Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
215/10.3 GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
Data do Acordão: 11/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 143º CP
Sumário: 1.- Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal.
2.- Pratica o crime de ofensa à integridade física simples aquele que voluntária e conscientemente agarra os pulsos da ofendida de forma a evitar que a mesma colocasse os pertences deste fora de casa, causando-lhe dores.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I – Relatório.

1.1. O arguido A..., entretanto mais identificado, foi submetido a julgamento porquanto acusado pelo Ministério Público [fls. 43/44] da prática indiciária de factos que o instituiriam na autoria de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, 4 e 5 do Código Penal.

No decurso da audiência de julgamento, a coberto do disposto no art.º 358.º, do Código de Processo Penal, procedeu-se à comunicação ao mesmo arguido da alteração não substancial dos factos constantes na acusação [fls. 190], tendo ele afirmado nada ter a opor e prescindir do prazo para organizar a defesa.

Findo o contraditório, mostra-se proferida sentença decretando a sua absolvição relativamente à prática do crime inicialmente assacado, mas que, porém, o condenou como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do mesmo diploma substantivo, na pena de 80 (oitenta) de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).

1.2. Irresignado com tal veredicto, recorre o arguido, extraindo do requerimento através do qual motivou a discórdia, a seguinte ordem de conclusões:

1. Perante o princípio da subsidiariedade, vertido no art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista no art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, deve ser determinada objectivamente e não pode ser insignificante ou ligeira.

2. In casu, a agressão cometida pelo recorrente foi bastante leve, sem sequelas, além das que resultam apenas de um agarrar de pulsos, de forma a evitar que a ofendida colocasse os seus pertences fora de casa.

3. Assim a acção do arguido não pode deixar de ser considerada banal, situando-se no âmbito dos comportamentos que, pese embora desagradáveis ou incomodativos, não deverão ser censurados pelo direito de agressão máxima, isto é, pelo direito penal.

4. O que vale por dizer que a conduta do recorrente não preenche o tipo de crime pelo qual vem condenado, constituindo antes uma conduta atípica, destituída de dignidade penal.

5. Acrescendo a circunstância de ainda se encontrar excluída a respectiva ilicitude, pois que o arguido agiu em tutela de um direito próprio, por via de acção directa, nos termos previstos pelo art.º 336.º, do Código Civil.

6. Sem conceder, entende o recorrente que perante a factualidade assente, inexistem razões de prevenção geral positiva ou de prevenção especial que justifiquem a imposição da pena cominada na decisão recorrida, a qual deve ser reduzida para 20 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

7. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão sindicada preteriu ao disposto nos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

Terminou pedindo que se decida em conformidade com o assim expendido.

1.3. Observado o estatuído pelo art.º 413.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público pugnando pelo improvimento do recurso.  

1.4. Proferido despacho admitindo-o, cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idêntica improcedência

Acatado o subsequente art.º 417.º, n.º 2, respondeu o arguido. 

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária da impugnação, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis. Por isso que se determinou o respectivo prosseguimento, com recolha dos vistos devidos, e submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


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II – Fundamentação de facto.

2.1. Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes:

1. B... e o arguido são casados, entre si, desde 1973.

2. No dia 8 de Outubro de 2010, cerca das 15:00 horas, no interior da residência de ambos, sita na Rua …., área da comarca da Sertã, o arguido agarrou os pulsos da ofendida por forma a evitar que a mesma colocasse os pertences deste fora de casa.

3. De tal conduta resultaram, para a ofendida, de forma necessária, dores nos pulsos.

4. Em 12 de Outubro de 2010, a assistente apresentava as lesões descritas no relatório médico de fls. 12 a 14, as quais determinaram 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

5. O arguido ao agir da forma descrita em 3., admitiu a possibilidade de ofender a ofendida na sua integridade física, como ofendeu, conformando-se com esse resultado, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei, não se coibindo, no entanto, de agir como agiu.

6. O arguido saiu da casa id. em 2., na manhã do dia 9 de Outubro de 2010.

7. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

8. O arguido encontra-se reformado, auferindo € 379,00 mensais. É proprietário de uma casa em …. Tem o 4.º ano de escolaridade. É bem considerado pelas pessoas que o conhecem.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, consignou-se na dita sentença que:

Não resultaram provados os demais factos constantes da acusação que não venham supra referidos.


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O Tribunal não se pronunciou sobre as expressões conclusivas e/ou de Direito constantes da acusação, nomeadamente “comportamento violento e injurioso”.

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Atentou-se ao principio “ne bis in idem” na medida em que se constatou, nomeadamente, pelas declarações prestadas pela assistente, que as demais situações alegadamente ocorridas entre aquela e o arguido foram ou são alvo de outros processos-crime (vd., ainda, fls. 4, 46 e 139 a 147).

