Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
301/21.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
CÁLCULO DA PENSÃO
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
RECUPERAÇÃO DO SINISTRADO PARA A VIDA ATIVA
Data do Acordão: 09/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 48.º, N.º 3, AL.ª A), E 67.º, N.º 2, DA LEI 98/2009, DE 04-09
Sumário: I – Tendo sido fixada ao sinistrado IPATH com uma incapacidade permanente que, por via da aplicação do fator de bonificação de 1,5 atingiu 100% para o exercício de outra profissão, a pensão deve ser calculada nos termos do art. 48º, nº 3, al. a), da Lei 98/2009, isto é, como se o A. estivesse afetado de uma IPA, e não nos termos da al. b) do mesmo, isto é, com base em IPATH.

II – E o mesmo se dizendo quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, que deve ser calculado nos termos do art. 67º, nº 2, da Lei 98/2009 e não nos termos do nº 3 desse preceito.

III – Encontrando-se o sinistrado absoluta e permanentemente incapacitado (IPA) para exercer qualquer profissão, a responsável pela reparação não está obrigada a satisfazer o subsídio para a frequência de ações no âmbito profissional porquanto a atribuição deste subsídio exige a verificação de uma incapacidade remanescente que, no caso, inexiste.

IV – A reparação infortunística na vertente da recuperação do sinistrado para a vida ativa inclui todos os aspetos da sua via pessoal e social, ainda que de carácter lúdico, o que inclui a readaptação do veículo automóvel, caso o sinistrado o venha a adquirir e fique habilitado a conduzi-lo.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 301/21.4T8LRA.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva

Paula Roberto.


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – AA, casado, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o NIPC ...80, com sede no Largo ..., ..., pedindo que a ré seja condenada no pagamento das seguintes quantias:

“a) Pensão anual e vitalícia de €6.989,20 com início a 29/09/2021, considerada uma IPP de 64,00% bonificada por fator de 1,5, perfazendo assim 96,00%, e associada a IPATH, paga com remição parcial de €36.508,77 e com pensão anual sobrante de €4.868,20;

b) Subsídio de elevada incapacidade, de acordo com a alínea 3, do Artigo 67.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no valor de €5.722,78;

c) Subsídio para readaptação da habitação, mediante apresentação das despesas por parte do Autor, no valor máximo previsto no Artigo 68º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, de €5.792,29;

d) Subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, mediante apresentação das despesas por parte do autor, no valor máximo previsto no Artigo 68.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro;

e) Subsídio para adaptação de veículo motorizado, tendo em conta as sequelas resultantes e o desejo expresso do Autor de adquirir licença de condução de veículos ligeiros;

f) Custo das ajudas técnicas e acompanhamento médico referidas na alínea (ii) do  artigo 45 da presente PI, sempre que necessário.”
Alegou para o efeito, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido em ..., no dia 16/01/2020, ao serviço da sua entidade empregadora, a qual transferiu a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Autor para a Ré, quando efetuava o corte de uma árvore que o atingiu, provocando-lhe lesões de que advieram sequelas, que determinam que o mesmo se encontre com uma incapacidade permanente para o trabalho com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, necessitando, além do mais, de ajudas técnicas e de acompanhamento médico, bem como de subsídios para readaptação da habitação, para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional e para adaptação de veículo motorizado.


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Contestou a ré alegando, também em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que o Autor não aceita o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico singular que elaborou o relatório de exame médico legal. Referiu ainda que tendo sido efetuada uma avaliação com o objetivo de identificar as obras a efetuar no domicílio do Autor, a Ré já realizou a totalidade dos trabalhos (readaptação do wc, nomeadamente a substituição da banheira por base de duche). Referiu ainda que não é responsável pelo pagamento do subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional e, no que concerne ao subsídio para adaptação de veículo motorizado, a lei não prevê esse subsídio, acrescendo que à data do acidente o Autor não era titular de licença de condução.

A finalizar, pugna pela procedência parcial da ação, com as legais consequências.


