Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SANEAMENTO AVALIAÇÃO PERÍCIA | ||
Data do Acordão: | 10/21/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO ART.º 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 644.º, 2, D) E I); 652.º, 1, B) E H); 655.º, 1110.º A 1114.º E 1123.º, 2, B) E 5, DO CPC | ||
Sumário: | 1. - Em processo de inventário, as decisões sobre o saneamento do processo, com lugar na fase anterior à da conferência de interessados, têm por objeto todas as questões, colocadas até essa fase, que possam ter influência na partilha, designadamente exceções, questões prévias ou incidentais ou nulidade de ocorrência anterior.
2. - Fora do saneamento do processo estão, pois, todas as questões que venham a colocar-se já na fase (posterior) da conferência de interessados, como as que se reportem a avaliações de bens e licitações ou à forma de satisfação do passivo, cumprimento de legados e incidente de inoficiosidade. 3. - Assim, os incidentes – como a arguição de nulidades processuais – que ocorram no âmbito da avaliação dos bens a partilhar (decurso da prova pericial respetiva) não dizem respeito à fase do saneamento, nem podem ter-se como reportados ao saneamento do processo de inventário, mas sim à fase ulterior, a da concretização/realização da partilha, centrada na conferência de interessados e nas decisões ali tomadas (cfr. art.º 1111.º do NCPCiv.), com licitações e avaliação. 4. - Por isso, a decisão sobre arguição de nulidades processuais no âmbito da avaliação dos bens a que alude o art.º 1114.º do NCPCiv., não se integrando no saneamento do processo, não é suscetível de impugnação mediante apelação autónoma, apenas sendo recorrível com o recurso da sentença homologatória da partilha. | ||
Decisão Texto Integral: | ***
I – Relatório Resulta destes autos de reclamação (art.º 643.º do NCPCiv.), com origem em autos de inventário, em que figura como Reclamante AA, Cabeça de casal, com os sinais dos autos, ter sido interposto por esta recurso de apelação autónoma, afirmando-se no respetivo requerimento de interposição que, “tendo sido notificada do despacho de 7.05.2024 (…) vem dele interpor RECURSO para o Tribunal da Relação de Lisboa, através de apelação autónoma (ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, i) e do artigo 1123.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código de Processo Civil – “CPC” -, todos ex vi artigo 1133.º, n.º 1 do CPC), por estar em causa um despacho de saneamento do processo que influi sobre a partilha (conforme artigo 1110.º, n.º 1, a) do CPC, ex vi artigo 1133.º, n.º 1 do CPC), (…) com efeito devolutivo, subida imediata e em separado” (itálico aditado). É o seguinte, na parte relevante, o teor do despacho a que se reporta o recurso: «(…) No que respeita à avaliação dos imóveis, importa revisitar o despacho de 6 de julho de 2023. A fim de nomear perito avaliador, o Tribunal determinou o seguinte: Indique a Secção pessoa habilitada a ser nomeada como perito avaliador. Desde já nomeio como perito avaliador a pessoa que vier a ser indicada pela Secretaria. Este despacho foi notificado à cabeça-de-casal, por notificação de 6 de julho de 2023, endereçada à Ilustre Advogada que a representava à data, Dr.ª BB. A cota de 13 de novembro de 2023 não é mais do que uma informação da Secretaria ao Juiz, em cumprimento da indicação ordenada e concretizando a nomeação há muito realizada. A dilação entre a nomeação e a identificação do nomeado justifica-se pela circunstância de a cabeça-de-casal, impulsionadora da avaliação, não ter procedido ao pagamento dos encargos devidos pela avaliação requerida. Mais, a 13 de novembro de 2023 a cabeça-de-casal estava representada pelo Ilustre Advogado Dr. CC. Aparentemente, a cabeça-de-casal pretende atacar a atuação da Sr.ª Avaliadora, referindo que procedeu à avaliação sem a sua presença. Porém, reconhece que a Sr.ª Avaliadora a contactou em 15 de fevereiro de 2024 tendo em vista agendar visita a um imóvel, não tendo a cabeça-de-casal disponibilidade para o efeito. Mais referiu ter a Sr.ª Avaliadora retomado o contacto a 13 de março de 2024, com o mesmo propósito, aparentemente já através da Ilustre Advogada que representa a cabeça-de-casal, mais uma vez sem sucesso. De referir ainda que a Sr.ª Avaliador informou, em 14 de março de 2024, ter procedido à avaliação de quatro dos seis imóveis a avaliar tendo a Cabeça de Casal prescindido expressamente de estar presente. Informação que foi notificada à cabeça-de-casal e que não mereceu a sua oposição nem tão pouco qualquer reação. Resumindo. A cabeça-de-casal esteve representada por Ilustre Advogada, Dr.