Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
185/05.0GAOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 06/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412.º, N.ºS 2,3,4 E 5 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. – O controlo do julgamento da decisão de facto a realizar pelo tribunal de recurso não constitui um segundo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente.
II. - Assim, para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à utilização do recurso apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, impõe-se ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar.
III. - Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente ter como referência o consignado na acta quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do artº 412º do CPP). Esta exigência justifica materialmente a extensão do prazo de recurso de 20 para 30 dias.
IV. – O convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos nºs. 3 e 4 do artº 417º, do CPP, pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
V. – No entanto se o corpo das motivações não contém especificações exigidas por lei já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões mas sim insuficiência do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida.
VI. Colhe, na situação referenciada no item antecedente, a doutrina inerida no aresto do Supremo Tribunal de Justiça quando refere que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso».
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos, com o nº 185/05.0GAOFR, do Tribunal de Oliveira de Frades, foram as arguidas …, … condenadas, cada uma, na prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artº 143º, nº1, do CP, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00. As mesmas arguidas foram condenadas nos pedidos de indemnização que dirigiram uma contra a outra, sendo … condenada a pagar a … a quantia de €517,61 e esta a pagar à primeira a quantia de €549,65, em ambos os casos acrescidas de juros desde a prolação da sentença até efectivo pagamento. O demandado … foi absolvido do pedido contra si deduzido por ….
Inconformada com a condenação, veio a arguida … interpor recurso, extraindo das motivações as seguintes conclusões:

C) — CONCLUSÕES

Considerando que:

1ª — Da prova produzida em Audiência de Julgamento, gravada em suporte magnético, decorre que: Encontram-se incorrectamente julgados os seguintes factos que o Tribunal "A Quo" deu como provados, ou seja, que da prova produzida tenha resultado provado que:... a arguida … foi buscar um pau, cujas características concretas não foi possível determinar, e levantou-o em direcção à arguida …; nessa desordem, a arguida … desferiu um golpe com o dito pau que empunhava na cabeça da arguida … e empurrou-a nas costas ...; como consequência directa e necessária das agressões infligidas pela arguida …. na arguida …, sofreu, esta última, traumatismo crâneo-encefálico ligeiro com fractura de risco e hematoma no couro cabeludo e dores nas costas; A arguida …, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente a arguida …; actuaram sempre as arguidas de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2ª — Para a decisão proferida o Tribunal recorrido atendeu, de acordo com a fundamentação apresentada, ao depoimento da co-arguida e ofendida …, ao exame médico por ela feito, bem como ao depoimento das testemunhas … e … (respectivamente filho e nora da ofendida …, se bem que, no que a estes diz respeito, não deixou o Tribunal recorrido de considerar tais depoimentos como sendo parciais), não porque tenham conhecimento directo dos factos por os terem presenciado, mas porque relataram, ainda que de forma parcial, os danos alegadamente apresentados pela Ofendida;

3ª — No que toca ao depoimento da ofendida …, constante da Cassete ia - Lado A, da rotação nº. 282 à rotação nº. 1764 verificamos que é ela mesma que refere que, estando munida de um ancinho, acabou por desferir "com as costas do ancinho que empunhava um golpe na cabeça da arguida Diamantina ", o que teve como consequência directa, imediata e necessária uma ferida corto-contusa na região frontal direita suturada com 9 pontos, que lhe determinaram 8 a 10 dias de doença, sendo 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional ", pelo que se constata que a agressão perpetrada pela arguida/ofendida …, feita na zona da cabeça da ora recorrente, foi bastante significativa, ao ponto de ter determinado a esta última 8 a 10 dias de doença com afectação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional, tornando-se assim incongruente que, tendo sido agredida de forma violenta e na zona da cabeça, tivesse a ora recorrente, apesar da sua idade já avançada, ainda forças para agredir a suposta ofendida …;

4ª — O Tribunal "A Quo" para além de ignorar esta significativa incongruência, ignorou ainda outras contradições relevantes para se aferir da credibilidade deste depoimento da ofendida, nomeadamente algumas contradições que se prendem com o enquadramento temporal e a sequência das agressões, bem como ignorou o facto relevante da queixa apresentada pela suposta ofendida, apesar da gravidade das agressões que a mesma diz ter sofrido, ter ocorrido apenas cerca de 2 meses após a prática dos mesmos; é certo que, não ignoramos, a queixa pode ser apresentada num espaço de 6 meses a contar da data da prática dos factos, mas também é um facto que o Tribunal, na formação da sua convicção, deve ter em atenção todos os factos relevantes que apontem para o que deve ter acontecido, sendo certo que na situação vertente é evidente que a suposta ofendida apenas se decidiu queixar das supostas agressões que sofreu depois de saber que a ora recorrente se havia queixado das agressões que a mesma lhe havia perpetrado, surgindo a queixa contra a ora recorrente apenas como um contra-fogo à queixa por si apresentada;

