Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO ESTRUTURA RESIDENCIAL PARA PESSOAS IDOSAS LICENÇA DE FUNCIONAMENTO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA INCONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 09/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 39.º-E, AL.ª A), E 39.º-G, N.º 1, DO DLEI N.º 64/2007, DE 14-03, COM A ALTERAÇÃO DO DLEI N.º 33/2024, DE 04/03, 32.º DO RGCO E 72.º DO CÓDIGO PENAL | ||
Sumário: | I – Exercendo a atividade relativamente a 10 idosos, mediante o pagamento de mensalidades que variavam entre € 900,00 e € 1.100,00, sendo as fraldas e a medicação pagas pelos familiares, a arguida tem finalidade lucrativa, prosseguida no âmbito do apoio social a pessoas idosas/estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), sem que, porém, possuísse a respetiva licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento atribuída pela Segurança Social.
II – Para que possa ocorrer atenuação especial da sanção/coima é necessário que se provem factos que consubstanciem uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da desnecessidade da punição. III – O facto de os idosos terem sido bem tratados e assistidos pode ser valorado como circunstância atenuante, aquando da determinação concreta da medida da coima, mas já não em sede de atenuação especial enquanto circunstância que diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa da arguida ou a necessidade da pena. IV – No direito de mera ordenação social não se encontra previsto, nem pode ter lugar, o instituto de suspensão da coima. V – Não padece de inconstitucionalidade a norma contida no art.º 39.º-E, al.ª a), do DLei n.º 64/2007, de 14-03. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A arguida AA, veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou a coima de € 20.000,00, pela prática de uma contraordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 11.º, n.º 1, 39.º-B, alínea a) e 39.º-E, alínea a), todos do D.L. n.º 64/2007, de 14/03, alterado pelo DL n.º 33/2024, de 04/03. * Recebido o recurso foi designada data para audiência de julgamento. * Realizou-se o julgamento como consta da respetiva ata. * Foi, depois, proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Julgo improcedente o presente recurso e condeno AA na coima de €20.000,00, pela prática da contraordenação muito grave de que vem acusada, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 1, al. b), 11.º, n.º 1, 39.º-B, al. a) e 39.º-E, al. a) do DL n.º 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo DL n.º 33/2014, de 4 de março.” * A arguida, notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). * O Ministério Público veio apresentar resposta que conclui nos seguintes termos: (…). * O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 411 e segs., no sentido de que “ao recurso deverá ser negado provimento, por manifestamente infundado”. * Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II – Fundamentação a) - Matéria de facto provada e não provada constante da sentença recorrida: 1.º Em 31 de maio de 2022, pelas 10 horas e 30 minutos, uma equipa da inspeção constituída pelas inspetoras da segurança Social BB e CC, deslocou-se à rua ..., em ..., ..., onde constataram a existência de um equipamento denominado ..., no qual a arguida, prosseguia atividades no âmbito do apoio social a pessoas idosas/estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), sem que possuísse a respetiva licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento atribuída pela Segurança Social; 2.º Na data da visita inspetiva foram identificadas dez pessoas idosas, em regime de alojamento permanente, tendo os elementos de identificação de cada uma sido facultados pela arguida, complementados, posteriormente, por consulta ao sistema de informação da Segurança Social, a saber: » DD, nascida em ../../1933, autónoma; » EE, nascida em ../../1940, dependente e locomoção c/ andarilho; » FF, nascida em ../../1930, dependente, locomoção cadeira de rodas; » GG, nascida em ../../1934, dependente, locomoção andarilho; » HH, nascida em ../../1936, autónoma; » II, nascida em ../../1936, autónoma; » JJ, nascida em ../../1930, dependente, locomoção andarilho; » KK, nascida em ../../1931, dependente, locomoção cadeira de rodas; » LL, nascida em ../../1936, dependente, locomoção andarilho; » MM, nascido em ../../1936, autónomo; 3.º A atividade de apoio social era promovida pela arguida desde maio de 2017, e incluía o alojamento permanente e a prestação dos serviços de alimentação, higiene pessoal, higiene habitacional, tratamento de roupas e assistência medicamentosa; 4.º O imóvel, propriedade da arguida, era de tipologia habitacional, designadamente, moradia autónoma, constituída por: » cave, composta por garagem e uma despensa, com uma arca congeladora; » rés do chão, constituído por: - hall, onde se encontrava uma cama articulada que, segundo a arguida, se destinava a isolamento em caso de suspeita de doença COVID 19; - zona de estar, com dez cadeirões e zona de refeições composta por uma mesa redonda para oito lugares sentados; - dois quartos triplos e dois quartos duplos, encontrando-se três camas desmontadas numa das varandas; - duas instalações sanitárias, uma das quais com poliban; - cozinha com uma configuração semelhante a copa, que comunicava diretamente com a zona de estar/refeições; - despensa de dia situada num armário com portas de correr na zona do hall; - varanda, que servia de zona de arrumos, onde se encontravam as máquinas de lavar e secar roupa; » piso superior, zona de alojamento da arguida, era constituído por: - um quarto com WC, sala de estar com copa; - arrumo de roupa; - um compartimento onde se encontrava instalado o termoacumulador elétrico; - um escritório, onde foram consultados os processos dos utentes; 5.º Verificou-se uma capacidade instalada para dez residentes, podendo atingir catorze através da utilização das camas que se encontravam desmontadas, situação que, segundo as declarações da proprietária, já tinha ocorrido; 6.º O imóvel apresentava deficientes condições de instalação, não assegurando condições de acessibilidade, designadamente: » a dimensão dos quartos e o número de camas instaladas (sobretudo os quartos triplos) não permitiam a rotação em cadeiras de rodas; » as instalações sanitárias, apesar de algumas ajudas técnicas, não permitiam a aproximação frontal ao lavatório, não estando equipadas com porta de batente de abrir para fora e de sinalização de emergência; 7.º O equipamento não assegurava as condições mínimas de segurança contra incêndios, não existindo detetores de incêndio, botões de alarme e central de alerta, verificou-se a instalação de gás com esquentador na cozinha, cuja colocação e manutenção não se encontrava certificada; a existência de uma lareira na zona de estar; e camas encostadas aos convetores de aquecimento; 8.º Não foram detetados indícios de desadequação em matéria de higiene e conforto das instalações e na aparência dos residentes idosos; 9.º Aos utentes do estabelecimento eram prestados os cuidados necessários ao seu bem estar, em termos de alimentação, saúde e tratamento pessoal; 10.º O equipamento não tinha sido objeto de vistoria pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil; 11.º O serviço de alimentação obedecia a ementas, encontrando-se afixada a ementa respeitante ao dia da inspeção, que não incluía dieta e não respeitava refeições completas ao almoço e ao jantar: a primeira compreendia conteúdos de carne ou peixe com acompanhamento e sobremesa e o jantar incluía sopa e fruta ou doce; 12.º A medicação era administrada pela arguida, que organizava os medicamentos em caixas unidose, mediante as respetivas prescrições médicas. Os medicamentos encontravam-se arrumados em armário fechado no quarto triplo, ocupado por pessoas idosas dependentes e a medicação diária encontrava-se na bancada da cozinha; 13.º A arguida assumia a gerência e a prestação de cuidados diários, incluindo a vigilância noturna. 14.º Na data da visita inspetiva, os residentes encontravam-se aos cuidados da arguida e da trabalhadora BB, NISS ...63: ambas desempenhavam tarefas indiferenciadas de cuidados de higiene pessoal, de limpeza das instalações, de tratamento de roupas e confeção de refeições; 15.º A arguida informou que também tinha celebrado contrato de trabalho com NN, para o desempenho das funções inerentes à categoria de auxiliar de ação direta; 16.º Os cuidados de saúde eram prestados pela médica OO, que comparecia uma vez por mês ou quando chamada e pelo enfermeiro PP, de ..., que comparecia quando era necessário; 17.º Os serviços eram prestados mediante o pagamento de mensalidades, mediante a emissão de recibos, que variavam entre €900,00 e €1.100,00, sendo as fraldas e a medicação pagas pelos familiares; 18.º A arguida encontrava-se enquadrada no Regime dos Trabalhadores Independentes desde 1 de janeiro de 2020, sendo membro de órgão estatutário da pessoa coletiva A..., unipessoal, Lda., NISS ...68, desde 3 de agosto de 2020, com atividade económica no âmbito das atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento; 19.º Correu termos no Centro Distrital da Segurança Social um processo de licenciamento que teve como entidade promotora AA, que resultou na emissão de parecer favorável, datado de 29 de agosto de 2018, do Diretor da Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia do ISS, IP (Inf. n.º 2147-09... - NATRS), ao projeto de licenciamento relativo à adaptação/ampliação do piso cave de um imóvel, moradia unifamiliar, de ERPI para 14 pessoas, situado na rua ..., em ..., freguesia ..., concelho ...; 20.º O parecer favorável referido em 19.º ficou condicionado aos pareceres da Autoridade de Saúde e da Autoridade Nacional de Proteção Civil, relativamente às alterações ao edificado em causa; 21.º Tal parecer foi notificado à arguida através do ofício n.º ...32, de 31 de agosto de 2018; 22.º Do mesmo processo consta o relatório de uma reunião, solicitada pela arguida, realizada em 21 de julho de 2022, no Centro Distrital ..., tendo por objetivo a obtenção de esclarecimentos sobre o desenvolvimento daquele projeto de arquitetura (Informação n.º 2515-10...); 23.º Conforme informação do Núcleo de Respostas Sociais deste Centro Distrital, não existe procedimento administrativo com vista à obtenção de autorização de funcionamento em nome da arguida (email 24/06/2022); 24.º A arguida não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e lhe era exigível em função das circunstâncias, não tendo observado as normas legais inerentes ao exercício da atividade social de ERPI, prosseguindo a referida atividade social de forma ilícita; Factos não provados: Não se provaram os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito da causa: 1.º As obras exigidas no imóvel cifravam-se no montante de quase um milhão de euros e não foram realizadas porque a arguida não conseguiu obter financiamento para as desenvolver; 2.º A arguida praticou os factos por motivo honroso, para amparar as famílias que lhe pediram auxílio face à inexistência de resposta na rede público-privada de lares para acolher idosos em contexto Covid. * * b) - Discussão A arguida recorrente suscita as seguintes questões: 1ª – Se devia ter sido aplicada a moldura abstrata prevista no n.º 1 do artigo 39.º-G, do DL n.º 33/2014, de 04/03. 2ª – Se a coima devia ter sido especialmente atenuada. 3ª – Se a coima devia ter sido suspensa na sua execução. 4ª – Se a norma constante da alínea a) do artigo 39.º-E, do DL n.º 33/2014, de 04/03 padece de inconstitucionalidade. * * 1ª questão Se devia ter sido aplicada a moldura abstrata prevista no n.º 1 do artigo 39.º-G, do DL n.º 33/2014, de 04/03. Alega a recorrente que: - Da matéria provada não resulta que a Recorrente exercia a sobredita atividade com finalidade ou intuito lucrativo, o qual é presumido nas sociedades comerciais dada a sua natureza jurídica, mas não nas pessoas singulares. - A finalidade lucrativa não se confunde com a mera obtenção de lucro, com o exercício de atividade económica, nem tão-pouco com a retribuição como contrapartida do trabalho: carece de ser demonstrada, não presumida e depende da destinação das receitas e do eventual lucro existente. - Ademais, estão notoriamente provadas em sentença e em pa. a fls. 100 e ss. as despesas que a Recorrente tinha com o desenvolvimento da atividade de apoio social, apresentando em muitos meses, saldo negativo. - Ficando por demonstrar qual o destino dos resultados da atividade – se para as despesas documentadas, se para a Recorrente – não se poderá concluir, sem mais elementos probatórios, pela existência da finalidade lucrativa. - Padecendo a sentença recorrida de vício de falta de fundamentação no que concerne à determinação da coima abstratamente aplicável, fundada na finalidade lucrativa da Recorrente. - Inexistindo facto provado, de entre o total de 24 transcritos, que demonstra, com segurança e de forma não presumida, a finalidade lucrativa da atividade desenvolvida pela Recorrente, o tribunal a quo podia e devia, em sede de determinação da coima abstratamente aplicável ter convocado a aplicação do art. 39.º-G, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, reduzindo para metade os limites mínimos e máximos da coima aplicável à Recorrente, concluindo, em concreto, pela aplicação da coima pelo seu montante mínimo pelas razões e fundamentos já descritos em sentença recorrida. Por outro lado, decidiu-se na sentença recorrida que à infração cometida pela arguida, entidade com fim lucrativo, é aplicável uma coima entre € 20.000,00 e € 40.000,00 (artigos 39.º-E, a) e 39.º-G, n.º 1, ambos do DL n.º 64/2007). Resulta do disposto nestes normativos: “Artigo 39.º-E Coimas Às infrações previstas nos artigos 39.º-B a 39.º-D são aplicáveis as seguintes coimas: a) Entre 20 000,00 EUR e 40 000,00 EUR, para a infração muito grave referida na alínea a) do artigo 39.º-B; Artigo 39.º-G Limites máximos e mínimos das coimas 1 - Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa.” Pois bem, tendo em conta o disposto nestes normativos impõe-se concluir que não assiste qualquer razão à recorrente, desde logo, porque, ao contrário do que alega não resulta da matéria de facto provada que a arguida desenvolvia a sua atividade sem fins lucrativos. Antes pelo contrário, o que se extrai do ponto 17 da matéria de facto provada é que a arguida exercia a atividade em causa com finalidade lucrativa. A recorrente alega que não ficou demonstrado qual o destino dos resultados da atividade, não se podendo, sem mais, concluir pela existência da finalidade lucrativa. Não acompanhamos a recorrente na medida em que entendemos que tal demostração é irrelevante para se concluir por aquela, posto que, tal exigência não tem qualquer fundamento legal e, como já referimos, a finalidade lucrativa pode extrair-se do já referido ponto 17 da matéria de facto provada. Na verdade, não conseguimos vislumbrar como é que exercendo a atividade em causa relativamente a 10 idosos e nos termos descritos nos pontos 11 a 16, mediante o pagamento de mensalidades que variavam entre € 900,00 e € 1.100,00, sendo as fraldas e a medicação pagas pelos familiares, se poderia classificar a arguida como entidade sem finalidade lucrativa. Assim, ao contrário do alegado pela recorrente, a sentença recorrida encontra-se fundamentada no que concerne à determinação da moldura abstrata aplicável. Pelo exposto, inexiste qualquer fundamento legal para que seja aplicada a moldura abstrata a que alude o n.º 1 do artigo 39.º-G, sendo aplicável a prevista na alínea a) do artigo 39.º-E, ambos do DL n.º 33/2014, de 04/03. Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente. 2ª questão Se a coima devia ter sido especialmente atenuada. Alega a recorrente que: - O tribunal a quo partiu dos factos não provados para a não aplicação da atenuação especial da pena; deveria o tribunal a quo partir da factualidade provada a fim de aferir se esta é suficiente e bastante para conduzir à aplicação da atenuação especial. - Relevam nomeadamente os factos provados sob os n.ºs 3; 4; 8; 9 e 11, no entanto, a sentença recorrida perfilhou do entendimento que: “Assim como também não pode considerar-se como atenuante o argumento de que os utentes acolhidos no equipamento em apreço foram bem tratados e bem assistidos, porquanto se tal não tivesse ocorrido, a arguida teria incorrido em responsabilidade criminal e não meramente contraordenacional.” - Não podemos, no entanto, concordar: o facto praticado pela Recorrente poderia revestir contornos que não chegassem a preencher o crime de maus-tratos, mas que também não acautelassem o bem-estar físico e psíquico destas pessoas, especialmente vulneráveis. O que não sucedeu, conforme provado e assente. - No que respeita às circunstâncias relativas ao agente que no caso poderão atuar como atenuantes salientamos: - Os documentos juntos ao pa. a fls. 100 e ss., onde é demonstrado o prejuízo mensal que a Recorrente tinha com o desenvolvimento da atividade visada, demonstrativo da ausência de motivos com intuito lucrativo; os factos provados sob os n.ºs 19.º, 20.º e 21.º; a imputação a título negligente não doloso do facto, demonstrativo apenas de falta de cuidado ou atenção; a conduta posterior ao facto e processual da Recorrente, nomeadamente, a adoção de atos demonstrativos de arrependimento sincero, nomeadamente, pela rápida colaboração com as entidades competentes e imediato encerramento das instalações, demonstrando, ademais, um espírito e atitude colaborativa ao longo de todo o processo - É possível concluir pela atenuação quer no plano da ilicitude, culpa e necessidade da pena, nos termos do art. 72.º, n.º 2, als. b), c) e d) do CP: os motivos subjacentes à prática do facto, a não lesão do bem jurídico protegido pela norma e a remota colocação em perigo do mesmo; o arrependimento da Recorrente, a confissão integral dos factos e conduta processual colaborante; o encerramento imediato das instalações e, por último, o decurso de cerca de dois anos desde a prática do facto. - Olhando para o quadro factual assente, demonstra-se evidente que beneficia a Recorrente dessa “imagem globalmente atenuada”. - Assim, violou a sentença recorrida os arts. 18.º, n.º 1 e n.º 3 do RGCO e art. 71.º e 72.º do CP, porquanto dos factos assentes, do acervo documental e da própria fundamentação da sentença resulta evidente que a Recorrente poderá e deverá beneficiar da atenuação especial da pena, vendo o limite mínimo e máximo da coima abstratamente aplicável reduzidos para metade, devendo em concreto ser fixada no seu limite mínimo, ou seja, € 10.000,00 (dez mil euros). A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Por seu lado, o art.º 18.º n.º 3 do RGCO estatui que quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade. A atenuação especial da punição por contraordenação está consagrada no artigo 18.º, n.º 3 e pode verificar-se nas situações previstas nos artigos 9.º, n.º 2 (erro censurável); 13.º, n.º 2 (tentativa punível) e 16.º, n.º 3 (cúmplice) todos do RGCO. O caso dos autos não se enquadra em qualquer uma destas situações. Acresce que o artigo 72.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCO, também prevê a atenuação especial da pena, para além dos casos previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infração ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Assim, para que se possa verificar o privilégio da atenuação especial é necessário que se provem factos que consubstanciem uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa da arguida/recorrente ou da desnecessidade da punição. Ora, manifestamente, não foram provados factos que permitam a pretendida atenuação da coima. Com efeito, verifica-se que o juízo de censura imputado pela autoridade administrativa é o cometimento da infração a título de negligência. A negligência define-se como a inobservância do dever objetivo de cuidado imposto por lei e traduz-se num comportamento (por omissão). Assim, impondo a lei determinada conduta e provando-se que um agente não a adotou, verifica-se, desde logo, a contraordenação imputável a título de negligência. Na verdade, a culpa nas contraordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto ao agente, bastando-se por isso com a imputação do facto ao agente, sendo certo que, nos termos do art.º 550.º do CT, a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível. Por outro lado, quando estão em causa incriminações com evidente ressonância ética, o artigo 17.º do Código Penal apenas admite excluir a responsabilidade se a falta de consciência da ilicitude não for censurável ao agente (art.º 9.º do RGCOC). Aqui se contempla o erro sobre a ilicitude ou erro de permissão, também denominado de erro de proibição indireto, o qual ocorre quando o agente, muito embora tenha conhecimento do tipo e do seu inerente desvalor, erra sobre a intervenção de uma norma permissiva, isto é, supõe existir uma norma de justificação, quando ela na realidade não existe, ou, existindo, está aquém da sua suposição, no sentido de que a conduta do agente não é por ela abrangida. Para tanto, é necessário que qualquer pessoa, nas mesmas circunstâncias, não pudesse ter um impulso para equacionar um conflito entre a conduta do agente e a ordem jurídica. Há, portanto, de reconhecer o cometimento dos ilícitos contraordenacionais a título de negligência (não desculpável), não se verificando in casu os pressupostos necessários à atenuação especial da pena. Com efeito, no caso vertente não se vislumbra a existência de quaisquer circunstâncias anteriores ou posteriores às infrações, ou contemporâneas delas, que diminuam por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do agente ou a necessidade da coima. Designadamente, não podem considerar-se como atenuantes as circunstâncias alegadas pela arguida de que: - as obras exigidas no imóvel cifravam-se no montante de quase um milhão de euros e não foram realizadas porque não conseguiu obter financiamento para as desenvolver; - praticou os factos por motivo honroso, para amparar as famílias que lhe pediram auxílio face à inexistência de resposta na rede público-privada de lares para acolher idosos em contexto Covid; Porque esta factualidade não se provou. E, ao invés, apurou-se que a arguida já exercia a atividade em apreço desde maio de 2017, ou seja, muito antes do início da pandemia Covid. Assim como também não pode considerar-se como atenuante o argumento de que os utentes acolhidos no equipamento em apreço foram bem tratados e bem assistidos, porquanto se tal não tivesse ocorrido, a arguida teria incorrido em responsabilidade criminal e não meramente contraordenacional.” Vejamos: Conforme resulta do n.º 1 do artigo 39.º-I do DL n.º 33/2014, de 04/03 e do n.º 1 do artigo 18.º, do RGCC[2]: <<A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação >>. Acresce que, <<quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade>> - n.º 3 do citado artigo 18.º. Há lugar à atenuação especial (obrigatória) da punição nos casos previstos nos artigos 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 2 e 16.º, n.º 3 do mesmo RGCC, ou seja, no caso de erro sobre a ilicitude censurável, de tentativa e de cumplicidade. Mas <<o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena>> - n.º 1 do artigo 72.º do CP. Da matéria de facto apurada resulta que: - A arguida desenvolvia a atividade de apoio social desde maio de 2017; - O imóvel apresentava deficientes condições de instalação, não assegurando condições de acessibilidade, designadamente: » a dimensão dos quartos e o número de camas instaladas (sobretudo os quartos triplos) não permitiam a rotação em cadeiras de rodas; » as instalações sanitárias, apesar de algumas ajudas técnicas, não permitiam a aproximação frontal ao lavatório, não estando equipadas com porta de batente de abrir para fora e de sinalização de emergência; - O equipamento não assegurava as condições mínimas de segurança contra incêndios, não existindo detetores de incêndio, botões de alarme e central de alerta, verificou-se a instalação de gás com esquentador na cozinha, cuja colocação e manutenção não se encontrava certificada; a existência de uma lareira na zona de estar; e camas encostadas aos convetores de aquecimento; - Não foram detetados indícios de desadequação em matéria de higiene e conforto das instalações e na aparência dos residentes idosos; - Aos utentes do estabelecimento eram prestados os cuidados necessários ao seu bem-estar, em termos de alimentação, saúde e tratamento pessoal; - O equipamento não tinha sido objeto de vistoria pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil; - O serviço de alimentação obedecia a ementas, encontrando-se afixada a ementa respeitante ao dia da inspeção, que não incluía dieta e não respeitava refeições completas ao almoço e ao jantar: a primeira compreendia conteúdos de carne ou peixe com acompanhamento e sobremesa e o jantar incluía sopa e fruta ou doce; - Os serviços eram prestados mediante o pagamento de mensalidades, mediante a emissão de recibos, que variavam entre €900,00 e €1.100,00, sendo as fraldas e a medicação pagas pelos familiares; - A arguida não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e lhe era exigível em função das circunstâncias, não tendo observado as normas legais inerentes ao exercício da atividade social de ERPI, prosseguindo a referida atividade social de forma ilícita; Ora, lida a matéria de facto provada da mesma não consta qualquer circunstância que diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa da arguida ou a necessidade da pena. Ao contrário do alegado pela arguida não resulta da matéria de facto a inexistência de intuito lucrativo e a alegada confissão e encerramento do estabelecimento por parte da arguida têm pouca relevância, na medida em que não há como não “confessar” face à falta de licença e o encerramento revela-se inevitável perante tal falta e a possibilidade de encerramento administrativo. E quanto ao facto de os idosos terem sido bem tratados e assistidos o mesmo pode ser valorado como circunstância atenuante, aquando da determinação concreta da medida da coima, mas já não em sede de atenuação especial enquanto circunstância que diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa da arguida ou a necessidade da pena. Na verdade, <<a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos <<normais>>, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios>>[3]. Assim sendo, facilmente se conclui que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a atenuação especial da punição por contraordenação. Por fim, tendo em conta o que ficou dito, facilmente se conclui que, ao contrário do alegado pela recorrente, na decisão recorrida foram ponderados os factos provados e os não provados porque invocados pela arguida, não beneficiando a recorrente de uma “imagem globalmente atenuada”. Na verdade, inexistem quaisquer circunstâncias atenuantes que nos apresentem uma imagem global do facto, resultante daquelas, com uma gravidade especialmente diminuída. Como se refere no acórdão da RC, de 28/09/2011: “A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.” Improcedem, assim, as conclusões da recorrente. 3ª questão Se a coima devia ter sido suspensa na sua execução. Alega a recorrente que: - Poderá beneficiar da suspensão da sua execução, nos termos dos arts. 39.º-K do Decreto-Lei n. 64/2007, de 14 de março, do art. 60.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro (regimes primários sectoriais), 32.º do RGCO (regime primário geral) e do art. 50.º do CP (regime subsidiário). - O facto de apenas existirem exigências de prevenção geral no domínio contraordenacional não afasta esta possibilidade, apenas exigindo o respeito por estas, uma vez que inexistem exigências de prevenção especial. - No domínio contraordenacional em causa nos autos tal seria facilmente logrado mediante a aplicação subsidiária do art. 50.º do CP, com a suspensão da execução da coima, mediante o cumprimento de deveres. Vejamos: É pacífico que a suspensão da execução da coima aplicada nas contraordenações laborais não se encontra prevista no RPCLSS, no RGCC nem no Código do Trabalho. Na verdade, no direito de mera ordenação social não se encontra previsto o instituto de suspensão da coima. O Código Penal prevê a suspensão da execução da pena de prisão e apenas a substituição da pena de multa por caução de boa conduta, nos casos previsto no seu artigo 90.º-D. Como se decidiu no acórdão da RL, de 10/01/2024, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos: “32. Acresce que, segundo a doutrina que o Tribunal aqui acompanha (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, página 153): 33. Com efeito, na falta de previsão especial sobre a suspensão da execução da coima no regime primário, sectorial, das contraordenações laborais, o Tribunal só poderá aplicar a suspensão da execução da coima se isso estiver previsto no regime primário geral (RGCO) ou, na sua falta, no regime subsidiário previsto no CP, aplicável por força do disposto no artigo 32.º do RGCO (ex vi artigo 549.º do CT), se se verificarem as condições exigidas para essa aplicação subsidiária do CP. 34. Neste contexto, a aplicação subsidiária do CP é um meio para colmatar os espaços deixados vazios pela regulamentação primária (sectorial ou geral). A dificuldade que se apresenta ao Tribunal consiste em saber se, existindo uma omissão da regulamentação primária, essa ausência de regra expressa (sobre a suspensão da execução da coima) tem o sentido de regular a questão. A este propósito, perante uma remissão, como a do artigo 32.º do RGCO, para normas do CP que foram pensadas para outro sector e para outra realidade, para que o regime previsto no CP seja aplicável subsidiariamente é necessário que se verifique uma analogia substancial de regimes, sob pena de se desvirtuar a regulamentação primária (vide, no mesmo sentido, para o sector das contraordenações da concorrência, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, 2.ª Edição, Almedina, páginas 281 e 282). 35. Ora, por um lado, os artigos 47.º a 48.º do CP não prevêem a possibilidade de suspender a pena de multa (que tem em comum com a coima a natureza pecuniária). Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão depende, entre outros pressupostos, da realização de exigências de prevenção especial (cf. artigo 50.º n.ºs 1 e 2 do CP) que não fazem parte das finalidades da coima, como já foi acima explicado na análise da questão A. 36. Pelo que, tal como defende o digno Magistrado do Ministério Público, afigura-se não existir analogia substancial entre o regime da suspensão da pena de prisão previsto no CP e o regime contraordenacional aqui em causa, capaz de justificar a aplicação subsidiária do CP para suspender a execução da coima. 37. Na verdade, a omissão de previsão legal sobre a suspensão da execução da coima aqui em causa tem o sentido de regular a questão, não existindo analogia substancial entre os regimes primário e subsidiário. Em consequência, não se verificam as condições da aplicação subsidiária do regime da suspensão da execução da pena de prisão previsto no CP.” Desta forma, é manifesto que, por inadmissibilidade legal, a coima aplicada à arguida não pode ser suspensa. Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente. 4ª questão Se a norma constante da alínea a) do artigo 39.º-E, do DL n.º 33/2014, de 04/03 padece de inconstitucionalidade. Alega a recorrente que: - A pena prevista na al. a) do art. 39.º-E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na sua versão atual, entre € 20.000,00 (vinte mil euros) e € 40.000,00 (quarenta mil euros), não observa qualquer distinção entre pessoas singulares e coletivas, como é princípio geral em matéria contraordenacional, sendo que não há razão ou fundamento legítimo que justifique a ausência de diferenciação, como sucede em todos os restantes domínios punitivos. - Se atendermos às circunstâncias do caso, verificamos que em concreto acoima aplicada à Recorrente no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) se revela manifestamente desproporcional, desigual e desadequada, posto que a coloca numa situação de equiparação a uma pessoa coletiva quando, do ponto de vista organizacional e económico, são bem distintas! - Nota-se ainda a desproporção dos limites, designadamente o limite mínimo de € 20.000,00 (vinte mil) euros, quando o salário mínimo em Portugal e com o qual sobrevivem milhões de portugueses pouco ultrapassa ainda os € 820,00 (oitocentos e vinte). - Não promovendo qualquer distinção entre pessoas singulares e coletivas, a moldura punitiva prevista na al. a) do art. 39.º- E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na sua versão atual, ou a interpretação que dela é feita, padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e não discriminação (na vertente tratar de modo desigual o que é desigual), da proporcionalidade e da justiça (cfr. arts. 1.º, 2.º, 13.º, 18.º e 266.º, n.º 2 da CRP), o que exige uma interpretação corretiva, reduzindo-se os limites no caso de punição de pessoa singular, como é a recorrente. A este propósito decidiu-se na sentença recorrida o seguinte: “Mais invoca a arguida a inconstitucionalidade da norma contida no art.º 39.º-E, al. a) do DL n.º 64/2007, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, por a coima prevista neste preceito legal não contemplar a diferença entre pessoas singulares e coletivas, inexistindo fundamento legítimo que justifique a ausência desta diferenciação. A violação do princípio da igualdade só existe quando os índices discriminatórios são, eles mesmos, constitucionalmente proibidos - sexo, raça e os demais enumerados no art.º 13º CRP. Neste sentido pronuncia-se Jorge Miranda, Direito Constitucional, Tomo IV, pág. 248 e a jurisprudência do TC aí citada e, em especial, o acórdão n.º 231/94, de 9 de março, que destaca precisamente tal adequação: a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica. Trata-se, hoje, de um entendimento pacífico e consolidado - neste sentido, e por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 44/84, 309/95, 191/88, 303/90, 468/96, 1186/96 e 1188/96. Acresce que, nestes casos, isto é, quando estamos perante normas ordenadoras, em que o legislador pode optar entre diversas soluções organizativas, o controlo da constitucionalidade deve ter em conta a autonomia legislativa, não sendo permitido um reexame judicial, mas tão só um controle externo da constitucionalidade, isto é, um controle de limites externos e de erro manifesto, segundo um critério de evidência, ou seja a inconstitucionalidade deve ser manifesta (neste sentido, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 3ª edição, pág. 225 e seguintes). É também pacífica na jurisprudência constitucional a ideia de que, no âmbito do direito de mera ordenação social, o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 574/95, 62/2011, 67/2011, 132/2011, 360/2011, 85/12, 110/12, 78/13, 313/13, 97/14, 772/2017). Daí que, ao intervir enquanto legislador negativo, o Tribunal apenas se encontre habilitado a censurar, à luz do princípio da proporcionalidade das sanções, as soluções legislativas que contenham sanções manifesta e claramente excessivas, ou seja, quando a gravidade do sancionamento se mostre inequívoca, patente ou manifestamente excessiva. Sempre que não nos depararmos com uma situação de arbitrariedade ou excesso - ou, mais rigorosamente ainda, quando não seja manifesto que tal aconteça -, os limites da coima abstratamente prevista não poderão ser censurados sub specie constitutionis, à luz do princípio da proporcionalidade. Donde resulta que, serão constitucionalmente censuráveis, à luz do referido princípio, as opções legislativas que cominem sanções desadequadas ou manifestamente desproporcionadas à natureza do bem jurídico que se pretendeu tutelar e/ou à gravidade da infração tipificada, ou cujo montante se revele inadmissível ou manifestamente excessivo (vide neste sentido o acórdão n.º 47/2019). Desde cedo acolhida na jurisprudência constitucional, tal orientação foi explicitada no acórdão n.º 574/95 do seguinte modo: Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes. De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social. E o mesmo entendimento foi subsequentemente reiterado nos acórdãos n.ºs 62/2011, 67/2011, 132/2011 e 360/2011, lendo-se neste último o seguinte: (…) o legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há de gozar de uma confortável liberdade de conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade. Em matéria de sancionamento da infração às normas constantes do DL n.º 64/2007 o legislador estabeleceu que: Artigo 39.º-E- Coimas Às infrações previstas nos artigos 39.º-B a 39.º-D são aplicáveis as seguintes coimas: a) Entre 20 000,00 EUR e 40 000,00 EUR, para a infração muito grave referida na alínea a) do artigo 39.º-B; b) Entre 5 000,00 EUR e 10 000,00 EUR, para as infrações muito graves referidas nas alíneas b) a k) do artigo 39.º-B; c) Entre 2 500,00 EUR e 5 000,00 EUR, para as infrações graves referidas no artigo 39.º-C; d) Entre 500,00 EUR e 1 000,00 EUR, para as infrações leves referidas no artigo 39.º-D. Artigo 39.º-F -Negligência e tentativa 1 - Os ilícitos de mera ordenação social previstos no presente capítulo são punidos a título de dolo ou de negligência. 2 - A tentativa é punida nos ilícitos de mera ordenação social referidos nos artigos 39.º-B e 39.º-C. Artigo 39.º-G - Limites máximos e mínimos das coimas 1 - Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa. 2 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço do respetivo valor. Artigo 39.º-H - Sanções acessórias 1 - Cumulativamente com as coimas previstas pela prática de infrações muito graves e graves, podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias: a) Interdição temporária do exercício, direto ou indireto, de atividades de apoio social em quaisquer estabelecimentos de apoio social; b) Inibição temporária do exercício da profissão ou da atividade a que a contraordenação respeita; c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos, nacionais ou comunitários, no âmbito do exercício da atividade de prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social; d) Encerramento do estabelecimento e suspensão da licença ou da autorização provisória de funcionamento; e) Publicação, a expensas do infrator, em locais idóneos para o cumprimento das finalidades de prevenção geral do sistema jurídico, da condenação aplicada pela prática da contraordenação. 2 - No caso de ser aplicada a sanção prevista na alínea c) do número anterior, deve a autoridade administrativa comunicá-la, de imediato, à entidade que atribuiu o benefício ou subsídio com vista à suspensão das restantes parcelas dos mesmos. 3 - As sanções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 têm a duração máxima de três anos a contar da data da decisão condenatória definitiva. 4 - A publicidade da condenação referida na alínea e) do n.º 1 consiste na publicação de um extrato, do qual consta a caracterização da infração, a norma violada, a identificação do infrator e a sanção aplicada. Artigo 39.º-I -Determinação da medida da coima 1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação. 2 - Se o agente retirou da infração um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido. Pode dizer-se que, à semelhança do que sucede em muitos outros segmentos do ordenamento contraordenacional, também no âmbito do regime sancionatório contemplado neste diploma legal, o legislador estabeleceu a moldura das coimas aplicáveis em função da gravidade objetiva e subjetiva das infrações e sem diferenciação da natureza individual ou coletiva do agente responsável, uma vez que estabelece que os limites máximos e mínimos das coimas previstas no decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa (art.º 39.º-G, n.º 1). E facilmente se compreende esta ausência de diferenciação entre as pessoas coletivas e as pessoas singulares no que concerne ao montante das coimas aplicáveis, se atentarmos na relevância do bem jurídico que as normas deste diploma visam tutelar, designadamente, o de assegurar o regular licenciamento e funcionamento da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que são exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou com deficiência e os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, disfunção e marginalização social, visando garantir o seu bem estar físico e psíquico, pela imposição de regras mínimas das condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer. Um bem jurídico iminentemente pessoal que visa proteger diretamente setores da população particularmente vulneráveis e desamparados, como as crianças, jovens, pessoas idosas, com deficiência, pobres e marginalizados e que o Estado tem o dever de proteger. Como claramente decorre do preâmbulo do DL n.º 33/2014 (que alterou e republicou aquele diploma), os tipos de ilícitos previstos exigem uma reformulação no sentido de uma melhor adaptação à realidade e à legislação entretanto publicada, procurando que os mesmos sejam dissuasores da prática de ilícitos, em particular do exercício da atividade sem licenciamento e de situações de negligência e maus tratos, com caráter de reincidência. A necessidade de combater estas práticas ilícitas sancionando-as de forma rigorosa é premente, particularmente no que concerne ao exercício ilegal de atividades de apoio social que funcionam ao arrepio dos mais elementares direitos dos cidadãos, adultos e crianças ou jovens institucionalizados e que o Estado tem o dever de proteger, regulando mais eficazmente, porque envolvem pessoas em situação de grande vulnerabilidade social. E o desrespeito por este bem jurídico assume idêntica gravidade, quer o seu agente seja uma pessoa coletiva ou por uma pessoa singular, sendo iguais os desvalores das ações, pelo que não é razoável e justificada a consagração de uma moldura sancionatória diferenciadora entre ambas, apenas com base numa presunção de maior capacidade económica da pessoa coletiva, o que no caso nada faz presumir. Donde resulta que a coima abstratamente cominada para a violação do dever de licenciamento dos estabelecimentos de apoio social previstos no DL n.º 64/2007 (art.º 39.º-E, al. a)) não é arbitrária, tendo antes subjacente um critério legal assente na gravidade da infração e, bem assim, que os seus limites, mínimo e máximo, nada têm, à evidência, de manifestamente excessivo ou inadequado, antes resultando de uma escala gradativa assente na diferente gravidade inerente à violação de cada um dos distintos deveres e proibições impostos no âmbito das normas de licenciamento dos estabelecimentos de apoio social, diferente gravidade essa que, por sua vez, se baseia na maior ou menor proximidade do dever ou proibição violados relativamente à afetação do bem jurídico que o diploma legal em apreço pretendeu tutelar. E, assim sendo, improcede o juízo de inconstitucionalidade da norma contida no art.º 39.º-E, al. a) do DL n.º 64/2007. Em suma, não restam dúvidas da punibilidade da conduta da arguida nos termos expostos, decorrente dos art.ºs 4.º, n.º 1, al. b), 11.º, n.º 1, 14.º e 39.º-B, al. a) do DL n.º 64/2007.” Acompanhamos a sentença recorrida nada mais se impondo dizer. Na verdade, pelos motivos expostos, não vislumbramos a violação do princípio da igualdade e não discriminação, da proporcionalidade e da justiça. * Improcedem, assim, as conclusões da recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade. * * III – DECISÃO Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na improcedência do recurso, em manter a sentença recorrida. * * Custas a cargo da recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4 UC`s. * * Coimbra, 2024/09/13 ______________________ (Paula Maria Roberto) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva) ___________________ (Jorge Loureiro)
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