Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | PROCESSO PENAL INQUÉRITO DESPACHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IRRECORRIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/30/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA - JUÍZO INST. CRIMINAL - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO ARTº 405º CPP | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 278.º E 399.º DO CPP | ||
Sumário: | Não é recorrível – artigo 399.º do CPP – o despacho do magistrado do Ministério Público que decide, em processo de inquérito, no sentido de não admitir a intervenção hierárquica, nos termos e para os efeitos do artigo 278.º do Código de Processo Penal. | ||
Decisão Texto Integral: | * Reclamante/assistente……………………………..A..., Lda. Reclamado……………………………......................Ministério Público. * Sumário: Não é recorrível o despacho do magistrado do Ministério Público que decide, em processo de inquérito, no sentido de não admitir a intervenção hierárquica, nos termos e para os efeitos do artigo 278.º do Código de Processo Penal. * I. Relatório a) A presente reclamação insere-se num processo de inquérito e respeita ao despacho judicial que não admitiu o recurso interposto pela Assistente, por se ter entendido que estava em causa uma decisão do Ministério Público, proferida em 3 de março de 2024, a qual não admitiu a intervenção hierárquica, nos termos e para os efeitos do artigo 278º, do Código de Processo Penal. O juiz de instrução entendeu que tratando-se de uma decisão do Ministério Público, não admitia recurso, nos termos dos artigos 399.º e seguintes do C. P. Penal. «1. A ora Reclamante, apresentou recurso do despacho de inadmissibilidade legal de intervenção hierárquica. 2. A Reclamante entendeu que tal despacho é recorrível, por conjugação das normas dos artigos 399.º e 401.º, al. b), artigo 406.º, n.º 1, 407.º n.º 2, al. a) e art. º408.º a contrario, e pelos artigos 410.º, 411.º, n.º 3 e 412.º do CPP, tendo a ora Reclamante apresentado a sua motivação e conclusões. 3. Sucede, porém, que o digníssimo Juiz de Instrução Criminal, proferiu despacho de não admissão do recurso. 4. Ora, não pode a Reclamante conformar-se com tal despacho de não admissão, desde logo, por violar o dever de fundamentação dos actos, porquanto, atenta a leitura do despacho a Reclamante não consegue extrair o fundamento da recusa de entre o elenco de situações plasmadas no artigo 400.º, o despacho recorrido, salvo melhor entendimento, não se enquadra em qualquer delas, pelo que, sempre será passível de recurso. 5. Note-se que, nem sequer, como poderia ser aventado, se tratava de um despacho de mero expediente, porquanto não se trata de uma situação de ordenação dos termos do processo, afectando, tal despacho recorrido, os direitos dos sujeitos processuais, como é o caso da ora Reclamante. 6. Ainda que não o fosse, o despacho de que ora se reclama, sempre deveria ser devidamente fundamentado, para que, quem o recebesse alcance o sentido da decisão. 7. vem violando o princípio constitucional ínsita no art.º 205.º da CRP (Constituição da República Portuguesa) – inconstitucionalidade que vai, desde já, invocada -, e no art.º 97.º, n.º 5 e 1, al. b) do CPP. 8. Deverá o despacho de não admissão ser revogado e substituído por outro que admita o recurso interposto.» II. Objeto da reclamação 1 – Saber se o despacho do magistrado do Ministério Público que indefere o pedido do assistente a pedir a intervenção hierárquica, nos termos e para os efeitos do artigo 278º, do Código de Processo Penal, é recorrível, nos termos dos artigos 399.º e seguintes do C. P. Penal. 2 – Se ocorre violação do princípio constitucional ínsito no art.º 205.º da CRP, por falta de fundamentação da decisão. III. Fundamentação (a) Matéria de facto processual 1 – Quanto à admissibilidade do recurso. O artigo 399.º do CPP dispõe que «É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.» Os «despachos» aqui referidos, contrariamente ao sustentado pela Reclamante, são apenas os despachos proferidos pelo juiz de instrução. Há casos em que é possível recorrer para o tribunal de 1.ª instância de decisões tomadas por entidades não jurisdicionais, como por exemplo, das decisões tomadas por um notário – cfr. a título de exemplo, o artigo 175.º do Código do Notariado – D. L. n.º 207/95, de 14 de Agosto. No processo penal, o recurso é o meio processual adequado para reagir contra as decisões proferidas pelo juiz de instrução, mas a reação contra as decisões da autoria dos magistrados do Ministério Público não é o recurso. A discordância quanto a estas últimas opera-se fazendo intervir o juiz de instrução – artigos 268.º e 269.º do CPP – ou através do requerimento da abertura da instrução, nos casos em que a abertura da instrução é admissível e o Ministério Público arquivou o inquérito – artigo 297.º do CPP. Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – «1. Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 3 - Na administração da justiça, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.» Por sua vez, o artigo 3.º desta lei dispõe, no seu n.º 1, que «O Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do respetivo estatuto e da lei.» No que se refere ao inquérito, o n.º 1 do artigo 119.º da LOSJ diz que «Compete aos juízos de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações, previstas na lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelos juízos locais criminais ou pelos juízos de competência genérica.» O juiz pratica no inquérito todos os atos de natureza jurisdicional, ou seja, leva a cabo os atos e toma as decisões que afetam ou podem afetar direitos dos sujeitos processuais ou de terceiros. Assim, decidirá questões relativas ao apoio judiciário; aplicará sanções por faltas injustificadas/mandados de detenção - artigo 116.º do CPP; aplicará medidas de coação e de garantia patrimonial (prisão preventiva, arresto) - artigo 194.º, n.º 1 do CPP; reexaminará a prisão preventiva – artigo 213.º do CPP; declarará objetos perdidos a favor do Estado – artigo 268.º do CPP; constituirá o assistente - artigo 68.º do CPP; reformará autos de inquérito - artigo 102.º do CPP, etc. Por outro lado, o artigo 42.º da LOSJ dispõe que «1. Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões. Retira-se deste conjunto de normas, além de outras dispersas por outros diplomas, que os recursos estão previstos no processo penal (e no processo civil) para as decisões proferidas pelo juiz. No caso de uma intervenção desfavorável do Ministério Público, no âmbito do inquérito, a reação do interessado contra o despacho do magistrado do Ministério Público terá de ser levada a cabo perante o juiz de instrução criminal. Aliás, resultaria algo anómalo que pudesse existir recurso para o Tribunal da Relação de um despacho do magistrado do Ministério Público proferido no inquérito, designadamente arquivando-o, sem que previamente tal despacho passasse pelo exame do juiz de instrução, já que é esta entidade quem, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º da LOSJ, exerce as funções jurisdicionais relativas ao inquérito. Além disso, como resulta do artigo 427.º do CPP, «Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação.» Ou seja, não se prevê que possa existir recurso para o Tribunal da Relação de despachos do Ministério Público, só de decisões do tribunal de 1.ª instância (no caso do inquérito, do respetivo juiz de instrução). [No sentido de que não há recurso do despacho de arquivamento do inquérito, proferido pelo magistrado do Ministério Público: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de março de 2008, no processo com o n.º 2846/07-1: «(…) 6 - O arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277.º do CPP, não tem efeitos preclusivos, pois o inquérito pode ser reaberto nos termos do art. 279.º n.º 1 do mesmo diploma, ou seja, caso surjam novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento. O despacho de arquivamento neste âmbito é da exclusiva competência do Ministério Público e nele não há qualquer intervenção judicial. A decisão não é, pois, jurisdicional e consequentemente, não é susceptível de recurso, nem de trânsito em julgado.» - Sumário, em www.dgsi.pt. Decisão de Reclamação proferida em 17 janeiro 2019, no Processo n.º 591/17.7T9VCT-A. G1 (Tribunal da Relação de Guimarães): «I – O artº 399.º, do CPP, define, como princípio geral, que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, trata-se, assim, de actos decisórios do juiz – cfr. artº 97º, nºs 1 e 2 do CPP. II – O despacho do Mº Pº a indeferir reclamação hierárquica, confirmando o arquivamento dos autos, não constitui uma decisão judicial e, como tal, não é passível de recurso.»] 2 – Se ocorre violação do princípio constitucional ínsito no art.º 205.º da CRP, por falta de fundamentação da decisão. Cfr. art. 399 do C.P.P., cfr. com interesse Ac. RG de 11.6.2019, www.dgsi.pt. Notifique. Muito embora os fundamentos do despacho sejam mínimos, o mínimo possível, pois seria inviável dizer menos, a Reclamante percebe a razão de ser, os fundamentos, da decisão, isto é, não há recurso dos despachos proferidos pelo Ministério Público. Seja como for, a inconstitucionalidade refere-se a normas, claro está, aplicadas em decisões, mas não à decisão. Ou seja, não é a decisão que é objeto de juízo de inconstitucionalidade, mas sim a norma aplicada que conduziu à decisão. Daí que o Tribunal Constitucional declare certa norma como inconstitucional ou constitucional, mas não a decisão que a aplica. Com efeito, como se vê do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), sobre as decisões de que pode recorrer-se para o Tribunal Constitucional, os casos de recurso aqui contemplados referem-se sempre a «normas» [n.º 1, al. a) – «1- Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade; …»)] IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se a reclamação improcedente e mantém-se o despacho reclamado. * Alberto Augusto Vicente Ruço (Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022) |