5ª — Importante se torna também não olvidar que, para além da arguida/ofendida …, todas as testemunhas da acusação pública e do pedido de indemnização civil formulado pela arguida/ofendida … inquiridas a respeito dos factos que são imputados à ora recorrente … sempre disseram que não presenciaram as supostas agressões ocorridas, não deixando margem para quaisquer dúvidas a este respeito e não podendo contribuir, por isso mesmo, para a formação da convicção do Tribunal relativamente aos factos que se pretendem impugnar com o presente recurso, sendo que tal é visível se atentarmos no depoimento da testemunha …, constante da Cassete1ª - Lado B, da rotação nº. 572 à rotação nº. 1381, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação nº. 1381 à rotação nº. 1997, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação no. 1998 à rotação nº. 2065, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação nº. 2065 à rotação nº. 2543 e da Cassete 28 - Lado A da rotação nº. 1 à rotação nº. 580, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 2ª - Lado A, da rotação nº. 581 à rotação nº. 1364 e no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 3ª - Lado A, da rotação nº. 153 à rotação nº. 1457;

6ª — No que diz respeito ao relatório médico tido em conta pelo Tribunal recorrido na elaboração da sentença em recurso, cumpre apenas referir que o mesmo, para além de não atestar, naturalmente, o autor ou responsável pelas lesões que ofendida/arguida apresentava, também não esclarece relativamente à data em que as mesmas teriam ocorrido, limitando-se a dizer que as lesões apresentadas seriam compatíveis com a informação prestada, sendo que tal informação foi prestada por quem, como vimos supra, tem manifesto interesse na solução a dar ao presente litígio e, de qualquer forma, certamente que muitas outras informações que a ofendida pudesse prestar seriam compatíveis com essa lesão mínima que ela apresentava;

7ª — Com esta decisão, de forma grave e indesculpável, se viola um princípio universalmente aceite e um dos mais importantes ao nível do processo de natureza criminal, que é o princípio do "in dúbio pro reo", já para não se falar da violação de princípios constitucionais como o princípio da presunção da inocência (art. 32°, nº. 2 da CRP) e o princípio do acusatório (art. 32°, nº. 5 da CRP);

8ª — Entre nós não vigora o princípio da presunção da culpabilidade, pelo que não é à arguida que cabe fazer prova da sua inocência, mas é, em virtude da natureza acusatória do processo penal, ao Ministério Público que cabe fazer a prova inequívoca (ou numa terminologia mais anglo-saxónica, "a prova para além de qualquer dúvida razoável") da culpabilidade da arguida, só podendo a mesma ser condenada se não se afigurar ao Tribunal mais nenhuma explicação razoável para o sucedido, o que não acontece manifestamente no caso sub iudice;

9ª — Apesar de o Tribunal recorrido ser livre na apreciação que faz da prova produzida e de ser o único com contacto directo com essa mesma prova (no que toca ao nível da prova testemunhal), certo é que não podemos ver aí um garante da correcção das suas decisões, ainda para mais num caso como o dos presentes Autos em que nenhuma prova foi feita que aponte indiscutivelmente no sentido da culpabilidade da arguida pelos factos pelos quais vem acusada;

10ª— Em situações, como a presente, em que o Tribunal recorrido pura e simplesmente se agarrou com "unhas e dentes" ao depoimento interessado da ofendida, em que o Tribunal recorrido se limitou a considerar como não credível o depoimento prestado pela Arguida …em que o Tribunal recorrido olvida completamente o facto de nenhuma testemunha inquirida ter presenciado os factos que são imputados à aqui recorrente, dever-se-á sempre privilegiar o princípio da justiça formal, alterando a decisão em tudo que não esteja conforme com os princípios constitucionais e até supra-constitucionais que norteiam o nosso ordenamento jurídico-penal, pois só assim se dará cabal cumprimento aos valores que devem nortear a boa administração da justiça, para a qual todos temos o dever de contribuir;

11ª — É incontestável que deveria a factualidade supra referida e dada como provada na Sentença, ora objecto de recurso, ser corrigida e alterada por forma a serem dados como não provados tais factos;

12ª — Da prova produzida, não resulta evidente (nem sequer aparente) que a Arguida praticou os factos que lhe são imputados na acusação pública, e, portanto,

que tenha incorrido no crime de que vem acusada, tendo causado à Ofendida qualquer tipo de danos patrimoniais ou morais;

13ª — Se a Mma Juiz A Quo tivesse feito uma correcta interpretação e valoração de todos os depoimentos prestados em audiência de Julgamento, dando por não provada a acusação pública no que ao crime de ofensas à integridade física imputado à ora recorrente diz respeito, naturalmente também teria de dar como improcedentes, por não provados, os factos conducentes aos pedidos de indemnização civil formulados quer pela ofendida/arguida ED, quer pelo Centro de Saúde de Oliveira de Frades, não lhes sendo devida qualquer indemnização a título de danos patrimoniais ou de danos morais;

14ª — Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso, o Tribunal "A Quo" violou o disposto nos art°s. 127°, 513° e 523° do C. P. Penal; 143°, nº. 1 do C. Penal; 70° e 496° nº 1, do C. Civil; 85°, nº. 1, b) do CCJ; 32°, nºs 2 e 5 da CRP, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso em apreço.