2.3. Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória constante da decisão recorrida:

Conforme dispõe o art.º 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal.

Teve-se, em consideração, desde logo, o teor de fls. 70 a 77 e do CRC junto aos autos.

O arguido negou a prática dos factos que lhe eram imputados, confirmando apenas o referido em 2.

Prestou um depoimento escorreito, sereno e seguro, e, nessa medida, o Tribunal conferiu-lhe credibilidade, sendo-o, ainda, no que concerne aos factos relativos às suas condições pessoais.

Já o depoimento prestado pela Assistente foi hesitante, algo confuso, contraditório em si mesmo, marcado pela animosidade que sente pelo arguido, denotando, ainda, outras motivações.

Não foi, ainda, consentâneo com as regras da experiência comum (mormente na forma como relatou as agressões alegadamente sofridas).

Desta forma, o Tribunal apenas valorou as suas declarações na estrita medida em que coincidiram com as prestadas pelo arguido, nomeadamente, no que concerne ao dia e hora em que ocorreram os factos.

O arguido e a assistente confirmaram o referido em 6.

O depoimento prestado por C..., filha do arguido e assistente, foi, para nós, absolutamente imprestável.

Em primeiro lugar porque nada presenciou, sendo, na sua quase totalidade, um depoimento indirecto.

Em segundo lugar porquanto mentiu claramente quando disse ter ouvido, através do telefone, o seu Pai a insultar a Mãe antes da hora do almoço (13h), uma vez que resulta claro de fls. 139 a 147 que o seu Pai apenas voltou a entrar em casa depois dessa hora.

Mais disse que logo nessa altura a Mãe lhe disse que tinha sido agredida pelo Pai.

Os documentos juntos a fls. 158 a 166 não têm a virtualidade de afastar esta conclusão.

Ademais, quer o arguido, quer a assistente, confirmaram que a discussão entre eles ocorreu por volta das 15 horas.

Esta testemunha demonstrou, ademais, estar claramente comprometida com a posição assumida pela assistente e chateada com o arguido.

Do exame médico-legal junto a fls. 12 e ss. é possível extrair tão só as lesões que a assistente apresentava a 12 de Outubro de 2010 e já não quem as infligiu.

Veja-se ademais a discrepância entre as “queixas” aí apresentadas pela assistente e as relatadas aquando da denúncia e aquando do episódio de urgência, cujo relatório se mostra junto a fls. 41.

Os atestados médicos juntos aos autos pela assistente não permitem extrair que o arguido tenha agido da forma descrita na acusação mas apenas que a mesma apresenta, há já largos anos, sintomatologia depressiva e ansiosa.

Os depoimentos de D… e E…, prestados de forma espontânea, serena e segura, foram tidos em consideração pelo Tribunal na parte em que atestaram da consideração do arguido, sendo irrelevantes quanto ao demais, na medida em que nada assistiram (sendo certo que o facto de referirem a aparente boa relação do casal não afastaria, por si só, uma eventual situação de violência doméstica).

No que concerne aos elementos subjectivos e ao referido em 3., o Tribunal socorreu-se das regras da experiência comum e de uma presunção judicial ou natural, uma vez que é possível inferir tais factos dos factos objectivos dados como provados.

Contudo, atenta a prova produzida, não foi possível concluir que o arguido pretendia ofender a ofendida na sua integridade física mas tão só que previu essa possibilidade e com a mesma se conformou.

Em relação a toda a factualidade dada como não provada, ficou o Tribunal com sérias dúvidas da sua ocorrência, atenta a falta de credibilidade da assistente e a negação de tais factos pelo arguido.

Em suma, produzida a prova, em relação a estes factos, sobraram apenas demasiadas dúvidas e nenhumas certezas, o que implicou que se fizesse uso do princípio in dúbio pro reo.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como constitui jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal –, é através das conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, e nas quais deve sintetizar as razões do pedido [artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma], que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal ad quem.

No caso presente, lendo-se a motivação apresentada pelo recorrente e as conclusões daí extraídas, como acima já consignado, depara-se-nos uma dissontonia entre elas, pois que se na primeira ensaia controverter da verificação do elemento subjectivo do ilícito de ofensa à integridade física, já nas últimas o não faz, atendo-se meramente a questão de direito, qual seja a de precisarmos se os elementos objectivos recolhidos são susceptíveis de enquadrar a previsão normativa do art.º 143.º, n.º 1.

