Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3697/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELA RELAÇÃO
AVAL
MEIOS DE DEFESA DO AVALISTA
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 712º, Nº 1, AL. A), DO CPC; 17º, 30º E 32º,§1º, DA LULL .
Sumário: I – Desde que o Tribunal da Relação, percepcionando os elementos de prova que estão disponíveis, adquira uma convicção diversa da que foi assumida pela 1ª instância, pode modificar essa decisão nos pontos de facto impugnados. Mas ainda assim, é necessário que se demonstre que existiu um erro na apreciação do valor probatório dos concretos meios de prova que foram produzidos .
II – O aval é o acto cambiário, independente da obrigação avalizada, pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores .

III – O avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne à do pagamento, pelo que o acordo de preenchimento de uma letra ou livrança somente respeita ao portador e ao seu subscritor, não podendo o avalista socorrer-se do preenchimento abusivo como defesa por excepção a seu favor .

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A... veio, por apenso à execução ordinária que lhe move a «B...», deduzir embargos, pedindo que:
a) mercê da moratória concedida pela embargada, o prazo de pagamento da livrança está sujeito a condição suspensiva até 31/01/02, pelo que a dívida só é exigível no dia 1 de Fevereiro seguinte;
b) em qualquer caso, a livrança tem de considerar-se como pagável à vista e sujeita a apresentação a pagamento;
c) não tendo havido tal apresentação, o seu vencimento dá-se com a citação do embargante, facto que ocorreu na data de 28/9/01;
d) em qualquer caso, as responsabilidades do embargante, por força do aval prestado, se reduzem ao montante de capital de 1.500.000$00,
e) e aos respectivos juros legais, à taxa de 7% ao ano, desde a citada data da citação até efectivo reembolso.
Para tanto e em síntese, alega que o embargante e os demais co-obrigados solicitaram à embargada uma moratória para pagamento da dívida resultante da livrança, até ao fim de Janeiro de 02, o que lhes foi concedido, motivo pelo qual o prazo de cumprimento está suspenso até final de Janeiro. A isto acresce a circunstância do embargante apenas ter avalizado uma livrança no montante de 1.500.000$00, para tal deu o seu aval numa livrança em branco, livrança essa que por conluio entre o co-executado Artur Simões e o Presidente da Direcção da embargada, foi preenchida com o montante de 9.500.000$00, bem sabendo os dois que o embargante avalizara a livrança pelo valor de 1.500.000$00.
Finalmente alega que como não teve conhecimento das datas de subscrição e de vencimento da livrança, por falta de data de vencimento deve ser considerada como de “vencimento à vista”. Como a embargada nunca apresentou a livrança a pagamento no que respeita ao ora embargante, só com a citação deste se considera vencida e só a partir desta data fica sujeito aos juros legais.
A embargada contestou, alegando que de facto autorizou a moratória a que o embargante alude, motivo pelo qual a obrigação está suspensa, só se tornando exigível, a partir de 1. Fev. 02. Alega, ainda, saber que existe um financiamento concedido a Artur Fernandes Simões e esposa no montante de 9.500.000$00, avalizado pelo embargante, e que tal montante foi creditado em conta, e que, quanto a juros, a livrança foi preenchida de acordo com a proposta de crédito.
Foi elaborado o despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e a base instrutória, não tendo havido qualquer reclamação.
Realizado o julgamento e respondida a base instrutória com reclamação desatendida, foi proferida por fim a sentença, na qual se julgaram os embargos improcedentes.
