Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | CASO JULGADO ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO PEDIDO CÍVEL ACÇÃO PENAL DECISÃO ABSOLUTÓRIA | ||
Data do Acordão: | 02/08/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.493, 494, 497, 498, 671, 674-B CPC, 72, 84, 129 CPP, 483, 503 CC | ||
Sumário: | 1. O regime jurídico da formação do caso julgado sobre o pedido de indemnização civil em acção penal e o que regula a formação de caso julgado nas sentenças cíveis é o mesmo - transitada a decisão proferida em acção penal que julgou um pedido de indemnização, ocorre a excepção de caso julgado em posterior acção civil entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. 2. Tendo a demandada, nessa acção penal, sido absolvida do pedido cível, não pode, por obediência ao caso julgado, voltar a discutir-se, em posterior acção civil, idêntico pedido indemnizatório. 3. O art.º 674º-B, do CPC, define a eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal absolutória transitada em julgado, aplicando-se a acções de natureza civil não deduzidas/enxertadas em processo-crime (instauradas ao abrigo do regime previsto no art.º 72º, do CPP, perante o tribunal cível). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. F (…) e mulher S (…) intentaram, no Tribunal Judicial de Leiria, acção declarativa com processo ordinário contra Companhia de Seguros (…), S. A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 166 285 (cento e sessenta e seis mil duzentos e oitenta e cinco euros), alegando, em síntese: a) No dia 06.11.2002, na sequência de acidente de viação/atropelamento, faleceu a menor A (…), filha dos AA.. b) Os AA. apresentaram queixa-crime e foi instaurado processo penal que correu termos sob o n.° 1532/02.1TACBR, no qual veio a ser deduzido pedido de indemnização civil. c) Após julgamento, em 21.5.2007, proferiu-se sentença a condenar a Companhia de Seguros (...), S. A., seguradora do veículo interveniente (matrícula (...) CJ e demandada no pedido de indemnização civil, a pagar aos AA. parte da quantia peticionada, absolvendo-a do demais peticionado. d) Os AA. (na qualidade de Assistentes), a arguida e a demandada Companhia de Seguros interpuseram recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra. e) O Tribunal da Relação, em 28.5.2008, julgou procedente o recurso da arguida e, revogando a sentença, absolveu-a das infracções que lhe eram imputadas; consequentemente, absolveu a Companhia de Seguros (…), S. A., dos pedidos (cíveis)[1] contra ela formulados. f) Os AA., inconformados com aquela decisão, recorreram para o STJ mas viram rejeitado o recurso, por inadmissível.[2] g) No dia 02.11.2002, cerca das 15.10 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua Principal em Vale da Pedra, freguesia de Souto da Carpalhosa, concelho de Leiria, no qual intervieram o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula (...) CJ, pertencente a (…) e conduzido por (…) (por conta, no interesse e sob a direcção do seu proprietário), e o peão A (…). h) A condutora do veículo CJ circulava no sentido Casal Novo-Vale da Pedra, no meio da via (de traçado recto e com visibilidade superior a 50 metros), ocupando ambas as hemi-faixas de trânsito e a velocidade superior a 70 km/h, bem sabendo que circulava dentro de uma localidade e numa rua com habitações e comércio. i) O acidente apenas ocorreu devido à condução imperita, desatenta e negligente levada a cabo por parte da condutora da viatura CJ - tinha carta de condução há cerca de 3 meses, não respeitou a velocidade permitida por lei e circulava fora da sua faixa de rodagem -, encontrando-se então a menor A (…) a poucos centímetros da berma da hemi-faixa de rodagem da esquerda. j) Como consequência do embate, veio a menor a sofrer lesões traumáticas que foram causa directa e necessária da sua morte. k) A menor, nos 4 dias após o acidente, e até à sua morte, sofreu muitas dores. l) Para ressarcimento dos danos sofridos pela menor descritos em k) deverá ser atribuída aos AA. a quantia de € 15 000 (quinze mil euros), e, como indemnização por danos patrimoniais/lucros cessantes[3] e despesas diversas e a reparação dos demais danos não patrimoniais, as importâncias de, respectivamente, € 118 185, € 3 100 e € 30 000. Na contestação a demandada invocou, designadamente, a excepção dilatória de “caso julgado”, referindo, em síntese: no Processo Comum Singular n.° 1532/02.1TACBR os A.A. deduziram pedido de indemnização civil destinado a ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes da morte de sua filha, no montante de € 352 909; a causa de pedir, complexa, assentava no acidente de viação de que resultou o falecimento da menor e nos factos alegadamente ilícitos que haviam estado na sua origem, bem como nos factos que enquadravam os invocados danos; na presente acção os pressupostos repetem-se (os A.A. são os mesmos e a qualidade jurídica invocada - pais da menor falecida - é a mesma; o pedido, ainda que quantitativamente menor, é qualitativamente idêntico já que o efeito jurídico pretendido é o mesmo; é idêntica a causa de pedir - as duas acções assentam nos mesmos factos integradores do acidente de viação em causa e nos que se destinam a tipificar o dano); no pedido de indemnização civil deduzido nos autos-crime os A.A./aí demandantes civis, alegaram, designadamente, que o veículo circulava a uma velocidade de 70 km/h, no início da localidade existia um sinal vertical de limite de velocidade de 40 km/h, no pavimento ficaram marcas de travagem deixadas pelo veículo de 18,4 metros, a condutora seguia desatenta ao trânsito e com velocidade inadequada e não executou qualquer manobra de recurso quando podia tê-lo feito, a menor, até à sua morte, esteve internado e sofreu muitas dores, a menor era alegre e feliz e tinha um grande desenvolvimento físico, psíquico e intelectual para a sua idade; com base em tais factos os AA. peticionaram o “dano-morte”, o dano patrimonial de cada um dos demandantes e danos patrimoniais resultantes de despesas e ainda do que a menor auferiria durante o período da sua vida activa; estes factos foram repetidos na petição inicial (p. i.) da presente acção (art.ºs 30°, 35º, 38°, 40°, 49º, 51º, 62°, 76°, 80º, 83°, 86°, 87° e 91°); estão, pois, reunidos os pressupostos do “caso julgado” em relação à decisão proferida no âmbito do processo penal em confronto com a pretensão expressa na presente acção cível; consequentemente, a sentença proferida no pedido de indemnização civil formulado pelo A.A./demandantes civis nos aludidos autos de processo-crime constitui caso julgado material cujos efeitos se repercutem na presente acção, devendo a Ré ser absolvida da instância. Na réplica, os AA. concluíram pela improcedência da excepção e como na p. i.. No saneador, o tribunal recorrido, considerando o disposto nos art.ºs 493°, n.° 2, 494°, alínea i), 497°, n.° 1, 498° e 671° n.° 1, do CPC, julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pela Ré e, em consequência, absolveu-a da instância. Inconformados com o decidido, os AA. interpuseram recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - Os AA. apresentaram acção declarativa destinada à efectivação de responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, ao abrigo do disposto nos art.ºs 483° e 503°, n.º 1, do Código Civil (CC), e demais normas legais aplicáveis. 2ª - Absolvida a arguida do crime que lhe foi imputado, podem os AA. socorrer-se do processo civil, para perante a Ré Seguradora serem ressarcidos dos prejuízos sofridos pela morte de sua filha. 3ª - A condutora do veículo (segurado na Ré) que causou a morte da filha dos AA. conduzia por conta e no interesse do proprietário do veículo. 4ª - Estão reunidos os pressupostos da responsabilidade objectiva prevista no art.º 503°, n.º 1, do CC. 5ª - A responsabilidade do acidente é exclusivamente da condutora do veículo segurada na Ré - tinha carta de condução há cerca de 3 meses, não respeitou a velocidade permitida por lei e circulava fora da sua faixa de rodagem. 6ª - É sempre necessário apreciar a responsabilidade pelo risco - quem conduz um veículo automóvel pratica um acto perigoso e como tal está sob a alçada do art.º 344º, n.° 1, do CC (presunção legal de culpa/inversão do ónus da prova), existindo assim omissão de pronúncia na decisão recorrida. 7ª - No processo-crime não se apreciou a prova através deste procedimento, pelo que nada inviabiliza que nesta acção seja apreciada a culpa novamente e a Ré condenada no pedido ou na quantia que se vier a apurar, tendo em conta as normas legais que nessa data sejam aplicadas pelo Tribunal. 8ª - A sentença recorrida não indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efectiva situação, e o verdadeiro motivo do não prosseguimento da acção até julgamento. 9ª - A sentença recorrida violou os art.ºs 13°, 205°, 207° e 208° da Constituição da República Portuguesa, 497°, 505°, alíneas b), c) e d)[4] e 674º-B, do CPC e 344° e 487° do Código Civil, pelo que deverá ser revogada. A Ré contra-alegou sustentando a improcedência do recurso. Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil[5], na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8), coloca-se a questão de saber se o caso julgado formado pela decisão final do processo-crime, e que se estendeu ao pedido de indemnização cível aí deduzido, constitui verdadeira excepção dilatória invocável na subsequente acção cível em que se deduza idêntica pretensão indemnizatória. * II. 1. Os factos a considerar na decisão do recurso são os aludidos do relatório (ponto I) - sobretudo, o que se alega na p. i. -, para os quais se remete, e ainda os seguintes: a) No pedido de indemnização civil deduzido no processo-crime n.° 1532/02.1TACBR contra a Companhia de Seguros (…), S. A., os AA. aduziram os mesmos factos relativos ao sinistro (cf., designadamente, art.ºs 1º, 2º, 6º, 8º e segs., 19º, 20º e 23º do documento de fls. 165) e aos danos sobrevindos (cf., v. g., art.ºs 7º, 31º, 39º e segs., 44º, 46º e 48º do mesmo documento), formulando, contudo, um pedido global de € 352 909.[6] b) Na sentença dita em I. c), supra, foi decidido condenar a arguida como autora material de um crime de homicídio por negligência (art.º 137º, n.º 1, do CP), na pena de um ano de prisão cuja execução ficou suspensa. c) No acórdão desta Relação dito em I. e), supra, transitado em julgado[7], foi definitivamente fixada a matéria de facto - expurgada de algumas aparentes contradições e conclusões, e integrada com factos provados (…) consignados (…) na (…) fundamentação da convicção - (cf. documento de fls. 100/fls. 130 e seguintes), e, relativamente à dinâmica do acidente para decidir a questão da culpa na sua produção, concluiu-se inequivocamente que a infeliz criança foi a exclusiva culpada pela produção do acidente que a vitimou e que a arguida em nada contribuiu culposamente para o acidente – a culpa do acidente tem de ser imputada exclusivamente à malograda criança pela forma imprevidente como atravessou a estrada (cf. fls. 138, 140 e 142). 2. Assentes os factos, cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se relativamente simples a decisão a dar ao presente caso, em razão da clareza das disposições legais aplicáveis e do não menos evidente quadro fáctico[8]. A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art.º 84, do Código de Processo Penal). A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil (art.º 129º, do Código Penal, na redacção conferida pelo DL n.º 48/95, de 15.3, e mantida nas subsequentes alterações legislativas).[9] A excepção do caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa (depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário) (art.º 497°, n.° l), repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 498°, n.° l). A excepção de caso julgado consiste assim na alegação de que a acção proposta já está decidida por sentença com trânsito em julgado – a causa é a repetição de outra anterior, já arrumada por sentença transitada em julgado. Suscitada a excepção, o tribunal tem de verificar se procede, isto é, se existe realmente sentença com trânsito em julgado proferida sobre o mérito da causa anterior perfeitamente idêntica àquela em que a excepção se deduz e, se apurada a existência de caso julgado (material ou substancial, i. é, que projecta a sua força e os seus efeitos para fora do processo em que foi proferido - art.º 671º, n.º 1[10]), o juiz deverá emitir este juízo ou proferir este julgamento: o litígio já está decidido por sentença que sou obrigado a respeitar, visto haver transitado em julgado; em homenagem a essa sentença, atenta a força e autoridade de que ela goza, abstenho-me de apreciar de novo o mérito da causa.[11] O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito (…) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo - identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo) (…) - entende a lei que a definição dada pela sentença à situação ou relação material ´sub judice´ seja respeitada para todos os efeitos em qualquer novo processo (…)[12]. A dita excepção tem por finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.º 497º, n.º 2). Para esclarecer o n.° l do art.º 498°, refere-se, nos n.ºs seguintes da mesma disposição legal, que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2), há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3) e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (n.º 4 – 1ª parte). 3. Vistos os autos, é por demais evidente a verificação no caso em análise desta tríplice identidade, pois dúvidas não restam de que as partes são as mesmas, o pedido apenas foi reduzido nas suas diversas parcelas [diminuiu a quantidade ou o montante reclamado, mantendo-se inalterados a estrutura, a qualidade/conteúdo e o objecto do meio de tutela jurisdicional pretendido pelos AA., não se beliscando o efeito jurídico pretendido alcançar e respectivo fundamento][13] e os factos em que os AA. radicam ou pretendem ter derivado o direito a tutelar são os mesmos [o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido é o mesmo – o acidente de viação, consideradas, designadamente, as concretas circunstâncias de igual forma descritas e com as mesmas consequências danosas, sendo que é também o mesmo o enquadramento traçado em termos de imputação e/ou responsabilidade pela sua produção ou de criação do risco[14]]. A pretensão deduzida na presente acção procede do mesmo facto jurídico invocado na primeira acção/acção cível enxertada na acção penal/pedido de indemnização civil (art.º 498º, n.º 4); ao litigarem, as partes tiveram em vista o mesmo efeito concreto, que na primeira acção ficou definido por decisão transitada em julgado. Transitada a decisão proferida em acção penal que julgou um pedido de indemnização, ocorre a excepção de caso julgado em posterior acção civil entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.[15] A decisão penal que conhece do pedido civil fica a constituir caso julgado nos mesmos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis, quer essa decisão seja condenatória, quer seja absolutória (art.º 84º, do CPP), aplicando-se, portanto, as normas da lei civil, substantiva e adjectiva (art.º 129º, do CP). A decisão penal sobre o pedido civil faz caso julgado nos termos da lei processual civil, isto é, nos termos dos artigos 498° e 671° do Cód. de Proc. Civil[16] - o julgamento do pedido civil constitui caso julgado material, que valerá com os limites objectivos e subjectivos que decorrem do Código de Processo Civil -, o que bem se compreende já que o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente[17]. 4. No caso vertente ficou definido, por acórdão da Relação transitado em julgado, que o acidente ocorreu por “culpa” do lesado ou, melhor, que o acidente foi devido à actuação do lesado [cf. II. 1. alínea c), supra], e, daí, a total improcedência dos pedidos cíveis deduzidos na acção penal. Por conseguinte, não seria possível considerar a mesma pretensão indemnizatória no âmbito da responsabilidade pelo risco (nos termos do art.º 503º n.º 1, do CC), de resto, também já invocada pelos AA. na primeira acção cível - não havendo culpa da condutora do veículo e sendo o acidente imputável a facto da vítima, aquela [ou a seguradora - havendo transferência da responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação da viatura] não responderá.[18] E se porventura se admitisse o concurso da “culpa” da vítima com o “risco” próprio do veículo, tendo-se concluído no citado acórdão desta Relação de 28.5.2008 que o acidente foi devido unicamente ao próprio lesado, não seria possível afirmar a responsabilidade objectiva do detentor do veículo (art.º 505°, do CC)[19]. Pelo que, independentemente das consequências decorrentes do “caso julgado”, também por esta via nenhuma razão assistiria aos recorrentes. 5. Para sustentar a inexistência de caso julgado, os AA. invocam o disposto no art.º 674°-B, n.° 1, que estabelece: a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. Esta disposição legal trata tão-somente da eficácia da decisão penal absolutória em acções de natureza civil que venham a ser intentadas, mas, partindo do princípio que as questões nestas discutidas não tenham sido resolvidas no processo penal por força dos princípios da suficiência e adesão previstos no art.º 71°, do CPP, e que determinam que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado em determinados casos (art.º 72º, do CPP).[20] O que aí se define é a eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal absolutória transitada em julgado[21], estabelecendo-se uma presunção ilidível da inexistência dos factos imputados ao arguido, invocável em relação a terceiros – isto é, em relação aos sujeitos no processo penal – em qualquer acção de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção[22]. Contudo, o âmbito da aplicação do art.º 674°-B pressupõe acções de natureza civil que não tenham sido deduzidas no próprio processo-crime, acções instauradas ao abrigo do regime previsto no art.º 72º CPP, em separado, perante o tribunal cível – só nesses casos haverá eventualmente lugar à aplicação do que vem disposto no art.º 674º-B –, o que, como é óbvio, não ocorre na situação sub judice. 6. No caso em apreço, como bem se refere no despacho recorrido, a questão civil suscitada neste acção já foi decidida, em definitivo, na acção penal, em desfavor dos AA.. Transitada a decisão proferida em acção penal que julgou um pedido de indemnização, ocorre a excepção de caso julgado em posterior acção civil entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir - não pode, por obediência ao caso julgado, voltar a discutir-se, em posterior acção civil, idêntico pedido indemnizatório, pelo que a demandada devia ser, como foi, absolvida da instância (art.ºs 288º, n.º 1, alínea e); 494º, alínea i) e 493º, n.º 2). Importa também dizer, ao contrário do sustentado na alegação de recurso, que o despacho recorrido encontra-se devidamente fundamentado e indicou adequadamente o sentido e a razão de ser da decisão, pelo que é totalmente insubsistente a alegada (e não fundamentada…) violação de normas da nossa Lei Fundamental [art.ºs 13º (?), 205º, 207º e 208º (?), da CRP] ou de quaisquer outras. Assim, preenchidos os requisitos da excepção dilatória do caso julgado [art.º 494º, alínea i)] e dada a total insubsistência do demais arrazoado, soçobram todas as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o saneador-sentença recorrido. Custas pelos AA., sem prejuízo do benefício que lhes foi concedido (fls. 292 e 295). *
Carlos Querido Pedro Martins
[10] Preceitua-se no n.º 1: “Transitada em julgado a sentença (...) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (…)”. [13] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 20.6.1984 e da RL de 28.01.2010-processo 3615/08.5TBALM.L1-6, in BMJ, 338º, 347 e “site” da dgsi, respectivamente. [16] Vide, entre outros, Maia Gonçalves, CPP Anotado, 14ª edição, 2004, Almedina, pág. 222 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 3ª edição, pág. 85. Relativamente aos sucessivos enquadramentos normativos que precederam o regime consagrado no art.º 84º,do CPP, cf. o citado acórdão do STJ de 24.02.2010. [21] A respeito dos art.ºs 674º-A (“Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória”) e 674º-B (“Eficácia da decisão penal absolutória”) diz-se no preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12: “No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se todavia o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria”. |