Ora, sendo as conclusões delimitadoras do objecto do recurso, temos então que, e porque inverificado fundamento conducente a qualquer intervenção oficiosa, thema decidendum será o de ponderarmos, se:

- Os elementos fácticos acolhidos não integram a factualidade típica do art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, sob pena de preterição ao princípio constitucional plasmado no art.º 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental?

- Decorre dos autos a emergência de causa de exclusão da ilicitude, ut art.º 336.º, do Código Civil, isto é, agiu o recorrente em acção directa?

- Concedendo a manutenção da sua condenação, sempre o quantum da pena de multa fixado se mostra excessivo na dupla vertente do seu número de dias e do correspectivo quantitativo diário?

Vejamos de todas elas, salvo eventual prejudicialidade de alguma relativamente à (s) subsequente (s).

3.2. No elencado art.º 143.º, n.º 1, encontra-se previsto o crime de ofensa à integridade física.

Bem jurídico aí tutelado, a integridade física da pessoa humana, entendida esta como “um composto de integridade corporal e integridade psíquica”[1], prevendo a lei duas modalidades de realização do tipo, através de ofensas no corpo ou na saúde[2].

A nível subjectivo, trata-se de um crime doloso, admitindo-se o dolo em qualquer uma das suas modalidades previstas no art.º 14.º, do Código Penal[3].

Tendo presentes estas noções, e face à materialidade provada, outra não pode ser a conclusão senão a de que se mostram preenchidos os elementos indispensáveis ao eclodir de responsabilização penal do recorrente.

Relembrarmos mostrar-se provado que no dia, hora e local mencionados o arguido agarrou os pulsos da ofendida de forma a evitar que a mesma colocasse os pertences deste fora de casa; que de tal conduta resultaram, para a ofendida, de forma necessária, dores nos pulsos, sucedendo haver ele agido de forma a admitir a possibilidade de ofender a ofendida na sua integridade física, como ofendeu, conformando-se com esse resultado, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei, não se coibindo, no entanto, de agir como agiu.

Alegação do recorrente no sentido de infirmar a sua condenação a de que tal agressão foi bastante leve, sem sequelas, além das que resultam apenas de um agarrar de pulsos, de forma a evitar que a ofendida colocasse os seus pertences fora de casa, daí decorrendo que há-de considerar-se banal, situando-se no âmbito dos comportamentos que, pese embora desagradáveis ou incomodativos, não deverão ser censurados pelo direito de agressão máxima, isto é, pelo direito penal.

De não olvidar, porém, que à integração do tipo em causa não é necessário a existência de uma lesão na saúde do ofendido. Neste sentido se pronunciou o Assento do STJ de 18 de Dezembro de 1991[4], ao decidir que «Integra o crime do art.º 142.º do Código Penal – actual 143.º –, a agressão voluntária e consciente cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho», e cuja doutrina mantém plena validade.

E, sobremaneira, não esquecermos ter ficado provado que da conduta do recorrente sobrevieram dores nos pulsos à ofendida, pelo que não tem razão quando afirma ter-se tratado de uma lesão banal[5].

Presentes, consequentemente, quer o elemento objectivo, quer o subjectivo da infracção.

Afirmação que se faz não menosprezando que, encontrando-se o direito à absoluta inviolabilidade da pessoal integridade física terminantemente tutelado pela constituição nacional – cfr. respectivo art.º 25.º, n.º 1, em cujos termos “A integridade …física das pessoas é inviolável” -, nada no vigente ordenamento jurídico consente e/ou legitima qualquer interpretação restritiva do respectivo conteúdo, em termos de apenas supostamente abranger a protecção contra um determinado grau, mais ou menos intenso, de ofensas corporais[6].

Aliás, isso mesmo se consignou em tal aresto, precisando que era inconstitucional a dimensão normativa do preceito submetido a juízo de (des) conformidade com o texto fundamental, porque assente numa interpretação restritiva do direito à integridade pessoal, que vai contra a Constituição, na medida em que nada legitima uma interpretação do conteúdo constitucional do direito à integridade pessoal, concretamente na sua componente de direito à integridade física, em termos de apenas abranger a protecção contra um determinado grau de ofensas corporais, designadamente as que tenham por efeito a provocação de uma lesão ou de incapacidade para o trabalho.

3.3. Numa segunda linha de argumentação contra a condenação imposta, apela o arguido à emergência de uma causa de exclusão da ilicitude, qual seja a de haver actuado em acção directa, nos termos do art.º 336.º, do Código Civil.

De acordo com o art.º 31.º, n.º 1, do Código Penal, “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.”

Por sua vez, nos termos daquele normativo civil, “1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo. 2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo. 3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.”

Esta acção directa integra-se no conceito amplo de exercício de um direito, causa de exclusão de ilicitude que o Código Penal expressamente contempla no artigo 31.º, n.º 2, alínea b).

