Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | CASO JULGADO INDEMNIZAÇÃO PEDIDO GENÉRICO CASO JULGADO MATERIAL CAUSALIDADE ADEQUADA | ||
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Data do Acordão: | 12/21/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GR. INST. CÍVEL DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 673º CPC; 563º DO C. CIV.. | ||
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Sumário: | I – A sentença constitui caso julgado “nos precisos limites e termos em que julga” – artº 673º CPC – e a absolvição do pedido na acção positiva faz caso julgado apenas relativo, pelo que o âmbito do caso julgado é delimitado pelo motivo determinante da absolvição. II – A sentença absolutória que julgou improcedente um pedido genérico de indemnização, por total ausência da alegação dos factos, consubstanciadores dos danos, porque não conheceu do mérito da indemnização não faz caso julgado material impeditivo que numa posterior acção o autor deduza, contra os mesmos réus, um pedido de indemnização específico, alegando concretamente os danos. III – A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. IV – Condenada a ré, por sentença transitada em julgado, a entregar aos autores um imóvel, a partir da citação, na respectiva acção, passou a assumir o risco da perda ou deterioração da coisa, sendo responsável, enquanto possuidora de má fé, pelos prejuízos causados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO 1.1. - Os Autores - A..., B..., C..., e D.... – instauraram ( 18/5/2007 ) na Comarca de Aveiro acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus: 1. E...; 2. F..., Ldª; 3. G.... Alegaram, em resumo: Os Autores são comproprietários de um prédio urbano, sito na Rua ..., que A... e B... e mulher ( entretanto falecida ) adquiram (31/1/2000) em execução fiscal, sendo então executada a aqui 2ª Ré. Verificaram que a 2ª Ré ( representada pelo 1º Réu ) deu de arrendamento ao 3º Réu o referido imóvel, sendo, no entanto, esse contrato simulado. Os Autores instauraram acção judicial ( processo nº 979/2001 ) que por sentença de 3/6/2002, transitada em julgado, declarou a nulidade do contrato de arrendamento e a condenação dos Réus a restituírem aos Autores o imóvel, absolvendo-os do pedido de indemnização. Os Réus não entregaram voluntariamente o imóvel, pelo que os Autores promoveram execução, o qual foi entregue em 29/6/2005. Desde a aquisição do prédio ( 31/1/2000) e até á entrega, o Réu G...apenas pagou 37 meses de renda, quando deveria ter depositado 65 meses, pelo que deve a renda correspondente a 28 meses, no valor de € 5.167,68. Os Réus destruíram o imóvel, afectando o valor comercial e impedindo de o usufruírem, causando-lhe danos patrimoniais. Pediram a condenação solidária dos Réus a pagarem aos Autores, a título de indemnização, a quantia global de € 123.167,68, sendo: - € 5.167,68 correspondentes às rendas vencidas e não pagas desde a data em que os Autores compraram o imóvel até à data em que lhe foi entregue; - € 85.000,00 correspondentes ao valor necessário para proceder às reparações do edifício de modo a repô-lo na situação que existia no início do ano de 2000, quando o compraram; - € 33.000,00 correspondentes ao montante das rendas que deixaram de receber desde a entrega do imóvel (até à data da propositura da acção), das quais ficaram privados, por o terem recebido destruído, em consequência da actuação dos Réus; - Pagamento das rendas, no valor de € 1.500,00 mensais, que continuam a não poder receber até ao trânsito em julgado desta acção
Contestou apenas os Réu G..., defendendo-se por impugnação, ao negar haver tomado posse do imóvel e procedido à sua destruição, o qual já estava degradado quando os Autores o adquiriram. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.
1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença ( fls. 290 a 295 ) a julgar a acção improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos.
1.3. - Os Autores arguiram ( fls.315 ) a nulidade processual por deficiência da gravação da prova. Por despacho de 1/7/2010 ( fls.358 ), transitado em julgado, foi indeferida a nulidade.
1.4. - Os Autores recorrem de apelação da sentença ( fls. 317 e segs.) com as seguintes conclusões: [……………………………………………]
Não foram apresentadas contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso
As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes: (1ª) Impugnação de facto ( quesitos 3º, 4º, 17º e 18º); (2ª) A excepção do caso julgado; (3ª) A indemnização pela privação do uso do prédio.
2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença )
[…………………………………………………………………]
2.3. - 1ª QUESTÃO
Quesitos 3º e 4º: […………………...]
Quesitos 17º e 18º: [……………………….]
2.4. – 2ª QUESTÃO
Os Autores reclamaram uma indemnização no valor global de € 123.167,68, sendo o montante de € 5.167,68 correspondente às rendas vencidas e não pagas desde a data em que os Autores compraram o imóvel e até à data da entrega efectiva. Alegaram, para tanto, que uma vez declarada nulidade do contrato de arrendamento (art.289 CC), não sendo possível o arrendatário restituir o gozo que manteve no imóvel, terá que pagar as rendas que se venceram na pendência do contrato, obrigação que mantém à entrega do imóvel ( 29/6/2005 ). Dado que o Réu G...pagou apenas 37 meses, quando deveria ter pago 65, deve o restantes 28 meses ( 28 x €184,56 ), precisamente € 5.167,68. A sentença desatendeu esta indemnização com base na excepção do caso julgado, argumentando: “ Assim, estando judicialmente decidido, por sentença transitada em julgado, proferida em acção em que foram partes os ora Autores e os ora Réus, que não é devida a dita indemnização por danos resultantes da privação da posse do imóvel, até à sua entrega efectiva, por esse pedido ter sido julgado improcedente, não podem aqueles vir agora formular idêntico pedido, por se lhe impor tal decisão sobre a relação material controvertida, com força obrigatória dentro e fora do processo ( arts. 671º nº 1 e 673º nº 1 do CPC).”. Objectam os apelantes dizendo que não há caso julgado porque o que foi pedido na primeira acção foi uma indemnização pelos danos da privação da posse, a liquidar em execução de sentença, sendo pedidos e direitos diferentes. Está provado que os Autores, em 5/11/2001, instauraram contra os Réus acção ordinária ( nº 979/2001), e nela formularam, em resumo, os seguintes pedidos, a título principal: - A declaração de nulidade do contrato de arrendamento, celebrado entre a F..., representada por E..., e o Réu G..., por simulação ( absoluta ); - A condenação dos Réus a largar mão do imóvel, por ocupação ilegítima, e entregá-lo aos Autores; - “ A condenação na indemnização por danos que as suas condutas RR. E... e G..., tenham causado aos AA.-, nomeadamente com a privação da posse do citado imóvel – o que vai acontecer até à sua entrega efectiva, indemnização liquidada em execução de sentença”. A título subsidiário: A resolução do contrato de arrendamento e a condenação dos Réus a entregarem o imóvel, livre e desocupado, e no pagamento das rendas desde Fevereiro a Dezembro de 2000 e Janeiro a Outubro de 2001 ( totalizando 777.000$00 ) e todas as que se forem vencendo até à entrega do locado.
Por sentença 3/6/2002, transitada em julgado, decidiu-se: a) - Declarar nulo, por simulação, o contrato de arrendamento identificado nos autos e condenar os réus a reconhecerem essa nulidade e a restituírem aos autores o imóvel identificado sob 1º e 2º da petição inicial; b) – Julgar improcedente o pedido de condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença que consta sob VI da folha 15 e dele absolver os réus. A sentença justificou a absolvição relativamente à indemnização com fundamento em que não foram alegados os danos.
Posto isto, vejamos o dano da privação e problema do caso julgado: Na primeira acção, para além do pedido de reconhecimento do direito de propriedade e da entrega do imóvel, os Autores cumularam o de indemnização pelos danos causados pela privação da posse, até à efectiva entrega, a liquidar em execução de sentença. A ocupação ilegítima do prédio configura uma situação de ingerência ou intromissão em bens jurídicos ou direitos alheios ( direito de propriedade ) geradora da obrigação de indemnizar, tanto com base na responsabilidade civil extra-contratual ( art.483 do CC ), como no enriquecimento sem causa, na modalidade do chamado “ enriquecimento por intervenção “ ( art.473 do CC ), sendo que o regime do art.1271 do CC, afastando-se das regras da responsabilidade civil, aparece como uma concretização do enriquecimento sem causa ( cf., por ex., MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento Sem Causa No Direito Civil, pág.692 ). Enquanto que na responsabilidade civil está em causa a perda ou diminuição verificada no património do lesado, já no enriquecimento por intervenção a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido. Por isso, mesmo que não se prove qualquer prejuízo efectivo para o proprietário, há lugar à indemnização, pois a vantagem patrimonial do beneficiado foi obtida à custa do dono. Nesta perspectiva, como o direito de usar, fruir e dispor da coisa cabe ao proprietário ( art.1305 do CC ), o gozo e disposição não autorizados legitimam sempre o titular a exigir a restituição do enriquecimento.
Sendo este o enquadramento do pedido indemnizatório, passa-se a analisar a excepção do caso julgado. Como se sabe, a expressão “ caso julgado “ é uma forma sincopada de dizer “ caso que foi julgado “, ou seja, caso que foi objecto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega. O caso julgado material ( arts. 671 e 673 do CPC ) implica dois efeitos - um negativo e outro positivo – sendo em face deles que se distingue a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado ( cf., para a distinção de ambas as figuras, cf., por ex., MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo Civil, pág. 320, TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, pág. 576, e “O objecto da sentença e o caso julgado material “, BMJ 325, pág.171). Está aqui em causa a excepção do caso julgado que pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir ( arts.497 e 498 do CPC ). A causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, mas segundo o critério misto não pode deixar de prescindir de uma perspectiva material dos limites das normas e dos seus nexos, por referência ao direito substantivo, nem dos limites dos factos, tal como são apresentados na sentença, sendo este critério o que melhor responde aos problemas de concurso aparente de normas ( cf. MARIANA GOUVEIA, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, pág.493 e 509 ). Para se determinar os limites objectivos do caso julgado não é suficiente a mera comparação formal do objecto processual de ambas as acções, sendo necessário aferir os termos da sentença e a finalidade do caso julgado. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil ( razões de economia processual ), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas, justificada pela segurança jurídica e certeza do direito. Refira-se que a simples privação constitui um dano indemnizável uma vez que atinge os poderes de gozo ou fruição do proprietário sendo causa adequada de uma modificação negativa entre o lesado e o seu património, fundamentando uma indemnização autónoma por dano patrimonial, a determinar equitativamente (arts. 4 e 566 nº3 do CC ) (cf., por ex., ANTÓNIO GERALDES, Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág.30 e segs., JÚLIO GOMES, “ O dano da privação de uso “, RDE ano XII, pág.169, Ac do STJ de 5/7/07, em www dgsi.pt)). Coloca-se, assim, um problema do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil, mais rigorosamente do “ duplo nexo de causalidade“, por incidir sobre as duas etapas do processo de responsabilização: ao nível da ligação entre conduta/evento e do facto/dano, embora assentes no mesmo critério ( cf., neste sentido, PEDRO CARVALHO, A Omissão e Dever de Agir em Direito Civil, 1999, pág.48 e segs.). A lei civil ( art.563 do CC ) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Assim, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo ( nexo de adequação ). Para o efeito, releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pág.743, Ac STJ de 15/4/93, C.J. ano I, tomo 2, pág.59, de 15/1/2002, C.J. ano X, tomo I, pág.36 ). A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano ( cf., por ex., Ac do STJ de 29/6/04, de 6/3/07, disponíveis em www dgsi.pt ). A nossa lei não consagra, em princípio, a relevância negativa da causa virtual ou hipotética, apenas relevando no cálculo da indemnização por lucros cessantes, mas não como causa excludente da responsabilidade do causador do dano ( cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol.I, 2ª ed., pág.774 e segs. ). III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a sentença recorrida.2) Julgar a acção parcialmente procedente e consequentementea) - Condenar a Ré F... Lda a pagar aos Autores a quantia que se liquidar em incidente posterior, a título de indemnização pelo dano patrimonial constituído pela privação da posse do imóvel, nos termos referidos na fundamentação, desde a data da citação para a acção nº 979/2001 e até 29 de Junho de 2005. b) - Absolver os Réus E... e G... dos pedidos. 3) Condenar Autores e Ré F... nas custas, em ambas as instâncias, provisoriamente na proporção de 70% e 30%, respectivamente, deixando-se o rateio definitivo para o incidente da liquidação.+++ Jorge Arcanjo (Relator)Isaías Pádua Teles Pereira |