ª BB, desde 25 de janeiro de 2022 a 19 de julho de 2023. E está representada por Ilustre Patrono, nomeado na sequência de pedido de apoio judiciário, desde 16 de outubro de 2023, não tendo sido comunicados ao processo pedidos de escusa pelos Ilustres Advogados nomeados (artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) nem pedidos de substituição formulados pela cabeça-de-casal, expressamente notificada para o efeito (artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). Inexiste, por conseguinte, qualquer falta de representação ou de notificação que invalide qualquer ato processual praticado no processo, improcedendo as nulidades e irregularidades arguidas. Tendo em vista concretizar a avaliação ordenada, solicite à Sr.ª Avaliadora nomeada que articule com as Ilustres Advogadas de cabeça-de-casal e requerente, no sentido de agendar as diligências necessárias a realizar tal propósito. Considerando que a avaliação foi requerida pela cabeça-de-casal, caso persista na indisponibilidade injustificada para realizar a avaliação, considerar-se-á que perdeu interesse na respetiva concretização. Tendo em vista aferir da perda de interesse da cabeça-de-casal, caso se frustre novamente a avaliação por falta de colaboração, deverá a Sr.ª Avaliadora descrever e documentar a comunicação com a cabeça-de-casal (designadamente através da Ilustre Advogada que a representa) e a frustração da diligência agendada. Mais, frustrando-se a avaliação por falta de colaboração da cabeça-de-casal, requerente dessa mesma avaliação, tendo em vista ponderar a condenação da cabeça-de-casal como litigante de má fé, disporão as partes de 10 dias, contados da notificação da descrição da Sr.ª Avaliadora quanto à frustração da diligência agendada para, querendo, se pronunciarem. Notifique, com cópia, as partes e a Sr.ª Avaliadora.» (itálico aditado). Nas suas conclusões recursivas, expendeu a Apelante: «1. A Recorrente VEM INTERPOR recurso do Despacho de 7.05.2024, o qual padece de vícios decorrentes de erros de facto e de direito, cuja correção se REQUER. 2. O primeiro erro de julgamento prende-se com a alegada dilação na escolha da perita “imputável” à recorrente, por falta de meios económicos para pagar a perícia. 3. No Despacho, o Tribunal a quo – para fundamentar a falta de colaboração da Recorrente com o tribunal e, com isso, justificar uma eventual condenação em litigância de má-fé – invoca que “[a] dilação entre a nomeação e a identificação do nomeado justifica-se pela circunstância de a cabeça-de-casal, impulsionadora da avaliação, não ter procedido ao pagamento dos encargos devidos pela avaliação requerido” (pág. 2 do Despacho). 4. Com o devido respeito, a Recorrente não é responsável pelo atraso na nomeação do perito. 5. Primeiro, porque a guia para pagamento foi emitida no dia 21 de Setembro de 2023 – ref. Citius n.º 92190124 – mas só foi notificada à Recorrente a 2 de Outubro de 2024 – ref. Citius n.ºs 92190155 e 8356429, requerendo-se o aditamento destes factos processuais ao Despacho. 6. Segundo, conforme o Despacho reconhece, a Recorrente não tinha mandatário constituído nesta altura, uma vez que a “cabeça-de-casal esteve representada por Ilustre Advogada, Dr.ª BB, desde 25 de janeiro de 2022 a 19 de julho de 2023. E está representada por Ilustre Patrono, nomeado na sequência de pedido de apoio judiciário, desde 16 de outubro de 2023 (…)”. 7. Terceiro, entre a notificação para pagamento da guia – a 2.10.2023 – e o deferimento do pedido de apoio judiciário, com comunicação ao tribunal – a 25.10.2023 – mediaram 23 dias corridos. 8. O próprio tribunal também precisou de um tempo razoável entre a comunicação do deferimento do apoio judiciário – a 25.10.2023 – e a emissão da cota de nomeação de perito – a 13.11.2023 – mediando 18 dias corridos entre tais atos. 9. E, finalmente, a Senhora Perita nomeada veio a tribunal a 29 de Dezembro de 2023 (portanto, mais de um mês após a sua nomeação) solicitar uma prorrogação do prazo por mais 30 dias (ref. Citius 8562019), requerendo-se o aditamento deste facto processual ao Despacho. 10. Não é, assim, imputável à Recorrente a dilação entre a nomeação e a identificação do nomeado perito, ou, quando muito, trata-se de uma responsabilidade partilhada entre os vários atores judiciários, sendo razoável que, sendo necessário solicitar apoio judiciário, este tenha sido deferido e comunicado ao processo 23 dias após a notificação da Recorrente para pagar as custas. 11. A Decisão, na parte em que imputa à Recorrente a responsabilidade pelo atraso na nomeação da Senhora Perita, viola, por conseguinte, o artigo 4.º do CPC e o disposto no artigo 20.º, n.