I.2- Inconformado, apelou o embargante, tendo na respectiva peça alegatória, dito, em síntese conclusiva, o seguinte:
1ª- Da análise crítica dos depoimentos das testemunhas, Eleutério Carvalho Nunes, Artur Fernandes Simões e Artur Sobral de Oliveira, conjugados com os restantes elementos de prova documental existente nos autos, doc.s 3 a 7 juntos com a p.i., e recorrendo ás regras da experiência comum, impõe-se que se dê como provado o quesito 4º da base instrutória;
2ª- Ou, pelo menos, que se dê como provado apenas que “a livrança foi entregue nos serviços da embargada nas condições que constam do quesito 2º e que ali foi preenchida sem intervenção do embargante ou dos demais obrigados cambiários”, devendo portanto alterar-se a resposta dada;
3ª- A data de vencimento (20.6.00) que consta do título executivo foi aposta em data posterior a 13.6.01, como se demonstra da letra junta à execução e respectiva cópia junta como doc.4 da p.i.;
4ª- Assim, por falta de data certa de vencimento, a livrança deve ser considerada como de “vencimento à vista”, o que deve verificar-se no prazo de 1 ano da data da sua subscrição, facto que ocorreu em 16.9.96 – arts.33º e 34º, aplicáveis por força do art.77º, todos da L.U.L.L.;
5ª- A embargada, portadora do título, nunca apresentou a livrança a pagamento, pelo menos no que respeita ao avalista ora embargante;
6ª- Porque tal apresentação foi omitida, tem de considerar-se como tal a citação do embargante, facto que ocorreu em 28.9.01, pelo que, em princípio, só nessa data a livrança se consideraria vencida;
7ª- A obrigação cartular constante da livrança está prescrita, por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data em que a mesma deveria ter sido apresentada a pagamento, já que se tratava de título pagável à vista;
8ª- Compete ao tribunal conhecer oficiosamente dessa excepção peremptória, já que todos os factos aí conducentes constam da p.i.;
9ª- Em consequência da moratória para pagamento da dívida resultante da livrança, a obrigação só se terá vencido e tornado exigível em 1.2.02, e só a partir desta data seriam exigíveis os respectivos juros;
10ª- De qualquer forma o apelante só poderá ser responsabilizado pelo aval de 1.500.000$00 e respectivos juros a partir de 1.2.02, porque o preenchimento da livrança daquele montante para 9.500.000$00 foi abusivo e violou os prazos constantes da obrigação subjacente.
I.3- Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
A 1ª instância considerou assente a seguinte factualidade:
1)- A exequente deu à execução uma livrança em que figura como subscritor «Simões e Oliveira, Ldª», como data de vencimento, 20.6.00 e como montante, 9.500.000$00;
2)- O embargante apôs a sua assinatura no verso da livrança sob os dizeres « dou o meu aval ao aceitante desta letra»;
3)- O embargante e demais obrigados solicitaram à embargada uma moratória para pagamento da dívida resultante da livrança até ao fim de Janeiro de 2002, que lhes foi concedido;
4)- O embargante recebeu uma carta da embargada datada de 8.6.01, a solicitar o pagamento da dívida, como consta de fls. 11;
5)- O embargante em 13.06.01 deslocou-se às instalações da embargada, tendo-lhe sido entregue a fotocópia da livrança que se encontra junta a fls. 12, sendo informado verbalmente pelo funcionário Sr. Eleutério que o capital em dívida era de 9.353.000$00 e estava vencida a dívida desde Maio de 2000;
6)- Em 16.09.96 foi creditado na conta nº3477 na embargada, da sociedade «Simões & Oliveira Ldª», a quantia de 9.500.000$00, que devia ser reembolsada até 16.4.97, a que se refere a “proposta de crédito” nº963374;
7)- O embargante não teve intervenção na “proposta de crédito” referida no ponto anterior, nem teve conhecimento das condições da sua subscrição;
8)- A livrança referida em 1) foi entregue para “garantia” do pagamento do financiamento a que respeita “proposta de crédito” nº963374;
9)- Em data indeterminada de fins de Agosto de 1996 o executado Artur Fernandes Simões pediu ao embargante para este lhe avalizar uma livrança no montante de 1.500.000$00, que se destinava a titular um empréstimo de igual valor a conceder à empresa «Simões & Oliveira Ldª», da qual aquele era gerente;
10)- O embargante apôs então a sua assinatura como referido em 2), constando então da livrança (além do impresso) a indicação a lápis da importância de 1.500.000$00, sem haver quaisquer outros dizeres escritos;
11)- Depois dessa data, e até receber a carta da embargada referida em 4), o embargante nada mais soube sobre a livrança e seu preenchimento.
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II.2 - de direito
Ressalta das transcritas conclusões que o apelante pretende antes do mais que discute, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Entende que foi erradamente julgada a matéria inserta no ponto 4º da base instrutória, pretendendo vê-la alterada, indicando o sentido dessa alteração.
Perguntava-se nesse quesito 4º se “A livrança referida em A) foi preenchida nos serviços da embargada, por conluio de má fé entre o executado Artur Simões e o presidente da direcção da embargada ao tempo em exercício, sr. Artur Sobral, bem sabendo ambos que o embargante avalizara a livrança apenas para o valor de 1.500.000$00”.
O tribunal deu resposta negativa.
Para a justificar ponderou que “ (…) quer o executado Artur Simões, quer o então presidente da embargada, Artur Sobral, negam os factos. A testemunha Artur Sobral apenas confirma que apôs a sua assinatura como presidente da embargada na proposta de fls.14, tendo ainda aposto a data e os dizeres “autorizada” na mesma proposta, desconhecendo completamente as circunstâncias em que o aval foi dado, pois a proposta quando lhe chegou já ia preenchida à excepção das assinaturas, do dizer “autorizada” e da data. Aliás, todas as propostas de crédito passavam previamente por um outro departamento que dava o seu parecer. (…) referiu ainda desconhecer se a livrança em causa ia ou não totalmente preenchida. (…) a testemunha Artur Simões, não obstante não conseguir esclarecer o motivo pelo qual a livrança foi preenchida com o montante de 9.500.000$00, nega que os factos se tenham passado como descrito no quesito 4º (…)”.
Insurge-se o apelante contra a resposta de “não provado” dada a esse quesito, em que se contemplava, no essencial, a sua tese de que houve violação do pacto de preenchimento da livrança, por a exequente/embargada «C.C.A.M.» a ter adquirido de má fé, sabendo ela e o avalizado/executado, Artur Simões, que o embargante avalizara a livrança apenas pelo valor de 1.500.000$00.
Pretende que se dê resposta positiva ou então restritiva, invocando os depoimentos das testemunhas Eleutério Nunes, funcionário da embargada e responsável do balcão de Mortágua desde finais de 1995, Artur Simões, gerente da co-executada, e Artur Sobral, presidente da direcção da embargada à data dos factos.
Está preenchido o condicionalismo formal que permite a intervenção da Relação no sentido de alterar o julgamento da 1ª instância [arts.690º-A e 712º/1-a), C.P.C. ] uma vez que a audiência foi gravada, para além de o recorrente ter procedido à transcrição dactilografada dos depoimentos.
Quanto ao condicionalismo substancial, o C.P.C. é absolutamente taxativo: só podem ser alteradas as respostas aos quesitos por parte da Relação se ocorrer alguma das hipóteses previstas no citado art.712º/1.
A pretensão do recorrente apoia-se, portanto, na al.a) do nº1 do citado art.712º. A modificação da decisão fáctica deverá, então, ser o resultado da reapreciação dos elementos probatórios que, com plena autonomia, seja feita pela Relação. Desde que este tribunal, percepcionando os elementos de prova que estão disponíveis, adquira uma convicção diversa da que foi assumida pela 1ª instância, pode modificar essa decisão nos pontos de facto impugnados. Mas ainda assim, é necessário que se demonstre que existiu um erro na apreciação do valor probatório dos concretos meios de prova que foram produzidos.
Para justificar esse pedido de alteração, e dando cabal cumprimento ao estabelecido no art.690º-A/C.P.C., invoca o recorrente os depoimentos prestados pelas testemunhas antes mencionadas.
Auscultadas as gravações dos depoimentos das referidas testemunhas, julgamos que a resposta dada ao dito ponto de facto 4º está em consonância com o teor dos relatos por elas feitos.
Na verdade, a testemunha Eleutério disse saber apenas o que consta dos documento 4 e 6 que lhe foram exibidos e o que fora dito pelo embargante quando se dirigiu ao balcão da «C.C.A.M.» surpreendido com o teor da carta enviada por esta entidade bancária a solicitar-lhe o pagamento da quantia em dívida. O que antes se passou, afirmou desconhecer. A testemunha Artur Simões esclareceu que a livrança tinha a lápis a anotação de “1.500.000$00”, quantia que necessitava na altura em que pediu o aval. Referiu que tinha mais livranças na embargada, que as preenchia, desconhecendo que a conta estava a descoberto no montante de cerca de 9.500.000$00, e que a livrança em causa seria para a “tapar”. Não soube explicar para que fim entregara a livrança, embora precisasse de dinheiro para negócios da sua firma «Simões e Oliveira, Ldª». Por sua vez a testemunha Artur Sobral, presidente da Direcção da embargada à data da emissão da livrança, esclareceu que a anterior testemunha tinha vários financiamentos, mas não se recorda do caso concreto. Afirmou que a formalização das propostas de crédito passava pelo departamento respectivo, indo depois à reunião da direcção onde eram analisadas. Foi o que sucedeu no caso, confirmando a sua assinatura no doc. 6 “proposta de crédito” nº963374, autorizada em 4.9.96 pelo montante de 9.500.000$00, e garantida por “livrança subscrita pela firma proponente e avalizada por A... (…)”. Mais afirmou nunca ter tido conhecimento que a livrança fora avalizada pelo montante de 1.500.000$00.
