Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | COELHO DE MATOS | ||
Descritores: | MÚTUO NULIDADE JUROS | ||
Data do Acordão: | 11/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 212.º, 1 E 2; 289º N.º 3, 480º, 1270º, 1271º E 1260º DO CÓDIGO CIVIL E 481º, ALÍNEA A) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | No contrato de mútuo nulo por falta de forma, a restituição a cargo do mutuário só abrange o capital mutuado e os juros legais a contar da citação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. A... demandou, na comarca de Coimbra, B... e mulher C..., alegando, em suma, que lhes emprestou 300.000$00, em 15/07/1986; que o contrato de mútuo foi celebrado por escrito particular e, sendo por isso nulo, por vício de forma, os réus devem restituir-lhes a quantia mutuada e os juros convencionados (22%), porque estes devem ser considerados frutos civis, cuja restituição se enquadra nos efeitos da nulidade. 2. Os réus contestaram, opondo, em síntese, que já restituíram ao autor a importância que lhes entregou a título de mútuo e pedem, em reconvenção, a restituição de 511.000$00 que alegadamente lhe entregou a título de juros. No prosseguimento da acção veio a ser proferida sentença que julgou procedentes a acção e a reconvenção e condenou os réus a restituir os 300.000$00 (1.496,39 €) ao autor e este a restituir-lhes os 511.000$00 (2.548,86 €). 3. O autor não se conforma e apela da decisão na medida em que não condena os réus a pagar-lhe os juros a contar da data em que lhes entregaram os 300.000$00. Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1) A declaração de nulidade de um contrato de mútuo implica a nulidade da convenção de juros que está na “dependência” do contrato originário; 2) Todavia, a declaração de nulidade de um contrato de mútuo implica a restituição do prestado, bem como dos frutos civis vencidos ao longo da sua pendência -artigos 212°, 289° e 1270° do Código Civil; 3) No caso vertente, os réus deveriam ter sido condenados a entregar ao autor recorrente a quantia de 1.496,39 € (quantia mutuada), bem como os frutos civis vencidos desde 15.07.1986; 4) A sentença recorrida violou os artigos 212°, 289° e 1270° do Código Civil e, em consequência, deve ser revogada e substituída por outra onde se condene os recorridos a também liquidar ao recorrente os frutos civis vencidos desde 15.07.1986, calculados às sucessivas taxas supletivas aplicáveis, sobre o capital de 1.496,39 €. 4. Os réus contra-alegaram no sentido da confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir, tendo em os seguintes fatos provados: 1) Em 15 de Julho de 1986, o Autor emprestou aos Réus a quantia de 300.000$00. 2) O acordo foi titulado por documento particular assinado pelos Réus -conforme documento de fls. 3, que aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais. 3) Autores e réus convencionaram uma taxa de juro de 22% ao ano. 4) O Autor enviou aos Réus a carta junta a fls. 4, dos autos. 5) Os Réus pagaram ao Autor, em 22 de Agosto de 1988, a quantia de 66.000$00. 6) Em 23 de Maio de 1990, entregaram-lhe a quantia de 10.000$00. 7) Em 21 de Junho de 1990, entregaram-lhe a quantia de 20.000$00. 8) Em 31 de Agosto de 1990, entregaram-lhe a quantia de 20.000$00. 9) Em 6 de Abril de 1991, entregaram-lhe a quantia de 20.000$00. 10) Em 8 de Julho de 1991, entregaram-lhe a quantia de 5.000$00. 11) Em 7 de Março de 1992, entregaram-lhe a quantia de 30.000$00. 12) Em 1 de Outubro de 1992, entregaram-lhe a quantia de 20.000$00. 13) 13. Em 6 de Abril de 1994, entregaram-lhe a quantia de 15.000$00. 