Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA | ||
Descritores: | REGIME DE CONVÍVIO ENTRE AVÓS E NETOS ALTERAÇÃO DO REGIME FUNDAMENTOS | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1887.º-A DO CÓDIGO CIVIL E 42.º DO REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL | ||
Sumário: | I – O art. 1887.º-A do Código Civil – aditado pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto – atribui relevância jurídica ao convívio das crianças com os seus irmãos e ascendentes.
II – O meio processual adequado para apreciar a eventual alteração do regime de convívio entre avós e netos, judicialmente fixado, é o incidente de alteração regulado no art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC). III – A alteração do regime de convívio entre avós e netos, judicialmente fixado, pode ter como fundamento o incumprimento do estipulado nesse regime ou circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | * Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Processo n.º 865/22.5T8CTB-B.C1) * (…). * I – As Partes e o Litígio * II – O Objeto do Recurso * III – Fundamentos * Atualmente, não se questiona a relevância do convívio das crianças com os seus irmãos e ascendentes, estabelecendo o art. 1887.º-A do Código Civil – aditado pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto – que «os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes». Este preceito legal reconhece, pois, relevância jurídica ao convívio das crianças com os irmãos e ascendentes. O meio processual a utilizar tendo em vista a concretização, por via judicial, de tal convívio é a ação tutelar comum, prevista no art. 67.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro), doravante designado por RGPTC. Refira-se que, de acordo com o estabelecido no RGPTC, para efeitos de aplicação de tal acervo normativo, constituem providências tutelares cíveis «[a] regulação dos convívios da criança com os irmãos e ascendentes» (alínea l), do art. 3.º, do RGPTC), competindo «às secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca em matéria tutelar cível» «[r]egular os convívios da criança com os irmãos e ascendentes» (alínea l), do art. 6.º, do RGPTC). Verifica-se que os ora Recorrentes lançaram mão de tal meio processual (cfr. o Processo Tutelar Comum n.º 865/22.5T8CTB-A, ao qual está apenso o presente processo). Fixado um regime de convívio entre avós e netos, o meio processual adequado para apreciar a sua eventual alteração é o incidente regulado no art. 42.º do RGPTC (neste sentido, mutatis mutandis – pois a situação aí analisada diz respeito, não a um incidente de alteração, mas a um incidente de incumprimento –, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2024, processo n.º 3563/22.6T8STS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, do RGPTC: «Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais». E, de acordo com o preceituado no n.º 2 do mesmo artigo: «o requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido», sendo depois o requerido é «citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente» (n.º 3). Em seguida, «junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente» (n.º 4); «caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º» (n.º 5). No caso em análise, os ora Recorrentes – avós dos menores – vieram requerer a alteração do regime de convívio estabelecido em sede de processo tutelar comum, nos termos que constam do articulado inicial apresentado em 26-03-2024 (refª citius 3549133), dando origem ao presente apenso. A redação desse articulado inicial não é exemplar, nomeadamente, quanto à alegação factual. Compreende-se, pois, em certa medida, o despacho proferido em 03/04/2024 (refª citius 37054014) convidando os ora Recorrentes a «complementarem a sua alegação, aduzindo factos concretos (quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar em causa) que integrem a causa de pedir na presente ação». No subsequente requerimento, em 17-04-2024, os ora Recorrentes vieram reiterar que os pais dos menores incumpriram o regime de convívio que foi estabelecido (requerimento de 17-04-2024, refª citius 3569178). Também não se considera exemplar a redação deste requerimento. Tendo o processo seguido a sua tramitação, os ora Recorridos – pais dos menores – deduziram oposição e, seguidamente, o Ministério Público promoveu «o agendamento de Conferência, nos termos regulados nos artigos 35.º ex vi do artigo 67.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1887.º-A do Código Civil». Depois, foi proferida a decisão sob recurso. Ponderando que o critério decisivo neste processo é o superior interesse da criança e que este processo tem natureza de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC), discordamos da decisão sob recurso na exigência aí consagrada quanto à alegação fáctica. Como afirma, inter alia, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-06-2018 processo n.º 425/17.2T8FAF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt: «São características específicas dos processos de jurisdição voluntária: 1) o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso». Ora, atendendo, por um lado, a que, neste processo de jurisdição voluntária, o Tribunal poderá conhecer de todos os factos que se apurem, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; e, por outro lado, a que os ora Recorrentes invocaram, com um mínimo de alegação factual, o incumprimento reiterado, pelos pais dos menores, do regime de convívio que foi estabelecido, entendemos que a decisão que foi proferida não poderá subsistir. Acresce que os ora Recorrentes invocaram que «os menores têm cada vez mais autonomia e que interagem com grande à-vontade e alegria com os avós, com os quais têm uma relação cada vez mais próxima e securizante». Ou seja, invocaram circunstâncias supervenientes que poderão justificar a alteração do regime de convívio. Acresce ainda referir que, da análise do presente apenso B, bem como do processo tutelar comum (apenso A) e do processo de promoção e proteção (processo principal) resultam já elementos – cfr., nomeadamente, o «Relatório de acompanhamento de visitas / convívios», elaborado pela Segurança Social, junto ao apenso A em 22-08-2024, com a refª citius 3683935 – que apontam no sentido da análise do pedido de alteração do regime de convívio entre os menores e os avós maternos. Não é de mais sublinhar que neste processo releva o superior interesse da criança, pelo que se impõe a análise do pedido de alteração, com o apuramento da factualidade pertinente e a ulterior decisão, que poderá ser no sentido do deferimento ou do indeferimento da pretensão formulada, sendo que – como se trata de um processos de jurisdição voluntária – o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adotar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para o caso. A decisão sob recurso violou o disposto no art. 42.º, n.º 1 do RGPTC, pelo que deverá ser revogada e deverá ser determinado o prosseguimento dos autos, nos termos do art. 42.º, n.º 5 do RGPTC. As custas recaem sobre os Recorridos (art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). * IV – Decisão * Coimbra, 8 de outubro de 2024. Francisco Costeira da Rocha Luís Miguel Caldas Anabela Marques Ferreira
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