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, revogando a douta Sentença sob recurso, absolvendo a Recorrente da prática do crime de ofensas à integridade física simples que lhe vem imputado na Acusação Pública e dos pedidos de indemnização civil contra si formulados a fls. , bem como absolvendo a Recorrente das custas criminais e civis, Vªs. Exas. farão, como sempre, a habitual

Respondeu a demandante …, deixando, por seu turno, as seguintes conclusões:

I - A recorrente refere que a acusação lhe imputou factos baseados em prova indiciária indirecta, no entanto não requereu a abertura da instrução;

III - A convicção do Tribunal para a prova dos factos referidos em 3), baseou-se numa análise crítica e global de toda a prova produzida em audiência, à luz da experiência comum;

III- A Ma Juiz valorou as declarações das arguidas nos pontos concordantes, já no tocante aos factos referidos em 3), ou seja, a agressão perpetrada na arguida …, valorou o seu depoimento, que reputou de credível face à sua postura em audiência de julgamento.

IV- A arguida … explicou com coerência e lógica o desentendimento havido entre as duas, a forma como se agrediram mutuamente e os ferimentos que sofreram.

V- Pelo contrário, a arguida … negou que tivesse agredido a irmã, sem explicar o desenrolar da discussão.

VI- Ambas declararam que não estava ninguém no local dos factos, razão pela qual só elas poderiam trazer ao Tribunal as respectivas versões, no tocante ao enquadramento temporal e sequência das agressões.

VII- A Ma Juiz considerou as declarações da co-arguida … credíveis à luz da experiência comum e segundo um juízo de normalidade: uma discussão entre as duas munidas de pau e ancinho respectivamente, se ambas apresentam ferimentos é normal que se tenham agredido mutuamente.

VIII- Em consequência da agressão infligida pela …, a arguida … sofreu as lesões referidas em 3)-traumatismo craneano-encefálico e hematoma, conforme relatório médico de fls 3.

IX- As referidas lesões foram confirmadas pelo seu filho e nora e pelos agentes da GNR de Oliveira de Frades que se deslocaram ao local.

X- Tais elementos de prova foram conjugados com as declarações da arguida e de harmonia com o principio da livre apreciação da prova, foram determinantes para a factualidade dada com provada.

XI- No dia da prática dos factos, após as agressões, a arguida … percorreu vários metros a pé até ao posto público que fica no centro da aldeia e aí telefonou para um táxi , que a transportou ao Centro de Saúde de Oliveira de Frades, onde foi tratada.

XII- A arguida … foi transportada pelo 112 ao Centro de Saúde de Oliveira de Frades, onde o médico que a examinou confirmou a existência de traumatismo crâneo-encefálico e hematoma e encaminhou-a para o Hospital Distrital de Viseu, onde ficou internada.

XIII- A arguida … apresentou queixa quando se encontrou restabelecida física e psiquicamente da situação traumática em que se viu envolvida com a irmã.

XIV- A sentença recorrida não viola o principio basilar do direito penal -- "in dúbio pró reo"

XV- A Ma Juiz nunca teve qualquer dúvida acerca da prática da agressão, bem como da sua autoria, pelo contrário, valorou a produção do evento de acordo com a livre apreciação da prova, dando crédito à versão da arguida Emília em detrimento da apresentada pela …, conjugada com os restantes elementos de prova, quer pericial quer testemunhal.

XVI- Designadamente o relatório médico lavrado pelo médico de serviço no dia 14 de Setembro de 2005 que lhe diagnosticou um traumatismo craneano­encefálico e hematoma, bem como as testemunhas que confirmaram as lesões apresentadas pela arguida Emília.

XVII- A sentença recorrida observou os princípios legais e constitucionais, e com ela alcançou-se a verdade material dos factos, uma verdadeira justiça material.

XVIII-A Ma Juiz fez uma interpretação correcta da prova produzida em audiência, bem como dos documentos pertinentes, não se verificando na sentença um erro notório na apreciação da prova.

TERMOS em que, com os alegados fundamentos não se deve dar provimento ao recurso e deve manter-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Neste Tribunal, o Srº Procurador-Geral adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos:

Vem interposto pela arguida … da sentença de fis. 358 e sgs, que a condenou na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 8 € pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, pp, pelo art.° 143.°, 1, do CP.

O recurso abrange matéria de facto e de direito.

Houve Resposta á motivação por parte da co-arguida e ofendida ED. — Resposta a fis. 421 e segs.

A recorrente insurge-se quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 4, 5, 8 e 9 (na parte que lhe diz respeito).

Mas, sem razão, salvo o devido respeito.

