Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
367/22.0T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
BOA FÉ
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 09/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412.º E 615.º, 1, D), CPC
ARTIGOS 4.º; 227.º; 334.º; 342.º, 1; 406.º, 1; 496.º, 1; 762.º, 2; 799.º, 1; 879.º, B); 913.º, 1; 914.º; 921.º E 1225.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Na execução do contrato de compra e venda o vendedor não está apenas obrigado a entregar ao comprador a coisa vendida, mas também está obrigado a entregar-lhe o bem objecto do contrato isento de vícios físicos e de defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material, ou seja, em conformidade com o contratualmente estabelecido e com aquilo que for legitimamente esperado pelo comprador.

II - Entende-se por coisa defeituosa a que é imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina: o vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim contratado.

III - Para haver facto notório, não basta, qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau da difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza.

IV - A confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.

Decisão Texto Integral:   
      Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra             

                                                   Proc.º n.º 367/22.0T8CNT.C1

      1. Relatório

1.1.- AA, casado, portador do NIC ..., Cartão de Cidadão válido até 05/06/2022, e do NIF ...61..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ... ..., concelho ..., intentou a presente ação declarativa de condenação contra BB e mulher, CC, residentes na Rua ..., ..., ... ..., portadores, respectivamente, dos NIF ...00 e ...82, pedindo a condenação dos RR. a:

1. num prazo não superior a 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a efectuar todas as obras necessárias para proceder à reparação/resolução das infiltrações de humidade e de águas pluviais detectadas nas paredes do imóvel em causa, nas portas e janelas, e ainda na clarabóia, e para proceder à reparação das fissuras no muro exterior, imóvel esse adquirido aos RR no pressuposto legítimo de que tais defeitos não existiam.

2. A pagar ao A., a título de danos não patrimoniais causados, uma quantia nunca inferior a 3.000,00 €, quantia esta acrescida de juros legais a contar da citação até integral e efectivo pagamento.

Invocaram factos, que em seu entender fazem proceder a sua pretensão.

                                                                       ***

1.2. – Citados contestaram os RR. tendo impugnado a factualidade invocada pelos autores. Alegam, em suma, que o A. conhecia o estado do imóvel aquando da compra do mesmo, sendo que as alegadas anomalias não existiam quando os RR. habitavam o referido imóvel, pelo que terão surgido posteriormente, sendo devidas à falta de manutenção adequada por parte do A. Concluem pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido.

***

1.3. - Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e selecção dos temas da prova – despacho de 09.09.2022.

Após realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido proferida sentença onde se decidiu, julga integralmente procedente a presente acção, e em consequência condenar os Réus a:

1. A efectuar todas as obras necessárias para proceder à reparação/resolução dos problemas detectados em sede da perícia efectuada nas paredes do imóvel em causa; proceder ao isolamento das portas, janelas e clarabóia, e proceder à reparação das fissuras no muro exterior.

2. As obras referidas em 1. deverão realizar-se em prazo não superior a 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;

3. No pagamento ao A., a título de danos não patrimoniais, da quantia de 3.000,00 € (três mil euros), quantia esta acrescida de juros legais a contar da citação até integral e efectivo pagamento.

Custas a cargo dos RR. - (artigo 527.º/2 do CPC).

Registe e notifique.

                                                           ***

1.4.- Inconformado com tal decisão dela recorreram os RR. - BB e mulher, CC, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1.ª- O presente recurso vem emanado da douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Cível de Cantanhede, que julgou procedente por provada a Acção, condenando o recorrente nos termos expressos na sentença recorrida.

Não pode o ora Apelante conformar-se, de modo algum, com a referida decisão, a qual não conduziu a uma decisão justa sob o ponto de vista da justiça formal e material.

2.ª- A sentença recorrida é nula, uma vez que a Meritíssima juiz não se pronunciou sobre todos os pedidos formulados pelo A. na Ação, mormente sobre as alegadas infiltrações de humidade e de águas pluviais, bem como sobre a alega questão de que o imóvel havia sido adquirido aos RR. no pressuposto legítimo de que tais defeitos não existiam, formulados pelo A. recorrido.

3ª- Tais questões deveriam ter sido apreciadas pelo tribunal recorrido, porquanto, da sua apreciação e decisão, necessariamente, teria implicações no desfecho da Ação, pelo que, é nula a sentença uma vez que o tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre as aludidas questões, nos termos previstos no artigo 615º, nº1 al. d) do Código Processo Civil, assim devendo ser declarada.

Sem conceder,

4.ª- A questão sub iudice foi enquadrada no regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas a que se reporta os artigos 913º a 922º do Código Civil.

5ª - Apenas no âmbito do regime da venda de coisas defeituosas, previsto no nº1 do artigo 913º, se pode atribuir ao comprador o ónus da prova de que o defeito já existia na altura da realização da compra e venda; se o defeito for detectado depois da venda ter ocorrido e se existirem dúvidas quanto à sua anterioridade ou contemporaneidade, o vendedor deve ser desonerado de qualquer responsabilidade.

6ª- No regime do nº 1 do artigo 913º do Código Civil não existe qualquer presunção de que o vício ou falta de qualidade da coisa já existia na altura da celebração do contrato, até porque, se assim fosse, a inclusão do artigo 921º no regime da venda de coisas defeituosas não faria nenhum sentido.

7ª- Percorrendo a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, a que alude o ponto IV- Fundamentação de facto, pontos 1 a 26, não foi feita prova pelo A. de que os defeitos já existiam na altura da realização da compra e venda, ónus que sobre si impendia como facto constitutivo do direito por si alegado, não existindo qualquer presunção legal de que o vício ou falta de qualidade da coisa já existia na altura da celebração do contrato -cfr. artigo 342º, nº1 do Código Civil e 913º, nº1 do mesmo diploma.