Em suma, nenhuma das testemunhas referiu, ainda que ao de leve, a existência de conluio de má fé no preenchimento da livrança ajuizada, nem ele decorre dos documentos juntos.
Temos, pois, por indiscutível, o total acerto da resposta negativa dada ao ponto 4º controvertido, por manifesta falta de prova, resposta essa que deve manter-se inalterada.
Improcede, deste modo, a pedida alteração da decisão da matéria de facto.
Posto isto, o elenco factual a atender é o que acima se transcreveu.

Passemos, então, à questão de fundo colocada no recurso, e que passa por saber se a livrança ajuizada foi preenchida abusivamente pela embargada com conhecimento do executado Artur Simões como continua a defender o recorrente.
A sentença em recurso julgou improcedentes os embargos, discorrendo assim: “(…) o embargante está vinculado ao acordo de preenchimento existente entre a «Simões e Oliveira, Ldª» e a ora embargada, garantindo, portanto, o pagamento do montante titulado pela livrança. Não prova o embargante qualquer preenchimento abusivo da livrança por parte da embargada e o facto de provar que o executado Artur Simões lhe pediu para avalizar uma livrança de 1.500.000$00 apenas pode ser usado contra este e não contra a embargada estranha a tal acordo. O ora exposto vale igualmente para a questão dos juros suscitada nos embargos. Além de que o avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (…). Assim, a livrança vence-se em relação a si, na mesma altura em que se vence em relação à «Simões e Oliveira, Ldª»”.
Desde já se adianta que se decidiu bem.
Decorre implicitamente dos factos, e as partes aceitam, que a livrança em causa foi emitida em branco, e visou a garantia do cumprimento de um contrato de concessão de crédito em conta corrente, firmado entre a exequente/embargada «C.C.A.M. de Mortágua» e os co-executados/subscritores, «Simões & Oliveira, Ldª» e gerente Artur Simões.
Vem assente que o embargante/recorrente figura nesse título cambiário como avalista, não tendo posto em crise a prestação de aval.
Atento o disposto no art.77º da L.U.L.L (como os demais a citar sem menção de origem), é aplicável ás livranças, na sua generalidade, o regime legal para as letras de câmbio.
Segundo o art.30º, o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (ou livrança) garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores.
O aval funciona, pois, como garantia da obrigação de certo obrigado cambiário. A medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado (art.32º§1º).
É, porém, um verdadeiro acto cambiário, origem duma obrigação autónoma, independente da obrigação avalizada, mantendo-se mesmo que esta seja nula, salvo se a nulidade provier de um vício de forma (art.32º§2º).
Ora, atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne à do pagamento. Cfr. Ac.STJ de 27.4.99 (CJstj II/99-68), de 11.12.03 (proc.03A3529) e 11.11.04 (proc.04B3453), in www.stj.pt
Resulta da lei (arts.10º e 77º) que as livranças podem ser incompletamente preenchidas, caso em que são designadas por livranças em branco, e entregues a outrem que passa a assumir a posição de portador delas, a quem é atribuído o direito de as preencher de acordo com o convencionado.
Tendo em conta a matéria factual descrita, o recorrente/embargante é totalmente alheio à relação contratual (relação subjacente de empréstimo) estabelecida entre a entidade bancária exequente e a subscritora da livrança. A sua intervenção nesse empréstimo está apenas relacionada com a garantia ao pagamento através do aval prestado na livrança em execução. Nesta medida, o acordo de preenchimento da livrança somente respeita ao portador (a exequente/mutuária) e ao seu subscritor.
Por isso, enquanto mero avalista, o recorrente não pode fazer valer, como pretende, por via exceptiva, o preenchimento abusivo, excepção que apenas aos sujeitos da relação subjacente (a subscritora) seria permitido perante a credora (art.17º). Sendo sujeito, sim, da relação subjacente ao acto cambiário do aval, constituída entre ele e o subscritor, só no confronto entre ambos é que essa relação é invocável.
Sendo assim, ainda que a livrança tivesse sido avalizada pelo montante de 1.500.000$00 e se destinasse a garantir um empréstimo de igual quantia, ao recorrente, na qualidade de avalista, era vedado opor ao portador a excepção do preenchimento abusivo do título.