***

II – Saneado o processo, organizados os factos assentes, identificado o objeto do litígio com enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos os seus regulares acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, e, em consequência:

a) Declara-se que o Autor, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 100%, desde 29/09/2021;

b) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, uma pensão anual e vitalícia de € 9.090,00 (nove mil e noventa euros), devida desde 29/09/2021 que, por força das atualizações legais (Portarias n.ºs 6/2022, de 04/01, 24-A/2023, de 09/01 e 423/2023, de 11/12) se cifra atualmente (2024) em € 10.549,22, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e em Novembro;

c) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 144,40 (cento e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização ainda devida a título de incapacidades temporárias;

d) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 5.792,29 (cinco mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);

e) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA um subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do Autor, no montante máximo de € 5.792,29 (cinco mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);

f) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho de Leiria e ao Gabinete Médico-Legal, a quantia de € 45,00 (quarenta e cinco euros);

g) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;

h) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA as despesas que o mesmo vier a efetuar com a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, sem prejuízo, caso se trate de ação ou curso organizado por entidade diversa do IEFP, do pagamento da quantia de € 482,69 (quatrocentos e oitenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos);

i) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA as despesas que o mesmo vier a efetuar com a adaptação de veículo motorizado, caso o Autor venha a obter a licença de condução de veículos motorizados.

j) Condena-se a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a prestar ao Autor, AA, tratamento médico regular pelas especialidades de ortopedia e urologia, com a periodicidade a definir pelo médico assistente, bem como a fornecer, mediante prévia avaliação, medicação analgésica, medicação para controlo/treino intestinal e medicação para a disfunção erétil, ortótese para o membro inferior direito (tala anti-equino ou outra que venha a mostrar-se necessária), com taxa de substituição que vier a revelar-se necessária, material para proceder a algaliação, decorrente da incontinência urinária, nomeadamente sondas tipo Actreen LITE Nelaton B Braun CH 12 (lubrificadas), gel lubrificante, material de higiene perineal, solução desinfetante alcoólica, sacos coletores de urina, meias elásticas e canadianas”.


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III – Não se conformando com esta decisão dela a ré veio apelar, concluindo:

1. A recorrente diverge, respeitosamente, do entendimento vertido na douta sentença recorrida de equiparar automaticamente uma IPP de 100% a IPA;

2. A IPP de 100%, na expressão da sentença recorrida, não resulta de um juízo médico-legal, baseado na incapacidade vigente, mas de um plus à real incapacidade permanente parcial de 71%, com IPATH, por aplicação do fator de bonificação de 1,5.

3. A sentença recorrida contraria os conceitos previstos na Tabela Nacional de Incapacidades criada pelo D.L. 352/2007 de 23 de dezembro porquanto a IPA é sinónimo de absoluta impossibilidade de reconversão/reabilitação profissional, o que não é o caso do recorrido, sendo certo que,

4. O que distingue a IPATH da IPA é a capacidade restante do sinistrado, a sua capacidade de reconversão/reabilitação profissional, exercício que está ausente da fundamentação da sentença recorrida. Aliás,

5. Na sequência do articulado superveniente apresentado pelo Apelado tendo em vista a quantificação da pensão e subsídio de elevada incapacidade como se de ITA se tratasse, a recorrente solicitou que a Junta Médica fosse chamada a pronunciar-se sobre se a situação funcional do Apelado permitia o exercício de outras atividades consonantes com as limitações de que o mesmo é portador, tendo este requerimento sido indeferido, sendo de salientar que, na Junta Médica a que o recorrido se submetera anteriormente, os Senhores peritos já tinham considerado, por unanimidade, que este possuía capacidade restante, o que levou a recorrente a não interpor recurso do indeferimento deste meio de prova.

6. O fator de bonificação não altera a natureza e quantum da incapacidade real, só atuando depois, para efeitos de quantificação (aumento) da pensão.

7. O artº. 21º da Tabela Nacional de Incapacidades estabelece que o grau de incapacidade expresso pela unidade (100%) só poderá verificar-se quando houver disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho,

8. O que afasta, a possibilidade de atribuição de uma Incapacidade Permanente Parcial de 100%, como operou a sentença que fixou a incapacidade ao recorrido, sendo impossível, de acordo com aquela norma, uma incapacidade permanente parcial corresponder a 100%.

9. Equiparando a sentença recorrida a 100% a IPP de que sofre o recorrido, ela impõe, simultaneamente, obrigações à recorrente como se o Apelado não fosse portador de IPA, como não é, como seja, a condenação em ações de formação para reabilitação profissional e adaptação de veículo automóvel, o que configura nulidade da sentença, ao abrigo do artº. 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

10. Constitui erro de julgamento a equiparação do recorrido a uma situação de IPA quando este é portador de IPP de 71% com IPATH e capacidade restante, à qual o Tribunal recorrido estabeleceu IPP de 100% por aplicação do fator de bonificação de 1,5, sendo que o cálculo da pensão e do subsídio de elevada incapacidade terá de ser efetuada com base no artº. 48º nº3 alínea b) e não alínea a) e artº. 67º nº 3 e não nº 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.