º 1, 2ª parte da CRP. 12. A Decisão recorrida violou tal preceito porque culpabiliza a parte que, do ponto de vista substancial, por insuficiência de meios, está mais desfavorecida, pelo não pagamento da perícia e inclusivamente pela dilação na nomeação da perita, quando tal nem corresponde à verdade, porque¸ a existir demora, ela foi igualmente repartida entre o tempo que demorou o pedido de apoio judiciário a ser deferido e o tempo que demorou a nomeação pelo tribunal. 13. O artigo 4.º do CPC dispõe expressamente que é necessário atender à substância, isto é, à realidade da posição de cada parte, designadamente na aplicação de sanções processuais. 14. O que o tribunal a quo está a fazer é a desconsiderar o estatuto substancial da Recorrente, pretendendo penalizá-la porque não tinha meios imediatos para pagar a perícia por si solicitada e assim justificar um caso de falta de colaboração da Recorrente com o tribunal. 15. A imputação deste alegado atraso – não verificado, como vimos – por falta de pagamento viola igualmente o disposto no artigo 20.º, n.º 1, 2ª parte da Constituição da República Portuguesa, porque a falta de meios económicos da Recorrente “é usada” como sendo uma circunstância que está a provocar demoras judiciais. 16. A Constituição procura precisamente obviar a que a insuficiência de meios seja utilizada como um argumento – neste caso – para impedir o exercício de um direito ou para penalizar a parte que está nessa situação, sendo precisamente isso que o Despacho faz, pelo que este padece de um evidente erro de direito, que importa corrigir. 17. O segundo erro de julgamento prende-se com a alegada falta de colaboração da Recorrente com o Tribunal por não ter respondido à notificação do tribunal “para, em 5 dias, comprovar ter formulado junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do patrono nomeado (artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho)” (pág. 2 do Despacho). 18. O Tribunal menciona que “nada disse, inviabilizando qualquer pronúncia do Tribunal a tal propósito” (pág. 2 do Despacho) e menciona ainda que “está representada por Ilustre Patrono, nomeado na sequência de pedido de apoio judiciário, desde 16 de outubro de 2023, não tendo sido comunicados ao processo pedidos de escusa pelos Ilustres Advogados nomeados (artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) nem pedidos de substituição formulados pela cabeça-de-casal, expressamente notificada para o efeito (artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho)” (pág. 3 do Despacho). 19. Esta decisão contém um erro de facto e de direito. 20. Primeiro, o próprio Tribunal reconhece que foi a Recorrente quem começou por enviar uma comunicação ao Tribunal sobre a sua falta de representação efetiva pelo patrono nomeado a 3 de Janeiro de 2024 21. Segundo, a Recorrente respondeu ao despacho do tribunal “para, em 5 dias, comprovar ter formulado junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do patrono nomeado (artigo 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho)”, o que fez através de email de 27 de Janeiro de 2024 (ref. Citius n.º 8627534), mas que não se encontra mencionado no Despacho recorrido. 22. Note-se que a Recorrente apenas tinha recebido a notificada através de carta recebida a 17 de Janeiro de 2024, requerendo-se o aditamento deste facto processual ao Despacho. 23. Através de email de 27 de Janeiro de 2024 (ref. Citius n.º 8627534), a Recorrente informou o tribunal de que havia obtido a resposta oral da parte da Ordem dos Advogados de que o anterior Patrono nomeado, o Dr. CC, havia apresentado a escusa, requerendo-se o aditamento deste facto processual ao Despacho. 24. A desconsideração desta resposta é um flagrante erro de facto, com o devido respeito, ainda para mais para se concluir, como se faz no Despacho recorrido, que a ausência de resposta “inviabiliz[ou] qualquer pronúncia do Tribunal a tal propósito”. 25. Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, é da responsabilidade do patrono nomeado comunicar a escusa ao Tribunal, para interromper, com isso, o prazo em curso. 26. Ora, o anterior patrono nomeado não o fez. 27. Esta parte do Despacho padece, assim, em simultâneo de um erro de facto, por desconsiderar a resposta da Recorrente, e ainda de um erro de direito, por desconsiderar que a lei impõe sobre o patrono nomeado a obrigação de comunicar a escusa ao processo, como bem se compreende, dada a natureza pessoal de tal ato. 28. Acrescente-se que o tribunal chegou a proferir um despacho no dia 29 de Janeiro de 2024 (ref. Citius n.º 93243430), no qual determinou que se “Solicite à Ordem dos Advogados informação quanto a pedido de escusa formulado pelo Ilustre Patrono nomeado à cabeça-de-casal e, caso tenha sido deferido, identificação do Ilustre Patrono, entretanto nomeado” – facto que se requer seja aditado ao Despacho. 29. O Despacho padece de um terceiro erro de julgamento quando considera que a Recorrente não pode agora “atacar” a nomeação da Senhora Perita porque a impugnação da nomeação da Senhora Perita já não seria tempestiva, em virtude de: (i) A nomeação da Senhora Perita ter sido decidida por despacho notificado à então mandatária da Recorrente a 6 de Julho de 2023 (pág. 2 do Despacho); e (ii) A cota de 13 de novembro de 2023 – de escolha da Senhora Perita pela Secretaria Judicial – não ser mais do que uma informação da Secretaria ao Juiz, em cumprimento da indicação ordenada e concretizando a nomeação há muito realizada (pág. 2 do Despacho). (iii) A 13 de novembro de 2023, a cabeça-de-casal estar representada pelo Ilustre Advogado Dr. CC (pág. 2 do Despacho). 30. Em primeiro lugar, por requerimento de 3.07.2023 (ref. Citius n.º 8187759), a Recorrente solicitara “nos termos do artº 1114º do CPC, (…) a avaliação dos bens que infra se indicam, devendo, para tanto, ser nomeado Perito Avaliador, constante da Lista Oficial de Peritos Avaliadores e devidamente inscrito na CMVM”. 31. E, por despacho de 6.07.2023 (ref. Citius n.º 8397858), o Tribunal decidiu o seguinte: “Indique a Secção pessoa habilitada a ser nomeada como perito avaliador”. 32. Em nenhum momento a Recorrente entendeu que tal despacho de 6.07.2023 dava “liberdade” para ser a Secretaria Judicial a escolher quem seria o perito, até porque as secretarias judicias não têm liberdade para tomar decisões próprias, quando se trata do cumprimento de despachos. 33. Diga-se, aliás, que aquilo que a Secretaria Judicial é que não faz qualquer sentido, requerendo-se que sejam aditados os factos alegados nos artigos 19 a 21 do requerimento de 15.04.2024 (ref. Citius n.º 8814129) –ao Despacho recorrido. 34. Em segundo lugar, o Tribunal entende que a cota de 13 de novembro de 2023 – de escolha da Senhora Perita pela Secretaria Judicial – não era mais do que uma informação da Secretaria ao Juiz, em cumprimento da indicação ordenada e concretizando a nomeação há muito realizada (pág. 2 do Despacho), não tendo, por isso, de ser notificada. 35. Discorda-se, precisamente porque tal cota não cumpre o que decorre do requerimento de 3.07.2023 (ref. Citius n.º 8187759) e do despacho de 6.07.2023 (ref. Citius n.º 8397858). 36. Ao não notificar a Cabeça-de-Casal da nomeação, ficou coarctada a faculdade prevista no artigo 1114.º do CPC, tendo tal omissão influência no exame da causa. 37. Acresce que a falta de notificação de tal cota constituiu uma violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º do CPC. 38. Em particular, a omissão de notificação da cota conduziu à nomeação de um avaliador no qual a Cabeça-de-Casal não tem confiança, por não cumprir critérios de imparcialidade, o que ficou sustentado nas interações tidas e no facto de ter procedido a avaliações sem ter dado disso nota prévia à Cabeça-de-Casal. 39. Em terceiro lugar, o Tribunal invoca que a Recorrente, a 13 de novembro de 2023, estava representada pelo Ilustre Advogado Dr. CC (pág. 2 do Despacho), o qual nada disse. 40. Ao invocar tal argumento, o Despacho entra numa evidente contradição, sendo nulo, nesta parte, à luz do artigo 615.º, n.º 1, c) e n.º 4 do CPC, requerendo-se, assim, que seja corrigido este vício. 41. É que a representação em causa era assegurada por advogado com quem a Recorrente nunca se reuniu, e acabou por apresentar a escusa de patrocínio, sem a comunicar, de resto, ao processo. 42. Estamos, por isso, a falar de uma representação formal e não efetiva. 43. Aliás, a Recorrente requereu ao tribunal que suspendesse as “diligências até conseguir ter advogado” (págs. 1 e 2 do Despacho), mas não obteve qualquer resposta da parte do Tribunal. 44. Não pode, por isso, o Tribunal vir agora, porque entra numa clara contradição, invocar que, afinal, era o patrono nomeado, com quem a Recorrente nunca se reuniu e que apresentou uma escusa, que nunca foi comunicada ao processo, que deveria ter reparado que fora emitida uma cota pela Secretaria Judicial, a qual também nunca foi comunicada às partes. 45. A falta de notificação da cota de 13.11.2023 (ref. Citius n.º 92655874) à Cabeça-de-Casal e, por outro lado, a falta de pronúncia do Tribunal sobre o requerimento da Cabeça-de-Casal de 3.01.2024 (em que a Recorrente comunica que nunca se reunira com o patrono nomeado e que este não a pretendia representar) configuram duas irregularidades que influíram no exame da causa, tal como previsto no artigo 195.º do Código de Processo Civil. 46. Deve, por isso, o Despacho ser revogado e substituído por outro em que anule a cota de 13.11.2023 (ref. Citius n.º 92655874), por incumprimento do despacho de 6.07.2023 (ref. Citius n.º 8397858), o qual aceitou o critério indicado pela Requerente no seu requerimento de 3.07.2023 (ref. Citius n.º 8187759), por violação do artigo 1114.º do CPC e do artigo 3.º do CPC, tendo tal irregularidade influência no exame da causa, como determinado pelo artigo 195, n.º 1 do CPC. 47. Mais REQUER que o Despacho seja revogado e substituído por outro que determine a anulação dos termos subsequentes, como determinado pelo artigo 195, n.º 2 do CPC, uma vez que todos os demais atos decorrem da nomeação do perito nestes autos. 48. Por fim, REQUER que o Despacho seja revogado e substituído por outro que determine o cumprimento, pela Secretaria Judicial, do requerimento de 3.07.2023 (ref. Citius n.º 8187759) e do despacho de 6.07.2023 (ref. Citius n.º 8397858), sendo nomeado perito constante da Lista Oficial de Peritos Avaliadores e devidamente inscrito na CMVM. 49. Por fim, o Despacho recorrido padece ainda de erros de julgamento na parte em que considera que a Recorrente não pode vir agora “atacar a atuação da Sr.ª Avaliadora, referindo que procedeu à avaliação sem a sua presença” (págs. 2 e 3 do Despacho) 50. Assim, requerer-se que seja aditado ao Despacho a segunda parte do requerimento de 3 de janeiro de 2024 (ref. Citius n.º 8562096). 51. O Tribunal não se pronunciou sobre o pedido da Recorrente de 3.01.2024 de acompanhamento das avaliações, invocando agora, no Despacho recorrido, que não o fez por falta de resposta da Recorrente a uma subsequente notificação para informar se tinha ou não representação através de advogado. 52. Conforme se viu, nem sequer é verdade que a Recorrente não respondeu à notificação do Tribunal em causa. 53. De todo o modo, uma alegada ausência de resposta da Recorrente – que não é verdade – não justificaria a omissão de pronúncia do Tribunal quanto ao pedido da Recorrente de 3.01.2024 de acompanhamento das avaliações. 54. A falta de pronúncia do Tribunal sobre um pedido atempado da Requerente para acompanhar as avaliações, na sua qualidade de Cabeça-de-Casal, constitui uma violação do artigo 152.º, n.ºs 1 e 4 do CPC. 55. Tal omissão do dever de administrar a justiça constitui uma irregularidade clara com influência no exame e na decisão final da causa, razão pela qual o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento que se requer seja corrigido pelo Tribunal ad quem. 56. Com efeito, a omissão de pronúncia sobre o pedido da Recorrente conduziu a que a Eng.ª DD fizesse avaliações sem a presença da Cabeça-de-Casal e contando, pelo contrário, com a presença da contraparte, a qual nem sequer solicitou tais avaliações. 57. Acresce que a “matéria de facto” não é factual, padecendo dos seguintes erros de facto: 58. Primeiro, embora o Despacho mencione um contacto de 13 de março e novo contacto a 14 de março, o que existiu foi um único contacto a 13 de março, do qual a Sra. Avaliadora deu nota ao tribunal, através de email de 13 de março de 2024 (ref. Citius 8745091). 59. Não existiu um contacto a 14 de março, nem esse contacto deu origem a qualquer informação junto do tribunal, pelo que requer a correção deste lapso factual 60. Segundo, o Despacho não relata aquilo que efetivamente se passou no contacto telefónico de 13 de março de 2024. 61. A Recorrente relatou o que se passou, no telefonema de 13 de março de 2024, nos artigos 13 e 18 do seu requerimento de 15.04.2024 (ref. Citius n.º 8814129) – o qual deu origem ao Despacho recorrido -, requerendo-se que tais factos sejam aditados ao Despacho. 62. Terceiro, o Tribunal diz que, segundo a Sr.ª Avaliador informou, em 1[3] de março de 2024, por contacto com a Recorrente, esta teria prescindido expressamente de estar presente em quatro das avaliações feitas. 63. A Recorrente não se podia opor porque as avaliações já tinham decorrido, não tendo “prescindido” de estar presente. 64. Não se pode prescindir de algo que já ocorreu. 65. A Recorrente foi confrontada com um facto consumado. 66. REQUER-SE, assim, que o Despacho seja revogado e seja alterada a matéria de facto na seguinte parte: De referir ainda que a Sr.ª Avaliador informou, em 14 de março de 2024, ter procedido à avaliação de quatro dos seis imóveis a avaliar tendo a Cabeça de Casal prescindido expressamente de estar presente. Informação que foi notificada à cabeça-de-casal e que não mereceu a sua oposição nem tão pouco qualquer reação. 67. Sendo tal parte substituída pelos seguintes factos: De referir ainda que a Sr.ª Avaliador informou, em 13 de março de 2024, ter procedido à avaliação de quatro dos seis imóveis a avaliar. Informação que foi notificada à cabeça-de-casal e que mereceu a sua oposição através de requerimento de 15.04.2024 (ref. Citius n.º 8814129). 68. Face ao exposto, deve ainda o Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine, tal como solicitado pela Recorrente no seu requerimento de 3.01.2024 (ref. Citius n.º 8562096), que a Cabeça-de-Casal acompanhe as avaliações.» (itálico aditado). Porém, o Tribunal a quo, fundamentando a sua decisão, não admitiu o recurso, nos seguintes moldes: «(…) A reclamante interpôs recurso do despacho proferido a 7 de maio de 2024, que julgou improcedentes nulidades e irregularidades arguidas atinentes à avaliação de imóveis. Fundou a admissibilidade do recurso na al. i) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil, defendendo que se trata de um despacho de saneamento do processo que influi sobre a partilha. Pronunciou-se o recorrido no sentido da irrecorribilidade. Apreciando. O despacho sob recurso julgou improcedentes nulidades e irregularidades arguidas atinentes à avaliação de imóveis, não tendo ordenado a repetição de atos já praticados, prosseguindo as diligências destinadas à avaliação. A alteração do despacho por via do recurso apenas conduzirá à alteração do mapa da partilha, no que respeita aos valores a atribuir a cada um dos interessados e eventuais tornas a pagar, não existindo qualquer inutilidade. Por conseguinte, não se tratando de decisão autonomamente recorrível, apenas poderá ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final ou de uma decisão recorrível. Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, não admito o recurso interposto pela cabeça-de-casal. Custas pela recorrente.» (itálico aditado). É desta decisão que a mesma Recorrente vem reclamar para este Tribunal da Relação ([1]), nos termos do disposto no art.º 643.º, n.º 1, do NCPCiv., concluindo assim: «1. A Recorrente vem reclamar do despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância que indeferiu a interposição de recurso de apelação autónoma da decisão que considerou improcedentes as nulidades arguidas pela Recorrente quanto à nomeação de perita para proceder à avaliação dos bens e quanto ao acompanhamento das avaliações (decisão recorrida). 2. O despacho de que se se reclama faz uma errada interpretação e aplicação do direito, sendo a decisão recorrida susceptível de apelação autónoma nos termos e para os efeitos da alínea i) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, conjugado com o artigo 1123.º, n.º 2, alínea b) do CPC. 3. Com efeito, o tribunal da 1ª instância indicou que “não exist[e] qualquer inutilidade” ao não permitir agora o recurso, parecendo aludir à alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC. 4. Sucede que a Cabeça-de-Casal interpôs recurso de apelação autónoma, ao abrigo do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC conjugada com a alínea b) do n.º 2 do artigo 1123.º do CPC, pelo facto de a decisão recorrida se tratar de um despacho de saneamento do processo que influi sobre a partilha. 5. O artigo 1110.º, n.º 1, a) determina o que é um despacho de saneamento, entrando a decisão recorrida precisamente nesta definição. 6. Com efeito, a decisão recorrida é um despacho de saneamento, pelo facto de o tribunal da 1ª instância ter conhecido de questões de nulidades e irregularidades, invocadas pela Recorrente, relativamente à forma como a avaliação dos bens está a ser conduzida, por tal ter impacto sobre a partilha. 7. O tribunal da 1ª instância acaba, de resto, por reconhecer tal natureza à decisão recorrida, porque considera que uma alteração da decisão recorrida teria impacto sobre o mapa da partilha, no que respeita aos valores a atribuir a cada um dos interessados e eventuais tornas a pagar. 8. Ou seja, o tribunal da 1ª instância reconhece que a decisão recorrida se pronunciou sobre nulidades e irregularidades arguidas quanto à avaliação de imóveis e que uma decisão em sentido diferente conduziria a uma alteração do mapa da partilha. 9. Estamos, portanto, no âmbito do artigo 1110.º, n.º 1, alínea a) do CPC, dado que a decisão recorrida resolveu questões atinentes à avaliação dos imóveis com impacto nos valores da partilha. 10. Deste modo, REQUER-SE que seja revogado o despacho de que se reclama, sendo admitido o recurso de apelação autónoma da decisão recorrida, ao abrigo da alínea i) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC conjugada com a alínea b) do n.º 2 do artigo 1123.º do CPC, por se tratar de um despacho de saneamento do processo que influi sobre a partilha.». Não constando destes autos resposta (à reclamação) ([2]), cabe apreciar e decidir da reclamação apresentada, cujo objeto obriga a conhecer sobre a admissibilidade/tempestividade do recurso (como apelação autónoma) e decorrente (im)procedência da reclamação. Especificamente, cabe tomar posição decisória sobre se a decisão recorrida pode ser entendida como uma “decisão de saneamento do processo” de inventário [na conjugação dos art.ºs 1123.º, n.º 2, al.ª b), 1110.º, n.º 1, 1114.º e 644.º, n.º 2, al.ª i), todos do NCPCiv.].
