Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
338/07.6TAVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CO-AUTORIA
Data do Acordão: 05/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 348º CP
Sumário: 1. Desconhecendo a ordem e quem a emitiu, desconhece-se se essa ordem é legítima.
2. A desobediência é um crime pessoal e não comunicável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado em que são arguidos:
A..., casado, residente no Sátão;
D..., casado, residente no Sátão.
Foi proferida sentença na qual se julgou procedente a acusação e se decidiu:
- Condenar o arguido A…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, aliena b) do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz a quantia de € 300,00(trezentos euros).
- Condenar o arguido D..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de €450,00(quatrocentos e cinquenta euros).
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Da sentença interpôs recurso, o arguido D..., formulando as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, ao omitir no ponto 1° dos factos dados como provados que a notificação aí referida foi efectuada por uma funcionária da Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral, já que, para além da mesma ter confessado, tal resulta claramente do documento de fls. 4 e 5 juntos aos autos em apreço.
B) De igual modo, errou o Tribunal ao dar como provados os factos constantes dos pontos 3°, 4°, 7° e 8° da fundamentação de facto (Ponto II da douta sentença).
C) Relativamente aos pontos 3° e 4° os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação foram contraditórios, pouco consistentes e imprecisos, já que, nenhuma daquelas afirmou peremptoriamente ter-se deslocado ao posto de recolha do arguido A... no dia 3 de Novembro de 2006.
D) Além disso, naquela data, as testemunhas em causa, como consta do Auto de Notícias de fls. 3, encontravam-se a "verificar as listagens dos produtores de leite" enviadas pela firma "L... Lacticínios e Derivados, SA", listas essas que, como consta do mesmo Auto de Notícia, ainda não estavam em seu poder, uma vez que, apenas lhes foram enviadas por aquela em 12.11.2006, como consta expressamente do mencionado "Auto de Notícia".
E) Por outro lado, e no que concerne aos factos constantes dos pontos 7° e 8°, e abstraindo-nos dos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre os mesmos, temos que a ser falsa a versão carreada para os autos pelo ora recorrente, ou seja, que podiam continuar a recolher o leite desde que o arguido A... tratasse da legalização do seu posto dentro de determinado prazo, não se compreende, por um lado, porque é que este deu entrada do projecto de licenciamento na Câmara Municipal da área da sua residência, VNP..., se não podia continuar a (nestes termos a conclusão) qual se encontra junta a fls. 142, onde, mais uma vez, solicita a suspensão da recolha de leite no posto do arguido A..., uma vez que, este ainda não tinha dado entrada nos serviços qualquer processo de legalização.
F) Razão pela qual, contrariamente ao entendimento perfilhado pela douta sentença, quer-nos parecer, não só, que o arguido D... estava convencido que o seu comportamento não era susceptível de contrariar a ordem constante da 1ª notificação, como também, esta foi anulada pela 2ª notificação.
G) De igual modo andou mal o douto Tribunal a quo ao considerar que a ordem foi legítima e provinda de quem tinha competência para tal, pois, para além da mesma não se poder inferir do depoimento da testemunha Dr.ª R..., temos os documentos de fls. 160, 170 e 172 que nos dizem que a funcionária que emitiu a ordem em causa não tinha competência, sendo, a tal respeito lapidar o teor do documento de fls. 160, subscrito pela pessoa que, na altura, tutelava a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, que aqui se dá integralmente por reproduzido.
H) Quanto ao ponto 5° também da fundamentação da matéria de facto, o mesmo deveria ter sido, apenas, dado como provado que "o arguido A... não cumpriu as obrigações no prazo que lhe foi fixado, assim como não justificou tal omissão", já que, de acordo com o Regulamento das Condições Higiotécnicas da Recolha e Transporte de Leite, aplicável ao casu iudice, previsto no Decreto Regulamentar n.º 7/81, de 31/01, é ao proprietário do posto de recolha do leite, e não à firma que recolhe aquele, que compete a regularização do mesmo.
I) Acresce que, como se colhe dos depoimentos das testemunhas Dr.ª B... e H..., foi apenas o arguido A... que foi notificado para, dentro do prazo que lhe foi fixado, regularizar o seu posto de recolha de leite.
J) Pelo que, e atento o exposto, o ora recorrente logrou provar que o Tribunal errou ao dar como provados os pontos acima referidos, assim como, errou ao dar como provados outros com a extensão e omissão que o fez.
L) Devendo consequentemente, declarar o arguido absolvido do crime de desobediência e, ao não o fazer, houve, pois, um erro notório na apreciação da prova.