Com efeito e como bem se salienta na fundamentação a convicção do tribunal a quo quanto à materialidade fáctica apurada ancora na análise crítica e global de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência, e, concretamente - no que àqueles factos importa — nas declarações da co-arguida … que descreveu de forma consistente e credível o modo como se desenvolveram as agressões recíprocas e bem assim nos depoimentos dos soldados da GNR e do filho e nora da ofendida …, quanto às lesões causadas pela agressão perpetrada pela arguida/recorrente ….

De acordo com o art.° 127.° do CPP a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, que, indica, assim, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

E sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher - se a opção do julgador, até, porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha

De resto, o que a arguida desejava era que a Julgadora houvesse entendido como destituídas de credibilidade as declarações da co-arguida e ofendida ED  e antes tivesse valorizado, outrossim, as suas, acabando por se apegar ao processo lógico para a formação da convicção; há, assim, uma censura, por no juízo crítico da prova a Decidente ter optado por uma versão em detrimento da outra.

Mas ao tribunal de recurso não cabe repetir o julgamento da primeira instância, nem pode a recorrente demonstrar um erro sobre a matéria de facto quando se limita a discutir o valor atribuído pelo tribunal a quo a esta ou àquela prova e a conceder a essa prova um valor diferente, que conduziria na sua óptica a decisão diversa.

Fácil é, pois, de perceber que a Meritíssima Julgadora apreciou, livremente, a prova e acordo com um juízo crítico, atenta às regras da experiência comum e da lógica o homem médio suposto pela ordem jurídica, não se divisando aqui uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo imotivável.

Neste conspecto, inexiste, por conseguinte, qualquer dúvida insanável sobre se se verificaram ou não os factos integradores do ilícito criminal, em virtude da actuação a arguida, pelo que se não postularia, como é óbvio, a mobilização concreta de um princípio — o do in dubio pro reo — pensado tão-somente para as situações em que tribunal esteja num plano de dúvida irremovível na apreciação das provas.

E daí que não mereça censura a factualidade dada como provada e respeitante à arguida ora recorrente — integradora do crime por que foi condenada.

Termos em que, se nos afigura, ser de confirma a decisão recorrida e, consequentemente, improceder o recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do CPP, não houve resposta.
Em sede de exame preliminar, foi indeferida a pretensão da recorrente no sentido de que, por aplicação do disposto no artº690-A, nº5, do CPC, fosse ordenada a transcrição de prova prestada em audiência.
Colhidos os vistos, procedeu-se a conferência.
Fundamentos
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[2].
Ora, percorrendo as conclusões formuladas pela recorrente, verifica-se que o recurso centra-se na impugnação da decisão em matéria de facto, mormente a sua actuação descrita nos pontos 4 a 8 dos factos provados. Nota-se que a arguida sustenta no corpo da motivação a verificação do vício previsto na al. c) do nº2 do artº 410º do CPP, argumentação que não incluiu nas conclusões.
Da decisão recorrida
Vejamos, antes de mais, os termos da decisão recorrida, nas partes mais relevantes para o presente recurso: factos provados, não provados e motivação da decisão em matéria de facto[3]:
Factos provados
  No dia 14 de Setembro de 2005, pelas 07h00m, a arguida …, manobrando um carro de mão cheio de telhas velhas já partidas, dirigiu-se a um palheiro de sua propriedade, existente junto à residência da arguida … (sua irmã) e sita no lugar de C.., freguesia de A.., concelho de Oliveira de Frades.
Uma vez aí, despejou o carro de mão para um valado (buraco) existente junto à entrada de tal palheiro, altura em que surgiu a arguida …, que, não contente com o sucedido, a chamou à atenção, dizendo-lhe que não queria ali lixo pois que ela apenas tinha direito de passagem.
Após uma troca de palavras, a arguida … foi buscar novo carregamento de telhas e depositou-o no mesmo local do anterior.
 Não contente com o sucedido, a arguida … muniu-se de um farpão (ancinho) e com o mesmo começou a retirar as telhas do local, altura em que a arguida … foi buscar um pau, cujas características concretas não foi possível determinar, e levantou-o em direcção à arguida ….
Nessa desordem, a arguida … desferiu um golpe com o dito pau que empunhava na cabeça da arguida … e empurrou-a nas costas, tendo-se desequilibrado, e a arguida … desferiu com as costas do ancinho que empunhava um golpe na cabeça da arguida ….
Como consequência directa e necessária da conduta da arguida …, sofreu a arguida …, ferida corto-contusa na região frontal direita suturada com 9 pontos, que lhe determinaram 8 a 10 dias de doença, sendo 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
Como consequência directa e necessária das agressões infligidas pela arguida … na arguida …, sofreu esta última, um traumatismo crâneo-encefálico ligeiro com fractura de risco e hematoma do couro cabeludo e dores nas costas.
 Ao actuar da forma descrita, a arguida … agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente a arguida … e também a arguida …, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente a arguida ….
 Actuaram sempre as arguidas, de vontade livre e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punida por lei. 
Mais resultou provado

 Em consequência das lesões sofridas pela demandante …, teve esta de recorrer a assistência médica, nomeadamente no Centro de Saúde de Oliveira de Frades e despendeu em medicamentos a quantia de € 69,61.