De todo o modo, não vem apurado nos autos o alegado abuso do preenchimento da livrança. Pelo contrário, os factos revelam que tal preenchimento foi efectuado correctamente. Na verdade, está provado que este título cambiário destinou-se a assegurar o pagamento do financiamento a que respeita a “proposta de crédito” nº963374 (doc.6), alcançando-se da mesma que o montante a atribuir foi de 9.500.000$00, importância que a subscritora recebeu na sua conta nº3477.
Acresce que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, a circunstância de ter sido anotada a lápis na livrança a importância de 1.500.000$00 é totalmente inócua do ponto de vista da oponibilidade da mesma excepção à credora/portadora. A determinação do conteúdo da obrigação do avalista não pode ser feita com recurso a elementos exteriores ao título.
É certo que o art.30º prevê expressamente a possibilidade de o aval garantir apenas em parte a obrigação que por ele se avaliza.
Porém, a característica da literalidade dos títulos de crédito obriga a que a determinação da medida do avalista, quando parcial, seja feita por simples inspecção ao título.
No caso em apreço, a simples anotação em lápis da importância supra referida em local não apurado da livrança, e sem quaisquer outros dizeres, não pode ser entendida como uma manifestação inequívoca do valor avalizado.
Conforme antes se salientou, o aval é também um acto cambiário, que possui uma relação subjacente, constituída pelo dador/avalista e subscritor/avalizado, independente da obrigação cambiária.
Atenta essa autonomia, e revertendo ao caso ajuizado, se porventura existiu um pretenso abuso de preenchimento da livrança quanto ao seu montante, por desrespeito ao combinado entre avalista e avalizado, tal circunstância só poderá ser invocada no confronto de ambos. Não pode é ser oposta à portadora do título, alheia a esse ajuste.
E assim, não provada a alegada violação do contrato de preenchimento, ao apor a sua assinatura na livrança o recorrente não podia ignorar que ficava obrigado ao respectivo pagamento que pessoalmente garantiu através da prestação do aval. O avalista é responsável pelo pagamento da livrança da mesma forma que a subscritora (art.32º).
Sustenta o recorrente que a livrança não tem dada certa, pelo que deve ser considerada como de “vencimento à vista”.
A factualidade provada retira-lhe razão.
Com efeito, está provado que na livrança figura como data de vencimento a data de 20.6.00.
A livrança foi entregue para assegurar o pagamento da dívida em caso de incumprimento. Podia a exequente a partir de então, indicar livremente aquela data de vencimento.
De resto, na missiva que o recorrente (e outros) enviou à embargada solicitando-lhe uma moratória para pagamento da dívida, é referida expressamente aquela data como a de vencimento.
Na resposta, a embargada concede a moratória, ressalvando, porém, a obrigação do pagamento de juros vencidos e vincendos.
Significa isto que, em contrário do que defende o recorrente, os juros são devidos a contar da data aposta na livrança (20.6.00), e não a partir de 1.2.02, quando terminou o período da moratória.
Por último, e como derradeiro argumento, invoca o recorrente a prescrição da acção cambiária, por terem decorrido mais de três anos sobre a data em que a livrança deveria ter sido apresentada a pagamento.
Tal argumento revela-se, com o devido respeito, inconsistente.
Segundo o art.303º/C.C. a prescrição tem de ser invocada por aquele a quem a aproveita, não podendo o tribunal supri-la oficiosamente. Por isso, e como causa extintiva da obrigação exequenda, o embargante deveria tê-la incluído nos embargos o que não fez. Não a invocou, mesmo implicitamente, por falta da alegação de factos que revelassem inequivocamente a sua intenção de fundamentar, também na prescrição, a oposição à execução.
Em todo o modo, importa referir que, verificado o incumprimento do contrato de concessão de crédito, o exequente podia apor na livrança a data de vencimento que entendesse, de harmonia com o acordo de preenchimento.
Aposta essa data no título como data do seu vencimento, é nela que se inicia o prazo de prescrição estabelecido nos arts.70º e 77º.
Intentada a execução em 2001, esse prazo estava, pois, longe de estar esgotado.
Concluindo, tendo o recorrente prestado o seu aval numa livrança em branco, não pode opor ao portador da mesma a excepção do preenchimento abusivo (art.17º), por não ser sujeito da relação jurídica firmada entre a entidade exequente/portadora e a firma subscritora «Simões & Oliveira, Ldª».
Como avalista desta firma, é responsável perante a exequente pelo pagamento da quantia exequenda (arts.32º, 47º, 48º e 77º).
Dito isto, improcedem as conclusões do recurso e, consequentemente, este, com a consequente manutenção da sentença recorrida.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelo apelante.
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COIMBRA,