M) Face também ao exposto, temos necessariamente de concluir que o Tribunal a quo não valorou correctamente a prova produzida, omitindo outra, e na sua subsunção ao direito, ao condenar o ora recorrente pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
N) Na verdade, a incriminação prevista naquela mesma alínea tem carácter subsidiário, a autoridade ou funcionário só podem fazer a cominação aí prevista quando o legislador não tenha estabelecido expressamente que o comportamento deve ser sancionado diversamente, seja por uma outra incriminação, seja como um ilícito de diferente natureza.
O) E, a nosso ver, a situação que se discute nos presentes autos enquadra-se no regime das contra-ordenações contra a economia e contra a saúde pública, previsto no Decreto-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro, nomeadamente, a contra-ordenação prevista no artigo 58, n.º 1, alínea c).
P) Pelo que, não podia a funcionária da Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral, mesmo que tivesse competência para tal, o que não se concede, efectuar a cominação que efectuou e não deveria, consequentemente, o arguido ter sido punido pela prática de um crime de desobediência.
Q) Ainda que assim não se entenda, ou seja, que não existe disposição legal aplicável à situação em apreço, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá, como se colhe dos documentos de fls. 160, 171 e 172, que a ordem emanada pela referida funcionária não era legítima, pois, não tinha competência, nem sequer delegada, para o efeito.
R) Na verdade, a competência para tal pertencia à pessoa que tutelava a mencionada Direcção Regional que, na altura, era o Subdirector Regional Dr. P..., o qual, como se colhe do documento de fls. 160 dos autos, afirmou expressamente que a situação em causa era ilegal.
S) Além disso, mesmo que a dita funcionária tivesse competência delegada, como a própria afirmou, então deveria ter mencionado expressamente essa delegação, a qual também teria que ser comunicada ao destinatário do acto, o aqui recorrente, tudo sob pena de ilegitimidade da ordem.
T) O que no caso dos autos de todo não existe, como resulta das notificações de fls. 5 e 142, e, consequentemente, não poderia o arguido D... ter sido condenado do crime de que vinha acusado.
U) Por último, a sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 379°, 410°, ambos do Código de Processo Penal, 348º do Código Penal e 35°, 37°, 38° e 123°, todos do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo exposto, deve dar-se provimento ao presente recurso e, a sentença recorrida ser revogada e o arguido ser absolvido do crime de desobediência porque foi condenado.
O arguido A... vem dizer que adere à motivação do recurso do co-arguido D....
Na resposta apresentada, o Magistrado do Mº Pº defende a manutenção da decisão recorrida e o não provimento do recurso.
Nesta Relação, a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:
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A matéria de facto apurada é a seguinte:
2.1 Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1- No dia 5 de Maio de 2005, o arguido D..., na qualidade de administrador da firma "L.... Lacticínios e Derivados. S.A.” foi notificado pela Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral para suspender, a partir da data acima referida, a recolha do leite no posto de recepção, propriedade do arguido A..., sito em Cerdeira, Touro, VNP... sob pena de procedimento criminal por crime de desobediência.
2- No dia 6 de Maio de 2005, o arguido A..., proprietário do supra mencionado posto de recolha de leite, foi notificado pela Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral, de que a partir da data referida, não lhe era permitido medir leite nas instalações de que era proprietário, sitas em Ccrdcira, Touro, VNP... sob pena de procedimento criminal por crime de desobediência.
3- Em 3.11.2006. a brigada de fiscalização da Divisão de Intervenção Veterinária de Viseu verificou, que o arguido A... continuava a recolher leite no posto de recolha de que era proprietário, sito em Cerdeira. Touro. VNP... e a entrega-lo na firma "L... - Lacticínios e Derivados. S.A.”.
4- Em 13.11.2006 a brigada de fiscalização da Divisão de Intervenção Veterinária de Viseu, constatou que o produtor A..., constava da listagem de produtores de leite da firma "L... - Lacticínios e Derivados. S.A.” e que recolhia leite para a referida firma, no posto supra mencionado.
5- Os arguidos não cumpriram as obrigações no prazo que lhe foi fixado, assim como não justificaram tal omissão.
6- Sabiam os arguidos que o posto de recolha de leite sito em Cerdeira, Touro, VNP..., propriedade de A..., não possuía as condições de higiene e sanitárias para o funcionamento como posto de recepção de leite.
7- Agiram os arguidos deliberada, livre e conscientemente em todas as circunstâncias descritas, bem sabendo que desrespeitavam, assim, as ordens e proibições, contidas num acto administrativo, ordens essas e proibições que sabiam serem-lhe dirigidas e, ademais, legítimas e provindas de autoridade com competência para as emitir.
8- Estavam perfeitamente cientes, os arguidos, de que a suas relatadas actuações os faziam incorrer em responsabilidade criminal.
Mais se provou: (numeração da sentença, com repetição de nº 6, 7 e 8)
6- O arguido A... não tem antecedentes criminais.
7- O arguido D... não tem antecedentes criminais.
8- O arguido A... é agricultor e retira da agricultura um rendimento anual de cerca de 3000 euros.
9- O arguido A... é casado e a sua esposa ajuda na agricultura.
10- O arguido A... tem casa própria e carro.
11- O arguido D... aufere, como administrador da L..., a quantia mensal de cerca de 750 euros.
12- O arguido D... é casado, a sua esposa está reformada e aufere mensalmente cerca de 1600 euros.
13- O arguido D... tem uma filha menor que se encontra a estudar.
14- O arguido D... paga de mensalidade para aquisição de casa a quantia de 1200 euros.
15- O arguido D... tem duas viaturas.
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Analisando:
O arguido recorrente D… invoca errada apreciação da matéria de facto;
Questiona a legitimidade da ordem por falta de competência de quem a emitiu;
Que houve erro notório na apreciação da prova, não valorando correctamente a prova produzida;
Invoca errada subsunção dos factos ao direito, entendendo que o comportamento deve ser sancionado diversamente, por uma outra incriminação e um ilícito de diversa natureza;
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Nos termos do disposto no artigo 348, n.º 1, al. b), do CP “Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se: b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
São requisitos, ou elementos constitutivos do crime de desobediência, que a ordem seja formal e substancialmente legal ou legítima e ainda que dimane de autoridade ou funcionário competente –cfr. Maia Gonçalves em anotação ao art. 348 do seu Código Penal anotado e comentado.
Conforme se salienta na fundamentação jurídica da sentença recorrida, “Qualquer que seja, pois, a modalidade que concretamente revista, são elementos essenciais ou constitutivos do crime de desobediência: a) a existência de uma ordem ou mandado substancialmente legítimo; b) a regular comunicação da ordem ou mandado; c) a emanação de autoridade ou funcionário competente; d) a existência de uma disposição legal a cominar, no caso, a punição da desobediência simples ou, na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação; e) o não acatamento da ordem ou mandado (elementos objectivos); f) o dolo, traduzido no conhecimento pelo agente da situação típica e a actuação ciente da ilicitude da sua conduta (elemento subjectivo).

(…)
A ordem cujo não acatamento se reprime coincidirá com a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto: a ordem contém necessariamente uma norma de conduta, positiva ou negativa, embora de natureza necessariamente pessoal e concreta, posto que obrigatoriamente dirigida a um particular cidadão, individualmente considerado.
O mandado haverá de ser substancialmente legítimo, ou seja, deverá surgir em presença de uma disposição legal que autorize a sua emissão nos exactos termos em que foi realizada ou, na ausência de disposição legal, na sequência e no âmbito do exercício dos poderes para um tal efeito discricionariamente reconhecidos ao funcionário emitente ou autoridade expedidora.
Para além de legitimidade substantiva, a ordem ou o mandado têm que ter validade formal. Vale por dizer que apenas se poderá reconhecer a comissão de um crime de desobediência onde a ordem ou mandado haja sido emitido e comunicado em conformidade com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão e comunicação.
Exige-se ainda que a autoridade ou o funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, ou seja, que a conduta, activa ou omissiva, que pretendem impor ao destinatário caiba na esfera das respectivas atribuições, definida pela parcela do poder detida, pelo tempo conferido para o respectivo exercício e pela área de jurisdição reservada (sublinhados nossos).
No caso dos autos e tendo em conta a matéria de facto apurada, nota-se desde logo a falta do elemento objectivo “ordem legítima”, assim como se desconhece o emitente da ordem.
Dos factos 1 e 2 dos provados apenas consta a comunicação/notificação de uma ordem de suspensão da medição e recolha de leite, por falta de condições de higiene e sanitárias, ponto 6 dos provados.
Mas, se tais factos pressupõem a existência de uma ordem de suspensão, a mesma não consta dos factos provados. E, não constando a ordem, desconhece-se quem a emitiu e se tinha competência para o fazer.
Desconhecendo a ordem e quem a emitiu, desconhece-se se essa ordem é legítima.
Elemento necessário e constitutivo do crime de desobediência é (como já referido) que a ordem seja formal e substancialmente legal ou legítima e ainda que dimane de autoridade ou funcionário competente.