 A consulta de DF no Centro de Saúde de Oliveira de Frades importou o dispêndio da quantia de € 77,70.

  A Demandante DF despendeu em despesas de transporte para tratamento no Centro de Saúde, para onde se deslocou de táxi.

 A Autora dedicava-se a actividade agrícola e pecuária, agricultando diversos prédios, de onde obtinha couves, batatas, milho, feijão, diversos produtos hortícolas, erva para 0 gado, frutos diversos e criava animais, tudo para si e para comercializar, obtendo rendimento mensal não inferior a € 350.

A demandante … andou debilitada e abatida devido aos factos.

Em consequência das lesões sofridas pela demandante …, teve esta de recorrer a assistência médica, nomeadamente no Centro de Saúde de Oliveira de Frades e ao Hospital de Viseu, onde recebeu assistência e tratamento médico.

 No transporte efectuado pelos bombeiros de Oliveira de Frades, despendeu a demandante … a quantia de € 28.

 A consulta de … no Centro de Saúde de Oliveira de Frades importou o dispêndio da quantia de € 15,40.

  No Hospital de S. Teotónio foi prescrito tratamento médico, em que a demandante … despendeu € 21,65.

Após ter sido assistida nas urgências do Hospital de S. Teotónio em Viseu, a ofendida por apresentar sintomas de confusão mental na sequência do traumatismo craniano, resultante da agressão cometida pela arguida …, foi conduzida para 0 Departamento de Psiquiatria, onde ficou internada até ao dia 28 de Setembro de 2005.

O internamento foi ordenado por a arguida apresentar uma ideação suicidária com plano, referindo o relatório que a arguida … referia que queria ficar internada para sempre por “o marido e a irmã” lhe quererem fazer mal.

O período de internamento no Hospital de S. Teotónio importou a despesa para a demandante … de € 2.785,09 .

 Não obstante ter melhorado e ter tido alta médica, a demandante … foi morar com o filho …, Aveiro, por se encontrar bastante debilitada física e psiquicamente e impossibilitada de realizar as lides domésticas.

No período em que esteve em Aveiro foi a uma consulta particular de Psiquiatria para avaliar a evolução do seu estado, na qual despendeu a demandante … a quantia de € 60.

 A demandante … queixava-se de fortes dores e mau estar da cabeça, limitativas dos seus movimentos, bem como do seu estado anímico.

 A demandante … sentiu-se desgostosa, triste e abalada, não querendo ir para os C…

As arguidas não têm registo de antecedentes criminais.

… é doméstica, reformada com o montante de € 212, vive em casa própria com o marido (com reforma que ele gasta com ele, tal como ela), não referindo qualquer empréstimo.

A arguida … confessou integralmente e sem reservas.

… é doméstica, reformada com o montante de € 300, refere que não tem empréstimos e que faz umas terras, tendo doado as que tinha à filha.

Entre as arguidas existem há vários anos conflitos decorrentes das terras, designadamente no referido caminho e palheiro.

Factos não provados

Não resultaram provados quaisquer outros factos em contradição com os provados, ou que constituíssem matéria de direito ou conclusiva, designadamente as características do pau, as equimoses no pulso esquerdo, e que em consequência das lesões sofridas pela demandante …, esta tivesse que recorrer ao Hospital de S. Teotónio, em Viseu e que tivesse despendido em transportes e consultas a quantia de € 100.

Não resultou ainda provado que a demandante … é pessoa pacífica e cordata, que não se mete em conflitos, respeitada e respeitadora e que sofreu profundo vexame, desgosto e abalo moral, por força das agressões de que foi vítima e que ainda hoje ande psicologicamente abalada.