11. De acordo com o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades a IPP máxima atribuída a um sinistrado tem de ser inferior à unidade – 100%, pelo que se impugna a fixação de uma IPP de 100% arbitrada no apenso para fixação de incapacidade.

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12. Caso se mantenha a equiparação da situação do recorrido a IPA, o que não se concede, terá de ser revogada a obrigação da recorrente prover ao pagamento das ações de formação do recorrido para reintegração profissional.

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13. Ao limite máximo fixado para as despesas com a readaptação da habitação terão de ser deduzidas as despesas efetuadas pela recorrente até à data, a esse título.

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14. Eiva de erro de julgamento a sentença recorrida na parte em que condena a recorrente a suportar despesas ilimitadas com a adaptação de veículo motorizado, caso o recorrido venha a obter licença de condução de veículos ligeiros quando, à data do acidente, o recorrido não possuía veículo automóvel nem a respetiva carta de condução, verificando-se violação do artº. 562º do Código Civil e o princípio da reposição natural.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao recurso.


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O recorrido não contra-alegou.

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O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da parcial procedência da apelação

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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1) O Autor, no dia 16 de janeiro de 2020, em ..., desenvolvia a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “B... Unipessoal, Lda.”, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de auxiliar de serviços/madeireiro e auferia a remuneração de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação, num total anual ilíquido de € 10.100,00 – Alínea A) dos Factos Assentes.

2) Na referida data o Autor, enquanto procedia ao abate e corte de árvores, foi atingido por um pinheiro, tendo sofrido politraumatismo com TVM com fratura de 3 arcos costais (2 esquerdo e 1 direito), laceração esplénica, fraturas múltiplas de apófises transversas lombares bilaterais e fratura do corpo de L5 cominutiva e com recuo do muro posterior e fragmentos intracanalares, sujeito a tratamento cirúrgico com estabilização e fixação da coluna lombo sagrada com discectomia e impactação dos fragmentos ósseos com infeção e deiscência com necessidade de desbridamento e limpeza cirúrgica – Alínea B) dos Factos Assentes.

3) Em consequência do acidente e das lesões descritas, resultaram para o Autor, enquanto sequelas, lombalgia residual, paresia do nervo ciático popliteu externo direito, disfunção erétil (com coito possível com medicação mas sem ejaculação) e atonia vesical (com necessidade de cateterização vesical intermitente), que se consolidaram no dia 28/09/2021, determinando que o Autor se encontre afetado com uma Incapacidade Permanente Parcial de 100% (já com aplicação do fator de bonificação 1.5), com Incapacidade Absoluta para o Trabalho Habitual.

4) O Autor esteve na situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 17/01/2020 a 28/09/2021– Alínea C) dos Factos Assentes.

5) Em consequência do acidente o Autor necessita de tratamento médico regular pelas especialidades de ortopedia e urologia, com a periodicidade a definir pelo médico assistente.

6) Em consequência do acidente o Autor carece, após avaliação médica:

a) de medicação analgésica, medicação para controlo/treino intestinal e medicação para a disfunção erétil.

b) ortótese para o membro inferior direito (tala anti-equino ou outra que venha a mostrar-se necessária), com taxa de substituição que vier a revelar-se necessária.

c) material para proceder a algaliação, decorrente da incontinência urinária: sondas tipo Actreen LITE Nelaton B Braun CH 12 (lubrificadas), gel lubrificante, material de higiene perineal, solução desinfetante alcoólica, sacos coletores de urina).

d) meias elásticas.

7) O Autor necessita de canadianas para utilizar nas suas deslocações.

8) O Autor tinha a pretensão de obter licença de condução de veículos ligeiros, carecendo, caso venha a obter essa licença, de utilizar um veículo adaptado à sua condição física atual.

9) A Ré efetuou obras de adaptação no domicílio do Autor que consistiram na readaptação do wc, nomeadamente a substituição de banheira por base de duche.

10) A habitação do Autor carece ainda de obras de readaptação nomeadamente no exterior da habitação (nas escadas de acesso, com necessidade de eventual remoção das mesmas, e colocação de corrimãos/apoios nas paredes) e no interior da habitação, com eventual remoção de degraus, alargamento dos espaços destinados às portas e colocação de apoios/corrimãos nas paredes.

11) O Autor pretende frequentar ações de formação no âmbito da reabilitação profissional.

12) O Autor recebeu da Entidade Responsável, aqui Ré, a quantia de € 12.237,65 a título de indemnização por incapacidades temporárias– Alínea D) dos Factos Assentes.

13) O Autor despendeu, em deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho e ao Gabinete Médico Legal, a quantia de € 45,00 – Alínea E) dos Factos Assentes.

14) À referida data, a sociedade “B... Unipessoal, Lda.” tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao Autor, transferida para a Entidade Responsável, através da Apólice n.º ...20 pela totalidade da remuneração auferida pelo Autor– Alínea F) dos Factos Assentes.

15) O Autor nasceu em ../../1993 – Alínea G) dos Factos Assentes.

16) O Autor tem uma filha a cargo, BB, nascida em ../../2014.


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V - Conforme decorre das conclusões das alegações que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, a questão a dilucidar e a decidir reside em saber se:

1. Se o cálculo da pensão e do subsídio de elevada incapacidade devem ser calculados como se o sinistrado estivesse afetado de um IPA.

2. Se a recorrente está obrigada a pagar:

(i) as despesas com ações de formação no âmbito da reabilitação profissional;

(ii) as despesas com a readaptação da habitação;

(iii) as despesas com adaptação do veículo motorizado.

Do cálculo da pensão e do subsídio de elevada incapacidade:

A 1ª instância decidiu que, tendo sido fixada a IPP de 100% para o exercício de outra profissão por aplicação do fator de bonificação 1.5 (sendo que que ao sinistrado foi atribuída pela junta médica uma IIP de 71%, com IPATH) a pensão deve ser calculada nos termos do art. 48º, nº 3, al. a), da LAT, isto é, como se o sinistrado estivesse afetado de uma IPA (incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho), e não nos termos da al. b) do mesmo, isto é, com base em IPATH.

A fundamentar este entendimento, escreveu-se na sentença: “(…) percorrendo a factualidade provada, verifica-se que na sequência do acidente e das lesões dele decorrentes o Autor esteve na situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 17/01/2020 a 28/09/2021.

Também na sequência dessas lesões, resultaram sequelas para o Autor, e que acima ficaram descritas.

Tais sequelas determinam que o Autor se encontre afetado com uma incapacidade permanente parcial de 100% desde o dia 29/09/2021. De facto, e conforme acima se observou o Autor ficou afetado de uma IPP de 71% com IPATH que passou a IPP de 100% por aplicação do fator de bonificação 1,5 (al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades).

Deste modo, e conforme se observou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/03/2017 (processo n.º 298/14.TTFAR.E1) «considerando que o Autor se encontrava afectado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afectado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2014, Proc. n.º 3145/08.5TTLSB.L1, disponível em CJ, ano 2014, tomo I, pág. 163)”.

Mais recentemente e também neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 17/04/2023 (processo n.º 778/18.5T8AVR.P1 – ambos consultáveis em www.ddgsi.pt.

A recorrente discorda deste enquadramento pelas razões que se deixaram consignadas nas suas alegações (v. conclusões recursivas acima transcritas).

Decidindo.

Assinale-se, desde já, que a solução da questão da equiparação de uma situação de IPA resultante da aplicação do fator de bonificação de 1.5, quando o sinistrado é portador de uma IPP com IPATH não é isenta de dúvidas, podendo suscitar mais do que um entendimento.

A 1ª instância na decisão seguiu a jurisprudência que se conhece sobre tal questão.

Segundo o acórdão da RP (Paula Leal de Carvalho) citado na decisão impugnada “ (…) Como bem sintetiza o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer “Está em causa o cálculo da pensão devida ao sinistrado com uma IPP de 66,75%, com IPATH, que depois de ser aplicado o factor 1,5 atinge 100%.”.

Concorda-se com a sentença recorrida, que está em consonância também com os Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.01.2014, que se encontra publicado na Coletânea de Jurisprudência, 2014, Tomo I, pág. 163 a 166, e da Relação de Évora de 30.03.2017, Proc. 298/14.7TTFAR.E1, este in www.dgsi.pt, não se vendo razão para discordar de tal entendimento.

No mencionado Acórdão da Relação de Lisboa , a que era aplicável a Lei 100/97 e em que estava em causa uma IPP de 75% e a que veio a ser aplicado o fator de bonificação de 1,5, donde resultou uma incapacidade permanente de 100%, referiu-se que “E assim sendo, tem aplicação o disposto no art. 17º nº 1 al. a) da LAT, nos termos do qual (….)”.E, no mencionado Acórdão da Relação de Évora referiu-se que “Nesta conformidade, e considerando que o Autor se encontrava afetado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afetado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2014, Proc. n.º 3145/08.5TTLSB.L1, disponível em CJ, ano 2014, tomo I, pág. 163)”.

Ainda que por via da aplicação do fator de bonificação previsto no nº 5, a. a), das Instruções Gerais da TNI, certo é que a incapacidade permanente do sinistrado passa a ser de 100%, e passa a sê-lo para todos os efeitos, sob pena de se negar ou coartar os efeitos plenos dessa incapacidade e sendo que, nem o art. 48º, nº 3, al. a), da LAT, nem a mencionada Instrução, restringem o seu campo de aplicação às situações de que resulte uma IPA mas sem atribuição do fator de bonificação.

O citado art. 48º, nº 3, al. a), reporta-se às situações de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, sendo que a esta se subsumem as situações de incapacidade permanente de 100% e nesta se enquadrando, também, as situações em que, ainda que por via da atribuição do fator de bonificação, a incapacidade redunde numa incapacidade permanente de100%.

A Lei, ao prever a atribuição do fator de bonificação, fá-lo por entender que, verificando-se as condições da sua atribuição, se justifica atribuir tal fator, equiparando a situação incapacitante do sinistrado que resulta dessa atribuição àquelas de que resultaria essa mesma incapacidade mas sem atribuição de tal fator, salientando-se que a Lei não distingue os efeitos para que deva, ou não, valer a atribuição desse fator”.

Embora a solução a dar à questão em análise, como ficou dito, possa não ser unívoca, com respeito pela valia dos argumentos aduzidos pela recorrente[1], não vislumbramos, por ora, razões para divergir do enquadramento seguido no acórdão acabado de transcrever, que se sufraga, pelo que é de confirmar a decisão recorrida quando procedeu aos cálculos da pensão e do subsídio por elevada incapacidade com base numa IPA.

Improcede, pois, nesta parte a apelação.

Das despesas com ações de formação no âmbito da reabilitação profissional, com a readaptação da habitação e com a adaptação do veículo motorizado.

(i) Defende a apelante que caso se mantenha a equiparação da situação do recorrido a IPA, terá de ser revogada a obrigação da recorrente prover ao pagamento das ações de reabilitação do recorrido para reintegração profissional.

Alega que a frequência em ações de formação tem lugar quando os sinistrados mantêm capacidade restante que lhes permite exercer outra atividade que não seja aquela para qual o acidente os impossibilitou, exigindo a lei que o sinistrado tenha capacidade remanescente adequada ao desempenho da profissão a que se referem as ações de reabilitação profissional (artº 69 nº2 alinea a) da Lei 98/2009 de 4 de dezembro).

Decidindo:

É certo que, no caso, resultou provado (ponto 11 dos factos provados) que o Autor pretende frequentar ações de formação no âmbito da reabilitação profissional, facto que não foi impugnado.

Todavia, não se pode olvidar a solução dada à primeira das questões enunciadas, ou seja, que o sinistrado se encontra absoluta e permanentemente incapacitado para exercer qualquer profissão.

Por isso, não se pode, simultaneamente, condenar a recorrente a satisfazer qualquer subsídio nesse âmbito ao recorrido, na medida em que subsídio para a frequência de ações no âmbito profissional exige a verificação de uma incapacidade remanescente que, no caso, inexiste (v.nº 2 al. a) do artº 69º da LAT).

Procede, pois, nesta parte a apelação.

(ii) Quanto ao pagamento das despesas com a readaptação da habitação defende a Apelante que ao limite máximo fixado para as despesas com a readaptação da habitação terão de ser deduzidas as despesas efetuadas pela recorrente até à data, a esse título.

Decidindo:

Resulta do ponto 9 dos factos provados que “a Ré efetuou obras de adaptação no domicílio do Autor que consistiram na readaptação do wc, nomeadamente a substituição de banheira por base de duche”.

Na sentença escreveu-se:

(…) O sinistrado tem direito ao pagamento das despesas suportadas com a readaptação de habitação, até ao limite de 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data do acidente.

No caso vertente verifica-se que a Ré já efetuou algumas obras, no entanto, outras importará fazer e que se adequem à incapacidade do Autor, nomeadamente as que ficaram elencadas no ponto 10) dos factos provados.

Assim, tem o Autor direito ao subsídio em apreço, no valor máximo (podendo ser deduzido o montante das despesas já efetuadas pela Ré com a adaptação do wc) de € 5.792,29 (1.1 x 438,81 x 12)”.

Porém, a final, a Sr.ª Juíza condenou a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor o subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do Autor, no montante máximo de € 5.792,29, sem ordenar que os montantes já pagos, a esse título, pela recorrente ao Autor, com a adaptação do WC, fossem abatidas.

Assim, como refere o Exmº PGA, deverá quanto ao segmento decisório na parte respeitante à condenação da Ré a pagar ao Autor o subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação, aditar-se a menção de que àquele valor serão abatidos os montantes das despesas já efetuadas pela Ré com a adaptação do wc e que comprovadamente haja já entregado ao sinistrado.

Procede também nesta parte a apelação.

Por último no que se refere às despesas com adaptação do veículo motorizado.

Entende a Apelante que eiva de erro de julgamento a sentença recorrida na parte em que condena a recorrente a suportar despesas ilimitadas com a adaptação de veículo motorizado, caso o recorrido venha a obter licença de condução de veículos ligeiros quando, à data do acidente, o recorrido não possuía veículo automóvel nem a respetiva carta de condução, verificando-se violação do artº. 562º do Código Civil e o princípio da reposição natural (coclusão 14).

Consta do parecer do Exmº PGA “citando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13-02-2020, Relator Mário Branco Coelho “a recuperação do sinistrado para a vida ativa inclui todos os aspectos da sua via pessoal e social, ainda que com carácter lúdico”, o que inclui, naturalmente, a readaptação do seu veículo automóvel.

Este direito prende-se com o princípio geral da reposição natural quanto à indemnização da responsabilidade civil.

No caso, resultou provado (ponto 8 dos factos provados) que o Autor tinha a pretensão de obter licença de condução de veículos ligeiros, carecendo, caso venha a obter essa licença, de utilizar um veículo adaptado à sua condição física atual.

Tal facto não foi impugnado.

Por outro lado, a junta médica foi de parecer unânime no sentido de que “o sinistrado nesta data não tem habilitação legal para a condução de veículos, referindo que iria iniciar as aulas de condução na altura do acidente em apreço, podendo vir a necessitar de veículo adaptado”.

Daí, a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” ter sido condenada a pagar ao Autor, as despesas que o mesmo vier a efetuar com a adaptação de veículo motorizado, caso o Autor venha a obter a licença de condução de veículos motorizados.

A circunstância de o sinistrado não dispor, atualmente, de carta de condução e não ter veículo automóvel não preclude, a nosso ver, o seu direito”.

Decidindo:

O direito à reparação compreende prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa (al. a) do artº 23º da LAT).

A atribuição futura de um veículo adaptado, caso o sinistrado venha a obter carta de condução, configura-se como uma compensação das suas limitações com vista à sua recuperação para a vida ativa.

Esta recuperação não pode ser vista apenas no que e refere à sua vida profissional, à sua capacidade para o trabalho, mas também no que respeita a outros aspetos da sua vida pessoal como seja o da necessidade de assegurar a sua mobilidade, o que se alcançará com a atribuição de uma viatura adaptada.

Não se pode olvidar que ficou provado que o sinistrado tinha a pretensão de obter licença de condução de veículos ligeiros carecendo, caso venha a obter essa licença, de utilizar um veículo adaptado à sua condição física atual e que a recuperação do sinistrado para a vida ativa inclui todos os aspetos da sua via pessoal e social pois só assim a reparação infortunística alcançará plenamente os fins para que foi criada.

Improcede nesta parte a apelação.


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IV - Termos em que, se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se decide.

1. Absolver a ré do pagamento das despesas que o sinistrado vier a efetuar com a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional [alínea h) da parte dispositiva da sentença].

2. Aditar à parte final da alínea e) da parte dispositiva da sentença o seguinte segmento “….ao qual serão abatidos os montantes das despesas já efetuadas pela Ré com a adaptação do wc e que comprovadamente haja já entregado ao sinistrado”.

3. No mais, manter o decidido na sentença impugnada.


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Custas a cargo da apelante.

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Sumário[2]:

(…).


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Coimbra, 13 de setembro de 2024

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



[1] Cfr pagªs 6 a 11 das alegações. Argumentos segundo os quais, segundo a recorrente, levam à conclusão de que o fator de bonificação não altera a natureza e quantum da incapacidade real, só atuando depois, para efeitos de quantificação (aumento) da pensão e que o critério de fixação da IPP para 100% não decorre de um juízo médico, mas matemático, em ordem a aumentar o valor da pensão, atendendo à particular condição do sinistrado.
[2] Da responsabilidade do relator.