Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4176/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
Data do Acordão: 04/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 396.º DO C.P.C.
Sumário:

1 – O art. 396.º do C. P. C. não impões para a justificação da qualidade de sócio qualquer formalidade ad probationem, podendo essa qualidade assentar em todos os meios de prova, desde que viabilizem, com necessária consistência, a formulação de um juízo de probabilidade séria da existência do direito, enquanto probabilidade razoavelmente sustentada.
2 – O “dano apreciável”, como requisito legal da suspensão da deliberação social, tanto pode ser provocado na esfera jurídica do sócio requerente, como na da sociedade requerida.
3 – A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável, reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade.
4 – Porém, o dano apreciável não se reporta a toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação ou a sua execução seja susceptível de causar, estando antes ligado à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo principal.
5 – O dano apreciável pode também traduzir-se em dano não patrimonial, tanto para o requerente, como para a requerida, devendo, no entanto, assumir uma significativa dignidade, objectivamente considerada, para merecer a tutela do direito, à semelhança do que sucede para a respectiva tutela ressarcitória (art.º 496.º n.º 1 do C.C.)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da RELAÇÃO de COIMBRA

I – RELATÓRIO

1.1. - O requerente – AA – instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra a requerida – BB, com sede em Alcobaça.
Alegou, em resumo:
A requerida é uma sociedade comercial anónima com o capital de 1.000.000.000$00 ( equivalente a 4.987.978,97 euros ), representado por 1.000.000 de acções nominativas.
O requerente é titular de acções da requerida, as quais foram dadas de penhor ao DD conjuntamente, “em carteira”, por todos os titulares, quer em nome próprio, como enquanto herdeiro legitimário da herança indivisa, aberta por óbito de seu pai, CC.
No dia 25 de Setembro de 2002 realizou-se uma assembleia geral extraordinária da requerida que deliberou eleger novos corpos sociais ( conselho de administração e mesa da assembleia geral ), conforme consta da respectiva acta ( fls.107 ), sendo, porém, a mesma nula e anulável ( arts.56 nº1 a) e 58 nº1 a) do Código das Sociedades Comerciais ), a qual lhe causou sérios prejuízos.
Pediu que seja suspensa a execução da deliberação tomada em 25 de Setembro de 2002, em Assembleia Geral, por EE, que agiu invocando a qualidade de representante comum da herança aberta por óbito de CC, alegado único accionista da requerida “GG”, deliberação essa na qual elegeu FF como presidente do conselho de administração, como administradores e vogais do conselho administração elegeu HH e II; como presidente da mesa da assembleia geral elegeu JJ, como secretário da mesa da assembleia geral elegeu KK; e mais alterou a sede da sociedade da Cova da Onça, LL, nesta cidade de Alcobaça, para a MM, nesta cidade e comarca de Alcobaça, residência do novo presidente do conselho de administração, KK.

1.2. – A requerida deduziu oposição, defendendo-se, em síntese:
Arguiu a excepção da ilegitimidade activa do requerente, bem como a ineptidão da petição inicial.
Por impugnação, contraditou os alegados vícios da deliberação e os prejuízos advenientes para o requerente.
Concluiu pela improcedência do procedimento cautelar, dada a ausência dos pressupostos legais do art.396 nº1 do CPC.

1.3. - Realizada a audiência, foi proferida sentença que decidiu julgar procedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa do requerente e absolver a requerida da instância.

1.4. – Não se conformando, o requerente interpôs recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:

1º) - O ora Agravante alegou e apresentou prova, no requerimento inicial, de que as acções da Agravada que lhe pertencem foram dadas em penhor ao DD que, por sua vez, se recusou e recusa a entregar-lhe certidão comprovativa da titularidade das acções.

2º) - Nos termos dos art. 53l e 535 do CPC, o Agravante requereu ao Tribunal recorrido que ordenasse ao DD para juntar aos autos as certidões comprovativas da titularidade de todas as acções da Agravada.

3º) - Após ter sido notificado pelo Tribunal recorrido por duas vezes, o DD recusou-se a prestar informações sobre a titularidade das acções representativas do capital social da Agravada que se encontram depositadas naquela instituição bancária.

4º) - O Tribunal recorrido entendeu, por despacho de 7 de Julho de 2003, que “atenta a natureza perfunctória da prova a produzir nesta sede, nada há a determinar nesta matéria”.

5º) - O Agravante juntou aos autos um contrato de penhor de acções representativas do capital social da Agravada, no qual aquele figura como accionista (cfr. Doc. n. 7,junto com o requerimento inicial).

6º) - Não foi deduzido qualquer incidente de falsidade sobre o referido contrato de penhor.

7º) - O Tribunal recorrido considerou provado que, em 10/12/1998, o Agravante constituiu a favor do DD um penhor de acções da Agravada, na sua qualidade de titular e legítimo portador das mesmas (cfr. despacho do Tribunal recorrido de 14/06/2003).

8º) - A prova dos factos constantes do contrato de penhor constitui prova suficiente da probabilidade séria da existência do direito do Agravante a deter e exercer os direitos inerentes às acções, atenta o carácter sumário (“summaria cognitio”) da prova em sede de procedimentos cautelares.

9º) - Uma vez que foi dado como provado que as acções são valores mobiliários titulados ao portador, o exercício dos direitos inerentes às acções dependeria da apresentação de certidão comprovativa da titularidade das mesmas, nos termos dos art. 78º, nº 2 e 104º, nº 1 do DL 486/99, de 13 de Novembro.

10º) - Contudo, é absolutamente incompatível com o carácter sumário da prova em sede de procedimentos cautelares que tenha sido julgada procedente a excepção de legitimidade pelo simples facto da entidade depositária (DD) se recusar a entregar ao Agravante a certidão comprovativa da titularidade das acções.

11º) - A legitimidade processual deve ser aferida pela configuração dada pelo Agravante aos sujeitos da relação controvertida (26 nº 3 do CPC), pelo que, tendo este junto aos autos contrato de penhor que demonstra que este é accionista da Agravada, deveria ter sido julgada improcedente a excepção de ilegitimidade.

12º) - O princípio do dispositivo e as regras de distribuição de ónus da prova não impõem a procedência da excepção de ilegitimidade, visto que o princípio do inquisitório exigiria que o Tribunal recorrido tivesse ordenado todas as diligências que se revelassem necessárias para a descoberta da verdade material, nos termos do art. 265 nº 3 do CPC.

13º) - Encontrando-se o Agravante impedido de apresentar a certidão comprovativa da titularidade das acções, era ao Tribunal recorrido que incumbia intervir, obtendo a prova necessária à justa composição do litígio, enquanto “órgão de soberania com competência para administrar a Justiça em nome do Povo” (art. 202 da CRP).

14º) - Caso o Tribunal recorrido entendesse que o contrato de penhor, do qual consta a qualidade de accionista do Agravante, não constituía prova bastante, aquele não poderia ter-se abstido de utilizar todos os meios necessários à junção aos autos de certidão comprovativa de titularidade das acções.

15º) - Acresce que o Tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de que, face à impossibilidade de realização de teleconferência pela Comarca de Lisboa, o Gerente do Balcão da Rua Augusta do DD (que tinha representado o Banco no contrato de penhor) deveria ser apresentado, no 3º Juízo de Alcobaça, pelo Agravante.

16º) - Este despacho impediu igualmente o Agravante de fazer prova absoluta da titularidade das acções, pelo que se impunha que o Tribunal recorrido tivesse ordenado a junção da já referida certidão aos autos.

17º) - Por outro lado, o Agravante é igualmente accionista, para efeitos do art. 396 nº 1 do CPC, por força de ter aceite a herança do seu Pai, que detinha acções da Agravada, visto que o domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela mera aceitação.

18º) - Até à partilha judicial, o Agravante, enquanto co-herdeiro, já detém um direito a uma quota abstracta da herança, incluindo as acções da Agravada, nos termos do art. 1 do Código Civil.

19º) - O facto do art. 303 do Código das Sociedades Comerciais prever que o exercício dos direitos inerentes às acções detidas por vários contitulares deve competir a um representante comum não impede que os restantes co-herdeiros percam a sua qualidade de accionistas.

20º) - Sempre que um co-herdeiro que detenha uma quota minoritária na herança pretenda impugnar judicialmente uma deliberação social tomada pelo representante comum, com fundamento na sua invalidade, não é admissível considerar que aquele não é accionista, para efeitos do art. 396 nº 1 do CPC, sob pena de violação do direito de propriedade privada (art. 62 da CRP).

21º) - O direito do Agravante a não ser privado dos direitos inerentes às acções que lhe pertencem por via de herança é um direito de carácter análogo aos direitos, liberdades e garantias, pelo que apenas pode ser restringido para salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, tal com previsto nos art. 17 e 18 nº 2 da CRP.

22º) - A restrição do direito do Agravante a requerer a suspensão da deliberação não é motivada pela defesa de qualquer direito ou interesse da Agravada que goze de protecção constitucional.

23º) - O art. 396 nº 1 do CPC, quando interpretado no sentido de que um co-herdeiro minoritário de acções indivisas não pode requerer a suspensão de deliberações sociais inválidas, tomadas pelo representante comum, é inconstitucional por violar o direito de propriedade privada, na vertente de não privação de bens licitamente adquiridos.

24º) -0 Tribunal recorrido entendeu que, mesmo que a excepção de ilegitimidade não procedesse, sempre deveria ser recusada a suspensão da deliberação por inexistência de dano apreciável, visto que o Agravante teria votado favoravelmente (como ex-Administrador da Agravada) a concessão de procuração com poderes especiais para venda de imóveis ao putativo Presidente do Conselho de Administração da Agravada, FF.

25º) - Contudo, o Tribunal recorrido considerou provado que a exclusão do Agravante dos órgãos sociais da Agravada abala o seu crédito bancário e o seu bom nome e que os corpos sociais da Agravada foram preenchidos pelos filhos e marido da irmã do Agravante.

26º) - Ora, de acordo com o alegado no Proc. nº 537/2002, que corre termos junto do Tribunal recorrido, houve uma venda simulada da casa de morada—de-família (que se encontrava registada em nome da Agravada) do falecido Pai do Agravante a uma empresa controlada pela irmã do Agravante.

27º) - No mesmo Proc. nº 537/2002, foi amplamente alegado que o ora Agravante e a sua irmã celebraram um acordo dissimulado para aquisição da referida casa, em partes iguais, à Agravada.

28º) - Assim, o Agravante só votou favoravelmente à concessão de procuração com poderes especiais ao seu sobrinho, actual putativo Presidente do Conselho de Administração da Agravada, porque tinha acordado que este iria celebrar um contrato de compra e venda simulado, cujos reais beneficiários seriam o Agravante e a irmã do Agravante.

29º) - O facto do putativo Presidente do Conselho de Administração da Agravada ter rompido o acordo previamente celebrado apenas reforça a convicção de que a eleição dos novos corpos sociais da Agravada causou e continua a causar danos apreciáveis ao Agravante.

30º) - O Tribunal recorrido tinha a obrigação legal de tomar em consideração todos os factos alegados no Proc. n. 537/02, visto que ambos os procedimentos correm termos no 3º Juízo de Alcobaça e como tal dele são conhecidos no exercício das funções, nos termos do art. 5l4 nº 2 do CPC.

31º) - Ainda que o presente recurso venha a ser julgado procedente (relativamente à excepção de ilegitimidade), o Tribunal recorrido já demonstrou que considera não existir dano apreciável causado ao Agravante.

32º) - Uma vez que o requerimento de suspensão foi entregue a 25 de Novembro de 2002 e que os prazos previstos no art. 282, nº 2 do CPC já se encontram largamente excedidos, solicita-se a V.as EX.a que apreciem de imediato a questão da existência de dano apreciável, de acordo com os princípios da celeridade processual e do aproveitamento dos actos.

33º) - Sendo que o Tribunal recorrido se absteve de conhecer do pedido, por considerado procedente a excepção de ilegitimidade, deverão V. Ex. apreciar a existência de dano apreciável e, consequentemente, revogar o despacho recorrido e decidir sobre o mérito da causa, nos termos do art. 753, nº 1 do CPC.

34º) - Por tudo o supra exposto, o Despacho ora recorrido violou os art. 265 nº 3, 384 nº1, 387 nº 1, 396 nº 1, 514 nº2, 53l e 535 do Código de Processo Civil; os art. l403, 2050, 2052 nº 1 e 2053 do Código Civil; os art. 78 nº 2 e l04 nº 1 do Código de Valores Mobiliários; e ainda os arts. l7, l8 e 62 da Constituição da República Portuguesa.