* II – Fundamentação 1. - Do que pode retirar-se destes autos, trata-se – como invoca a própria Reclamante – de processo de inventário, em que, determinada a realização da conferência de interessados, foi requerida (pela própria Cabeça de casal e aqui Reclamante) a avaliação de bens (cfr. art.º 1114.º do NCPCiv.). Ou seja, foi determinado, a requerimento, que se procedesse à avaliação de determinados bens a partilhar, dispondo assim o art.º 1114.º do NCPCiv.: «1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. 2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens. 3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se: a) O juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial; b) Os interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens. 4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.». Deferida, então, a avaliação/perícia, foi nomeada perita, com vista à sua realização (avaliação de imóveis), com o que foi admitida tal prova pericial. E é no decurso das diligências de avaliação ([3]) que surgem as divergências, com a ora Reclamante a invocar vários vícios, que considera geradores de nulidade processual. Por isso, arguida a nulidade, decidiu o Tribunal (despacho recorrido, referente à prova pericial em curso) que «Inexiste (…) qualquer falta de representação ou de notificação que invalide qualquer ato processual praticado no processo, improcedendo as nulidades e irregularidades arguidas.» ([4]). 2. - Dúvidas não restam, pois, de não ter sido a perícia/avaliação indeferida/rejeitada, o que logo afastaria a possibilidade de apelação autónoma à luz do art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), do NCPCiv.. Porém, não foi esse o fundamento normativo recursório invocado, posto a Recorrente ter convocado, expressamente, o disposto na al.ª i) do mesmo art.º 644.º, que se reporta aos “demais casos especialmente previstos na lei”, como é o caso da norma do art.º «1123.º, n.ºs 1 e 2, alínea b)» (que a Recorrente também convocou), importando aqui – por ser esse o segmento visado – as “decisões de saneamento do processo” (embora a norma também aluda às decisões “de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha”). 3. - Sobre o que sejam “decisões de saneamento do processo” importa começar por consultar o art.º 1110.º do NCPCiv., com a epígrafe “saneamento do processo e marcação da conferência de interessados”. Dispõe este preceito legal: «1 - Depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que: a) Resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar; b) Ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha. 2 - Findo o prazo estabelecido no número anterior, o juiz: a) Profere despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados; b) Designa o dia para a realização da conferência de interessados. (…).» (destaques aditados). Na sistemática do processo de inventário, segue-se a conferência de interessados (art.º 1111.º do NCPCiv.), com possibilidade de licitações entre os interessados (art.º 1113.º do mesmo Cód.), onde ainda pode ser requerida a avaliação de bens, como permite o art.º 1114.º do NCPCiv., dispositivo este com a seguinte redação aplicável: «1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. 2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens. 3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se: (…). 4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.». Assim perspetivada a dinâmica desta fase do processo de inventário, cabe definir/delimitar o que deve entender-se por decisão de saneamento do processo (da qual cabe apelação autónoma). Para Abrantes Geraldes e outros ([5]), devendo conjugar-se a norma recursiva com o aludido art.º 1110.º do NCPCiv., a formulação abrange todas as decisões – “independentemente do seu conteúdo ou do seu resultado” – “sobre questões suscetíveis de influir na partilha ou na determinação dos bens a partilhar”, aqui se incluindo “qualquer decisão que aprecie, no sentido positivo ou negativo, alguma exceção dilatória ou, mais genericamente, que proceda ao saneamento do processo, independentemente do resultado declarado”. Mais referem os mesmos Autores ([6]) que o art.º 1110.º do NCPCiv. – à semelhança do que ocorre na ação declarativa com processo comum – “instituiu uma fase de saneamento do processo de inventário”, a qual, decorrendo anteriormente à conferência de interessados, “abarca todas as questões que ainda se mostrem controvertidas e sejam suscetíveis de influir na partilha, de modo a permitir que o processo transite, sem mais sobressaltos, para a fase ajustada à concretização da repartição do acervo hereditário” ([7]). E acrescentam: «É, pois, nesta ocasião que obrigatoriamente deverão ser apreciadas eventuais exceções dilatórias que ainda não tenham sido objeto de decisão (…) e outras questões de cariz adjetivo que contendam com o prosseguimento dos autos ou ponham em causa a regularidade da tramitação (…). Aí se inscreve também a verificação da eventual falta de citação de algum interessado (…). Também assim determinadas questões que relevam do direito material sucessório que ainda subsistam e cuja resolução interfira nas posteriores operações.» (p. 621). Tudo para concluir assim: «(…) é propósito da lei concentrar na conferência de interessados a resolução das principais operações necessárias à partilha (…), para o que se mostra necessário expurgar o processo de todas as questões prévias e incidentais que o condicionem, ficando apenas pendentes, em regra, eventuais diligências de avaliação de bens (art. 1114.º) e licitações (art. 1114.º), a deliberação sobre a forma de satisfação do passivo e cumprimento dos legados e demais encargos da herança (…), para além do incidente de inoficiosidade (…)», termos em que a “generalidade das questões de natureza material e de ordem adjetiva deverão estar resolvidas na ocasião em que se procede à conferência de interessados”, por não ser viável “passar para a subsequente fase da conferência de interessados sem que estejam resolvidas todas as questões cuja apreciação não possa ser ou não tenha sido relegada para os meios comuns (…)” (ps. 621-622). Assim sendo, as decisões sobre o saneamento do processo de inventário, com lugar na fase anterior à da conferência de interessados, têm por objeto todas as questões, colocadas até essa fase, que possam ter influência na partilha, designadamente exceções, questões prévias ou incidentais ou nulidade de ocorrência anterior. 