Motivação da decisão
A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência, nomeadamente, nos seguintes elementos:
Em relação aos factos 1, 2 e 3 nas declarações das arguidas que descreveram de forma consistente e idêntica os factos descritos, sendo as únicas pessoas que estariam presentes à altura, pelo que não foram informados por qualquer meio de prova produzido.
Relativamente aos factos ulteriores, temos a arguida …, contou a sua versão dos acontecimentos, confessando integralmente e sem reservas os factos, admitindo que acertou com as costas do ancinho, que segurava na altura, na cabeça da arguida …, considerando o tribunal provados os factos imputados àquela, por considerar a sua versão coerente e atendendo ainda aos relatórios médicos que confirmam o traumatismo corto-contundente e a incapacidade, referindo ainda a inexistência de danos permanentes e de perigo para a vida, não referindo sinais de crise generalizada.
A arguida …, por seu turno, negou que tivesse atingido a arguida … na cabeça, ou em qualquer outra parte do corpo, como esta afirma.
Elemento de prova directo produzido sobre estes factos, e que é substancialmente diferente, é a versão da co‑arguida …, estas eram, aliás, as únicas versões que poderiam ser apresentadas por apenas estarem as duas presentes à altura dos factos, como ambas o afirmaram.
A versão apresentada pela arguida …, desde logo pela forma como se apresentou em sede de audiência de julgamento, afigurou-se como credível, no entanto, as declarações co-arguido, dada a especial fragilidade, exige uma prova acrescida, “que se traduz na corroboração necessária por outros meios de prova” (T. Pizarro Beleza, “Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal português”, Revista do Ministério Público, n.º 74, p. 39 e ss.; Acs. STJ de 30-10-01, p. 2630/01, de 5-6-03, p. 976/03, www.dgsi.pt).
Na verdade, embora não se afigure como um meio de prova proibido no sentido do artigo 126.º do Código de Processo Penal, “ no entanto particularmente frágil, e não pode ser considerado suficiente para sustentar uma condenação, pois aquele não presta juramento, não está impedido de mentir e tem interesse em sacudir as suas próprias responsabilidades”(T. Beleza, ob. cit., p. 58 e Ac. STJ de 20-04-2006, p. 06P363, www.dgsi.pt).
Ainda que a sua versão não tenha sido totalmente corroborada por qualquer outro elemento, designadamente o enquadramento temporal e sequência das agressões, pode, todavia, o tribunal comprovar que a arguida ficou com um hematoma na cabeça, factos confirmados, além pelo depoimento mais parcial do filho e nora e pelos Soldados da Guarda Nacional Republicana que acorreram ulteriormente ao local (não obstante as discrepâncias, face à distância temporal), principalmente pelo relatório médico de fls. 3, que confirmou a existência de traumatismo crâneo-encefálico e hematoma, encaminhando-a para o hospital.
Em relação ao elemento subjectivo dos factos imputados à arguida …, uma vez que pertence à vida interior de cada um, a sua apreensão resultou de ilações atendendo ao princípio da normalidade (neste sentido, Ac. Da RP de 23/02/1983, BMJ n.º 324, p. 620 apud Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado – 1º volume, p. 188), nomeadamente do facto de quem acerta com um pau noutra pessoa ter a vontade dirigida para a molestar, o que queria e conseguiu.
As consequências da conduta das arguidas resultaram assentes por virtude do relatório de perícia médico-legal de fls. 3 e documentação clínica. Por falta de sustentação nestes elementos médicos, não pode o tribunal dar como provados a gravidade, extensão e irreversibilidade dos danos alegados nos respectivos pedidos cíveis (reiterando-se que a perícia não refere danos permanentes, sinais de crise generalizada e ainda qualquer perigo para a vida para qualquer das arguidas).
Por outro lado, não se juntaram elementos de prova relevantes de molde a afirmar o nexo de causalidade entre os factos e as sequelas invocadas, designadamente os ataques e dores da arguida … e o internamento psiquiátrico da arguida …. Relativamente a esta, não obstante a existência de um relatório do médico psiquiatra, a verdade é que, embora se admita que a situação de conflito tenha agravado a condição da arguida …, a sua instabilidade emocional decorria ainda de problemas familiares mais estreitos, como problemas conjugais que faziam com que a arguida não sentisse qualquer segurança no local onde habitava, desde logo dentro de casa (cf. relatório de fls. 89, que aconselha o seu acompanhamento médico por estes factos).
No que concerne aos antecedentes criminais atendeu-se ao teor do CRC constante dos autos e as condições económicas e sociais das arguidas, nas declarações destas, que neste âmbito, mereceram credibilidade e, de resto, não foram infirmadas por qualquer meio de prova.
Relativamente aos factos respeitantes ao pedido de indemnização cível, os mesmos resultaram provados, além dos que resultam dos factos consubstanciadores do tipo de ilícito criminal, pelo teor dos documentos juntos, relativamente a despesas efectuadas, medicamentosas no valor de € 69 pela arguida … (fls. 347 e 348) e da demandante ED, transporte pelos bombeiros a fls. 143 e 144, corroborada pelos depoimentos do filho e nora, que os chamaram a fim de a transportar; despesas de internamento, consulta e medicamentos a fls. 145 a 148.
De igual modo, pelas facturas juntas pelo Centro de Saúde a fls. 134 e 136, que confirmam o valor das assistências médicas referidas nos autos.
Relativamente ao valor auferido pela demandante …, na exploração agrícola, ainda que não se tenha provado qualquer rendimento concreto, a verdade é que a média referida é inferior ao SMN, resultando a mesma provada de factos resultantes da experiência comum.
Os factos consubstanciadores dos danos morais, ainda que não totalmente referidos pelas testemunhas, foram parcialmente atendidos, considerando aqueles que, de acordo com a experiência comum ocorrem da normalidade destes factos e dos quais se terá logrado demonstrar o nexo de causalidade.

Os restantes factos resultaram não provados por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova em sede de audiência de julgamento, designadamente os respeitantes à personalidade da arguida Diamantina.
Apreciação
Da impugnação da decisão em matéria de facto
Como se referiu, a discordância da recorrente é dirigida primacialmente para a decisão em matéria de facto.
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código.
Tem sido salientado a uma voz pelos Tribunais Superiores que o recurso em matéria de facto é de fulcral importância para a salvaguarda dos direitos constitucionais de defesa e, para tanto, deve a Relação proceder a efectivo controlo da matéria de facto provada na 1ª instância, por confronto desta com a documentação em acta da prova produzida oralmente na audiência. Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente[4].
Assim, para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à utilização do recurso apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29/8, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos[5], impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente ter como referência o consignado na acta quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do artº 412º do CPP). Esta exigência justifica materialmente a extensão do prazo de recurso de 20 para 30 dias[6].
Compulsada a motivação apresentada, verifica-se que a recorrente concretiza os pontos de facto que reputa de incorrectamente julgados. Compreende-se da 1ª conclusão que pretende modificada a decisão relativamente a toda a conduta da arguida constante dos factos indicados em 4 a 8 dos factos provados de modo a que toda essa matéria seja considerada não provada. Encontra-se, assim, respeitado o ónus imposto pela al. a) do nº2 do artº 412º do CPP.
Porém, tomando agora a exigência de especificação das provas que impõem – pois esse é o critério legal – decisão diversa, com concretização das passagens das gravações em que se funda a impugnação, verifica-se que a recorrente omite por completo tal concretização quanto às testemunhas referidas, a saber, JQ, AS, AD, AF, FR e IQ. Com efeito, e como do corpo da motivação e encontra tradução na 2ª conclusão, a recorrente limita-se a elencar todo o depoimento das indicadas testemunhas, tomando as rotações indicadas nas actas de fls. 341 e segs. e 349 e segs., incumprindo o ónus imposto pelo nº4 do artº 412º do CPP.
Importa referir que, porque estamos perante inteira omissão de cumprimento da referida exigência, não deve ter lugar convite ao aperfeiçoamento. De acordo com o disposto nos nºs. 3 e 4 do artº 417º, do CPP, o aperfeiçoamento pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso. Então, quando o corpo das motivações não contém especificações exigidas por lei já não encontramos insuficiência das conclusões mas sim insuficiência do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida. A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso»[7]. Por outro lado, a conformidade constitucional deste entendimento, relativo à ausência de cumprimento do disposto no artº 412º, nº3, do CPP nas motivações e conclusões, e não apenas nas conclusões, face à norma do artº 32º, nº1, da CRP, tem sido unanimemente reconhecida pelo Tribunal Constitucional[8].
Face ao exposto, não pode este Tribunal conhecer da impugnação fundada na apreciação – audição - dos depoimentos das referidas testemunhas.
Resta, na conformação do recurso, a referência na 3ª conclusão a duas passagens das declarações da co-arguida ED, cuja posição nos presentes autos é contraposta à da recorrente DF, sua irmã, atendendo a que o objecto do processo comporta a imputação de ofensas à integridade física recíprocas, em conjunto com o relatório médico de fls. 3. As passagens concretizadas são as que «com as costas do ancinho que empunhava um golpe na cabeça da arguida DF» e «ferida corto-contusa na região frontal direita suturada com 9 pontos, que lhe determinaram 8 a 10 dias de doença, sendo 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional».
Porém, ouvidas as declarações da co-arguida ED, verifica-se que nunca proferiu tais expressões. Na realidade, o cotejo entre as partes indicadas pelo recorrente e a decisão recorrida permite perceber que, ao invés do referido na 3ª conclusão, os segmentos referidos não constituem passagens dessas declarações mas sim transcrição parcial da descrição constantes dos pontos 5 e 6 factos provados.
Então, impõe-se concluir que, também aqui, a recorrente omitiu por completo a indicação de passagens de declarações de ED, como imposto pelo disposto no artº 412º, nº4, do CPP, com a mesma consequência indicada a propósito dos depoimentos testemunhais, i.e. não poder ser conhecida a impugnação também nessa parte.
Assim, ficamos reduzidos à apreciação do «relatório médico» referido na 6ª conclusão, identificado por remissão para a decisão recorrida. Impõe a análise desse documento decisão diversa da assumida na sentença? A resposta é claramente negativa.
A fls. 3-D[9] encontra-se um boletim de informação clínica, com indicação de que ED deu entrada no Centro de Saúde de Oliveira de Frades, Serviço de Atendimento Permanente, pelas 11H35 do dia 14/09/2005 e regista diagnóstico à entrada de traumatismo crânio-encefálico ligeiro com fractura de risco, hematoma do couro cabeludo e dores na região dorsal. Ora, tais lesões, verificadas por médico no próprio dia dos factos, ao contrário do referido do recurso, são perfeitamente compatíveis com a acção contundente de um pau, constituindo factor comprovativo da versão da atingida, nos termos valorados pelo tribunal a quo.
 Insurge-se a recorrente relativamente a violação do princípio in dubio pro reo, por considerar que não foi efectuada prova inequívoca de que desferiu o golpe com o pau na irmã e, então, foi dada prevalência ao depoimento desta sobre o seu sem justificação.
A violação dos princípios probatórios, mormente do princípio in dubio pro reo, constitui fundamento para afirmação do vício da decisão contemplado no artº 410º, nº2, al. c) do CPP. Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, padece a decisão de erro notório quando, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, um homem médio facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis[10].
Como decorre da decisão recorrida, o julgador foi confrontado com evento em que apenas duas pessoas estavam presentes, em que uma delas – a arguida ED – confessou a conduta que lhe era imputada e a agressão à irmã e sustentou que também foi agredida. A outra indicada agressora/agredida – a arguida DF – negou ter atingido a irmã com um golpe desferido por um pau. Corroborando a versão de ED, a sentença indica o referido relatório médico, elaborado no próprio dia dos factos e perfeitamente compatível com a acção descrita e ainda os depoimentos do filho e nora da arguida e dos soldados da GNR, embora em termos de prova indirecta ou por ilação, na medida em que constaram as lesões no local dos factos.
Ora, a existência de prova directa – a versão de ED e as lesões – com corroboração de prova indirecta muito próxima dos factos - depoimentos da filha, nora e soldados da GNR – completa acervo probatório claramente idóneo, sem qualquer entorse de qualquer regras de valoração das provas, a considerar como provado que DF causou atingiu voluntariamente ED na cabeça com um pau e provocou-lhe, de forma directa e necessária, as lesões descritas no referido relatório médico.
Assim, não se encontra no texto e contexto da decisão fundamento para considerar que o julgador encontrou, ou deveria ter encontrado, situação de dúvida razoável, a qual ultrapassou em desfavor da arguida DF. A recorrente afirma a dúvida a partir da sua própria versão dos factos, desconsiderando os elementos probatórios corroborantes referidos na decisão para fazer crer, incorrectamente, que tudo se resume à palavra do acusador contra a do acusado. Não é assim, inexistindo, como pretende fazer crer, infracção da presunção de inocência ou do princípio in dubio pro reo.
Face ao exposto, não se vislumbra na decisão erro notório na apreciação da prova ou a presença de qualquer vício de que cumpra oficiosamente conhecer, ficando divergência no apreciação da prova que poderia conduzir à impugnação alargada da decisão em matéria de facto, como conduziu, mas em termos que não conduzem à pretendida modificação da decisão, nos termos do artº 431º, als. a) e b) do CPP.
Aqui chegados, mantida inalterada a decisão em matéria, impõe concluir pela falência da absolvição da arguida seja da imputação criminal, seja do pedido de indemnização civil, pois encontram-se verificados, de forma patente, os elementos essenciais do crime tipificado no artº 143º do CP e presentes os fundamentos da responsabilidade civil. Aliás, a recorrente não questiona a correcção do enquadramento jurídico-penal e jurídico-civil efectuado na sentença, antes pretende a sua absolvição por não se terem provado os factos pertinentes.
Termos em que improcede o recurso interposto pela recorrente Diamantina Dias Gomes de Figueiredo.
Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Negar provimento ao recurso;