8ª- Conforme resulta do ponto 4 dos factos dados como provados, os defeitos foram detectados depois da venda ter ocorrido, devendo os ora recorrentes ser desonerados de qualquer responsabilidade, quer em termos de reparação de alegados defeitos, quer em termos indemnizatórios, pelo que, deveria a Ação ter sido julgada improcedente in totum, devendo os RR. ter sido absolvidos dos pedidos formulados pelo A., devendo assim a sentença recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que decrete a improcedência total dos pedidos formulados pelo A.

9ª- Conforme resulta do ponto V- Motivação da decisão recorrida, o A. e sua esposa, fizeram três visitas ao imóvel antes de o comprarem e o mesmo lhes pareceu bem e em boas condições.

10ª- Não resulta dos factos provados a origem dos alegados defeitos do imóvel alienado, o que também cabia ao A. o ónus da prova como facto constitutivo do seu alegado direito, o que não conseguiu demonstrar, o que determinaria, igualmente, a desoneração dos RR. de qualquer responsabilidade.

11ª- Assim, a decisão recorrida violou as normas constantes dos citados artigos 913º, nº1 e 342º, nº1 do Código Civil-cfr. artigo 639º ,nº 1, al. a) do CPC, devendo ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva os RR. dos pedidos.

12ª- Conforme resulta inequivocamente dos factos dados como provados nos pontos 4, 15 e 17 da sentença recorrida, os vícios/defeitos da coisa/ imóvel alienado pelos RR. apenas surgiram após a data da celebração do contrato.

13ª- Ora, se os vícios/ defeitos da coisa alienada só surgiram após a venda da coisa alienada, teria necessariamente de se concluir que os RR. vendedores desconheciam sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padecia, encontrando-se ilidida a presunção de culpa do vendedor a que se refere o artigo 914º, 2ª parte do C.C.

14ª- Assim, a decisão recorrida violou, igualmente, a normas constantes dos citados artigos 914º e 350º, nº2 do Código Civil-cfr. artigo 639º ,nº 1, al. a) do CPC, devendo ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva os RR. dos pedidos.

15ª- Do relatório pericial, ao qual foi dada especial relevância em termos probatórios, concretamente da resposta dada pelo Sr. perito ao quesito 14º apresentado pelos RR., cuja resposta se encontra vertida no relatório pericial junto aos autos em 6/01/2023, resulta que não foi possível apurar a data aproximada do aparecimento das alegadas patologias detectadas.

16ª- Sendo a questão da data do aparecimento das alegadas patologias fulcral para aferir de responsabilização ou não do vendedor do imóvel, sempre existirão dúvidas acerca da anterioridade ou contemporaneidade relativamente ao momento da venda, sendo que o ónus da prova quanto a tal matéria incumbia ao A., e sendo tal facto constitutivo do direito alegado pelo mesmo, deveriam os vendedores, ora recorrentes, ter sido desonerados de qualquer responsabilidade na decisão judicial sob recurso.

17ª- A decisão recorrida violou igualmente, as normas constantes dos citados artigos 913º, nº1 e 342º, nº1 do Código Civil-cfr. artigo 639º ,nº 1, al. a) do CPC, devendo ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva os RR. dos pedidos.

18ª- Acresce que, do relatório pericial junto aos autos em 6/01/2023, na resposta dada aos quesitos 1º e 2º, o Sr. perito aponta como causa provável de sinais de condensação com aparecimento de fungos numa zona pontual da cave, a falta de isolamento da parede em contacto com o terreno.

19ª-E, na resposta dada aos quesitos 4º e 5º do mesmo relatório, o Sr. perito refere que são visíveis patologias no exterior em zonas pontuais, nomeadamente no alçado lateral pequenas manchas e algumas bolsas de água. E nas paredes interiores verifica-se em certas zonas a tinta a descascar e o aparecimento de manchas e fungos, junto a elementos estruturais ou em zonas de parca ventilação.

20ª-E, na resposta dada ao quesito 6º do mesmo relatório, o Sr. Perito refere que verifica-se fissuração na cornija do beirado do telhado.

E, na resposta dada ao quesito 7º do mesmo relatório, o Sr. Perito refere que existem fissuras nos peitoris e soleiras que poderão originar infiltrações.

E, na resposta dada ao quesito 9º do mesmo relatório, o Sr. Perito refere que existem fissuras nos muros que delimitam a propriedade.

21ª-Ora, das respostas dadas pelo Sr. perito, resulta inequivocamente que o imóvel em casa é destinado por sua natureza a longa duração, constituindo a casa de habitação e de morada de família do A., padece de defeitos de construção.

22ª- Conforme resulta da matéria dada como provada no ponto 21 da sentença recorrida, “os RR. adquiriram o imóvel objecto dos presentes autos aos seus anteriores proprietários, através da celebração de contrato de compra e venda outorgado por escritura pública datada de 3 de Março de 2016 – cfr. doc. nº 1 junto com a contestação (escritura pública de compra e venda).

23ª-E, conforme resulta da mesma escritura ,o imóvel foi adquirido pelos RR. a DD, EE e FF no referido ano de 2016. Estes, conforme resulta da mesma escritura, intervieram como parte vendedora na qualidade de únicos e universais herdeiros de GG, conforme escritura de habilitação de herdeiros lavrada em 5/07/2006 no Cartório Notarial a cargo da notária HH (cláusula Primeira da referida escritura de compra e venda).

24ª- E, conforme resulta da certidão de descrição predial junta aos autos com a P.I. (doc.3), o referido GG e esposa DD adquiriram à Câmara Municipal ... o lote de terreno destinado a construção urbana, no qual edificaram a moradia objecto do presente processo, construção essa que concluíram em Maio de 1998, conforme resulta da caderneta predial junta aos autos com a mesma P.I. sob o documento 2.

25ª- Pelo que, estando em causa no presente processo vícios/defeitos de construção de imóvel destinado a longa duração destinado a habitação do A. e sua esposa, é aplicável in casu as regras dos artigos 1221º e 1225º, nº 1,2, 3 e 4 do Código Civil, sendo responsáveis pela eliminação dos defeitos de construção os referidos transmitentes do imóvel a favor dos RR., DD, EE e FF.