4. - Fora do saneamento do processo estão, pois, todas as questões que venham a colocar-se já na fase da conferência de interessados (a jusante), como as que se reportem a avaliações de bens e licitações ou à forma de satisfação do passivo, cumprimento de legados e incidente de inoficiosidade. Assim, os incidentes – como a arguição de nulidades processuais – que ocorram no âmbito da avaliação dos bens a partilhar (decurso da prova pericial respetiva) não dizem respeito à fase do saneamento, nem podem ter-se como reportados ao saneamento do processo de inventário. Dizem respeito – isso, sim – a uma fase posterior, a fase da concretização/realização da partilha, centrada na conferência de interessados e nas decisões ali tomadas (cfr. art.º 1111.º do NCPCiv.), com licitações e avaliação, sendo que a abertura das licitações constitui o termo final para a dedução do requerimento de avaliação de bens ([8]). 5. - No caso, resulta do despacho de 06/07/2023 que, «Agendada a conferência de interessados (…), veio a cabeça-de-casal adiantar a posição a tomar nessa sede, no sentido de ver avaliados os bens imóveis relacionados, argumentando que o respetivo valor real supera o valor patrimonial», âmbito em que foi deferido o requerido, tendo sido determinada, em conformidade, «a realização de avaliação, ao abrigo do disposto no artigo 1114.º do Código de Processo Civil». E já na anterior decisão de 11/01/2023 – onde foi decidido o “Incidente de reclamação à relação de bens” – se expendia estarem “Resolvidas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, ao abrigo do disposto nos artigos 547.º e 1110.º e ss. do Código de Processo Civil”, assim se determinando a passagem à “forma da partilha”, com designação da “realização de conferência de interessados”. Ora, como a Recorrente/Reclamante expressamente refere na sua reclamação, interpôs recurso de apelação autónoma da decisão que considerou improcedentes as nulidades por si arguidas “quanto à nomeação de perita para proceder à avaliação dos bens e quanto ao acompanhamento das avaliações”. Ou seja, tudo matéria incidental no plano da prova pericial (avaliação dos bens) admitida e em curso, após a dita resolução das “questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar” e em plena fase da conferência de interessados, licitações e avaliação (art.ºs 1111.º a 1114.º do NCPCiv.). Assim, inelutavelmente, já depois da fase do saneamento do processo. A arguição de nulidade processual é, pois, posterior (em termos de invocação e de objeto) à fase do saneamento do processo, para se inserir na fase já da conferência de interessados e avaliação de bens a partilhar. Donde que não se mostre preenchido o requisitório da norma do art.º 1123.º, n.º 2, al.ª b), do NCPCiv. – também não está em causa, logicamente, a determinação dos bens a partilhar, mas, uma vez determinados estes, a fixação do seu valor, nem a forma da partilha –, em conjugação com a al.ª i) do n.º 2 do art.º 644.º, nem sequer, por outro lado, a al.ª d) deste mesmo dispositivo legal, também do NCPCiv.. Esta pretensão – da Recorrente/Reclamante –, neste contexto processual e probatório, não passaria, noutra perspetiva, de um incidente no quadro da prova pericial já admitida em curso, visando-se, no fundo, abalar/controlar o seu valor processual e probatório. A esta luz, pois, o despacho recorrido teria de constituir decisão respeitante a incidente suscitado no âmbito da produção da prova pericial já admitida e em produção. E também não parece que pudéssemos estar perante decisão (a impugnada) cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, no sentido de uma inutilidade absoluta/irreversível ([9]). Deste modo – seguindo o mesmo Autor –, «não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado» ([10]). Aderindo-se aqui a este entendimento, cabe concluir que é de perspetivar que a eventual procedência recursória futura da impugnação da Recorrente – em recurso a interpor, sendo o caso, em momento ulterior – terá um impacto inutilizador limitado ao processado dos autos, podendo levar à inutilização da decisão final a proferir, mas não impedirá que, a final, se faça valer no processo a sua pretensão, se para tal houver fundamento. Assim, o risco de inutilização corre relativamente ao processado subsequente, podendo estender-se à decisão final, mas não parece poder afetar, na sua substância, a sentença final do pleito. Se, pois, a Reclamante/Recorrente vier a recorrer a final da decisão ora em questão (com o recurso da sentença homologatória da partilha) e vier a ser-lhe dada razão, tal apenas terá repercussões processuais, implicando a anulação de atos processuais, sem contender com os direitos e posições substantivos das partes/interessados. Nunca ocorreria, por isso, nesta perspetiva, absoluta inutilidade da impugnação com o recurso da decisão final. 6. - Assim sendo, e salvo o devido respeito, o recurso interposto será intempestivo/prematuro (como apelação autónoma), devendo ser interposto, sendo o caso, ulteriormente, nos termos aplicáveis do disposto no n.º 5 do art.º 1123.º do NCPCiv. (com o recurso da sentença homologatória da partilha). Em suma – e com todo o respeito devido –, a formulada reclamação não pode proceder, por o recurso interposto não ser admissível como apelação autónoma, o que logo obrigava à sua rejeição, pela 1.ª instância (como, afinal, foi feito), ou ao seu não conhecimento, pela Relação [art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs b) e h), e 655.º, ambos do NCPCiv.], se houvesse sido admitido pelo Tribunal a quo. *** (…) *** III – Decisão Pelo exposto, indefere-se a reclamação – por inadmissibilidade de apelação autónoma –, confirmando-se o despacho reclamado. Custas pela Reclamante. Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinatura eletrónica.
O Relator, Vítor Amaral
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