Para se verificar o crime de desobediência ter-se-ão que verificar os seus elementos: ordem ou mandado, legalidade substancial e formal da ordem ou mandado, competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão, regularidade da sua transmissão ao destinatário e violação dessa ordem ou mandado.
Com efeito, resulta da Lei Fundamental (artigo 266.º, n.º 2) e também do Código de Procedimento Administrativo (artigo 3.º, n.º 1) como emanação daquela, que todos e quaisquer actos da administração estão subordinados ao princípio da legalidade, princípio este que informa todo o direito público e em particular o direito administrativo, entendido este, por contraposição ao princípio da liberdade contratual que informa todo o direito privado, e que se traduz grosso modo no seguinte: no direito público só se pode realizar o que a lei permite enquanto no direito privado se pode realizar tudo o que a lei não proíbe.
Assim, no caso sub judicio a questão coloca-se ab initio relativamente à ordem e a quem a emitiu.
A par da necessidade de averiguar se há ordem ou mandado, também há que averiguar quem a emitiu. Se foi emitida por quem tinha legitimidade ou autoridade para tal, assim como há que verificar se ao emitente da ordem foi feita a delegação de competências ou de poderes nessa matéria já que também é questão suscitada no recurso, isto no caso de não ser emitida no exercício de competência própria.
Sendo que no caso de a ordem ser proferida no uso de poderes delegados, enquanto delegado desses poderes terá obrigatoriamente que mencionar que todos esses e quaisquer actos que exerça enquanto tal ou nessa qualidade, e esta qualidade de delegado tem de ser obrigatoriamente mencionada.
Desconhecendo-se a ordem ou mandado ou a decisão que lhe subjaz e a fundamentação da mesma.
Assim, verifica-se não existir um elemento objectivo que a norma incriminadora faz depender a incriminação dos factos ao arguido, ou seja, que tal ordem ou mandado tenham sido emanados da autoridade ou órgão competente e que a mesma, necessariamente consubstanciada numa decisão de uma autoridade administrativa, seja legal quer substancialmente quer formalmente.
Mas, esta falta poderá ser colmatada, pois que se intui dos factos apurados que a mesma possa existir.
Não se compreende que exista a comunicação/notificação referida nos pontos 1 e 2 dos provados, sem a ordem que a fundamente e sustente.
Pelo que esta falta configura o vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410 nº 2 al. a) do CPP.
Vícios:
Os vícios enumerados no art. 410 nº 2 do CPP, são de conhecimento oficioso.
Nos termos do mesmo preceito, os vícios aí elencados hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê­-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
Assim que é matéria de facto relevante apurar a existência da ordem ou mandado e da sua legitimidade.
O conhecimento desta questão prejudica as demais questionadas no recurso, pois que dela estão dependentes.
A situação apontada consubstancia o vício do art. 410 nº 2 al. a) do CPP. Trata-se de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício outra solução não deixa que não seja a do reenvio dos autos para, em novo julgamento, ser suprido.
Mas o reenvio para novo julgamento, respeita apenas às questões supra enunciadas –art. 426 nº 1 do CPP.

***
O requerimento do arguido A..., constante de fls. 233, onde invoca co-autoria e aderência à motivação do recurso do arguido D..., não pode valer como requerimento de recurso, para além do mais porque seria manifestamente extemporâneo.
Mas, este arguido apenas pretende beneficiar do estatuído no art. 402 do CPP, que o resultado do recurso do arguido D... lhe aproveite.
Assim, apesar de recebido como recurso, fls. 247 (despacho de admissão), tal admissão não vincula este tribunal, art. 414 nº 3 do CPP.
A situação dos autos configura a situação de co-autoria ou comparticipação?
A desobediência é um crime pessoal e não comunicável, pois que in casu, a obrigação de non facere de um e outro dos arguidos era diferente (um não medir o leite e outro não o recolher).
Mas também é certo que só com a desobediência de um e de outro dos arguidos se conseguia a manutenção da actividade ilegal. Sem medição do leite não podia haver recolha e sem recolha escusado era fazer a medição.
Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, é necessária uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
Assim que se entenda ter havido conluio entre os arguidos para o efeito de continuarem a actividade, porque só com a colaboração de um podia haver o crime do outro, ou seja haveria uma actividade ilícita só com a actuação de ambos.
Assim que se entenda que a decisão deste recurso do arguido D... aproveita ao arguido A....
Decisão:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente, anular o julgamento determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento respeitante às matérias apontadas, nos termos do art. 426 do CPP, aproveitando a decisão do recurso a ambos os arguidos.
Sem custas.
Coimbra,
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