26º- Desta sorte, sobre os RR. não impende qualquer responsabilidade sobre a referida eliminação dos defeitos de construção, devendo ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva os RR. dos pedidos.

27ª- Assim, a decisão recorrida violou, igualmente, a normas constantes dos citados artigos 1221º e 1225º do Código Civil-cfr. artigo 639º ,nº 1, al. a) do CPC.

28ª- Sem conceder, da caderneta predial junta aos autos pelo A. com a P.I. como documento 2 , resulta que o imóvel foi concluído em Maio do ano de 1998, ou seja, à data de aquisição de tal imóvel pelo A., o mesmo já havia sido construído há 22 anos e 4 meses, tendo presente que o adquiriu em 7/10/2020, conforme resulta da escritura junta aos autos como documento 1 com a P.I.

29ª- Aliás, o mesmo facto resulta do depoimento prestado pela testemunha II, vertido na Motivação da sentença recorrida, que “declarou que a sua casa é igual à casa objecto dos presentes autos e que o Réu nunca se queixou de qualquer problema e fez obras de melhoramento na mesma. Contudo declarou igualmente que estas casas têm mais de 20 anos e que a sua construção foi mal concebida, pelo que já fez várias obras na sua casa e está presentemente a fazer obras de isolamento.

30ª- Deste modo, jamais o R. poderia ter sido condenado a reparar defeitos de construção, os quais remontam ao início da construção do imóvel que tem mais de 22 anos, e, conforme resultado contrato promessa de compra e venda do imóvel celebrado entre A. e RR. a 11/08/2020, junto com a contestação sob o documento 2, em que consta da cláusula sétima o pleno conhecimento pelo A do estado de conservação do imóvel, incluindo equipamentos e instalações, nada tendo a exigir ou reclamar do R., tendo aceite expressamente o mesmo imóvel no estado em que se encontrava, renunciando a qualquer tipo de reclamação.

31ª- Acresce a este facto que, conforme decorre dos autos, a moradia foi adquirida pelo A. aos RR. a 7/10/2020, invocando o mesmo e foi dado como provado que as infiltrações de humidade foram por si detectadas “poucas semanas depois” de tal aquisição, apenas em 10/11/2021 tenha vindo proceder à denúncia de defeitos.

32ª- Equivale isto por dizer que ao A. não assiste qualquer direito de vir reclamar o que quer que seja do R., obedecendo e observando o princípio da boa fé negocial, atento o disposto no artigo 227º do Código Civil, traduzindo além do mais o seu comportamento ao intentar a acção de cuja decisão se recorre, um manifesto abuso de direito, nos precisos e exactos termos consagrados no artigo 334º do Código Civil, por ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que ocorreu manifestamente no presente caso.

33ª- A douta decisão recorrida, violou igualmente as normas ínsitas nos referidos artigos 227º e 334º do Código Civil.

34º- Sem conceder ainda, em face da prova produzida os RR. deveriam ter sido absolvidos da peticionada indemnização a título de danos não patrimoniais.

35ª- De facto, da matéria dada como provada nos pontos 19 e 20 dos factos provados da decisão recorrida, com base no depoimento da testemunha JJ, cujo depoimento transcrito aqui se dá por reproduzido, falece o pressuposto que permitiria a indemnização de danos não patrimoniais.

36ª- Na verdade, face aos referidos factos dados como provados nos pontos 19 e 20, relativamente ao transtorno, desgosto e engano do A., desta singela forma referido, desconhece-se, porém, a respectiva intensidade e/ou gravidade, isto é, se afectou, ou não, profundamente os valores ou interesses da respectiva personalidade física ou moral (v.g. causando-lhes insónias e/ou mau dormir, irritabilidade, instabilidade emocional).

37ª- Existe, assim, clara divergência entre o decidido, condenação dos RR. numa avultada indemnização ao A. no valor de 3.000,00€, e o que consta dos meios de prova invocados, uma vez que destes não se pode retirar a intensidade/gravidade da afectação sofrida pelo A.

38ª- Acresce que, sendo o A. casado com KK sob o regime da comunhão de adquiridos-devendo também esta ser parte activa na Ação, a fim de assegurar a legitimidade, por estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo-e vivendo no mesmo imóvel que o A., só este se sentiu transtornado, desgostoso e enganado , e não também a sua esposa, o que o afasta dos padrões da exigível normalidade.

39ª- Também por estes motivos referidos nos pontos 36, 37 e 38 das presentes conclusões, deverão os RR. ser absolvidos da peticionada indemnização a título de danos não patrimoniais, devendo a decisão recorrida ser revogada em conformidade.

40º- Quando assim não se entenda, o que não se concede e só por mera hipótese se coloca, sempre tal valor condenatório fixado na sentença recorrida, deverá reputar-se por manifestamente exagerado, devendo ser fixado segundo o prudente juízo de equidade, nos termos previstos no artigo 4º e 496º do Código Civil.

Termos em que e nos melhores de Direito, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula.

Caso assim não se decida, sempre deverá a mesma ser revogada, substituindo-se por decisão que absolva os RR. dos pedidos formulados pelo A. na Ação, nos termos sobreditos, com o que se fará sã, serena e objectiva JUSTIÇA!”

                                                           ***

1.5. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., o A. não respondeu.

                                                           ***

1.6. . Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

Por ser admissível, estar em tempo e ter a recorrente legitimidade, admito o recurso interposto pela ré, o qual é de apelação e subirá nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, tudo ao abrigo do disposto nos artigos artigos 629.º n.º1, 631.º nº 1, 638.º nº 1 e 7, 644.º nº 1 a), 645.º n.º1 a) e 647.º n.º1 do Código de Processo Civil.
*

Cumpre, porém, antes de mais, pronunciarmo-nos acerca da nulidade invocada, ao abrigo do disposto no artigo 641.º n.º1 do Código de Processo Civil.

A recorrente considera ter havido omissão de pronúncia na decisão recorrida relativamente a algumas das desconformidades alegadamente existentes no imóvel cuja reparação foi pedida, nomeadamente acerca da existência de infiltrações de humidade e de águas pluviais e do facto de o imóvel ter sido adquirido no pressuposto de não ter tais vícios.

Ora, lendo o conteúdo da decisão recorrida, facilmente se verifica que foram abordadas todas as questões suscitadas nos articulados e apreciados integralmente os factos invocados quanto aos defeitos no imóvel, extraindo-se igualmente os respectivos efeitos jurídicos em sede de fundamentação do direito, culminando-se com uma decisão que, não sendo uma reprodução integral da redacção formulada no pedido da acção, abrange, sem margem para dúvidas, todas as pretensões deduzidas com vista à reparação dos defeitos invocados.

Pelo que não se reconhece que a decisão padeça de qualquer omissão susceptível de produzir a nulidade invocada.
*

Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

                                                           ***

1.7.- Colhidos os vistos cumpre decidir:

                                                           ***

                                             2.- Fundamentação

Da audiência de discussão e julgamento, resultaram provados os seguintes factos:

1. Por Escritura Pública celebrada em 07/10/2020, e pelo valor de 240.000,00 € (duzentos e quarenta mil euros), o A. comprou aos RR. um prédio urbano composto de casa de rés do chão, primeiro andar e logradouro, destinado à habitação, sito na Rua ..., ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...87, descrito e já inscrito na Conservatória do Registo Predial ... em nome do ora demandante -cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

2. O imóvel em questão possui uma cave destinada a casa de máquinas e arrumos;

3. O A. e sua família habitam este imóvel desde então, altura em que vieram para Portugal, depois de residir em França durante vários anos;

4. Poucas semanas depois, e logo que apareceram as primeiras chuvas, em Novembro, e nos meses seguintes do Inverno, em Dezembro e em Janeiro, foram detectadas infiltrações de humidade e de águas pluviais nos vários pisos da habitação, nomeadamente na cave mas também no rés do chão e no primeiro andar;

5. Quando chovia ou os níveis freáticos subiam de acordo com as marés, aparecia água na cave, pelo que para evitar que tal sucedesse o A. teve de colocar uma bomba para retirar as águas da caixa de escoamento do exterior da casa que ali se acumulavam e que não tinham para onde escoar;

6. As janelas e a porta da cave estão mal isoladas e deixam entrar a água da chuva;

7. Na cave há infiltrações de água e humidade, o que impede o A. de usar tal espaço para arrumação;

8. Na sala, que fica no rés-do-chão, foi detectada uma infiltração que se julga proveniente da varanda do 1º andar, na parede voltada a sul;

9. Quando venderam o imóvel ao A. os RR. deixaram ficar no escritório, que também fica no rés do chão, os móveis que compunham um “closet” que eles ali tinham instalado; quando esses móveis foram desmontados foi possível detectar humidade nas paredes, que estavam com bolor;

10. Na parede exterior voltada a sul a tinta começou a inchar e a descascar;

11. As caleiras da parede voltada a sul estavam em muito mau estado, e o A. já teve de as substituir;

12. As janelas e as portas de correr deixam entrar o frio e a água da chuva, assim como a clarabóia que existe por cima das escadas que deixa entrar frio e calor;

13. Para que o aquecimento fosse mais eficiente, o A. teve de mandar limpar os radiadores;

14. No espaço exterior, foram também detectadas várias fissuras no muro que delimita a propriedade;

15. Estas fissuras não eram visíveis quando o A. visitou o imóvel no verão, em 2020, tendo em vista a sua eventual compra;

16. Por carta registada com A/R, enviada e recebida pelos RR em 10 de Novembro de 2021 (cfr. docs. 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos), o A. procedeu à denúncia de todas as anomalias que ficaram descritas, e solicitou a sua reparação;

17. Os problemas supra referidos não eram visíveis nem perceptíveis na visita que o A. fez antes de concretizar a sua compra aos RR.;

18. O A. teve de fazer despesas para remediar alguns problemas, cuja solução era urgente, tal como a colocação da bomba, a substituição das caleiras na parede voltada a sul e a limpeza dos radiadores do aquecimento central;

19. Esta situação causa profundo transtorno e desgosto ao A.

20. O A. sente-se enganado pelos RR.

21. Os RR. adquiriram o imóvel objecto dos presentes autos aos seus anteriores proprietários, através da celebração de contrato de compra e venda outorgado por escritura pública datada de 3 de Março de 2016 – cfr. doc. nº 1 junto com a contestação (escritura pública de compra e venda) que aqui se dá por integralmente reproduzido;

22. Da caderneta predial urbana relativa ao imóvel supra referido consta a seguinte menção: “Descrição: prédio concluído em Maio de 1998” - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial e que se dá como reproduzido.

Factos complementares aos factos alegados resultantes da instrução da causa – art. 5.º do CPC:

23. A situação referida no ponto 8. foi rectificada tendo o A. efectuado a impermeabilização da varanda situada no andar situado na parte superior da referida sala.

24. Os RR. residiram de forma contínua no imóvel referido em 1. desde 2015 até Setembro de 2020.

25. Nas paredes exteriores do imóvel são visíveis em zonas pontuais no alçado lateral pequenas manchas e algumas com bolsas de água - cfr. relatório pericial datado de 06.01.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

26. Nas paredes interiores são visíveis em certas zonas a tinta a descascar e o aparecimento de manchas e fungos – cfr. o supra referido relatório pericial;

Factos não provados:

a) Sempre que chove, ou os níveis freáticos sobem, de acordo com as marés, aparece água na cave;

b) O chão da cozinha também está sempre húmido, e o cheiro a humidade em todas as divisões do rés do chão é insuportável;

c) No 1º andar existem também várias infiltrações de humidade nas paredes e nos tectos dos quartos, e das casas de banho.

d) E no roupeiro embutido da suite tudo o que é lá colocado, nomeadamente roupas, fica a cheirar a mofo e com bolor;

e) Nas paredes junto à clarabóia que existe por cima das escadas também existe humidade;

f) A casa é toda ela muito húmida e muito fria, sendo certo que, no último inverno a temperatura interior da mesma não passou dos 18 graus, e na cozinha não passou mesmo dos 10º;

g) Contrariamente ao que os RR. garantiram ao A., os radiadores do aquecimento central nunca tinham sido limpos;

h) O A. despendeu mais de 1.000,00 € na limpeza dos radiadores;

i) Uma parte do muro desmoronou;

j) Os RR. ocultaram ainda ao A. o facto de os 10 pinheiros existentes na propriedade estarem doentes; 7 já tiveram de ser cortados pela Protecção Civil para garantir a segurança das pessoas e dos bens, faltando cortar os restantes, e essa circunstância alterou a configuração e o encanto que a propriedade tinha quando o A. a visitou no verão, e depois a comprou aos RR.;

k) O jardim existente, com todos aqueles pinheiros, tinha beleza e sombra, o que não tem presentemente.

