Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS QUERIDO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PLANO DE INSOLVÊNCIA LOCAÇÃO FINANCEIRA | ||
Data do Acordão: | 10/18/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.102, 206 CIRE | ||
Sumário: | 1. A apreciação sobre se a factualidade alegada pelo credor integra ou não a previsão da al. a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, implica que se proceda a um exercício de prognose, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. 2. Tendo sido reconhecidos pela Administradora da Insolvência, créditos no valor de cerca de € 2.000.000,00, gozando de garantias e privilégio imobiliário créditos no montante de € 427.000,00, não atingindo € 275.000,00 o valor dos bens apreendidos, considerando a natureza comum do crédito da credora/recorrente, terá que se concluir que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente mais favorável do que a que resultaria da ausência desse plano. 3. Revela-se aplicável ao contrato de locação financeira, em que é locatária a insolvente, o regime enunciado no artigo 102.º do CIRE. 4. Optando o administrador da insolvência, pela execução do contrato, pode o locador invocar o n.º 4 da referida norma, que prevê a reposição do equilíbrio de interesses em presença, através da possibilidade de qualificação como abusiva de tal opção. 5. Perante o incumprimento do contrato por parte da massa insolvente [ou mesmo a sua mera previsibilidade, por se revelar “manifestamente improvável” o cumprimento”], assiste à locadora a faculdade de suscitar a intervenção do tribunal, através de uma acção declarativa, que correrá por apenso à insolvência, 6. Provando o incumprimento ou a “manifesta improbabilidade” de cumprimento, assistirá à credora (locadora financeira) o direito à entrega do bem locado, constituindo as prestações vencidas um crédito sobre a insolvência. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório Foi apresentado pela sociedade devedora T (…) Lda.”, o plano de insolvência constante de fls. 452 a 480 dos autos, com as alterações constantes de fls. 495 a 497. Na assembleia de credores realizada no dia 17 de Dezembro de 2010, tal plano foi aprovado por maioria de dois terços dos votos emitidos. Foi dada publicidade à deliberação, nos termos do artigo 213.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Logo na assembleia, os credores “Instituto da Segurança Social, I.P.” e Fazenda Nacional requereram ao Tribunal a recusa oficiosa da homologação do plano aprovado com fundamento na violação de normas imperativas, mormente, a Lei Geral Tributária e o Decreto-Lei n.º 411/91 de 17 de Outubro, tendo tal pretensão sido indeferida por despacho de fls. 617 a 625. Também a credora “Banco (…)” veio requerer a recusa de homologação, através do requerimento de fls. 550 a 589, com fundamento na alegada inviabilidade da sua execução, e bem assim, no facto de a sua execução comportar para si um resultado manifestamente mais desfavorável do que o que resultaria da liquidação da sociedade. Mais alegou a referida credora: que reclamou um crédito no valor de € 232.326,18 (duzentos e trinta e dois mil trezentos e vinte e seis euros e dezoito cêntimos); que tal crédito foi reconhecido pela Senhora Administradora da Insolvência, a qual, conforme lhe tinha sido proposto por esta credora, optou pelo cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária, responsável por € 189.120,82 (cento e oitenta e nove mil cento e vinte euros e oitenta e dois cêntimos) do montante referido anteriormente; que o plano aprovado resulta num prazo mínimo de 16 meses sem pagamento de rendas do contrato de locação financeira, 10 meses já decorridos, acrescidos do período de carência e numa extensão do prazo do contrato por 8 anos; que em contrapartida, a liquidação do património da devedora, na sequência da não execução do plano de insolvência, obrigaria à devolução do imóvel locado; ao reconhecimento do crédito reclamado na óptica da resolução do contrato e ao reconhecimento do crédito correspondente às rendas vencidas após a declaração da insolvência; que o plano não esclarece quantas rendas faltam vencer-se no contrato de locação financeira; qual o valor de cada uma; qual o valor residual do bem locado. Na sequência da apresentação do requerimento em apreço, foi proferido despacho a convidar a devedora a prestar esclarecimentos quanto a três aspectos: 1) quantas rendas faltam vencer-se no contrato de locação financeira; 2) qual o valor de cada uma; 3) qual o valor residual do bem locado. A devedora respondeu nos termos que melhor se alcançam de fls. 633 a 637. De acordo com os mapas de pagamento que constam de fls. 634 a 637 e os esclarecimentos prestados, a dívida emergente do contrato de mútuo é de € 43.205,36 (quarenta e três mil duzentos e cinco euros e trinta e seis cêntimos) e a dívida emergente do contrato de locação financeira imobiliária é de € 168.935,71 (cento e sessenta e oito mil novecentos e trinta e cinco euros e setenta e um cêntimos). Notificadas, a Senhora Administradora da Insolvência nada disse e a credora manteve a posição de que a execução do plano é mais desfavorável para si do que a inexistência de qualquer plano e a subsequente liquidação da sociedade, alegando que o plano prevê a ocupação do imóvel por mais de um ano, sem qualquer retribuição, e que, ademais, não têm sido pagas as rendas devidas pela locação imobiliária, as quais constituem crédito sobre a massa, o que lhe permite resolver o contrato, nos termos dos artigos 51.º n.º 1 alínea f) e 108.º n.º 4 alínea a), a contrario sensu, do CIRE. Foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo: «Ao abrigo do disposto no artigo 214.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Tribunal julga válido e juridicamente relevante o plano de insolvência constante de fls. 452 a 480 dos autos, com as alterações constantes de fls. 495 a 497 e os esclarecimentos de fls. 633 a 637, aprovado pela assembleia de credores, homologando-o através da presente sentença.» Não se conformando, a credora “Banco (…)” interpôs recurso de apelação, apresentando alegações onde formula as seguintes conclusões: 1ª – O plano de insolvência aprovado em assembleia de credores afecta, no que diz respeito ao Recorrente, a forma de pagamento de crédito vencido, no montante de 43.205,36 €, e define novas condições (nomeadamente o prazo) para o contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre Recorrente e Insolvente em 2008; 2ª – Tal contrato não foi resolvido, considerando que, após a apreciação do Relatório apresentado pela Sra. Administradora da Insolvência, aquela manifestou a sua opção pelo cumprimento do contrato; 3ª – Nada mais foi pago ao Recorrente, mostrando-se em mora as rendas vencidas desde 05 de Abril de 2011; 4ª – As quantias vencidas após o dia 29 de Julho de 2010 são dívidas da massa, nos termos do artigo 51º nº1 f) do CIRE; 5ª – O Recorrente votou contra a concessão de prazo para a apresentação de plano de insolvência pela Insolvente por não crer na possibilidade da sua recuperação; 6ª – O Recorrente votou contra o plano de insolvência porque ao argumento anterior se somou o facto de que o plano apresentado importava para si uma situação manifestamente mais desfavorável do que a que resultaria da liquidação da sociedade; 7ª – A homologação do plano de insolvência impõe ao Recorrente uma declaração de vontade que este repetidamente não quis prestar (aceitação da alteração do contrato de locação financeira), violando assim o artigo 217º nº2 do CIRE; 8ª – O plano de insolvência aprovado não tem a clareza exigida pelo artigo 195º do CIRE; 9ª – O imóvel dado de locação financeira não faz parte do activo da Insolvente; 10ª – A ausência de plano de insolvência obriga a insolvente a cumprir o contrato celebrado em 2008, ou, alternativamente, devolver o imóvel locado após a resolução do contrato por incumprimento; 11ª – Qualquer das soluções é substancialmente mais favorável ao Recorrente que o plano aprovado; 12ª – A homologação do plano de insolvência, por se traduzir numa alteração contratual, impediria a resolução do contrato de locação financeira com fundamento no actual incumprimento das obrigações da Insolvente. 13ª – A decisão que homologa o plano de insolvência aprovado é ilegal, por violar o disposto nos artigos 51º nº1 f), 108º nº4 a) a contrario sensu, 192º, 195º, 215º, 216º nº1 a), 217º nºs 1 e 2 e 219º, todos do CIRE, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, e ainda o artigo 217º do Código Civil. Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que indefere o pedido de não homologação do plano de insolvência aprovado e o homologa, sendo substituída por outra que recuse a sua homologação, fazendo assim o Venerando Tribunal a costumada justiça. 1 – O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. 2 – Se o plano de insolvência tiver sido objecto de alterações na própria assembleia, é dispensada a manifestação da oposição por parte de quem não tenha estado presente ou representado. 3 – Cessa o disposto no n.º 1 caso o oponente seja o devedor, um seu sócio, associado ou membro, ou um credor comum ou subordinado, se o plano de insolvência previr, cumulativamente: a) A extinção integral dos créditos garantidos e privilegiados por conversão em capital da sociedade devedora ou de uma nova sociedade ou sociedades, na proporção dos respectivos valores nominais; b) A extinção de todos os demais créditos por contrapartida da atribuição de opções de compra conformes com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 203.º relativamente à totalidade das acções assim emitidas; c) A concessão ao devedor ou, se for o caso, aos respectivos sócios, associados ou membros, na proporção das respectivas participações, de opções de compra da totalidade das acções emitidas, contanto que o seu exercício determine a caducidade das opções atribuídas aos credores e pressuponha o pagamento do valor nominal dos créditos extintos por contrapartida da atribuição das opções caducadas. 