A requerida não contra-alegou.
No tribunal a quo foi mantida a decisão.

II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrente ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Por seu turno, no nosso sistema processual civil, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

Considerando as conclusões que o recorrente extraiu da motivação de recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
a) - A (i)legitimidade activa do Requerente;
b) - A existência de dano apreciável.

2.2. – OS FACTOS PROVADOS:
1) - A requerida “GG" é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto o comércio e indústria de resinas e seus derivados, cultivo e exploração de quaisquer produtos agrícolas, bem como a sua comercialização; e a aquisição de imóveis, quer rústicos, quer urbanos, com vista à sua usufruição e exploração por qualquer meio idóneo, e, designadamente, a exploração florestal ou agrícola, com o capital social de 1.000.000.000$00 (cfr. certidão da matrícula comercial e dos estatutos sociais constante de fls. 290-307 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido ).
2) - À data de 13/02/1992, o capital social da requerida era representado por 1.000.000 de acções nominativas, do valor nominal de 1.000$00 cada uma.
3) - No triénio 1996/1998, os órgãos sociais da requerida eram compostos da seguinte forma:
- Presidente do Conselho de Administração: CC;
- Vogais do Conselho de Administração: AA, NN, OO e PP.
- Presidente do Conselho Fiscal: QQ;
- Membro Efectivo do Conselho Fiscal: “RR”.
4) - No triénio 1999/2001, os órgãos sociais da requerida eram compostos da seguinte forma:
- Presidente do Conselho de Administração: CC;
- Vogais do Conselho de Administração: AA e NN;
- Presidente do Conselho Fiscal: “RR”.
- Membros Efectivos do Conselho Fiscal: SS;
- Membro suplente do Conselho Fiscal: TT.
5) - Em 31/08/2000, NN renunciou ao exercício das funções de vogal do Conselho de Administração da requerida, encontrando-se tal renúncia averbada sob o nº 19 na respectiva matrícula comercial (apresentação nº 02 de 01/02/2001 ).
6) - CC faleceu em 27/04/2001, no estado de casado com UU ( cfr. documento de fls. 315 dos autos de acção ordinária nº 914/02, a que os presentes se encontram apensos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais ).
7) - Em 10/12/1998 CC, AA, FF, NN e OO subscreveram o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 80-85 dos autos – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais – mediante o qual declararam “ para garantia e segurança do cumprimento de todas e quaisquer obrigações contraídas por “GG (...), adiante designada por devedor, junto da Companhia Geral de DD, SA, adiante designada por Banco, decorrentes de todas e quaisquer operações bancárias em direito permitidas, celebradas entre esse Banco e o Devedor (...), os acima indicados, adiante designados por Garantes, constituem a favor desse Banco, na sua qualidade de titulares e legítimos possuidores, penhor sobre os títulos abaixo identificados (...):
1. Os garantes dão em penhor ao Banco a sua carteira de títulos identificada na relação que faz parte integrante do presente documento ( Anexo I ) livre de quaisquer ónus ou encargos, de que são donos e legítimos portadores, à qual atribuem nesta data o valor global de 6.000.000.000$00. (...)”.
8) - O Anexo I referido no aludido documento de fls. 80-85 é o documento de fls. 89 a 97 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
9) - As acções da requerida, referidas no aludido Anexo I, e entregues ao CPP, são todas ao portador e representam a totalidade do capital social da requerida.
10) - O requerente AA é filho de CC.
11) - Para além do requerente, o falecido CC deixou uma filha: VV.
12) - À data da sua morte, CC arrogava-se único titular das acções da requerida “GG”.
13) - Em 7 de Agosto de 2001, o requerente remeteu a EE a carta de fls. 99, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
14) - Em 12 de Setembro de 2001, o requerente remeteu a EE a carta de fls. 101, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
15) - Em 25/09/2002, Maria Luísa Martinho Reis Raposo de Magalhães, invocando a qualidade de representante comum da herança aberta por óbito de CC, e única accionista da sociedade “GG", procedeu à realização de uma assembleia geral desta sociedade, no hall de entrada do prédio onde residia, sito na Calçada do Monte, nº 104, em Lisboa, e, no decurso dessa assembleia, tomou uma deliberação na qual elegeu FF como presidente do conselho de administração, como administradores e vogais do conselho administração elegeu HH e II; como presidente da mesa da assembleia geral elegeu JJ, como secretário da mesa da assembleia geral elegeu KK; e mais alterou a sede da sociedade da Cova da Onça. LL, nesta cidade de Alcobaça, para a MM, nesta cidade e comarca de Alcobaça, residência do novo presidente do conselho de administração, KK ( cfr. cópia certificada da acta de deliberação social de fls. 179, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais ).
16) - FF, HH e II são filhos de VV.
17) - KK é o marido de VV
18) - Em 20 de Setembro de 2002, UU remeteu ao requerente a carta constante de fls. 118-120 dos autos – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
19) - O requerente recebeu tal carta em data não anterior a 23/09/2002.
20) - CC era uma pessoa estimada em Alcobaça e respeitado no sector industrial da cristalaria e vidraria pelos trabalhadores, fornecedores e instituições de crédito.
21) - A exclusão do requerente dos órgãos sociais da requerida abala o seu crédito bancário e o seu bom nome.
22) - A “GG” é dona de diverso prédios rústicos e era dona do prédio urbano sito na Cova da Onça, Alcobaça, onde o falecido CC tinha a sua residência.
23) - Após a deliberação datada de 20/09/2002, tal prédio urbano foi vendido a uma terceira sociedade.
24) - CC deixou o testamento cuja certidão se mostra junta a fls. 309-311, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25) - Dão-se por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, os teores da procuração de fls. 173-175 e da acta de fls. 177 dos autos.
26) - A requerida encontra-se em mora com vários empréstimos bancários, e a actual administração encontra-se a renegociar tais créditos.

2.3. – 1ª QUESTÃO / a (i)legitimidade activa:
A resposta a esta questão postula a análise das seguintes sub-questões:
a) - Se o contrato de penhor constitui meio probatório idóneo para comprovar a qualidade de sócio por parte do Requerente, no âmbito do procedimento cautelar;
b) - Se era ao tribunal a quo que incumbia oficiosamente obter a prova necessária sobre a qualidade de sócio do Requerente;
c) – Se o co-herdeiro tem legitimidade para impugnar a deliberação social;
d) – Se o art. 396 nº 1 do CPC, quando interpretado no sentido de que um co-herdeiro minoritário de acções indivisas não pode requerer a suspensão de deliberações sociais inválidas, tomadas pelo representante comum, é inconstitucional por violar o direito de propriedade privada, na vertente de não privação de bens licitamente adquiridos.

Para a suspensão da execução de deliberação social, a lei impõe, como primeiro requisito, a qualidade de sócio ( art.396 do CPC ), que funciona simultaneamente como pressuposto da legitimidade activa.
Contudo, ao contrário do alegado pelo agravante, a legitimidade não é aqui aferida apenas pelo critério geral do art.26 do CPC, mas também pela norma específica do art.396 do CPC, ao exigir a justificação da qualidade de sócio.
A lei ao referir “ qualquer sócio “, pretende significar ser suficiente a qualidade de sócio, seja qual for a sua participação no capital social e independentemente de ter ou não direito de voto ( PINTO FURTADO, Deliberações Sociais, pág.497 ).
Assim, torna-se indispensável é que o requerente detenha a qualidade de sócio no momento da deliberação e a conserve ao tempo da impugnação.
Uma vez que o procedimento cautelar comum funciona como paradigma para os procedimentos nominados, cujo art.392 nº1 do CPC contém uma norma remissiva – “ Com excepção do preceituado no nº2 do artigo 387, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela se não encontre especialmente previsto “ – coloca-se a questão de saber se para a qualidade de sócio basta “ a probabilidade séria da existência do direito “ ou se, pelo contrário, o art.396 nº1 do CPC contem uma regra especial quanto à natureza probatória, implicando a prova documental da qualidade de sócio, enquanto formalidade ad probationem, como parece estar subjacente na sentença recorrida.

Na verdade, considerou-se que a justificação da qualidade de sócio deveria ter sido feita mediante a apresentação de documento que comprovasse inequivocamente tal qualidade, por força da cláusula 23ª dos Estatutos da sociedade requerida e arts.78 nº2 e 104 do Código de Valores Mobiliários ( aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13/11), não sendo o documento que titula o contrato de penhor das acções, meio idóneo, para o efeito.

Porém, o art.396 do CPC não impõe para a justificação da qualidade de sócio qualquer formalidade ad probationem, sendo suficiente o juízo de probabilidade ou de verosimilhança, tal como já anteriormente se entendia ( cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, 3ª ed., pág.677 e 678 ), continuando hoje a ser válida a mesma posição doutrinária e jurisprudencial ( cf., por ex., Ac do STJ de 28/9/99, C.J. ano VII, tomo III, pág.42 ).

Com efeito, apesar do relevo que assume nestes casos a prova documental, designadamente a necessária a comprovar o teor da deliberação, a qualidade de sócio, o conteúdo do pacto social, o certo é que não ocorre qualquer restrição quanto aos meios probatórios, que no âmbito dos procedimentos cautelares devem ser adoptados segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, dada a natureza da tutela preventiva ( cf., por ex., ANTÓNIO GERALDES, Temas da Reforma de Processo Civil, vol.IV, 2ª ed., pág.88 ).

Daí que, a prova da qualidade sócio, para efeitos do art.396 nº1 do CPC, possa assentar em todos os meios de prova, desde que viabilizem, com a necessária consistência, a formulação do juízo de probabilidade séria da existência do direito, enquanto probabilidade razoavelmente sustentada.

Isto porque são características gerais das providências cautelares, a provisoriedade, a instrumentalidade, a sumario cognitio, o carácter urgente e a estrutura simplificada.

A propósito da prova sumária, refere TEIXEIRA DE SOUSA que “ as providências cautelares só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre requerido e requerente observem as regras gerais ( art.342 nº1 e 2 do CC ) “ ( Estudos Sobre o Processo Civil, pág.233 ).

De resto, o nº2 do art.396 do CPC apenas impõe a instrução do requerimento inicial com a cópia da acta, não exigindo qualquer formalidade especial para a comprovação da qualidade de sócio.
O requerente começou por alegar ser titular de várias acções nominativas da sociedade requerida, e justificou essa qualidade com o contrato de penhor das acções ao DD ( doc. de fls.80 a 85 ).

O tribunal a quo considerou provado que:

Em 10 de Dezembro de 1998, o requerente, conjuntamente com CC, FF, NN e OO, constituiu a favor do DD um penhor de acções da sociedade requerida, na sua qualidade de titular e legítimo portador das mesmas.

As acções são todas ao portador e representam a totalidade do capital social da requerida.

Ora, não obstante o contrato de penhor haver sido constituído em 10 de Dezembro de 1998, a verdade é que o DD, em 22/11/2002, já depois da deliberação suspendenda ( 22/5/2002 ) informou que as respectivas acções aí se encontram depositadas, apenas não podendo individualizar o número de acções pertencentes a cada um dos accionistas ( cf. doc. de fls.87 ).
Por outro lado, a defesa da requerida, no sentido de que a totalidade das acções pertencia a CC, pai do requerente ( artigos 8º e 9º da contestação ) não logrou acolhimento, como resulta dos factos não provados, ainda que estes não figurem discriminadamente ( “ Para além dos descritos não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa do presente procedimento cautelar(…) “ ).
E, muito embora, AA se houvesse arrogado, à data da morte, ser o único titular das acções, não significa que efectivamente o fosse.
Neste contexto, é legítimo concluir pela probabilidade séria da existência do direito do requerente à participação social da requerida, estando, assim, justificada a sua qualidade de sócio.
Consequentemente, ficam prejudicadas ( art.660 nº2 do CPC ) as demais sub-questões adrede suscitadas sobre o pressuposto processual da legitimidade activa.

2.4. - 2ª QUESTÃO / o dano apreciável:
A sentença recorrida, pese embora ter julgado procedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa, considerou ainda não estar demonstrado o pressuposto do “ dano apreciável “, acabado, assim, por conhecer do mérito da causa, e o agravante pretende a reapreciação, em sede de recurso, visto discordar de tal posição.
O art.396 nº1 do CPC, impõe como requisito do procedimento da suspensão a existência de dano apreciável ( “ (…) mostrando que essa execução pode causar dano apreciável “).
Porque a lei não distingue, entende-se que este dano tanto pode ser provocado na esfera jurídica do sócio requerente, como na da sociedade requerida ( cf., por ex., Ac RC de 19/12/89, C.J. ano XIV, tomo V, pág.64 ).
A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.
O tribunal deve exigir, a respeito deste requisito a certeza, ou pelo menos uma probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável, conforme orientação jurisprudencial prevalecente.

O que está em causa, é precisamente o periculum in mora ou seja, o risco de a duração do processo frustar ( total ou parcialmente ) o resultado que o autor visa alcançar com uma eventual sentença anulatória (cf. LOBO XAVIER, "O conteúdo da providência das deliberações sociais", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXII, pág. 214).

Por conseguinte, o dano apreciável não se reporta a toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação ou sua execução possam causar, estando antes ligado à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação principal.

Neste sentido, escreveu LOBO XAVIER, (loc. cit. Pág.215):

"(…) esta possibilidade de dano a que a lei se refere não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação ou a sua execução, em si mesma comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela proferida.

E seguramente que são diversos, na sua medida e na sua configuração, os danos imputáveis à demora do processo anulatório e aqueles que, mais latamente, a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas – isto é, de acordo com a sua eficácia própria, suposto esta não venha a ser eliminada por uma eventual anulação – são adequadas a produzir. Assim, por ex., a deliberação que amortiza uma quota acarreta para o respectivo titular o prejuízo correspondente à execução da sua participação social, na medida em que tal extinção não seja compensada pelo quantitativo atribuído como contrapartida. Mas o dano que para o titular deriva do retardamento da sentença de anulação do acto – e que há que ter em conta para fundamentar a suspensão para proceder à ponderação prevista no art. 397º nº 3 – é antes o dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença.".

Esta doutrina tem sido acolhida pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como por exemplo, no acórdão de 20/5/97 ( BMJ 467, pág. 529 e segs.), mas já embora de forma mais restritiva no acórdão de 4/5/2000 ( www dgsi, com o nº convencional JSTJ000040783 ), segundo o qual, “ não são de considerar todos os prejuízos que possam decorrer da delonga do processo principal, mas apenas os que possam emergir do facto, de no decurso do respectivo processo, se adoptar qualquer procedimento de carácter executivo, ou seja, quaisquer actos complementares da deliberação, eventualmente necessários para que se produza o particular efeito jurídico pela mesma visado, e ainda, os actos cuja prática os administradores ficam vinculados, logo que produzido ( imediata ou mediatamente ) esse efeito jurídico “.

Por outro lado, os danos podem ser apreciáveis, sem que sejam irreparáveis ou de difícil reparação, tal como a propósito da norma do art.403 do CPC/39 já defendia ALBERTO DOS REIS ( loc.cit., pág.678 ), considerando a fórmula “ mais branda “ quando comprada com a do art.405 ( actual 381 ) ao exigir a “ lesão grave e dificilmente reparável”.

Pois bem, quanto à alegada diminuição do património, apenas se provou que, após a deliberação de 20/9/2002, foi vendido um prédio urbano, sito na Cova da Onça, Alcobaça, pertencente à sociedade requerida, onde o falecido CC tinha a sua residência.

Para além de não estar demonstrado o respectivo preço, o certo é que, como bem se anotou na sentença recorrida, já anteriormente, na sequência de deliberação tomada pelo Conselho de Administração da requerida, datada de 9 de Outubro de 2000, na qual o requerente interveio, e votou favoravelmente, emitiu procuração com largos poderes a favor do actual presidente do Conselho de Administração, FF, designadamente com poderes especiais para, em representação da requerida, vender ou permutar qualquer dos seus prédios pertencente à requerida ( cf. docs. de fls. 173-175 e 177 ).

Objectou o agravante ter votado favoravelmente tal procuração porque acordou com o seu sobrinho ( mandatário ) que iria celebrar um contrato de compra e venda simulado, cujos reais beneficiários seriam o requerente e a irmã, estando pendente um processo no mesmo tribunal onde a questão se discute.
Trata-se, porém, de questão nova, não expressamente submetida à apreciação do tribunal da 1ª instância.
Em todo o caso, o tribunal não tinha a obrigação legal de tomar em consideração os factos alegados no processo nº537/02, visto que sobre o requerente impendia o ónus da respectiva alegação ( art.342 nº1 do CC ), na sequência do alegado no art.140 da petição inicial e tanto mais que assim o impunha o princípio da boa fé processual ( art.266-A do CPC ).
Acresce que, segundo refere o agravante, o processo nº537/02 diz respeito também a um procedimento cautelar, cuja medida não especificou, e em todo o caso não põe aqui em causa a validade da própria procuração, mas antes da venda, alegadamente simulada.
Por outro lado, não está demonstrado que a venda do prédio urbano implicasse um prejuízo patrimonial para o requerente ou para a sociedade, e muito menos causado pela demora do processo de anulação, logo não se configura como dano apreciável.
Comprovando-se que a exclusão do requerente dos órgãos sociais da requerida abala o seu crédito bancário e o seu bom nome, resta aquilatar da relevância deste facto.
O dano apreciável que a suspensão da deliberação visa impedir, sendo normalmente de natureza patrimonial, pode também traduzir-se em dano não patrimonial, seja para o requerente, seja para a requerida ( neste sentido, por ex., ANTÓNIO GERALDES, loc.cit., pág.94 e 95 ).
Contudo, o dano não patrimonial apreciável tem de assumir uma significativa dignidade, objectivamente considerada, para merecer a tutela do direito, à semelhança do que sucede para a respectiva tutela ressarcitória ( art.496 nº1 do CC ), dir-se-á até por maioria de razão.
Nesta perspectiva, mesmo a admitir-se a cobertura legal dos danos reflexos e secundários, os elementos factuais disponíveis são manifestamente insuficientes para consubstanciarem o dano, não só por se apresentarem conclusivos, como sobretudo por não estarem devidamente concretizados, cujo ónus de alegação e prova impendia sobre o requerente ( art.342 nº1 do CC ).
É certo que o requerente foi excluído dos órgãos sociais, mas nem o contrato de sociedade ( fls.109 a 116 ), nem a lei lhe conferem o direito especial de neles intervir.
Importa sublinhar que o requerente era vogal do conselho de administração para o triénio 1999/2001, o que significa que aquando da deliberação suspendenda ( 25/9/2002 ) já havia decorrido o período temporal do mandato, embora as suas funções cessassem na assembleia que procedeu à sua substituição ( cf. CARLOS OLAVO, C.J. ano IX, tomo V, pág.9 ), pelo que não se pode falar aqui sequer de uma exoneração sem justa causa, face ao estatuído imperativamente no art.403 do Código das Sociedades Comerciais.
Mesmo que se configurasse como dano apreciável, o inerente prejuízo sempre decorreria da própria deliberação e nunca da demora do processo de anulação.
Ora, como já se aludiu, a suspensão da deliberação social tem por finalidade acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco proveniente da duração do respectivo processo, e não todo e qualquer prejuízo causado por essa deliberação.
Por outro lado, tendo em conta que a lei procura compatibilizar o direito de impugnação de deliberações sociais viciadas com as preocupações de segurança jurídica e de salvaguarda do normal funcionamento da sociedade ( cf. Ac RL de 28/10/93, C.J. ano XVIII, tomo V, pág.103 ), ainda que tal facto ( abalar o crédito bancário e o bom nome ) fosse reconduzido a dano apreciável, e já vimos que não é, de formal alguma se poderá considerar, no balanceamento dos interesses em jogo, que o prejuízo seja superior ao que pode derivar da execução da deliberação suspendenda ( art.397 nº2 do CPC ).
Deste modo, conclui-se não estar provado o dano apreciável, tornando-se, assim, inútil a apreciação da ilegalidade da deliberação, que envolve questão de direito.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Negar provimento ao agravo e, em substituição da sentença recorrida, julgar improcedente o procedimento da suspensão de deliberação social instaurado pelo Requerente, absolvendo a Requerida do pedido.

2)
Condenar o Agravante nas custas.
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COIMBRA, 27 de Abril de 2004 ( processado por computador e revisto ).