Da discussão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão.

***

3. Motivação

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ; Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232”).

É também sabido, que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, não podendo tratar-se neles, salvo aqueles casos de conhecimento oficioso, de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido (vidé ainda, por todos, Ac. do S.T.J. de 31/01/1991 in “BMJ 403-382”).

Também vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Entendendo-se, assim, por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões pareceres ou doutrinas expendidos pelas partes no esgrimir das teses em presença (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 da 2ª Sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 da 7ª Sec”; Ac. do STJ de 11/11/87, in “BMJ 371 – 374” e Prof. Alb. dos Reis, in “ Código do Processo Civil, vol. 5º, pág. 145”).

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber:

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação da al.ª d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que julgue a ação improcedente e absolva os RR. do pedido. Caso assim não se entenda.

C) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida  não haver lugar a condenação em danos não patrimoniais, ou então reduzir o montante de 3.000,00€, que é manifestamente exagerado, devendo ser fixado segundo o prudente juízo de equidade.

Atendendo que são três as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

Porém, muito embora os recorrentes não sejam claros quanto ao recurso da matéria de facto, parece recorrerem da mesma, tanto assim, que referem na motivação em D) – Impugnação da matéria de facto -, fazendo referência à testemunha, JJ, e “rematando”, deste modo foram incorrectamente julgados os pontos 19 e 20 da sentença recorrida.

Por sua vez nas conclusões referem em 35 e 36 – em 35ª- “De facto, da matéria dada como provada nos pontos 19 e 20 dos factos provados da decisão recorrida, com base no depoimento da testemunha JJ, cujo depoimento transcrito aqui se dá por reproduzido, falece o pressuposto que permitiria a indemnização de danos não patrimoniais” e em 36ª- “Na verdade, face aos referidos factos dados como provados nos pontos 19 e 20, relativamente ao transtorno, desgosto e engano do A., desta singela forma referido, desconhece-se, porém, a respectiva intensidade e/ou gravidade, isto é, se afectou, ou não, profundamente”.

Mas seja como for, apenas diremos, para evitar que se venha a invocar nulidade do acórdão, por omissão de pronuncia, ou denegação de justiça, que se a intenção foi recorrer de facto, o recurso, nesta vertente seria de rejeitar, desde logo, por inobservância do exigido pelo art.º 640.º, do C.P.C., por um lado, por não referir nas conclusões, em concreto, que queria impugnar os pontos 19 e 20, como exige a al.ª a), do n.º 1, do art.º 640.º, do C.P.C., em segundo lugar, não indicou o sentido a dar a tal matéria, ou seja, se seria não provada ou parcialmente provada, nem na motivação, nem nas conclusões, como exige a al.ª c), do n.º 1, do citado art.º 640.º.

Ditos isto, passemos analisar as questões levantadas no recurso.

Assim,

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação da al.ª d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Segundo os recorrentes a sentença é nula, desde logo, por não se ter pronunciado sobre todos os pedidos formulados pelo A., mormente sobre as alegadas infiltrações de humidade e de águas pluviais, bem como sobre a alega questão de que o imóvel havia sido adquirido aos RR. no pressuposto legítimo de que tais defeitos não existiam, formulados pelo A. recorrido.

O Tribunal “a quo” tomou posição, sobre tal matéria, no despacho que recebeu o recurso, transcrito em 1.6., pugnando pela não verificação da nulidade invocada, desde logo,  por da leitura da decisão recorrida, facilmente se verificar que foram abordadas todas as questões suscitadas nos articulados e apreciados integralmente os factos invocados quanto aos defeitos no imóvel, extraindo-se igualmente os respectivos efeitos jurídicos em sede de fundamentação do direito, culminando-se com uma decisão que, não sendo uma reprodução integral da redacção formulada no pedido da acção, abrange, sem margem para dúvidas, todas as pretensões deduzidas com vista à reparação dos defeitos invocados.

Apreciando.

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados, sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

Questão não invocada pela recorrente.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível,

Questão não invocada pelo recorrente.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia.

Questão invocada pelos recorrentes.

Cumpre referir, que há excesso de pronúncia, quando o tribunal, vai além do que lhe é pedido. E quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Lendo e relendo a sentença recorrida, não vislumbramos qualquer nulidade. Na verdade, a sentença, agora posta em causa, apreciou todos os pedidos, formulados, para tanto basta atentar na mesma.

Assim, sem mais delongas, improcede esta pretensão dos recorrentes.

5. Quanto ao vício consagrado na al e): o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Questão não invocada pela recorrente.

Vista a questão da nulidade da sentença invocada pelos recorrentes, passemos ao ponto seguinte.

                                                         **

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que julgue a ação improcedente e absolva os RR. do pedido.

Para defender este seu ponto de vista os recorrentes assentam em quatro pontos, a saber:

i)- Ónus da prova.

ii)- Saber se foi violado o art.º 350.º, do C.C., por não se atender a facto notório.

iii)- Violação dos princípios da boa fé negocial (art.º 227.º, do C.C.)

iv)- Violação do art.º 334.º do C.C. por abuso de direito.

Por uma questão de método iremos analisar cada um de per si.

Assim,

Quanto ao ponto i)

Segundo os recorrentes o ónus da prova de que os vícios já existiam à data da venda cabe ao A., o que não foi feiro. Pois do nº 1 do artigo 913º do Código Civil não existe qualquer presunção de que o vício ou falta de qualidade da coisa já existia na altura da celebração do contrato, até porque, se assim fosse, a inclusão do artigo 921º no regime da venda de coisas defeituosas não faria nenhum sentido e da matéria de facto, refere, não resulta que os vícios referidos já existissem à data da celebração do contrato, sendo que da matéria de facto provada, nos pontos 4, 15 e 17 da sentença recorrida, os vícios/defeitos da coisa/ imóvel alienado pelos RR. apenas surgiram após a data da celebração do contrato.

Por outro lado, se os vícios/ defeitos da coisa alienada só surgiram após a venda da coisa alienada, teria necessariamente de se concluir que os RR. vendedores desconheciam sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padecia, encontrando-se ilidida a presunção de culpa do vendedor a que se refere o artigo 914º, 2ª parte do C.C.

Mais refere que é público e notório das tempestades que se abateram sobre a região centro a partir de Setembro de 2020, onde se situa o imóvel, como causa do surgimento das infiltrações verificadas causadoras dos danos no imóvel.

Entendimento diverso foi advogado na sentença recorrida, referindo-se, entre o mais: “Na fixação do regime jurídico da compra e venda de coisas defeituosas deve ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual (arts. 798º e segs. do CC), o regime especial previsto no art. 913º do CC (ao remeter para o regime da compra e venda de bens onerados) e as particularidades previstas nos arts. 914º e segs. do CC.

Assim, perante tal, verifica-se que incumbe ao comprador a prova do direito invocado, ou seja, a entrega da coisa com defeito (art. 342º, n.º 1 do CC), presumindo-se, quanto à culpa, a culpa do vendedor (art. 799º, n.º 1 do CC).

Provada a entrega da coisa com defeito e não tendo sido ilidida a presunção de culpa do vendedor, podem ocorrer as seguintes consequências: reparação do defeito; substituição da coisa; redução do preço; resolução do contrato e indemnização”.

Apreciando.

Não suscita dúvidas a qualificação jurídica de que estamos perante um contrato de compra e venda, o que nem sequer foi posto em causa (cfr. facto 1).

O art.º 913.º do Código Civil estipula o seguinte:

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

Por sua vez o art.º 914.º do CC determina o seguinte:

O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”.

Sobre a coisa defeituosa cabe destacar, por um lado, a sujeição do vício e da falta de qualidades ao mesmo regime e, por outro, o carácter funcional das quatro categorias de vícios previstos no supra transcrito preceito legal, a saber: a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que se destina; c) falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; d) falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 4ª edição, 1997, p. 204 e seguintes; Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, 1990, p. 186; e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III – Contratos em especial, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 124).

Tendo por base o referido pela lei a respeito do cumprimento dos contratos, temos para nós, que na execução do contrato de compra e venda o vendedor não está apenas obrigado a entregar ao comprador a coisa vendida, mas também está obrigado a entregar-lhe o bem objecto do contrato isento de vícios físicos e de defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material, ou seja, em conformidade com o contratualmente estabelecido e com aquilo que for legitimamente esperado pelo comprador – artigos 406º, n.º 1, 879º, alíneas b), e 913º a contrario, do Código Civil.

Assim, a execução defeituosa da prestação contratual constitui, por si só, uma violação do contrato e, como tal, um acto ilícito, despoletador de responsabilidade contratual, pelo que, tendo em conta o critério funcional de coisa defeituosa consagrado na lei, para aferir da correcta execução da prestação do contraente vendedor, importa saber se a coisa vendida é hábil e idónea para a função a que se destina (cfr. Ac. do S.T.J., de 14 de Dezembro de 2014, proc.º n.º 1341/12.0TBVFR.P1.S1, relatado por Fernanda Isabel Pereira)

Entende-se por coisa defeituosa a que é imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina: o vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim contratado (neste sentido: Pedro Romano Martinez, em Direito das Obrigações, (Parte Especial), Contratos, 2.ª edição, 2001, p. 130, e em Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, p. 184 e 185).

Por outro lado, o vício tem de ser preexistente à transmissão da propriedade da coisa. Para o efeito, basta que o vício, à data da transmissão, já existisse em germe, estando, por conseguinte, as suas causas ínsitas na prestação (Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 2001, pp. 190 e 191).

Tal pré-existência do vício, ainda que oculto, é facto constitutivo do direito à reparação reclamado pelo comprador. Assim, ainda que sobre o devedor recaia a presunção de culpa (art.º 799.º n.º 1 do CC), cabe ao comprador demonstrar que a coisa foi adquirida já com defeito (art.º 342.º n.º 1 do CC).

Note-se que, in casu, não nos encontramos no âmbito da garantia de bom funcionamento a que se refere o art.º 921.º do CC, nem é aplicável o regime de venda de bens de consumo (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8.4, em vigor à data dos factos) ou de proteção do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31.7), nem é aplicável o disposto no art.º 1225.º do Código Civil – onde se verifica a responsabilização objetiva do transmitente por defeitos que se manifestem na coisa dentro de um determinado prazo (cfr. neste sentido, entre outros Ac. do S.T.J., de 14/12/2014, supra citado, Ac.s do mesmo Venerando Tribunal de 13.11.2018, proc.º 71/15.5T8PTL.G1.S2,  relatado por Pedro Lima Gonçalves, e 19.02.2008, proc.º n.º 07A4655, relatado por Alves Velho e de 11/7/2023, procº n.º 541/13.0TCFUN.L2.S1,  relatado por Jorge Leal).

Temos para nós, que no caso em apreço, estamos perante defeitos que se manifestaram após a compra da casa (cfr. pontos de facto 4 a 15), pois logo as primeiras chuvas em Novembro, e nos meses seguintes do Inverno, em Dezembro e em Janeiro, foram detectadas infiltrações de humidade e de águas pluviais nos vários pisos da habitação, nomeadamente na cave mas também no rés do chão e no primeiro andar, sendo que a compra ocorreu em 7/10/2020, mas já pré-existentes. Desde logo, por a compra ser realizada em 7 de outubro e logo após as primeiras chuvas terem sido detetadas infiltrações e humidades, como resulta provado.

 Acresce ainda, que da matéria de facto provada, não resulta que os RR., tenham ilidido a presunção de culpa que sobre eles recai, como pretendem os recorrentes.

Assim, face ao exposto, nesta vertente improcede a pretensão dos recorrentes.

Passemos ao ponto seguinte.

                                               *

Quanto ao ponto ii)

Referem os recorrentes que não é descabido aludir o facto público e notório das tempestades que se abateram sobre a região centro a partir de setembro de 2020, onde se situa o imóvel, como causa de surgimento das infiltrações causadoras dos danos no imóvel.

Apreciando.

Parece que os recorrentes pretendem dizer que as infiltrações causadoras dos danos do imóvel ficou a dever-se às tempestades que se abateram sobre a região centro onde se situa o imóvel.

Como se sabe, factos notórios são os de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação. Para ser considerado facto público e notório, é indispensável um conhecimento extenso revestido do carácter de certeza, não carecendo os mesmos de alegação nem de prova (cfr. art.º 412.º, do C.P.C.).

Para haver facto notório, não basta, qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau da difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza.

Por outro lado, é necessário que se trate de factos concretos, elementos estruturantes da causa de pedir da acção, da reconvenção ou das excepções, o que implica não poderem ser considerados como tal as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas ou meramente jurídicas.

Ora, temos para nós, não se estar perante um facto notório, para os efeitos pretendidos pelos recorrentes, serem as chuvas (tempestades), como referem os recorrentes causadoras dos danos no imóvel.

Assim, nesta vertente também não assiste razão aos recorrentes.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                               *

Ponto iii)

Sobre tal matéria referem os recorrentes que conforme decorre dos autos, a moradia foi adquirida pelo A. aos RR. a 7/10/2020, invocando o mesmo e foi dado como provado que as infiltrações de humidade foram por si detectadas “poucas semanas depois” de tal aquisição, apenas em 10/11/2021 tenha vindo proceder à denúncia de defeitos, o que leva à violação do principio da boa fé negocial.

Apreciando.

Diremos algo a respeito da matéria em causa.

O artigo 227º do Código Civil, sob a epígrafe “culpa na formação dos contratos”, preceitua no seu nº 1 que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª edição, 1973, vol. I, pág. 25, anot.1, ensina que este artigo não se contenta com a proclamação, que poderia ser meramente platónica, do princípio da boa-fé na reparação e formação do contrato, consagra ainda a responsabilidade pré-contratual do contraente faltoso.

Almeida Costa, a propósito da demarcação das fases fundamentais no caminho percorrido pelos contratantes, ensina que a orientação que predomina define duas, a saber:

a) Uma fase negociatória, integrada pelos actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva;

b) Uma fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, quer dizer, a proposta e a aceitação do contrato.

A própria lei traduz esta separação. O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa-fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “ Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Pre preparatórias de um Contrato”, Coimbra Editora, 1984, pág. 49.).

Como escreveu Baptista Machado “com a protecção da confiança não se visa de forma alguma garantir propriamente a confiança ou compromisso (expresso ou implícito), no sentido de efectuar juridicamente esse compromisso, mas apenas resolver um problema de responsabilidade pelos danos que surgem ou surgiram da violação de tal compromisso quando de facto o promissário viesse a sofrer danos com essa violação (in RLJ, Ano 117º, pág. 321.).

A confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, RLJ Ano 116º, pág. 152.).

Também Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, vol. I, pág. 583, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer.

Da matéria factual apurada não vislumbramos, onde possa assentar a má fé contratual do A.

Assim, sem mais considerandos esta pretensão tem de improceder.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                                       *

Ponto iv

Para tanto referem que o comportamento dos AA. ao intentar a acção de cuja decisão se recorre, é um manifesto abuso de direito, nos precisos e exactos termos consagrados no artigo 334º do Código Civil, por ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que ocorreu manifestamente no presente caso.

Apreciando

Diz-nos o artigo 334.º do CC, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Aceite que a conceção legalmente adotada é essencialmente objetiva (cfr. ires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I volume, 3a edição, pág. 296 e seguintes, referindo Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, pág. 198, reportando-se a estes últimos, que o instituto do abuso de direito, na sequência da sua evolução histórica, assumiu uma configuração objetiva e funcional. Cf. Ac. STJ de 20.04.2021, processo 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1, Ac. do STJ de 21.10.2020, processo n.o 4354/17.1T8OER.G1.S1, in www.dgsi.pt), isto é, não é necessária a consciência de se estar a exceder com o exercício do direito os limites impostos, quer pelos bons costumes, quer pelo fim social económico do direito, importa apenas que os limites sejam excedidos de por forma, manifesta, pois como a própria lei indica, sempre se terá de ter presente, no que diz respeito ao fim social e económico do direito, os juízos de valor positivamente consagrados na lei.

Assim compreende-se que, como pressuposto lógico da situação de abuso de direito, esteja a existência de um direito, reportado a um direito subjetivo, ou a um poder legal, caracterizando-se o abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito, ou do contexto em que ele deve ser exercido  (cfr. Castanheira Neves, Questão de Facto – Questão de Direito, e Cunha e Sá, Abuso do Direito, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1973, sobretudo págs. 456, e seguintes, cf. Acórdão do STJ de 4.11.2021, processo n.o 17431/19.5T8LSB.L1.S1., in www.dgsi.pt.).

Dir-se-á, em conformidade, que a noção de abuso de direito assenta no exercício legal de um direito, que, no entanto, é feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça (cfr. entre outros o Ac. do STJ de 8.11.84, in BMJ, n.o 341, pág. 418, e o Ac. STJ de 19.10.2017, processo n.o 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, in www.dgsi.pt, mencionando “ A figura do abuso do direito (...) obstando que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo4, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.