A acção directa pressupõe a verificação cumulativa de certos requisitos especificados na lei, a saber: a) a existência de um direito próprio; b) a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais; c) mostrar-se a mesma indispensável para evitar a inutilização prática do direito; d) não exceder o agente o que for necessário para evitar o prejuízo; e) não importar o sacrifício de interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

Ora, cotejando-se a matéria de facto provada, entretanto definitivamente assente, vimo-lo já, desde logo sobressai à exuberância a não prova dos requisitos impostos pelas aludidas alíneas b), c) e d), o que tudo redunda na improcedência da arguição oposta pelo recorrente neste item.

3.4. Resta ponderar se o quantum da pena de multa se mostra excessivo na dupla vertente do número de dias fixado e do correspectivo quantitativo diário arbitrado.

Moldura legal dentro da qual haveremos de mover-nos nesse enfoque, a de multa entre 10 dias e 80 dias, à taxa diária entre € 5,00 e € 6,00, isto em virtude de o recurso apenas vir interposto pelo arguido; o regime constante do art.º 409.º, do Código de Processo Penal, em cujos termos, “1. Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, … o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, …

2. A proibição estabelecida no número anterior não se aplica á agravação da quantia fixada para cada dia de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.” e, não conterem os autos elementos que, quiçá, suportassem uma alteração neste último sentido.

3.4.1. A graduação em concreto do número de dias da pena de multa obedece, exclusivamente, aos critérios estabelecidos no n.º 1 do art.º 71.º, do Código Penal, concretizados no n.º 2 seguinte, sem esquecer que, de acordo com o art.º 40.º, n.º 2, do mesmo diploma substantivo, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Em Figueiredo Dias, colhe-se a propósito deste tema que “a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso; a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa: de uma ou de outra forma, é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível.”

Significa isto que na determinação da medida concreta da pena de multa, a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial) intervêm apenas na fixação do número de dias de multa.

Ora no caso dos autos, tendo em conta que:

a) O grau de ilicitude dos factos é pouco acentuado, vistas as sequelas sobrevindas à queixosa;

b) O arguido agiu com dolo médio, porque na sua forma eventual;

c) A ausência de antecedentes criminais, limitando quase totalmente as razões de prevenção especial;

d) As medianas exigências de prevenção geral, atenta a imperiosidade de esbater o carácter generalizado que este tipo de condutas assume na nossa sociedade;

entende-se adequada, justa e equilibrada, a aplicação ao recorrente da pena de 80 dias de multa, feita na 1.ª instância, balizada então até ao limite máximo abstracto de 360 dias.

3.4.2. A fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa obedece ao disposto no art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal, ou seja, arbitrar-se-á em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

As considerações tecidas, a propósito, na decisão recorrida mostram-se pertinentes e em linha com a jurisprudência seguida nos nossos tribunais.

Por outro lado, a quantia devida foi fixada quase no limiar mínimo admissível.

Sendo precária a situação económica do recorrente, vistos os seus encargos comprovados e sopesando os que notoriamente advêm do limiar de sobrevivência, temos por ajustado reduzir o valor devido ao mínimo legal de € 5,00.


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IV – Decisão.

São termos pelos quais concedendo parcial provimento ao recurso, no mais mantendo todo o sentenciado, se altera o quantitativo diário da pena de multa devido pelo arguido para € 5,00.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs.

Notifique.


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BRÍZIDA MARTINS (Relator)
Orlando Gonçalves


[1] Cfr. Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal anotado e comentado, Quid Júris Sociedade Editora 2008, pág. 376.
[2] Cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora 1999, parte especial, Tomo I, pág. 205.

[3] Paula Ribeiro de Faria, ob. cit. pág. 211.

[4] Publicado no Diário da República, n.º 33/92, Série I-A, de 8 de Fevereiro de 1992.

[5] A propósito, cfr. dois arestos do Tribunal da Relação do Porto, um deles expendendo no sentido em que o fizemos – de 5 de Maio de 2010, relatado pela Ex.ma Desembargadora Lígia Figueiredo, no âmbito do recurso 242/08.0 GBVNF.P1, e um outro que embora não tipifique a factualidade apurada em audiência como integrando a previsão do mesmo normativo, contudo, expende em igual sintonia com a vinda de subscrever – acórdão da 12 de Janeiro de 2011, prolatado pelo Ex.mo Desembargador Artur Oliveira, no recurso n.º 379/06.0 POPRT.P1 -, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp.
[6] Maxime, neste sentido, Acórdão n.º 226/2000, de 5 de Abril de 2000, do TC, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc.