Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
397/19.9PFCSC.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: SARA REIS MARQUES
Descritores: CASO JULGADO
ARREPENDIMENTO
EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PERDÃO PARCIAL DE PENA
Data do Acordão: 10/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 43.º E 50.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - Caso julgado significa a existência de decisão imutável e irrevogável, sendo a autoridade do caso julgado formal que torna as decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas na mesma instância.

II - O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado que, por razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material), e constitui um efeito negativo do princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

III - O caso julgado formado por anterior acórdão da relação abrange as questões ali conhecidas e decididas, porque entretanto transitou em julgado, não podendo, por isso, ser tais questões reapreciadas, aqui se incluindo o conhecimento de eventuais nulidades da decisão.

IV - O arrependimento é um acto interior e a sua demonstração tem de ser activa, visível, revelando que o agente rejeitou o mal praticado, de modo a convencer o tribunal de que, se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir.

V - Não estando incluídas no n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal, que fixa os pressupostos formais da pena de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, as situações de penas de prisão remanescente de 2 anos por força de perdão concedido por leis de clemência, resulta que estas não estão abrangidas pela norma.

VI - O benefício de um perdão (parcial de pena) não pode influir na espécie da pena (por exemplo na sua suspensão) nem na sua medida, sob pena de violação do caso julgado.

Decisão Texto Integral: *

*     *

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:

No âmbito deste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, e em obediência ao Acórdão proferido a 26/4/2024 por esta Relação de Coimbra, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Coletivo, datado de 25/6/2024,  com o seguinte dispositivo:

“i) Julgar a acusação parcialmente improcedente e não provada e, consequentemente:

ii) Julgar a acusação parcialmente procedente e provada e, consequentemente:

ii.1) Condenam o arguido … pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artºs 26º, 202º als. b) e d), 203º nº 1 e 204º nº 1 al a) e nº 2 al. e), todos do Cod. Penal na pena de 3 anos de prisão efectiva.

ii.2)) Declaram perdoado 1 (um) ano de prisão, a incidir sobre a pena de 3 anos de prisão efectiva aplicada ao arguido AA nos presentes autos.

Tal perdão é concedido sob a condição resolutiva prevista no artº 8º nº 1 da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, de arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da mesma Lei nº 38-A/2023, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena ora perdoada.

….”

                                                           *

*

            -» Inconformado, interpôs recurso o arguido, tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

“…

6. O Tribunal recorrido optou por condenar o arguido na pena de 3 anos de prisão efectiva.

7. Ora, entendemos que o Tribunal recorrido foi exagerado, tendo em conta os factos que deu como provados e as circunstâncias concretas do arguido recorrente, atendendo a que o recorrente, à época dos factos, tinha apenas 19 anos de idade.

8. Entende o recorrente que pela prática do crime de furto qualificado deveria o Tribunal condená-lo em pena inferior à que o recorrente foi condenado, defendendo aquele que a mesma jamais poderia fixar-se acima de 2 anos e 6 meses, isto é, mais próximo ao mínimo legal daquele tipo penal. 

16.          Por todo o exposto, entendemos que a nível de pena a ser aplicada pelo ilícito pelo qual foi condenado, o arguido jamais poderia ter sido condenado em pena superior a 2 anos e 6 meses de prisão, tendo em conta os fatores supra mencionados, bem como o regime especial para jovens delinquentes que deveria ter sido aplicado ao recorrente, devendo ainda tal pena ser suspensa na sua execução. 

18.          Mais, da pena supra defendida deverá ser declarada perdoado 1 (um) ano de prisão, nos termos da Lei nº 38-A/2023.

19.          DA APLICAÇÃO AO RECORRENTE DO REGIME ESPECIAL PARA JOVENS DELINQUENTES: Verifica-se que no caso concreto, existem circunstâncias modificativas que importam um reajustamento da moldura penal abstrata constante do tipo de crime em causa, na medida em que o Recorrente, à data da sua prática, tinha menos de 21 anos (cf. artigo 1.º, n.º s 1 e 2, do Decreto-lei n.º 401/82, de 23 de setembro).

29.          Assim, ao verificar-se a aplicação de medida penal, somos de parecer que, salvo melhor entendimento a mesma deverá ser direcionada para a sua integração profissional, como forma de adquirir hábitos de trabalho e promover o seu afastamento de situações ilícitas, potenciando uma adequada integração social, tendo em conta a idade do recorrente, e bem como o seu histórico de vida.

30.          Portanto, tendo em conta que o crime de furto qualificado no qual veio o arguido condenado é punível com pena de prisão entre 2 e 8 anos, e que, por aplicação do regime especial para jovens delinquentes, se reduzem os limites mínimo e máximo da pena de prisão aplicável, a moldura do caso concreto deverá passar para uma pena inferior àquela que foi aplicada ao Recorrente (cf. artigo 4.º do Decreto-lei n.º 401/82 e artigos 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 41.º, n.º 1, do Código Penal).

31.          Acresce ainda o seguinte: Conforme a fundamentação supra exposta do tribunal recorrido, o facto do arguido não ter contribuído para a descoberta da verdade material, e nunca ter demonstrado arrependimento foram fortes fatores que também impediram a formulação de uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade do arguido, ainda que beneficiando do apoio familiar.

32.          Ora, o arguido para contribuir para a descoberta da verdade material teria que ter prestado declarações em sede de audiência de julgamento. 

33.          Mais, para demonstrar arrependimento, o mesmo teria que ter confessado os factos pelos quais vem acusado. 

34.          Conforme sabemos, o direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. De igual forma, o arguido não é obrigado a confessar os factos pelos quais vem acusado em sede de julgamento. 

35.          O direito ao silêncio é incondicional, não permitindo qualquer “mas”, este direito legalmente consagrado – Art.º 61.º do CPP – atravessa transversalmente todo o processo penal, sem que daí possa resultar qualquer prejuízo para a posição processual do arguido.

36.          O próprio Tribunal Constitucional já reconheceu em diversos Acórdãos que é “inquestionável” que o princípio “nemo tenetur” tem consagração  constitucional.

39.          Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) não consagra expressamente o direito ao silêncio, contudo, as normas que preveem os princípios do julgamento equitativo, da presunção da inocência e do respeito por todas as garantias de defesa asseguraram a protecção do direito ao silêncio.

40.          Ainda no âmbito da ONU, no art.º 14.º, n.º 3, alínea g), do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), prevê-se expressamente o privilégio contra a auto-incriminação, dispondo-se que “qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias: (…) não ser forçada a testemunhar contra si própria ou a confessar-se culpada”.

41.          Finalmente a Directiva (EU) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2016, relativa ao reforço de certos aspectos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, dispõe, no seu artigo 7.º, sob a epígrafe “Direito de guardar silêncio e o direito a não se auto-incriminar”, o seguinte: “1. Os Estados-Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de guardar silêncio em relação ao ilícito penal que é suspeito de ter cometido ou em relação ao qual é arguido;

42.          A Constituição da República Portuguesa (CRP) não contém norma expressa de protecção do direito ao silêncio do arguido em processo penal, mas é pacífico o entendimento de que se trata de um princípio constitucional não escrito.

48.          Por isso, se o tribunal fundar a sua convicção em qualquer ilação desfavorável ao arguido extraída do seu silêncio, a decisão estará inquinada por se basear numa prova nula – NULIDADE ESTA QUE SE ALEGA AQUI PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS.

49.          Essa conclusão decorre do princípio de que não podem ser utilizadas provas incriminatórias obtidas mediante violação injustificada dos direitos fundamentais, decorrente dos art.º 32.º, n.º 8, da Constituição e art.º 126.º do CPP.

51.          Nota-se que, no caso dos presentes autos, o tribunal recorrido valorou negativamente o silêncio no que se refere à aplicação do regime dos jovens delinquentes, constituindo assim uma violação aos arts. 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP, art. 32.º, n.º 8, da CRP e art. 126.º do CPP, uma vez que o silêncio do arguido não pode ser valorado como circunstância relevante para determinação da pena e da aplicação ou não do regime especial do Decreto-lei n.º 401/82.

52.          Pelo que o acórdão recorrido deve ser considerado nulo, por violação do princípio estruturante do nosso Processo Penal, da salvaguarda do Princípio do Direito ao Silêncio, previsto no art.º 61.º, nº 1, alínea d) do CPP.

53.          DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO: O recorrente rejeita, de facto, que a pena de prisão efetiva seja a única espécie de pena que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que, não se encontram esgotadas todas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que uma pena não detentiva poderá ainda ter sobre o mesmo. 

                                                           *

                                                           *

-»  Admitido o recurso com efeito suspensivo do processo, a subir imediatamente e nos próprios autos, o Ministério Público junto da primeira instância respondeu,

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                                                                       *

-» Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer

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Cumprido o 417º n.º 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Após os vistos, foram os autos à conferência.

                                                           *         

II- Questões a decidir no recurso:

O objeto do presente recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à apreciação das seguintes questões:

- Medida concreta da pena aplicada;

- Aplicação do regime especial para jovens;

-  Suspensão da pena de prisão;

- Subsidiariamente, cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica:

III. Transcrição de peças processuais relevantes para a decisão da causa.
1) Em 24/4/2024, no âmbito do presente processo, foi proferido Acórdão por esta Relação de Coimbra, com o seguinte dispositivo:

“IV - Dispositivo

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra, em declarar a nulidade do acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Leiria, que deverá ser substituído por outro, a ser proferido pelo mesmo colectivo, no qual:

- seja emitida pronúncia sobre a possibilidade de a pena de prisão de 2 anos ser substituída pela pena de prisão com execução suspensa na sua execução;

- se inclua nesse novo acórdão o trecho complementar rectificativo acima referido.

Sem custas.”

2) Factualidade provada no Acórdão recorrido e motivação (transcrição):
 “ a) Factos provados

b) Factos não provados:

*

*

c) Fundamentação da Matéria de Facto

…“

IV – Fundamentação.

Como acima se assinalou as únicas questões trazidas a este Tribunal de recurso prendem-se com a nulidade do acórdão e com a pena a impor ao arguido (fixação da medida concreta, aplicação do REJ e substituição da pena de prisão), assente que está o cometimento por este de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artºs 26º, 202º als. b) e d), 203º nº 1 e 204º nº 1 al a) e nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, não vindo questionados pelo arguido os factos fixados pelo Tribunal a quo ou o respetivo enquadramento jurídico. Não cabe pois a este Tribunal ad quem pronunciar-se sobre tais aspetos, sendo certo que não se vislumbra que exista qualquer desconformidade no Acórdão que deva ser conhecida oficiosamente, mormente algum dos vícios elencados no artigo 410º do Código de Processo Penal.

As questões suscitadas serão apreciadas por ordem lógica.

4.1. Aplicação do REJ e medida concreta da pena:

Entende o arguido que lhe deveria ter sido aplicado o Regime Penal Especial para Jovens (Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro), atenuando-se especialmente a pena de prisão, nos termos do art.º 4º atenta a circunstância de contar menos de 21 anos à data da prática dos factos.

Argumenta ainda o arguido que a pena fixada pelo Tribunal a quo é desproporcionada, porque excessiva, nunca podendo fixar-se acima dos 2 anos e 6 meses.

Para tanto, diz que o Tribunal a quo não atendeu a que o recorrente, à época dos factos, tinha apenas 19 anos de idade e que a culpa é o limite máximo da pena, que foi no caso dos autos ultrapassado, argumentando ainda que a pena fixada não acautela o carácter ressocializador que as penas devem assumir.  Desta forma, argumenta, a decisão recorrida violou o princípio da proibição do excesso, nos termos do art. 18º, n.º 2 da CRP

Ora, estas questões tinham sido já suscitada pelo arguido no recurso anteriormente interposto nestes autos e foram já decididas por esta Relação no Acórdão proferido a 24/4/2024, como bem salienta o M.º P.º na resposta ao recurso que apresentou

Lemos no referido Acórdão:

«i) Passando à apreciação da segunda questão, recorde-se que nas conclusões 42ª e ss. discorda o recorrente da decisão recorrida por esta não ter aplicado o regime especial para jovens delinquentes.

Sob esse sub-título (Da aplicação do regime especial para jovens delinquentes), lê-se no acórdão: “Os factos em apreço nos autos foram praticados em 23 de Junho de 2019.

O arguido …, … à data da prática dos factos tinha apenas 18 anos de idade, portanto, menos de 21 anos. De acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Penal «aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial». Essas normas constam do Decreto-Lei n.º 401/82 de 23/09, que institui o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos e que, além do mais, prevê no seu artigo 4.º, para os casos em que for aplicável pena de prisão, a atenuação especial da pena, nos termos regulados no Código Penal, quando o juiz «tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos – regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária – não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos. Na verdade, está hoje perfeitamente adquirida na jurisprudência a ideia de que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se verificam aquelas sérias razões e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena.

A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão, depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas varáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) que permitam uma prognose favorável, ou melhor, que não impeçam uma prognose favorável ao arguido. Neste sentido cfr. Ac. do V.TRG de 03.04.2017, proc. 897/14.7JABRG.G, Desemb. Fernando Chaves, in www.dgsi.pt.

No caso dos autos, considerando que o mesmo apenas tem averbado no seu certificado de registo criminal já diversas condenações por crimes dolosos, inclusive contra o património, a circunstância de o mesmo não ter contribuído, por qualquer forma, para a descoberta da verdade material, e nunca ter mostrado arrependimento, e, em particular, a circunstância de os factos pelo mesmo praticados terem abrangência transnacional, pelo que o mesmo tem grande facilidade em se movimentar por territórios distantes e politica, jurídica e territorialmente distintos, com a consequente maior dificuldade de monitorização, tanto mais que o arguido tem sedeada a sua vida familiar e pessoal em Espanha, são tudo circunstâncias que, no seu conjunto, impedem a formulação de uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade do arguido AA, ainda que beneficiando de apoio familiar (atenta também a dificuldade de acompanhamento das instituições de reinserção).

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes que integram este Tribunal Colectivo pela não aplicação ao arguido AA do regime penal especial para jovens delinquentes previsto no Dec. Lei nº 401/82.

j) Sendo correcta a enunciação dos pressupostos e das circunstâncias que devem presidir à aplicação do referido instituto, avaliamos ainda como certo o juízo concreto que determinou a formulação do juízo negativo relativamente à possibilidade de aplicação do referido regime especial.

Assim, e em primeiro lugar, concordamos com a decisão recorrida quando considera como factor negativo a circunstância de o arguido não ter revelado qualquer arrependimento relativamente à prática dos factos; quando não se reconhece o desvalor da prática do crime está-se sempre mais perto de voltar a repetir a sua prática. Como se decidiu no Ac. do S.T.J. Processo n.º 6/08.1PXLSB.S1, a aplicação do regime especial encontrará dificuldades “nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade”.

k) Depois, as próprias circunstâncias do crime dificultam a formulação desse mesmo juízo favorável no sentido de que a aplicação do referido regime contribuirá para a reinserção social; note-se que o arguido – conjuntamente com os demais arguidos – deslocou-se propositadamente de Espanha para Portugal, percorrendo centenas de quilómetros, de modo a perpetrar o furto, revelando assim um dolo intenso e persistente no sentido de cometer o crime. É assim de afastar a prática de um crime ocasional, impulsivo, proporcionado pelo aparecimento de uma ocasião favorável à prática do crime, a que a juventude e imaturidade do arguido pudesse ter conduzido e que de alguma forma permitisse atenuar de forma significativa a sua culpa.

l) Por último, e especialmente, refira-se - como o faz a decisão recorrida - os seus antecedentes criminais: o arguido regista um impressionante número de antecedentes criminais, atenta a sua idade.

Não é assim possível formular um prognóstico favorável à ressocialização; não vislumbramos – tal como o tribunal a quo - razões para que se forme uma expectativa favorável de que a aplicação do referido regime proporcione especiais vantagens para a reinserção social da recorrente, improcedendo por isso esta pretensão do recorrente.

m) A 4ª questão, relaciona-se com a pena concreta de 3 anos de prisão fixada pela 1ª instância, que o recorrente considerada exagerada.

Se recordarmos que a moldura em causa é de 2 anos a 8 anos, constata-se que a decisão recorrida fixou a pena concreta muito perto do seu limite mínimo, pelo que surge como despropositado avaliar essa pena como “manifestamente excessiva” – cfr. conclusão 34º.

A jurisprudência maioritariamente tem defendido que a intervenção do tribunal de recurso não deve, em condições normais, intervir na fixação do quantum exato da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada, o que não é o caso – cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ de 29-1-2004, processo n.º 03P1874, o Ac. do S.T.J. de 27-5- 2009, processo n.º 09P0484, o Ac. do TRL de 31-10-2019, processo n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, ou o Ac. do TRP de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1 todos em www.dgsi.pt).

Aliás, facilmente se configuram situações em que se justificaria uma pena inferior à aplicada ao arguido (isto é, ainda mais perto do limite mínimo), por se verificarem circunstâncias favoráveis ao agente (art 71º do Cód. Penal); por exemplo, numa situação semelhante à avaliada nos autos, o arguido confessar os factos, ou ocorrer uma motivação por detrás do furto que atenuasse a culpa (v.g. algum familiar padecer de uma doença para o qual o agente do furto necessitasse de dinheiro), ou não ter antecedentes criminais, o que não é o caso do recorrente.»

Assim, está em causa perceber o efeito deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em relação às questões suscitadas no presente recurso e por ele já decididas

O caso julgado material penal, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão e ele verifica-se quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.

É um efeito processual da sentença transitada em julgado, que, por razões de segurança jurídica, Impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material) e constitui um efeito negativo do princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa.

Caso julgado significa a existência de decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandado que nasce da sentença.

Como se refere no Acórdão do STJ de 20.10.2010 Processo: 3554/02.3 TDLSB. S2, disponível in www.dgsi.pt:

(…) III - Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento. O direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado.

IV - No que concerne à extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais.

V - Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.

VI - Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.

VII - A decisão definitiva sobre a materialidade de facto que consta da anterior decisão do STJ constitui caso julgado formal nos sobreditos termos impedindo qualquer nova apreciação. Está precludida qualquer apreciação da mesma matéria que se impõe agora como definitiva”.

É, pois, a autoridade do caso julgado formal que torna as decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insuscetíveis de serem modificadas na mesma instância.

E, no caso em apreço, o caso julgado formado pelo anterior Acórdão da Relação de Coimbra abrange as questões suscitadas referentes à aplicação do REJ e da medida concreta da pena e que não são já passíveis de qualquer outro recurso ordinário, tendo precludido a possibilidade de sob a mesma matéria ser proferida qualquer outra decisão, esgotando o poder jurisdicional. Não podem de facto ser agora novamente apreciadas as questões que foram já conhecidas e decididas por este Venerando Tribunal aquando da inicial interposição de recurso por este mesmo arguido. 

Por essa razão, improcede o recurso neste segmento.

Mas sustenta ainda o recorrente que o Acórdão recorrido é nulo porquanto fundou o tribunal fundar a sua convicção no que se refere à aplicação do regime dos jovens delinquentes em ilações desfavoráveis ao arguido extraídas do seu silêncio, ou seja, baseou-se numa prova nula, constituindo assim uma violação aos arts. 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP, art. 32.º, n.º 8, da CRP e art. 126.º do CPP,

            Explica que o facto de o arguido não ter contribuído para a descoberta da verdade material, e nunca ter demonstrado arrependimento foram fortes fatores que também impediram a formulação de uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade do arguido, ainda que beneficiando do apoio familiar. Ora, para contribuir para a descoberta da verdade material o arguido teria que ter prestado declarações em sede de audiência de julgamento e para demonstrar arrependimento, o mesmo teria que ter confessado os factos pelos quais vem acusado. 

Ora, a decisão sobre a não aplicação ao arguido do REJ transitou já em julgado e por isso, não pode aqui ser reapreciada, no que e inclui o conhecimento de eventuais nulidades da decisão.

De qualquer forma, sempre se acrescenta que, ex abundanti cautela, não houve valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento do recorrente que o arguido e a não colaboração com a justiça, o que não sucedeu (neste sentido, Ac. STJ de 12-09-2012, Processo: 4/10.5FBPTM.E1.S1, in www.dgsi.pt)

4.2. Da suspensão da pena de prisão:

Acresce que o arguido não manifestou um verdadeiro arrependimento ao longo do processo: não o verbalizou, não teve uma atitude de contrição, não procurou desculpar-se junto de quem tenha lesado nem reparar danos que tivesse causado

Vejamos que a afirmação de que o arguido não se demonstrou arrependido não significa valorar o silêncio em seu desfavor nem violar o direito do arguido a não se auto-incriminar pois, como acima se consignou, há diversas formas de o demonstrar, para além da sua verbalização.

Na verdade, o arrependimento é um acto interior e a sua demonstração do arrependimento tem de ser activa, visível. O agente tem de revelar que rejeitou o mal praticado, de modo a convencer o tribunal de que, se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir.

O arguido esteve em prisão preventiva, é certo, e defende que esse período de reclusão foi o suficiente para ele refletir e para jamais ter contacto com o sistema prisional. Trata-se, contudo, de uma alegação que não resultou provada e que, nessa medida, não pode ser ponderada por este Tribunal

O facto de ter tido bom comportamento durante o período de reclusão, se, incidentes disciplinares, é um bom indicador no sentido de que o arguido se esforçou por alterar comportamentos e passar a reger a vida pelo respeito pelo Direito mas, por si só, não nos permite concluir que, em liberdade, irá manter este comportamento normativo. Trata-se de uma mudança ainda incipiente, que necessita de consolidação e de ser reforçada por outros indicadores (como sejam motivação para o trabalho regular, assunção da responsabilidade pelas consequências dos seus comportamentos) que nos permitam concluir que em liberdade irá mudar o seu percurso de vida.

Quanto a serem os estabelecimentos prisionais escolas de crime, é uma opinião (que este Tribunal não secunda, de resto) e não um facto.

Em suma: concluímos, tal como o fez o Tribunal Coletivo, que não se provou um qualquer facto que possa suportar um juízo de prognose favorável à reinserção social do recorrente, de modo a concluir que, em liberdade, se afastará da prática de crimes. Terá, em reclusão, de adquirir ferramentas e competências para refletir sobre os efeitos da sua conduta sobre os outros e sobre a sociedade em que se insere, se responsabilizar pelas suas condutas, interiorizar o dever-ser normativo e adquirir  hábitos de trabalho e de contribuição para a sociedade.

Improcede assim o recurso interposto neste segmento.

c- Do cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica:

Aqui chegados, há que ponderar, ainda, a requerida possibilidade de a referida pena ser cumprida em regime de permanência na habitação.

Escreve-se no Acórdão recorrido:

“De referir ainda que, em virtude de a pena fixada inicialmente ser superior a 2 anos, não é, salvo o devido respeito por entendimento diverso, de aplicar o regime previsto no artº 43º nº 1 do Cod. Penal, tanto mais que, ainda que assim não se entendesse, o mesmo sempre seria “in casu” inviável, e insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, porquanto o arguido tem residência habitual em Espanha, e, atentos os antecedentes criminais do mesmo naquele país; e, bem assim, a gravidade dos factos praticados, com carácter transfronteiriço”

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 43.º do CP:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º”

Ora, o legislador fixou como pressuposto formal da aplicação desta pena de substituição as situações acima elencadas, não tendo nelas incluído as situações de penas de prisão remanescente de 2 anos por força de perdão concedido por leis de clemência.

Se a intenção do legislador fosse a de o regime de permanência na habitação se aplicar a estas situações, seguramente o teria expressamente previsto em alínea a incluir no referido nº 1 do artigo 43º do C. Penal.

O benefício de um perdão (parcial de pena) não pode de facto, influir na espécie da pena (por exemplo na sua suspensão) nem na sua medida, sob pena de violação do caso julgado.

Na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia Dos Direitos do Homem, 2ª edição Actualizada, pg. 226, escreve que:

« o perdão ou o indulto parciais não podem modificar a natureza de uma pena, pelo que não pode ser suspensa uma pena de prisão superior a cinco anos, mesmo que o condenado venha a beneficiar posteriormente de um perdão ou indulto parciais que diminuísse a condenação para pena igual ou inferior a cinco anos ( acórdão do STJ de 12.12.2001 e de 27.4.1995, e André Leite, 2009 a: 615- Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Figueiredo Dias, volume II, Coimbra, Coimbra Editora)».

Já no âmbito da Lei de amnistia e perdão n.º 29/99, de 12 de Maio, se suscitou a questão da suspensão das penas de prisão superiores a 5 anos que, por força do perdão, foram reduzidas até 5 anos, limite que, nos termos do artigo 50.º do Código Penal admite a suspensão da pena, tendo sido entendimento quase unânime do STJ o de que: «a pena a ter em conta para decidir sobre a suspensão da sua execução é a pena efectivamente aplicada e não a pena residual resultante de aplicação de perdão» e que «a aplicação do perdão só pode ser decidida após escolha e fixação da medida da respectiva pena, pelo que a decisão sobre se deve ou não ser suspensa a execução da pena de prisão tem de ser proferida antes da aplicação do perdão, sendo que a eventual suspensão da execução de uma pena de prisão após aplicação de um perdão implicaria, no caso de condenação definitiva, a violação do caso julgado.» (Acórdão do STJ de 19-04-2006, Processo n.º 06P655, disponível em www.dgsi.pt).

Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência de forma, se não unânime, pelo menos maioritária: cfr., por todos, Acórdãos da RL de 07-05-2024 Processo: 863/17.0PBMTA.L2-5 Relator: Maria José Machado e de 09-04-2024, em que sou relatora, Processo:  206/22.1GASXL-B.L1-5, da RP de 4/5/2022, processo n.º 537/15.7TXPRT-K.P1, Relator: AMÉLIA CATARINO e  o Ac. do STJ de 19-04-2006, Processo n.º 06P655, Relator: OLIVEIRA MENDES, disponíveis em www.dgsi.pt.

Não se verificando pois o pressuposto formal de aplicação deste regime de execução da pena de prisão, que é a condenação em pena de prisão não superior a dois anos, como notou o Tribunal a quo no acórdão recorrido, improcede o recurso neste segmento.

V. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízas desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, em confirmar o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.

                                                           *

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].

Notifique.

*

                                                           *

                                                Coimbra,

(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Sara Reis Marques

     (Juíza Desembargadora Relatora)

                                        Sandra Ferreira

                                 (Juíza Desembargadora Adjunta)

                                        Maria da Conceição Miranda

                                  (Juíza Desembargadora Adjunta)

    


(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)