4 – Se, respeitando-se quanto ao mais o previsto no número anterior, a conversão dos créditos em capital da sociedade devedora ou de uma nova sociedade ou sociedades não abranger apenas algum ou alguns dos créditos garantidos e privilegiados, ou for antes relativa à integralidade dos créditos comuns e somente a estes, o pedido de não homologação apresentado pelo devedor, pelos seus sócios, associados ou membros, ou por um credor comum ou subordinado, somente se pode basear na circunstância de o plano de insolvência proporcionar aos titulares dos créditos garantidos ou privilegiados excluídos da conversão, por contrapartida dos mesmos, um valor económico superior ao respectivo montante nominal”. «Ora, afigura-se ao Tribunal inequívoco que a liquidação da sociedade T (…) Lda.”, em face da enorme desproporção entre o valor dos créditos já reconhecidos pela Senhora Administradora da Insolvência – quase dois milhões de euros – e o valor dos bens apreendidos neste processo – que não chega sequer aos duzentos e setenta e cinco mil euros – não favorece nenhum credor, muito menos, um credor comum como é o caso da sociedade (…) Na verdade, o encerramento do estabelecimento da devedora e a passagem à liquidação imediata do património apreendido dificilmente colocaria esta credora em boa posição, pois o produto da alienação mal chegaria para pagar aos credores garantidos e privilegiados, que, consabidamente, são pagos à frente dos credores comuns. Portanto, este é o primeiro aspecto que não pode ser olvidado – a liquidação do património da sociedade devedora não traz vantagem consistente à posição da credora “Banco (…)”, nem dos demais credores comuns.» […] A questão da falta de pagamento de rendas, da devolução imediata do bem locado e da ocupação indevida do mesmo por mais de um ano: O Tribunal não ignora as preocupações da credora quanto a estes aspectos que se traduzem, efectivamente, a provarem-se, num incumprimento do contrato de locação financeira celebrado. O que não pode aceitar-se é que esta credora pretenda resolver essas questões sujeitando todos os demais credores a uma situação manifestamente desfavorável aos seus interesses. Se a devedora se encontra em falta com rendas já vencidas após a declaração de insolvência, então, a solução jurídica que a credora tem à sua mercê é, como a mesma invoca, a faculdade de resolver o contrato de locação financeira, ao abrigo do disposto no artigo 108.º n.º 4 alínea a), a contrario sensu, do CIRE. E fazendo-o, não deixará a devedora de ser condenada a entregar-lhe o bem locado, devoluto, mas com a possibilidade de, uma vez citada para a acção, pagar a dívida ou procurar outro local para continuar a laborar noutro estabelecimento. Ou seja, a lei coloca à disposição da credora meios processuais próprios para fazer valer o direito ao pagamento de rendas vencidas e não pagas e à devolução do imóvel locado sem que, para tanto, tenha de ordenar-se o encerramento da actividade de uma empresa que se mostra viável, que quer ser viável e em cuja viabilidade confia a maioria dos seus credores. Ainda que o plano da insolvência preveja a ocupação do locado por mais um ano, sem pagamento de contrapartidas, e ainda que o valor das rendas não pagas até à entrega do locado constituam dívidas da massa insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 51.º n.º 1 alínea f) do CIRE, tudo isso fará nascer ou acrescer o crédito a reconhecer à “ ..., S.A. – Sociedade Aberta”, crédito esse que permanecerá comum e, como tal, de mui duvidosa satisfação por via da liquidação do património social da devedora. Pelo que entende o Tribunal não se encontra verificada a condição prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, pois que a situação concreta da “Banco ..., S.A.- Sociedade Aberta” não se afigura menos favorável com a execução do plano de insolvência concretamente aprovado do que a que se verificaria na ausência de qualquer plano. «Na eventualidade de, ainda assim, o administrador optar pela execução, a contraparte tem o direito de excepcionar a impossibilidade de cumprimento, pela massa, das obrigações correspondentes. Na falta de entendimento, competirá à contraparte suscitar a intervenção do tribunal, o que, por não existir regulamentação específica, parece só poder concretizar-se através de uma acção declarativa, que correrá por apenso, sendo do autor o ónus da prova. Implícita na determinação do n.º 4 está a qualificação como crédito sobre a massa insolvente do que couber à contraparte em resultado da opção pela execução feita pelo administrador da insolvência, o que é coerente com o disposto no art.º 51.º, n° 1, al..f).»
[3] Proferido no Processo n.º 294/10.3TBVNO-G.C1, acessível em http://www.dgsi.pt. - O acórdão citado toma posição sobre a polémica jurisprudencial relativamente à oposição ao plano de insolvência por parte da Fazenda Nacional, nestes termos: «Atenta a especialidade do regime do CIRE, não se verificando a previsão dos artigos 215º e 216º, nº 1, do CIRE, não deve ser recusada a homologação do plano de insolvência, aprovado em assembleia de credores pela maioria legal, apesar de a credora Fazenda Pública ter votado contra e ter requerido a não homologação com base na ofensa de normas imperativas de direito fiscal.» |