14) Em 11 de Maio de 1994, entregaram-lhe a quantia de 15.000$00. 15) Em 11 de Maio de 1994, a dívida era de 324.620$00. 16) A dívida, em 15 de Julho de 1987 era de 366.000$00. 17) Em 15 de Julho de 1988 era de 446.520$00. 18) Em 15 de Agosto de 1988 a dívida era 454.406$00. 19) Em 22 de Agosto de 1988, a dívida era 388.706$00. 20) Em 15 de Dezembro de 1988, a dívida ascendia a 417.214$00. 21) Em 17 de Julho de 1989, a dívida era de 427.193$00. 22) Em 8 de Julho de 1991, a dívida era de 263.408$00. 23) Em 7 de Março de 1992, a dívida era de 271.886$00. 24) Em 1 de Outubro de 1992, a dívida era 265.174$00. 25) Em 6 de Abril de 1994, a dívida era de 353.956$00. 26) Em 16 de Agosto de 1995, a dívida era de 353.666$00. 27) Os Réus entregaram ao Autor, em 17/01/89, 40.00$00. 28) E em 21/08/89,60.00$00. 29) E em 7/11/89,30.000$00. 30) E em 28/07/90, 25.000$00. 31) E em 30/09/90,20.00$00. 32) E em 31/10/90,20.00$00. 33) Em 17/11/90, 50.000$00. 34) Em 12/01/91, 10.000$00. 35) Em 16/02/91, 20.000$00. 36) Em 29/05/91, 20.000$00. 37) Em 26/07/94, 15.000$00. 38) Em 12/09/94, 15.000$00. 39) Em 6/01/95, 15.000$00. 40) Em 3/05/95, 15.000$00. 41) Em 20/09/95,15.000$00. 42) Os documentos de fls. 22 a 25, foram redigidos pelo Autor. 5. Isto posto, e por muito que discordemos da decisão, há dois pormenores que devemos, desde já, reter: é que nem o autor recorreu do decidido em via reconvencional, nem o réu interpôs qualquer recurso. O autor não recorreu do decidido em reconvenção porque limita o recurso à parte da decisão que não condenou os réus a pagar juros sobre a quantia mutuada desde a data do mútuo que, apesar de nulo, os obrigava não só a restituir o capital mutuado, como ainda os frutos civis (juros, entenda-se), por força do n.º 3 do artigo 289.º do Código Civil, na sua remissão para o disposto no artigo 1269.º e seguintes do mesmo diploma. Ou seja, o autor aceita ter de devolver aos réus a quantia de 511.000$00 (continuemos a falar em escudos por facilidade de raciocínio), e os réus - porque não recorreram - aceitam a decisão que os condenou a restituir ao autor a quantia de 300.000$00, apesar de resultar dos factos provados que de 22-08-1988 a 20-09-1995 lhe entregaram 591.000$00. Não espanta, porque ainda assim ficam a ganhar. O autor é que se arrisca a ter de aceitar que mais lhe valia ter ficado quieto e não intentar a acção. Vejamos. A declaração de nulidade do mútuo tem efeito retroactivo e impõe a restituição de tudo o que tiver sido prestado, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil. É inevitável a restituição da quantia entregue pelo pretenso mutuante ao pretenso mutuário. Mas o n.º 3 deste artigo estende a aplicação a este caso do disposto nos artigos 1269.º e seguintes e isso tem levado a doutrina e jurisprudência a entender que o pretenso mutuário deve, nestes casos, fazer acompanhar a restituição do capital com os frutos civis, na definição do artigo 212.º, 1 e 2 do Código Civil. Noção que deve corresponder aos juros quando a coisa que frutifica é o dinheiro. Ou seja, a disciplina da restituição do rendimento do capital pretensamente mutuado é, sem sobra de dúvida, a da restituição dos frutos civis pelo possuidor de má fé, nos termos dos artigos 1270.º, n.º 1 e 1271.º do Código Civil. Enquanto não está de má fé o possuidor tem direito a fazer seus os frutos civis. Como se decidiu num acórdão desta Relação ( Acórdão de 27-06-2000, Proc. N.