[1] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 24/03/99, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[2] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[3] Transcrição.
[4] Ac. do S.T.J. de 17/05/2007, Pº 071397, relatado por Santos Carvalho, acessível em www.dgsi.pt. Cfr., ainda, dentre a jurisprudência mais recente do nosso mais Alto Tribunal, acessível no mesmo sítio internet, os Acs. de 23/05/2007, Pº 07P1498 (relator Henriques Gaspar), 14/03/2007, Pº 07P21 (relator Santos Cabral) e de 15/03/2007, Pº 07P610 (relator Pereira Madeira).
[5] O que foi justificado na proposta de Lei nº 109X da seguinte forma: «No âmbito da motivação, para pôr cobro a uma das principais causas da morosidade na tramitação do recurso, elimina-se a exigência de transcrição da audiência de julgamento. O recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes».
[6] Sem elaborar sobre a necessidade para o exercício da defesa de tal prazo, não pode deixar de se confrontar o mesmo com o prazo concedido pelo legislador para a prolação de sentença nos casos de especial complexidade – 10 dias, nos termos do artº 373º do CPP  – e  para a elaboração de projecto de acórdão ou elaboração da decisão – 15 dias, nos termos do artºs. 417º, nº9 e 425º, nº3, do CPP.
[7] Ac. do STJ de 31/10/2007, P07P3218, relator Cons. Armindo Monteiro.
[8] Ac.do TC  nº 140/2004, de 10/3 e decisão sumária nº274/06, de 22/05.
[9] Os autos contêm várias fls. 3, diferenciadas com a aposição de uma letra.
[10] Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6ª edição, 2007, p. 74 e Ac. do STJ de 3/10/2007, Pº07P1779, relator Henriques Gaspar, ww.dgsi.pt.