Tal contradição mostra-se mais patente nos casos configurados como venire contra factum proprium, que se verificam quando alguém exerce um direito depois de ter feito crer à contraparte que não o iria fazer, na medida em que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

Na realidade, a boa fé, traduzida na conduta leal e correta com vista à obtenção dos fins legitimamente prosseguidos pelas partes, bem como a confiança que cada uma delas atuará de tal forma, em termos de razoabilidade, constitui uma das fundamentais exigências éticas no âmbito do comércio jurídico, surgindo assim como um princípio aplicável em todos os domínios em que possa existir um vínculo específico entre determinados sujeitos, com consagração legal em vários preceitos legais, sobretudo no n.o 2 do art.o 762, do CC (cfr. Acórdão do STJ de 4.11.2021).

Para que a conduta sobre a qual incide a valoração negativa resulte ilegítima, importa que se verifique uma situação objetiva de confiança, existente quando se pratica um determinado ato que, em abstrato, é apto a incutir em outrem a expectativa de adoção no futuro, de um dado comportamento coerente com aquele primeiro e que, em concreto, gera efetivamente tal convicção (cfr. Batista Machado, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in Obra Dispersa, vol I, pag. 415 e segs, bem como, entre outros, Acórdão do STJ de 5.06.2018, processo n.o 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, já aludido, Acórdão do STJ de 8.11.2020, processo n.o 5366/17.0T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt.).

Diga-se também, ser necessário que haja, igualmente, boa fé da contraparte que confiou, por supor que o autor da conduta contraditória estava vinculado a adotar a conduta prevista, e convencendo-se de tal, atue com o cuidado e as precauções usuais no tráfego jurídico.

Com efeito, releva aqui sublinhar que o princípio da confiança “(...) surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. (...) Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano da igualdade e da necessidade da harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, de acordo com a medida da diferença. Ora a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas, não pode ser tratada como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual” (cfr. Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas, ROA, Ano 2005, Ano 65, Vol. II, Set. 2005, versão on line.)

Aplicando estes ensinamentos, que advogamos, ao caso em apreço, não vislumbramos que o A. tenha violado o principio da boa fé, nem o principio da confiança, pois o A. intentou a presente ação, pedindo um direito, que em sua opinião tinha direito, não violando qualquer principio.

Assim, sem mais considerandos esta pretensão também não pode proceder.

Passemos ao ponto seguinte.
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C) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida  mão haver lugar a condenação em danos não patrimoniais, ou então reduzir o montante de 3.000,00€, que é manifestamente exagerado, devendo ser fixado segundo o prudente juízo de equidade.

Referem os recorrentes que da matéria dada como provada nos pontos 19 e 20 dos factos provados, falece o pressuposto que permita a indemnização de danos não patrimoniais.

 Na verdade, nos factos citados (19 e 20) apenas se refere de forma singela que o A. sofreu transtorno, desgosto e que se sente enganado, desconhecendo-se, por isso, a respectiva intensidade e/ou gravidade, pelo que não há lugar a qualquer indemnização.

Mas a entender-se o contrário a indemnização fixada em 3.000,00€isto é, avultada, pelo que terá de ser reduzida.

Do referido pelos recorrentes, resulta que, são dois os pontos atender:

i)- Saber se há lugar a indemnização por danos não patrimoniais;

ii)- Saber se a indemnização fixada na sentença recorrida de 3.000,00€ é avultada.

Por uma questão de método, iremos analisar cada ponto de per si.

Apreciando.

Estatui o art. 496º, nº 1 do Cód. Civil que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação a este preceito (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 499): “Não se enumeram os casos dos danos não patrimoniais que justificam uma indemnização. Diz-se apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica”.

Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem.

A avaliação da gravidade destes danos tem de fazer-se segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de tal modo que, conforme ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in ob. e loc. cit.), “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.

Tal como não o justificam os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala. Cfr. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pág. 601).

Passando ao caso concreto, o que teremos que apurar é se a factualidade assente se coloca no plano dos meros incómodos ou contrariedades, irrelevantes para a fixação de uma indemnização ou se, ao invés, se situa num plano de gravidade superior, justificativo da atribuição de uma compensação.

O dano não patrimonial relevante, para efeitos indemnizatórios, mesmo que não seja apenas aquele que é exorbitante ou excecional, terá que ser sempre um dano considerável, que saia da mediania (Cfr. Ac. STJ de 24.5.2007, 07A1187, in www.dgsi.pt.).

No caso em apreço, a factualidade apurada, que neste âmbito se circunscreve ao referido n.ºs 19 e 20, é, a nosso ver, suficiente para que possamos atingir o patamar dos danos não patrimoniais que justificam a tutela do direito, impondo a sua ressarcibilidade, pois dizer-se que a situação causa profundo transtorno e desgosto ao A. e que este se sente engano, tem a virtualidade exigida pelo citado art.º 496.º, do C.C., pois não se provou apenas que o A. sofreu desgosto, mas sim de profundo desgosto, decorrente das inundações.

Assim, face ao exposto esta pretensão dos recorrentes improcede.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

Ponto ii.

Quanto a este ponto referem os recorrentes que o valor é manifestamente exagerado, pelo que deve ser reduzido nos termos previstos no artigo 4º e 496º do Código Civil.

Apreciando.

É consabido que o montante indemnizatório deve ser fixado assentando em critérios de equidade.

No caso em apreço, atento à matéria fatual provada, temos para nós, que os danos foram graves, tanto assim, que se deu como provado, que esta situação causa profundo transtorno e desgosto ao A. (cfr. ponto factual 19).

Por outro lado, como bem se refere na sentença recorrida, os recorrentes nada fizeram para minimizar a situação.

Assim, sem mais considerações, também não vislumbramos razão para alterar a sentença recorrida, nesta vertente.

                                                            ***

                                                  4.- Decisão

Face ao exposto decide-se, por acórdão, julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida nos seus termos.

Custas a cargo dos recorrentes.

Coimbra, 24/9/2024

Pires Robalo (relator)

Cristina Neves (adjunta)

Sílvia Pires (adjunta)