º 1642/2000, em www.dgsi.pt ) “os réus, apesar de receberem os capitais mutuados mediante contratos de mútuo nulos por falta de forma, são de reputar possuidores de boa fé porque convencidos que, no momento da entrega, não lesavam o direito dos autores, tendo, assim, direito aos frutos civis ou juros do dinheiro correspondentes ao período em que se mantiveram no estado de boa fé”. Como a citação faz cessar a boa fé (artigo 481.º, a) do Código de Processo Civil), então só a partir dela deve o réu restituir os frutos civis, que é como quem diz os juros vencidos a partir dessa data até à restituição integral do capital. Claro que os juros têm de ser os legais, uma vez que a nulidade do mútuo oneroso também afecta a convenção de juros. Neste entendimento, decidiu-se nesta Relação ( Acórdão de 05-03-2002, Proc. N.º 146/2002, em www.dgsi.pt ) que no caso do empréstimo não ter sido celebrado por escritura pública e devendo sê-lo, “o contrato é nulo e como tal devem as partes restituir uma à outra, o que receberam sem que tenham de pagar os juros acordados. Tem no entanto o mutuário de pagar juros legais ao mutuante, como fruto da coisa que detém, mas só a partir do momento em que o mutuante lhe exigiu judicialmente a restituição da quantia emprestada e foi citado para o fazer, por ter deixado de se poder considerar de boa fé”. Também noutro acórdão por nós relatado ( Apelação nº 888/98. Ainda neste sentido veja-se o acórdão desta Relação de 03-04-2001, Proc. 308/2001, relatado pelo então Desembargador Nuno Cameira, em www.dgsi.pt ) escrevemos que “em caso de restituição de dinheiro por virtude de contrato nulo devem ser pagos juros desde a citação, porque os réus a partir desse momento não podiam deixar de ter conhecimento da falta de título legítimo para a conservação da quantia mutuada ou que estavam a lesar com a sua posse o direito do mutuante – artigos 289º n.º 3, 480º, 1270º, 1271º e 1260º do Código Civil e 481º, alínea a) do Código de Processo Civil - considerando, obviamente, que os juros são os frutos civis do dinheiro. .( Cfr. neste sentido Revista de Legislação e Jurisprudência¸ ano 107º, pág. 149.) Sendo assim, os réus não têm de ser condenados a restituir senão o capital e os juros legais a contar da citação. E uma vez que já pagaram 591.000$00 ao autor e dele têm a receber 511.000$00 correspondentes a juros que voluntariamente pagou, terá de entender-se que também já entregou 80.000$00 de capital, restando-lhe agora restituir 220.000$00, acrescidos então de juros legais a contar da citação até integral restituição. Nesta óptica não parece sustentável a tese do apelante, porquanto faz corresponder os efeitos do contrato de mútuo nulo aos efeitos do mesmo contrato válido e seria impensável que o legislador não quisesse estabelecer uma qualquer diferença entre os dois regimes quando exigiu a escritura pública como formalidade essencial do negócio. De resto, e com o devido respeito, temos alguma dificuldade em perceber porque razão o autor aceitou a decisão de devolver os juros já pagos pelos réus, na medida em que não recorreu da decisão reconvencional, para depois pretender, pela via deste recurso, que lhe sejam pagos esses mesmos juos. Concluindo: no contrato de mútuo nulo por falta de forma, a restituição a cargo do mutuário só abrange o capital mutuado e os juros legais a contar da citação. 6. Decisão Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, mantendo, em parte, o decidido em 1.ª instância, com os fundamentos supra referidos e, em consequência, condenam ainda os réus a pagar ao autor os juros legais a contar da citação, sobre a quantia de 1.097,36 € (220.000$00). Custas em ambas as instâncias por autor e réus na proporção de vencimento. Coimbra, Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque |