporte documental que demonstre a existência do mesmo.

2. A devedora é titular de duas quotas, com valor nominal de €100,00 e €29.900,00 (esta resultante do aumento de capital social com a criação de uma nova quota mediante incorporação de resultados transitados relativos a exercícios pretéritos e registado (online) através da Insc.2 Ap. ...21), respetivamente, correspondentes à totalidade do capital social da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, com valor contabilístico atual de €37.462,59.

3. A insolvente consta como única sócia e gerente da referida sociedade “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”.

4.Encontra-se junto à petição inicial como documento nº 5 denominado “DOCUMENTO PARTICULAR DE CONSTITUIÇÂO DE PENHOR”, datado de 11 de novembro de 2020, em que a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 100,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 100,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

5.Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de um empréstimo particular já concedido pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

6.Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 18/12/2020 a constituição do referido penhor de quota (100,00 Euros) a favor de BB.

7.Em 22/03/2023, por documento particular de constituição de penhor, a insolvente constituiu um direito real de garantia – penhor – sobre a sua quota no valor nominal de 29.900,00 Euros, da sociedade designada “D..., Sociedade Unipessoal Limitada”, com o número de pessoa coletiva ...74, sede na Rua ..., ..., ..., ... ... e capital social de 30.000,00 Euros, bem como dos lucros ou dividendos que venham a existir para garantia de pagamento da quantia de duzentos mil euros, a favor de BB.

8.Conforme exarado no referido documento particular de constituição de penhor, a “referida dívida no montante global de duzentos mil euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da sua constituição (seis de novembro de dois mil e vinte) é resultante de vários empréstimos particulares já concedidos ao longo dos últimos dez anos pela primeira outorgante à ora segunda outorgante. Que o presente penhor subsistirá até integral pagamento da referida dívida”.

9.Foi registado na Conservatória do registo comercial relativamente à sociedade referida, datado de 02/05/2023 o referido penhor de quota (29.900,00 Euros) a favor de BB ((cfr. certidão junta a 07/08/2023 nos autos de apreensão- apenso A).

10. É referido no relatório previsto no artº 155º, do CIRE apresentado nos autos a 03/07/2023 que: “(…) considerando que se trata de um negócio passível de ser resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º, das alíneas c) e e), do nº. 1 do art.º 121º e do art.º 123.º do CIRE, proceder-se-á à respetiva tramitação”.

11.BB renunciou ao referido penhor e veio, a 29/09/2023, desistir da reclamação de crédito que apresentou nos autos com base no documento de constituição de penhor referido.

12.Com data de registo de 13/07/2023 foram cancelados os penhores das quotas aludidos nos pontos 15.º a 20.º, tendo como requerente e responsável a insolvente, na qualidade de notária.

Ora, a alegação de que “quando a decisão foi proferida, o Tribunal tinha total e perfeito conhecimento, através de sentença por si proferida e transitada da extinção do penhor e da desistência da impugnação à relação de credores elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE pela Sra. BB, ou seja, que o tribunal recorrido tinha perfeito e total conhecimento da irrelevância do facto em causa para a satisfação universal dos credores”, não invalida, para a (não)concessão deste beneficio, o comportamento anterior da insolvente/apelante.

Ou seja, como escreve a 1.ª instância, “é certo que se procedeu ao cancelamento dos penhores e a credora acabou por desistir da reclamação, mas também é certo que a administradora judicial também já ponderava a resolução do negócio em benefício da massa insolvente. O acto não deixou de ser levado a cabo, pelo que, salvo melhor, se entende que não pode a devedora beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante”.

Como se decidiu no Acórdão desta Relação de Coimbra de 5.4.2020, pesquisável em www.dgsi.pt, “ o que releva, para a questão da concessão ou não concessão do benefício da exoneração do passivo restante é a anterior descrita actuação da recorrente, a qual, teve em vista e, na prática teve, os já mencionados efeitos. É diferente, logo no início do processo de insolvência existir ou inexistir património a apreender, com todas as consequências daí decorrentes”.

Também o Tribunal da Relação de Évora, no seu Acórdão de 15.6.2023, pesquisável em www.dgsi.pt, assim decidiu: “para efeitos de concessão da exoneração do passivo restante, instituto jurídico de exceção que concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores, o que releva é a lisura da conduta dos devedores em face dos credores, independentemente de ocorrências externas supervenientes que contendam com os efeitos de tais condutas; a resolução do negócio de doação em benefício da massa insolvente não é apta a descaraterizar a conduta culposa do devedor que dispôs dos seus bens em favor de terceiros”.

Mais, a insolvente, à data do segundo documento de constituição de penhor - 22.03.2023 - não desconhecia a sua situação de insolvência, dado que, pelo menos, em dezembro de 2022 se apercebeu que, por muito que lutasse, por muito que ganhasse, não poderia solver os seus créditos.

A insolvente sabendo da situação dos credores, tendo em conta que, pelo menos, em dezembro de 2022 se apercebeu que, por muito que lutasse, por muito que ganhasse, não poderia solver os seus créditos, constituiu e foi registado o penhor aludido por forma a evitar a penhora/apreensão e venda de quota da sociedade da qual a insolvente é única sócio-gerente - único bem da insolvente para liquidação para além dos montantes de contas bancárias - e/ou a satisfazer os créditos dos credores na liquidação no âmbito da insolvência, uma vez que em face da garantia, pela venda apenas sairia salvaguardado o pagamento do crédito a BB.

A insolvente em 22 de março de 2023 tinha conhecimento que estava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, tendo-se apresentado à insolvência em 11.05.2023 (menos de dois meses depois do conhecimento da sua impossibilidade para gerir o seu património).

É sabido que o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores - concorrendo na mesma graduação, em conjunto, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e quotizações, a ordem de prioridade que compete a esses créditos é: em primeiro lugar o crédito pignoratício; em segundo lugar o crédito laboral; em terceiro lugar o crédito da Segurança Social - neste preciso sentido o Acórdão do STJ de 9.7.2024, pesquisável em www.dgsi.pt -, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro – artigo 666.º do Código Civil.

Ora, sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, e todos se apresentam à insolvência para serem pagos, na medida do possível, pelos bens do devedor, não podendo o devedor, a seu bel - prazer, dispor do seu património, defraudando as expectativas do universo dos credores – que podem muito bem ter concedido crédito ao devedor em face do seu património, com o qual contavam como garantia do seu crédito –, arrecadando para si o produto do mesmo, ou pagando a quem entendesse, beneficiando uns credores em detrimento de outros – neste preciso sentido, o Acórdão do TRG de 19.09.2019, pesquisável em www.dgsi.pt.

Não se concorda, por isso, com a Apelante, quando alega que o ato em causa não constituiu, nem um aumento de garantia de natureza pignoratícia, mas apenas a sua estrita manutenção, sendo que deste ato não resultou nenhum prejuízo para nenhum credor, porquanto, o credor em causa, de forma unilateral, requereu o cancelamento do referido penhor, conforme aliás, consta da decisão recorrida (…) não pode corresponder a fundamento de indeferimento liminar de exoneração do passivo restante por se tratar de um ato totalmente lícito que o credor em causa teria direito nos termos do disposto no artigo 670º e 685º do Código Civil.

Assim, salvo o devido respeito, teremos de confirmar o decidido na 1.ª instância, quando escreve:

(…) o nº 2 deste artigo 186º considera a insolvência sempre culposa se ocorrer qualquer dos factos enumerados nas suas alíneas, quando praticados pelo devedor, nos três anos anteriores à declaração da insolvência.

Da letra da lei resulta, portanto, que o legislador estabeleceu nestes casos uma presunção iuris et de iure, inilidível portanto, atento o que vem disposto no art. 350º, n.º 2, in fine, do Código Civil, conducentes à qualificação da insolvência sempre como culposa.

Significa isso que, verificada que seja qualquer uma das situações enumeradas nas citadas alíneas, presumir-se-á a culpa do devedor (ou dos seus administradores). A única forma do devedor se eximir da qualificação da insolvência como culposa é afastando a existência do próprio facto, porque a sua verificação determina, inelutavelmente, a qualificação da insolvência como culposa, sem possibilidade de prova em contrário (cfr. Na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, Vol. II, pág. 14; Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, pág. 175, 2.ª edição e, do mesmo autor, “Direito da Insolvência”, página 270; Carneiro da Frada, “A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência”, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco, Vol. II, pág. 963 e ROA, Ano 66, Set. 2006, pg. 692; e Maria do Rosário Epifânio “Manual de Direito da Insolvência”, pág. 132.

(…)

O ato é censurado na medida em que se retira do património do devedor (total ou parcialmente) um bem que devia ali ser mantido para pagamento dos credores em geral, segundo as regras consignadas no CIRE, e se beneficia com esse ato um determinado credor ou um terceiro em prejuízo dos demais.

Ou seja, sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, e todos se apresentam à insolvência para serem pagos, na medida do possível, pelos bens do devedor. Não faria por isso sentido que fosse o devedor a dispor do seu património, defraudando as expectativas daqueles credores – que podem muito bem ter concedido crédito ao devedor em face do seu património, com o qual contavam como garantia do seu crédito –, arrecadando para si o produto do mesmo, ou pagando, a seu bel prazer, a quem entendesse, beneficiando uns credores em detrimento de outros.” (Ac. do TRG, de 19-09-2019, publicado em www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, salvo melhor, foi precisamente o que aconteceu: a insolvente dispôs do seu património, onerando-o, a favor de um terceiro, que beneficiou constituindo a favor da mesma um penhor sobre, pelo menos, uma das quotas da sociedade- a constituição é de 22/03/2023, o registo de 02/05/2023, a consciência de que não poderia pagar as dívidas é de dezembro de 2022 e a apresentação à insolvência é de 11/05/2023, sendo certo que a existir a dívida, já vinha de longe, privilegiando esta credora em detrimento de outros credores.

Com efeito, em virtude do referido penhor, para os respectivos credores, haveria prejuízo, pois, em sede de liquidação, será mais difícil ou mesmo impossível verem-se ressarcidos dos seus créditos, na medida em que o património disponível para sujeitar a liquidação é de valor manifestamente insuficiente face ao montante dos créditos reclamados e reconhecidos, e a ser levada a cabo a liquidação das quotas da sociedade, que se encontravam com penhor registado a favor de uma credora nos termos referidos, apenas parte do crédito seria liquidado, nada sobrando para os demais credores.

É certo que se procedeu ao cancelamento dos penhores e a credora acabou por desistir da reclamação, mas também é certo que a administradora judicial também já ponderava a resolução do negócio em benefício da massa insolvente.

O acto não deixou de ser levado a cabo, pelo que, salvo melhor, se entende que não pode a devedora beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.Com efeito, fazendo agora aplicação dos preceitos e princípios enunciados ao caso dos autos, não temos dúvidas em afirmar, perante a matéria de facto provada-, que se mostram verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas d) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE, para a qualificação da insolvência da devedora como culposa- aquele acto foi praticado no período considerado lesivo dos interesses dos credores, presumindo-se assim a insolvência da devedora, iure et de iuri, como culposa-, pelo que igualmente se mostram preenchidos os pressupostos necessários e exigidos pelo artigo 238º al. e) do CIRE, não podendo a devedora beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.

Verifica-se aqui uma situação patente de uso do património da insolvente contrário ao seu interesse e do seu património, e da disposição dos bens da devedora em proveito de terceiros (artigo 186° nº 2 alíneas f) e d) do CIRE, respectivamente).

Em suma, entendemos que se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 238 do CIRE, pelo deve ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora”.

Improcede, pois, a Apelação.

As conclusões:

(…).


*

3. Decisão

Na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ....

Custas pela apelante.

Coimbra, 8 de Outubro de 2024

(José Avelino Gonçalves - relator)

(Helena Melo – 1.ª adjunta)

(Catarina Gonçalves – 2.ª adjunta)