Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/24.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
CUMPRIMENTO PELO GARANTE HIPOTECÁRIO
SÓCIOS DA SOCIEDADE MUTUÁRIA
INSOLVÊNCIA DA MUTUÁRIA
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 473.º E 474.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa, prevista no artº 473 do C.C., é residual e obriga à verificação cumulativa de três requisitos:
a) que haja um enriquecimento traduzido num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança de despesas, ou pelo uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio.
b) que o enriquecimento careça de causa justificativa ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido
c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, não existindo entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro acto jurídico.

II – Tendo o garante hipotecário de um mútuo concedido a uma sociedade, procedido ao pagamento deste mútuo a fim de obter a extinção da garantia com o consequente levantamento dos ónus incidentes sobre os imóveis hipotecados, não lhe assiste o direito de peticionar dos sócios da sociedade mutuária, entretanto declarada insolvente, a restituição do montante pago, ainda que estes tenham avalizado uma livrança subscrita pela mutuária, pela inexistência dos requisitos exigidos pelo artº 473 do CCiv..


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: ***

Proc. Nº 17/24.0T8CTB.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco Juízo Central Cível de Castelo Branco - Juiz ....

Recorrentes: AA

                BB

Recorrida: CC

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira

                                         Luís Miguel Caldas


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO

AA e BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que esta seja condenada a restituir aos Autores a quantia de € 65.487,08, correspondente a metade do valor global pelos mesmos liquidado, acrescida de juros de mora contados desde a data da interpelação da Ré até integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que mediante contrato celebrado no dia 4 de janeiro de 2017, a Banco 1..., SA concedeu à sociedade comercial denominada A..., L.da., representada no acto pelos seus sócios e gerentes, entre os quais a R., um empréstimo no valor de € 175.000,00. Nesse contrato, a R. e o outro sócio, filho dos AA., constituíram-se avalistas da sociedade, mediante a entrega de uma livrança em branco e os AA. constituíram hipoteca sobre seis imóveis como garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade mutuária.

Alegam, ainda, que tendo a sociedade mutuária entrado em incumprimento e por forma a evitar que o seu património, dado em garantia, pudesse responder pela dívida, em 17.11.2022 liquidaram antecipadamente o empréstimo desembolsando da sua conta pessoal o valor total de 130.974,28.

Por último, alegam que a sociedade foi declarada insolvente pelo que lhes assiste o direito de exigir da Ré, na qualidade de codevedora e ao abrigo do disposto no artº 524 do C.C., a restituição de metade da quantia por si paga para liquidar o empréstimo contraído pela mutuária, uma vez que apesar da expressão “por aval” não foi este usado no seu sentido literal, mas sim com o significado equivalente ao de uma garantia pessoal como a fiança.

Subsidiariamente formulam o pedido de restituição deste montante com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa a que alude o artigo 473º do Código Civil, por entenderem que os sócios com o pagamento do crédito, diminuíram o seu passivo, ficando desonerados da obrigação creditícia da qual, por aval, se responsabilizaram.


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Citada, veio a R. deduzir contestação, na qual, para o que ao caso importa, alegou que ainda que os AA. tenham efectuado o pagamento do mútuo contraído pela sociedade, tal facto apenas os constitui credores da sociedade, não tendo a virtualidade de os sub-rogar em quaisquer direitos que eventualmente possam ter assistido ao credor originário, nem os AA. reclamaram qualquer crédito no âmbito da ação de insolvência referente à devedora A..., Lda.

Por outro lado, sustenta ainda, não viu o seu passivo diminuído uma vez que não era devedora de qualquer quantia, sendo devedora a mutuária, pelo que não se encontram verificados os pressupostos de que dependeria a condenação da R., no pagamento de qualquer quantia, com fundamento no invocado enriquecimento sem causa.


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Dispensada a audiência prévia foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

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Após, realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção improcedente.

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Não conformada com esta decisão, vieram os AA. interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

(…).


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A R. veio apresentar contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

(…).


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Pela ora Relatora foi proferido despacho no sentido de nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso, sendo improcedente a peticionada rejeição liminar do recurso.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, a questão a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consiste em apurar:

a) Se da matéria apurada resultam verificados os requisitos do enriquecimento sem causa, devendo a R. restituir aos AA. aquilo com que se enriqueceu.
 


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

Factos provados

Tendo-se procedido à realização da audiência final, e após apreciação de toda a prova produzida nos autos, resultaram provados os seguintes factos:

1. Mediante escrito intitulado Mútuo com Hipoteca e Pacto de Preenchimento de Livrança, datado de 4 de janeiro de 2017, o representante da Banco 1..., SA, na qualidade de Credora, a Ré e DD, na qualidade de únicos sócios e únicos gerentes, em representação da sociedade comercial denominada A..., L.da, e os Autores, na qualidade de hipotecantes, declararam, perante Notário, para além do mais, o seguinte:

E os mencionados segundos outorgantes intervêm ainda neste contrato por si ou em seu nome, como avalistas, no tocante ao pacto de preenchimento da livrança que adiante vai ser referida.

Pelos comparecentes foi dito:

Que, pelo presente instrumento a Banco 1..., S.A. concede à representada dos segundos outorgantes “A..., L.da”, um empréstimo sob a forma de mútuo, no montante de cento e setenta e cinco mil euros, importância de que estes a confessam desde já devedora. Este mútuo reger-se-á pelas cláusulas constantes do presente instrumento, bem como pelas cláusulas constantes do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que as partes reciprocamente aceitam.

- Que a B..., S.A., adiante designada abreviadamente por B..., (…), presta em nome e a pedido da sociedade “A..., L.da”, garantia autónoma número dois mil e dezasseis barra zero um quatro três quatro (2016.01434), a favor da Banco 1..., à primeira solicitação, para garantia das obrigações pecuniárias decorrentes deste empréstimo sob a forma de mútuo, até ao montante máximo, em capital, de cento e vinte e dois mil e quinhentos euros.

Que pelo presente instrumento, os terceiros outorgantes, em seu nome pessoal e para garantia das obrigações pecuniárias assumidas e ou a assumir pela sociedade “A..., L.da”, emergentes deste contrato de empréstimo, sob a forma de mútuo, celebrado com a Banco 1..., S.A., bem como da garantia autónoma prestada a favor da Banco 1... pela B..., S.A., nos valores, respetivamente, de cinquenta e dois mil e quinhentos euros e de cento e vinte e dois mil e quinhentos euros, constituem hipoteca, a favor das duas entidades, sendo quanto à B..., de forma unilateral, em paridade e na proporção dos respetivos créditos, sobre os seguintes bens, todos da freguesia ... e ..., concelho ..., com todas as suas pertenças e benfeitorias presentes e futuras:

- Imóveis pertencentes aos terceiros outorgantes:

a) Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense de regadio, cultura arvense, pomar de macieiras, pomar de cerejeiras, pomar de citrinos, olival, mato, pastagem, vinha e uma instalação agrícola, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...47º (correspondente ao artigo ...51º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de cento e cinquenta mil euros;

b) Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense e vinha, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...55º (correspondente ao artigo ...59º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de vinte mil euros;

c) Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense e olival, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...09º (correspondente ao artigo ...31º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de vinte mil euros;

d) Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense de regadio, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...44º (correspondente ao artigo ...47º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de dez mil euros;

- Imóveis pertencentes à terceira outorgante BB:

e) Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense de regadio, cultura arvense, vinha, pinhal, pastagem e olival, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...42º (correspondente ao artigo ...45º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de trinta mil euros; e

f) Prédio rústico, composto por cultura arvense, regadio e olival, sito no lugar ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o número ..., de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...45º (correspondente ao artigo ...49º da extinta freguesia ...) e com o valor atribuído de quinze mil euros.

O terceiro outorgante AA presta desde já o seu consentimento à hipoteca dos bens imóveis próprios de seu cônjuge. (…).

Esta hipoteca destina-se a garantir as seguintes obrigações:

A) Obrigações garantidas à Banco 1...:

Parte do capital deste empréstimo, concedido à sociedade “A..., L.da”, tão somente até ao montante de cinquenta e dois mil e quinhentos euros;

- respetivos juros, fixados, para efeitos de registo, à taxa anual de onze vírgula quarenta e cinco por cento, acrescida de uma sobretaxa até três por cento ao ano, em caso de mora, que se fixam no montante de vinte e dois mil setecentos e cinquenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos (€ 22.758,75);

- comissões, despesas, outros encargos e respetivos juros de mora, que em conjunto e para efeitos de registo se fixam em dois mil e cem euros;

O montante máximo de capital e acessórios garantido à Banco 1..., S.A., é de setenta e sete mil trezentos e cinquenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos;

B) Obrigações garantidas à B..., S.A.:

Quantias, que a SGM venha a pagar à Banco 1..., por força da garantia autónoma, com o número dois mil e dezasseis barra zero um quatro três quatro, à primeira solicitação até ao montante máximo, em capital, de cento e vinte e dois mil e quinhentos euros, a prestar pela B..., a favor da Banco 1... e em nome e a pedido da sociedade “A..., L.da”, para garantia do contrato de empréstimo, celebrado simultaneamente neste ato;

- juros moratórios relativos a três anos, sobre o referido montante, contabilizados à taxa legal de sete por cento ao ano, em caso de mora, que se fixam no montante de vinte e cinco mil setecentos e vinte e cinco euros (€ 25.725,00);

- despesas judiciais e/ou extrajudiciais, que a SGM haja de fazer para cobrança ou segurança de seu crédito, nomeadamente os montantes despendidos em Juízo, seja qual for a natureza do processo a que recorra com vista a manter, assegurar ou haver o capital e/ou juros a que tenha direito e que se encontrem garantidos pela presente hipoteca, incluindo honorários de advogados, solicitadores ou outros mandatários, bem como quaisquer outras despesas que se venham a tornar necessárias a este fim, as quais, para efeitos de registo se fixam em quatro mil e novecentos euros;

- O montante máximo de capital e acessórios garantido à B... é de cento e cinquenta e três mil cento e vinte e cinco euros;

O montante global máximo garantido pela hipoteca, incluído capital, juros e acessórios, é de duzentos e trinta mil quatrocentos e oitenta e três euros e setenta e cinco cêntimos.

A presente hipoteca poderá ser executada em caso de incumprimento de qualquer das obrigações que garante, é feita por tempo indeterminado, subsistirá enquanto se mantiver qualquer das responsabilidades que assegura, e abrange, além do mais, todas as construções e benfeitorias que existam à data do presente instrumento e as que, de futuro, venham a existir nos referidos imóveis, obrigando-se os hipotecantes a requerer e promover os respetivos averbamentos na Conservatória do Registo Predial competente, ou não o fazendo, desde já autoriza a Banco 1... e a B... a requerê-los, caso em que os correspondentes recibos ficarão a constituir elementos referidos a este Instrumento para efeitos de exequibilidade. (…).Que a presente hipoteca subsistirá enquanto a Banco 1... e a B... não se encontrarem integralmente pagos das obrigações garantidas.

Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste empréstimo, a Parte Devedora entrega à Banco 1..., neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, por si subscrita e avalizada por CC e DD; aquela e estes autorizam desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela Parte Devedora das obrigações assumidas, a Banco 1... decida preencher a livrança;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;

c) A Banco 1... poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.

No caso de cessão, parcial ou total, dos créditos emergentes para a Banco 1... do presente contrato, poderá esta entregar a livrança ao cessionário do crédito, podendo o mesmo preenchê-la nos termos constantes da presente cláusula.

A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias. (…).”.

2. Em conformidade com o acordado, foi entregue uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela mutuária A..., L.da e avalizada pela Ré e pelo seu sócio DD, a preencher pela Banco 1..., SA em caso de incumprimento.

3. Do documento complementar mencionado no contrato a que se alude em 1. consta, para além do mais, o seguinte:

1. Finalidade: O empréstimo destina-se a apoio ao investimento.

2. Montante: até ao montante de cento e setenta e cinco mil euros.

3. Prazos: O presente contrato obedecerá aos seguintes prazos:

a) Prazo de diferimento (período em que não há lugar a amortizações do capital, vencendo-se apenas juros e outros encargos): quarenta e oito meses, a contar desta data.

b) Prazo de amortização (período em que haverá lugar à cobrança de prestações de capital e de juros e outros encargos): setenta e dois meses, a contar do termo do prazo de diferimento.

c) Prazo global: cento e vinte meses, a contar desta data. (…).

11.2- No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a Banco 1... autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da Parte Devedora e ou dos Avalistas, de que a Banco 1... seja depositária, para o que os mesmos Avalistas dão também e desde já o respetivo acordo e autorização de movimentação, sempre com salvaguarda e na medida em que não sejam afetados direitos de terceiros, contitulares de tais contas que não sejam parte no presente contrato. (…).

18. Incumprimento/Exigibilidade antecipada:

18.1- A Banco 1... poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela Parte Devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;

b) Incumprimento, pela Parte Devedora ou pelos Avalistas, de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Banco 1... ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;

c) Incumprimento pela Parte Devedora de qualquer obrigação emergente do contrato para prestação de garantia celebrado com a B...;

d) Tendo a Banco 1... consentido na constituição de contragarantias a favor da B..., as mesmas não sejam constituídas igualmente a favor da Banco 1..., em paridade e na proporção dos seus créditos;

e) Alienação ou oneração pela Parte Devedora, sem consentimento da Banco 1..., de quaisquer bens imóveis que integrem ou venham a integrar o seu património;

f) Propositura contra a Parte Devedora e/ou contra os Avalistas de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;

g) Insolvência da Parte Devedora e/ou dos Avalistas, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito;

h) A alteração da atual estrutura acionista sem o consentimento prévio e por escrito da Banco 1...;

i) Verificação de qualquer evento, situação, facto ou ocorrência mencionadas nas alíneas b) e c) da Cláusula 15ª supra ou na comunicação aí referida.

18.2- Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior da presente cláusula, a Banco 1... fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da Parte Devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados. (…).

22. Garantia Autónoma:

Este financiamento está garantido por hipoteca constituída no instrumento notarial de que este documento faz parte integrante e quanto a setenta por cento pela garantia autónoma prestada, nesta data, pela B..., S.A., nesta data, à primeira solicitação com o número dois mil e dezasseis barra zero um quatro três quatro.

23. Confissão de Dívida:

A Parte Devedora confessa-se devedora da quantia mutuada através deste contrato, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos. (…).”.

4. A sociedade comercial denominada A..., L.da, com sede na Rua ..., ..., titular do NIPC ...69, foi constituída no dia 25 de março de 2014 e tem por objeto a produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas em Portugal e no estrangeiro. Comércio eletrónico e venda direta por catálogo em Portugal e no estrangeiro. Representações comerciais nacionais e internacionais de produtos agrícolas e derivados. Comércio por grosso, a retalho e bancas móveis de produtos agrícolas e derivados em Portugal e estrangeiro.

 

5. O capital social da sociedade comercial denominada A..., L.da, no valor de € 5.000,00, encontra-se dividido em duas quotas, uma delas no valor de € 2.550,00, titulada pela Ré CC, e a outra no valor de € 2.450,00, titulada por DD.

6. A gerência da sociedade comercial denominada A..., L.da foi atribuída aos dois sócios, obrigando-se a sociedade com a intervenção conjunta dos dois gerentes.

7. O sócio e gerente da sociedade comercial identificada em 4., DD, nasceu no dia ../../1968 e é filho dos Autores.

8. Quando constituíram a sociedade comercial identificada em 4. a Ré e o seu sócio DD mantinham uma relação afetiva.

9. A Ré e o seu sócio DD constituíram a sociedade comercial identificada em 4. para desenvolver um projeto direcionado para a exploração agrícola, no âmbito do qual a Ré, por ter menos de 40 anos de idade, beneficiou dos fundos destinados a Jovens Agricultores.

10. Mediante escrito intitulado Contrato de Comodato de Prédios Rústicos e Urbano, datado de 4 de abril de 2014, os Autores, na qualidade de Primeiros Outorgantes, e a sociedade comercial denominada A..., L.da, representada pela Ré e pelo seu sócio DD, na qualidade de Segunda Outorgante, acordaram o seguinte:

O Primeiro Outorgante é dono e legítimo possuidor dos seguintes prédios rústicos e urbano na União de Freguesias ... e ..., concelho ...:

1. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...42 com a área total de 3,1 ha;

2. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...44 com a área total de 8850 m2

3. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...45 com a área total de 1,44 ha

4. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...47 com a área total de 15 ha;

5. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...55 com a área total de 2,8 ha

6. Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...09 com a área total de 2,2 ha

7. Prédio Urbano inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...47, localizado no ... – União de Freguesias ... e ..., situado no prédio rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...47 referido no ponto 4.

Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante cede em Comodato ao Segundo Outorgante os referidos prédios, para este os usar e fruir gratuitamente.

O Comodato é feito pelo prazo de 20 anos obrigando-se o Segundo Outorgante a restituir ao Primeiro os bens em bom estado de conservação logo que decorrido tal lapso de tempo.

O Segundo Outorgante obriga-se nos termos do Artigo 1135º do Código Civil e responderá civilmente caso não cumpra aqueles deveres, indemnizando a proprietária por eventuais prejuízos causados nos prédios.

O Primeiro Outorgante autoriza desde já o Segundo Outorgante a substituir quaisquer árvores, plantando ou transplantando as que julgar convenientes, proceder à limpeza, sorriba e nivelamento de terras, implementando sistemas de rega, podendo fazer tudo o que achar conveniente com vista à plantação de modernos pomares com as espécies que desejar.

O Comodato abrange Prédio Urbano inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...47 constante no Prédio Rústico inscrito nas Finanças com o Artigo Matricial ...47, podendo o Segundo Outorgante efetuar obras no mesmo, sem autorização escrita dos proprietários, para fins relacionados com a exploração agrícola.

O Primeiro Outorgante autoriza o Segundo Outorgante a que proceda a pedidos de licenciamento camarário para a construção de instalações de apoio agrícola, assim como aumento ou benfeitorias em instalações existentes.

Em caso de omissão regularão as disposições supletivas em vigor.”.

11. A relação amorosa que a Ré mantinha com o seu sócio DD terminou durante o ano de 2017.

12. A partir dessa altura a Ré nunca mais se deslocou às propriedades identificadas em 10..

13. O filho dos Autores, DD, é enfermeiro.

14. Era o filho dos Autores, DD, que, mensalmente, liquidava todas as faturas, contactava os fornecedores e os clientes da sociedade comercial

denominada A..., L.da, pagava os impostos pela mesma devidos e organizava a respetiva contabilidade.

15. No âmbito da ação de insolvência da sociedade comercial denominada A..., L.da, o Ex.mo Senhor Administrador da Insolvência reconheceu ao sócio DD um crédito subordinado no valor de € 146.900,00, a título de suprimentos.

16. Mediante carta datada de 1 de agosto de 2022, a Ré, por intermédio da sua Ilustre Mandatária, comunicou ao seu sócio DD o seguinte:

Pela m/constituinte supra referenciada fui incumbida de, por esta via, v/transmitir que pela mesma fui mandatada para a representar em todos os assuntos relacionados com a firma supra em epígrafe, da qual é sócia maioritária.

Assim pediu-me a mesma que v/transmitisse desde já, que não é sua intenção objetar a qualquer tipo de negócio e/ou contrato de cedência de terrenos que façam parte do projeto agrícola que a firma levou a cabo e do qual a m/cliente é Promotora. Antes pelo contrário; a m/cliente pretende colaborar e permitir a realização de qualquer negócio, desde que isso, obviamente, não ponha em causa a sua responsabilidade enquanto sócia da firma e promotora do projeto em causa.

Pretende, contudo, a m/cliente resolver também a sua situação na firma, estando na disposição quer de ceder a sua quota, quer de adquirir a v/, por um preço justo e exequível.

Estou, portanto, em crer que haverá toda a conveniência em marcarmos uma reunião para falarmos acerca destes assuntos, ou, caso assim o prefira e/ou lhe seja mais conveniente, m/informe sobre a identidade do v/advogado para poder entrar em contacto com o m/Colega. (…).”.

17. DD, na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial denominada A..., L.da, dirigiu ao Juízo de Comércio ... um pedido de declaração da insolvência da mesma, fazendo-o acompanhar de procuração forense emitida no dia 8 de setembro de 2022 a favor dos Ilustres Mandatários constituídos pelos Autores na presente ação declarativa.

18. DD não auscultou a Ré, nem lhe deu conhecimento da apresentação do pedido de declaração da insolvência da sociedade comercial denominada A..., L.da a que se alude em 17.

19. Mediante carta datada de 14 de setembro de 2022, a Ré, por intermédio da sua Ilustre Mandatária, comunicou ao seu sócio DD o seguinte:

Na sequência dos últimos contactos telefónicos que teve com a m/constituinte supra referenciada fui incumbida de, por esta via, v/transmitir e reiterar que a mesma pretende ceder-lhe a s/quota na firma com a maior brevidade possível.

Assim, e pese embora fique muito aquém daquilo que a mesma considera justo e razoável, estabeleceu a mesma o preço de € 60.000,00, para a cedência da sua quota que corresponde a 51% do capital social da firma.

Mais me pediu a mesma para lhe transmitir que a forma e meio de pagamento deste valor são negociáveis, assim como a validade desta proposta termina no próximo dia 30 de setembro, pelas razões óbvias que são do v/conhecimento pessoal. Mais informo que tenho um interessado comprador pela minha quota pelo que, findo o supra aludido prazo, me considero completamente liberada para negociar a alienação da mesma. (…).”.

20. Mediante carta datada de 11 de outubro de 2022, a Banco 1..., SA comunicou à sociedade comercial denominada A..., SA que, por referência ao contrato de mútuo a que se alude em 1., não foi possível cobrar a prestação n.º 69, vencida no dia 4 de outubro de 2022, no valor de € 1.963,01, a que acresce o montante de € 78,52 a título de comissões e o montante de € 3,43 a título de juros de mora correspondentes a sete dias de incumprimento.

21. Mediante carta datada de 10 de novembro de 2022, a Banco 1..., SA comunicou à sociedade comercial denominada A..., SA que, por referência ao contrato de mútuo a que se alude em 1., se encontrava em dívida o valor global de € 5.445,79, correspondente a duas prestações e juros.

22. Mediante cartas datadas de 10 de novembro de 2022, a Banco 1..., SA comunicou também aos sócios DD e CC que, por referência ao contrato de mútuo a que se alude em 1., se encontrava em dívida o valor global de € 5.445,79, correspondente a duas prestações e juros.

23. O Autor AA nasceu no dia ../../1936.

24. A Autora BB nasceu no dia ../../1940.

25. Os Autores foram informados pelo seu filho DD do incumprimento do contrato de mútuo a que se alude em 1..

26. No dia 17 de novembro de 2022, para evitar que o seu património, dado em garantia, pudesse responder pela dívida à Banco 1..., SA, os Autores liquidaram antecipadamente o empréstimo, desembolsando o montante de € 130.974,17 que se encontrava depositado na conta de que são cotitulares.

27. Os Autores sabiam que a sociedade comercial denominada A..., L.da não tinha solvabilidade para recuperar, por não desenvolver qualquer atividade.

28. Por despacho proferido a 28 de novembro de 2022, o requerimento de declaração da insolvência da sociedade comercial denominada A..., L.da a que se alude em 17. foi liminarmente indeferido.

29. A insolvência da sociedade comercial denominada A..., L.da foi requerida pela credora C..., SA e declarada por sentença proferida pelo Juízo de Comércio ... no dia 2 de janeiro de 2023, no âmbito da ação de insolvência n.º 901/22.....

30. Nessa sentença refere-se, para além do mais, o seguinte:

Citada pessoalmente, a requerida, por requerimento de 29-12-2022, veio confessar a sua situação de insolvência.

Atenta a sua confissão e uma vez que não alega factos que permitam concluir pela sua solvência, nem junta escrituração que a comprove, haverá que, nos termos do art. 30º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, julgar-se confessado o pedido.”.

31. O requerimento datado de 29 de dezembro de 2022 a que se alude em 30. foi apresentado pela sociedade comercial denominada A..., L.da, representada pelo sócio-gerente DD.

32. O Ex.mo Senhor Administrador da Insolvência nomeado no âmbito da ação de insolvência identificada em 29. reconheceu créditos no valor global de € 205.847,78.

33. Para além do crédito a que se alude em 15., foram reconhecidos, pelo Ex.mo Senhor Administrador da Insolvência, um crédito subordinado no valor de € 24.550,00, referente a suprimentos prestados pela Ré, créditos privilegiados no valor global de € 19.790,52 e créditos comuns no valor global de € 14.607,26.

34. Da liquidação realizada no âmbito da ação de insolvência identificada em 29. resultaram receitas no valor global de € 66.396,47.

35. Os Autores não reclamaram qualquer crédito no âmbito da ação de insolvência identificada em 29..

36. Mediante carta datada de 9 de outubro de 2023, os Autores, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, comunicaram à Ré o seguinte:

1. Em 04.01.2017, foi celebrado o contrato de Empréstimo n.º ...1, no qual intervieram a Banco 1... na qualidade de Mutuante, a sociedade A... Ld.ª como Mutuária, os Nossos Clientes como Hipotecantes, e V.ª Ex.ª, juntamente com o Sr. DD, intervieram na qualidade de Fiadores e Avalistas, dando ambos o seu expresso aval à obrigação conjunta ali assumida.

2. Por força da perda de capacidade económica da sociedade mutuária, e da posterior declaração de insolvência, o referido contrato de empréstimo foi incumprido e os Nossos Constituintes, na qualidade de Hipotecantes, procederam em 17.11.2022 à liquidação antecipada do crédito, tendo desembolsado o valor de 130.974,17€ […], (…).

3. Considerando o aval pessoal prestado no contrato, e considerando que a obrigação não foi cumprida pela sociedade mutuária, V.ª Ex.ª é devedora originária da obrigação, e como tal metade do valor desembolsado pelos Nossos Clientes é da sua responsabilidade, sendo o remanescente da responsabilidade do outro Co-Fiador/Avalista.

Face ao supra exposto, pela presente missiva concede-se um prazo de 20 dias para pagamento aos Nossos Constituintes do valor de 65.487,08€ […], correspondente a metade do valor total pago. (…).

Ultrapassado o referido prazo, sem que se verifique o pagamento, de imediato será proposta ação judicial, com acréscimo de juros, custas e encargos, o que pretendemos evitar. (…).”.

37. O sócio DD é filho único dos Autores.

38. A sociedade comercial denominada D..., SA, com sede na Rua ..., ..., EE, titular do NIPC ...90, foi constituída no dia 18 de maio de 2004 e tem por objeto a compra, venda e permuta de bens imóveis rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim. Comercialização de equipamentos de produção de energia renováveis e atividade turística e agrícola.

39. No dia 18 de maio de 2004 a Ré foi nomeada administradora única da sociedade comercial identificada em 38., ocupando esse cargo até hoje.

40. A Ré desenvolve a sua atividade profissional, como Administradora da sociedade comercial identificada em 38., explorando um empreendimento turístico de alojamento e turismo rural denominado ..., situado no ....

41. A Ré nasceu no dia ../../1981.

42. O filho dos Autores constituiu com a Ré a sociedade comercial denominada A..., L.da para explorar e valorizar os terrenos dos seus pais e para poder investir nos mesmos os incentivos e subsídios atribuídos no âmbito do projeto de Jovem Agricultor.

43. O filho dos Autores sempre foi o único gerente, de facto, da sociedade comercial denominada A..., L.da.

44. Foi o filho dos Autores que escolheu as árvores que foram plantadas nos terrenos pertencentes aos seus pais, que decidiu construir uma charca e escolheu a respetiva localização, que escolheu os equipamentos, que orientou os trabalhos executados e o pessoal contratado, que decidiu e fez as compras necessárias e que contactou com os fornecedores.

45. A Ré limitou-se a dar as pequenas ajudas que o seu companheiro lhe pedia, nunca intervindo na tomada de decisões relativas aos desígnios da sociedade comercial denominada A..., L.da ou à exploração agrícola a que a mesma se dedicava,

46. Era o filho dos Autores que tratava diretamente com o Contabilista da sociedade comercial denominada A..., L.da e acompanhava as contas da mesma.

47. O projeto de exploração agrícola desenvolvido pela sociedade comercial denominada A..., L.da nos prédios pertencentes aos Autores envolveu um investimento na ordem dos € 500.000,00.

48. Após a celebração do contrato de comodato a que se alude em 10., os Autores continuaram a deslocar-se aos prédios nele identificados, explorando uma parcela de terreno na qual faziam a sua horta e mantinham algumas galinhas das quais tratavam diariamente.

49. A procuração forense junta pelos Autores com a petição inicial está datada de 8 de setembro de 2022.


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Factos não provados

Após a realização da audiência final, não ficaram demonstrados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir, não se tendo provado, designadamente:

1. A constituição da sociedade comercial identificada em 4. dos factos considerados provados foi um projeto ambicionado pelos dois sócios.

2. O sócio DD não conseguiu assegurar toda a exploração por ter deixado de contar com a colaboração da Ré.

3. Após o surgimento da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 as árvores deixaram de ser podadas, a terra deixou de ser lavrada, as plantações deixaram de ser cuidadas e o surgimento de bactérias obrigou ao corte e abate da maior parte das árvores de fruto.

4. A sociedade comercial denominada A..., L.da registou uma quebra na produção que contribuiu para o fracasso da mesma.

5. A sede da sociedade comercial denominada A..., L.da era a morada do sócio DD, que ainda hoje aí mantém a sua residência.

6. A partir do mês de junho ou do mês de julho de 2022 o acesso da Ré às contas, documentos e contabilidade da sociedade comercial denominada A..., L.da foi bloqueado pelo seu sócio DD, que alterou as correspondentes palavras-passe.

7. A sociedade comercial denominada A..., L.da tinha vários e avultados negócios em curso.

8. A sociedade comercial denominada A..., L.da tinha um rendimento anual garantido de € 7.000,00 pagos pelo IFAP.

9. As árvores de fruto plantadas no âmbito do projeto desenvolvido pela sociedade comercial denominada A..., L.da atingiram a maturidade, encontrando-se na sua máxima capacidade produtiva.

10. A Ré deduziu embargos à insolvência a que se alude em 29. dos factos considerados provados.

11. Os Autores sabem que a pretensão que formularam no âmbito da presente ação declarativa carece de fundamento.

12. Os Autores instauraram a presente ação com o fim de receber da Ré uma quantia em dinheiro a que sabem não ter direito.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurgem-se os recorrentes contra a decisão proferida sobre o pedido subsidiário que julgou não verificados os requisitos do enriquecimento sem causa, insistindo no presente recurso que a R., sócia e avalista da obrigação assumida pela devedora, viu o seu passivo diminuído pelo pagamento da dívida da mutuária, realizado pelos recorrentes na qualidade de terceiros garantes hipotecários, estendendo por verificados todos os requisitos deste instituto, com a consequente revogação da decisão recorrida e condenação da recorrente no pedido de restituição.

Não têm os recorrentes, no entanto, razão no que alegam, como decorre da exaustiva e bem fundamentada decisão recorrida e se procurará demonstrar, tendo em conta os requisitos exigidos pelo artº 473 do C.C.

Dispõe este preceito legal que:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa é residual e obriga à verificação cumulativa de três requisitos:
a) que haja um enriquecimento: o enriquecimento exigido por esta alínea, consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, quer porque se traduz num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança de despesas, ou pelo uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária.[1]
b) que o enriquecimento careça de causa justificativa ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, ou seja, sem existir uma relação ou um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento; nestes termos, tanto se consideram as situações sem qualquer causa como as resultantes de uma determinada relação jurídica que a prestação visava satisfazer, mas que afinal “não existe - ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta (…)[2]
c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, ou seja, que a vantagem patrimonial alcançada, resulte do sacrifício económico de quem requer a restituição.
Nestes termos, a correlacção exigida neste requisito pressupõe que o enriquecimento haja sido alcançado imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, não existindo entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro acto jurídico[3].
Por último, consagra-se no âmbito do artº 474 do C.C. a subsidiariedade desta pretensão, ou seja, só é admissível o recurso a este instituto, se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.  

É bom de ver que estes requisitos não se verificam neste caso. Com efeito, em relação ao primeiro requisito, não se verificou, ao contrário do que teimam em alegar os AA., uma diminuição do passivo da R. por força do pagamento do mútuo em apreço, mas antes uma diminuição do passivo da sociedade mutuária. Em primeiro lugar porque a R. nunca se constituiu como devedora e principal pagadora deste mútuo, não tendo prestado fiança à devedora, mas antes garantido por aval a obrigação de pagamento da livrança subscrita pela mutuária.

As duas situações não se confundem como bem o explica a decisão recorrida. A fiança de acordo com o disposto no artº 627 nº1 do C.C., traduz-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor. Nestes termos, os traços básicos do regime jurídico deste instituto exprimem-se sinteticamente por duas características: a acessoriedade e a subsidariedade.

Esta característica da acessoriedade, resulta do disposto nos artigos 631, 632 e 652 do C.C., não podendo a fiança exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas; a sua validade está dependente da obrigação principal e extingue-se aquando da extinção da obrigação principal.

Por outro lado, como acessória, a obrigação do fiador é uma obrigação distinta da do devedor, embora tenha o mesmo conteúdo. Esta situação difere do regime da solidariedade passiva em que a obrigação é a mesma, havendo apenas alternativa quanto aos sujeitos.

A obrigação assumida pelo fiador revela-se não só acessória, mas ainda, normalmente, subsidiária da dívida principal. Com efeito, na medida em que a regra se afirme, o seu cumprimento só pode ser exigido quando o devedor não cumpra nem possa cumprir a obrigação a que se encontra adstrito. A subsidariedade da fiança concretiza-se, assim, no benefício da excussão que consiste no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, excepto quando houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial se tiver assumido a obrigação de principal pagador (artº 641 a) do C.C.)

Já a obrigação que resulta da livrança é uma obrigação cambiária, de natureza abstracta e independente da relação subjacente, a que se aplicam as regras constantes da LULL e as constantes de pacto de preenchimento, se entregue em branco; a obrigação subjacente, causal, segue os normativos legais constantes do seu tipo contratual e os normativos resultantes de acordo firmado inter-partes. É uma decorrência das características de abstração, autonomia e literalidade das obrigações cambiárias.

Ocorre que, como bem refere a decisão proferida pelo tribunal a quo, esta obrigação cambiária não se chegou sequer a constituir pois que não foi alegado (cfr. o impunha o artº 5, nº2 do C.P.C.) nem consequentemente se provou (artº 342, nº1 do C.C.) que a livrança tenha sido preenchida e apresentada a pagamento[4].

Por outro lado, a qualidade de sócia da mutuária não vincula o património pessoal da R. ao pagamento das dívidas da sociedade. Na verdade, conforme decorre à saciedade do artº 197 do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades são autónomas das pessoas dos seus sócios, a nível funcional e patrimonial. Conforme certeiramente se afirma na decisão recorrida citando Menezes Cordeiro[5], “consequência direta do modo coletivo em que funciona o Direito das sociedades é a existência de autonomia funcional e patrimonial. Assim: (1) as sociedades prosseguem fins próprios e detêm objetos formalmente seus; além disso, dispõem de esquemas destinados à elaboração de uma vontade que lhes é imputada; (2) as sociedades dispõem de um património próprio, o qual, preferencial ou mesmo exclusivamente, responde pelas suas dívidas. Tudo isto pode comodamente ser expresso com recurso à ideia da sociedade como sujeito de Direito ou como centro próprio de imputação de normas jurídicas. Em termos práticos e económicos, as sociedades implicam uma limitação do risco ou da responsabilidade das pessoas nelas envolvidas. A autonomia patrimonial leva a que os sócios não respondam direta e imediatamente pelas dívidas sociais – artigos 997º/2 e 3 do Código Civil e 175º/1, do Código das Sociedades Comerciais – ou não respondam, de todo – artigos 197º/1 e 271º, ambos deste último Código. No primeiro grupo teremos sociedades ditas de responsabilidade ilimitada; no segundo, de responsabilidade limitada. A autonomia patrimonial significa que os sócios não respondam direta e imediatamente pelas dívidas sociais, conforme decorre dos artºs 997º nº2 e 3 do Código Civil e 175 nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, ou não respondam de todo, conforme resulta dos artigos 197nº 1 e 271 deste Código. No primeiro grupo teremos sociedades ditas de responsabilidade ilimitada; no segundo, de responsabilidade limitada.”

Ora, conforme resulta expressamente do disposto no artº 197, nº3 do C.S.C., salvo estipulação contratual em contrário “só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade.”

Nestes termos, como assinala a decisão recorrida, a R., “ao outorgar o contrato de mútuo celebrado com a Banco 1..., SA na qualidade de sócia e gerente da sociedade mutuária, não assumiu a obrigação de pagar nenhuma dívida por esta contraída em consequência da celebração de tal contrato.”

Não é assim correcto afirmar que com o pagamento realizado pelos AA., o passivo da R. diminuiu na exacta medida desse pagamento.

Por outro lado, também não se verifica o segundo requisito, ou seja, que o enriquecimento careça de causa justificativa, sendo certo que a transferência patrimonial dos AA. resultou de uma relação jurídica estabelecida com o credor – constituição de uma garantia hipotecária do pagamento do mútuo concedido à sociedade - visando a prestação dos AA. a extinção dessa garantia com o consequente levantamento da hipoteca. A prestação realizada pelos AA., como garantes hipotecários, não se insere em qualquer das categorias previstas no artº 473, nº2 do C.C.: condictio indebiti (prestação com intenção de cumprir uma prestação que não existia no momento da prestação), condictio ab causam finitam (prestação em virtude de uma causa que deixou de existir) e condictio ob rem (prestação em vista de um efeito que se não verificou), que constituem casos de enriquecimento derivados de uma prestação.

Como refere Menezes Leitão[6]O traço comum a todas as categorias de enriquecimento por prestação é a definição do fim dessa prestação, através de um negócio jurídico unilateral. (…) a sua differentia specifica reside, por um lado, no facto de essa definição do fim reconduzir-se ao cumprimento de uma obrigação (causa solvendi) –o que permite estabelecer a distinção da condictio causa data - e, por outro lado, na circunstância de a obrigação não existir ou não vincular o solvens no momento da prestação- o que permite estabelecer a distinção da condictio ab causam finitam”.

Em terceiro lugar, da ausência dos dois primeiros requisitos é forçoso concluir pela inexistência do terceiro. A R. não enriqueceu à custa de uma diminuição do património dos AA.

Improcede assim o recurso interposto pelos AA.


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar improcedente a apelação interposta pelos AA. e, nesta sequência mantêm nos seus precisos termos a decisão recorrida.
As custas fixam-se pelos AA. (artº 527, nº1, do C.P.C.)
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                                                           Coimbra 08/10/2024


[1] Vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 454.
[2] Ibidem, pág. 455.

[3]Neste sentido vide MENEZES LEITÃO, Luis Manuel Teles, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2005, pág. 425.
[4] Neste sentido vide Acórdão do STJ de 25/05/2017, proc. n.º 3958/07.5TVLSB.L2.S1, in www.dgsi.pt
[5] CORDEIRO, António de Menezes, Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 4ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2020, pág. 241. 
[6] Ibidem pág. 466.