Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91/20.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
ATROPELAMENTO PELA PRÓPRIA VIATURA
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
CONVERSÃO EM INCAPACIDADE PERMANENTE
Data do Acordão: 09/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 14.º, N.º 3, DA LEI 98/09, DE 04-09 E 22.º DA LAT
Sumário: I – Não age com negligência grosseira o sinistrado que deixou o veículo que conduzia mal travado e com o motor a trabalhar, estacionado numa rampa inclinada para ir proceder ao fecho de uma torneira, tendo o veículo começado a andar sozinho indo embater no sinistrado, provocando-lhe lesões.

II – Decorrido o prazo de 18 ou 30 meses após a data do acidente, consoante os casos, a incapacidade temporária converte-se em incapacidade permanente.

III – A pensão a fixar conforme o grau de incapacidade que vier a ser fixada, é devida desde a data em que a ITA se converteu por força da lei, nos termos atrás referidos, em IPA, ou seja, partir da data da “alta processual”.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 91/20.8T8LRA.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva

Paula Roberto.


*****

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I AA instaurou a presente ação emergente de acidente de trabalho, sob a forma de processo especial, contra A..., S.A.  e B..., LDA, pedindo que as rés sejam, na medida das suas responsabilidades, condenadas a reparar as consequências do sinistro de acordo com o que resultar da junta médica a realizar.

Alegou ter sido vítima de um acidente de trabalho quando se encontrava no seu local de trabalho que consistiu em ter sido atropelado pela própria viatura, que o esmagou contra o cais de descarga da empresa, vem o autor pedir sejam as rés, na medida das suas responsabilidades, condenadas a reparar as consequências do sinistro de acordo com o que resultar da junta médica a realizar.


+

As rés foram citadas para a ação e vieram contestá-la nos seguintes termos:

A seguradora aceitou a existência e caraterização do acidente como de trabalho nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos. Aceitou o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões constantes do boletim de alta da seguradora. Apresentou discordância quanto ao grau de IPP fixado no auto de exame médico-legal, alegando que o autor está afetado de uma IPP de 64,01%, sem IPATH.

A empregadora aceitou a existência do acidente que vitimou o autor no dia 08.01.2019, mas invocou que o acidente deve ser descaraterizado como acidente de trabalho dado que o autor atuou de forma culposa em relação às condições de estacionamento e imobilização da viatura, causa única da ocorrência do acidente.


***

II – Saneado o processo, organizados os factos assentes e identificado o objeto do litígio com enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos os seus regulares termos acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Pelo exposto fixamos a desvalorização funcional do sinistrado/ autor em 92,21% de I.P.P. com I.P.A.T.H., reportada a 07.01.2023.

E em consequência do acidente de trabalho sofrido pelo autor e supra descrito:

A) condenamos a seguradora a pagar ao sinistrado/autor o seguinte:

1.1. o montante remanescente de € 1.941,10, a título de Incapacidade Temporária Absoluta.

1.2. a título de Incapacidade Permanente Absoluta de que padeceu a partir de 09.07.2021 (após 30 meses de I.T.A.) a pensão anual de € 8.666,67 devida até à data da alta (06.01.2023).

1.3. a título de Incapacidade Permanente Absoluta Para o Trabalho Habitual de 0,9221 (fator 1.5 incluído) a pensão anual e vitalícia de € 7.414,56, reportada a 07.01.2023.

1.4. a título de subsídio por elevada incapacidade permanente a quantia de € 3.876,19.

1.5. a quantia de € 100,00 a título de despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal.

1.6. Os juros de mora à taxa legal de 4% desde o dia seguinte ao da alta e sobre cada uma das restantes prestações devidas desde a data do seu vencimento até integral pagamento.

2. Às quantias devidas ao autor pela seguradora deverá ser deduzida a quantia que tem vindo a pagar a título de pensão provisória.

3. Deverá ainda a seguradora fornecer ao autor consultas periódicas de urologia conforme indicação dos seus serviços clínicos.


*

B) condenamos a empregadora a pagar ao autor:

1.1. pela Incapacidade Temporária Absoluta de 30 meses (900 dias), a quantia de € 8.934,78.

1.2. pela Incapacidade Permanente Absoluta de que padeceu a partir de 09.07.2021 (após 30 meses de I.T.A.) a pensão anual de € 8.666,67 devida até 06.01.2023.

1.3. pela Incapacidade Permanente Absoluta Para o Trabalho Habitual de 0,9221 (fator 1.5 incluído) a pensão anual e vitalícia de € 3.398,60, reportada a 07.01.2023.

1.4. título de subsídio por elevada incapacidade permanente a quantia de € 1.741,47.

1.5. Os juros de mora à taxa legal de 4% desde o dia seguinte ao da alta e sobre cada uma das restantes prestações devidas desde a data do seu vencimento até integral pagamento”.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela a A... SA e a B... LDA vieram apelar, concluindo:

(…).


+

Apenas o sinistrado apresentou contra-alegações ao recurso apresentado pela B....

+

O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da procedência da apelação interposta pela A... e da improcedência da apelação interposta pela B....

***

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1- A 1ª ré é uma sociedade comercial que tem por objeto social o fabrico e comercialização de produtos à base de carne.

2- O autor foi vítima de um acidente, no dia 08.01.2019, quando se encontrava no seu local de trabalho e sofreu atropelamento, pela sua própria viatura, sofrendo esmagamento contra o cais de descarga da empresa.

3- Aonde se tinha deslocado a fim de fechar a torneira de segurança, conforme é habitual, para depois sair das instalações.

4- O autor imobilizou o seu veículo na rampa situada à saída das instalações da empresa, na zona junto à vedação e portão de saída.

5- No local o piso é inclinado em sentido descendente na direção do cais onde o sinistrado se dirigiu a fim de fechar a torneira de segurança.

6- O veículo, atendendo à inclinação da rampa, deslizou e veio a embater no autor atropelando-o conforme 2, junto à torneira de segurança onde se encontrava.

7- A distância entre o local em que o autor imobilizou a viatura e o local do embate é de poucos metros.

8- O autor não havia desligado o motor do veículo, nem colocou a mudança oposta ao sentido da inclinação do piso.

9- A curta distancia do local onde ocorreu o acidente, situado na lateral do edifício, existe um local de parqueamento de veículo, situado na lateral do edifício.

10- Em consequência direta e necessária do acidente referido em 2., o sinistrado sofre das seguintes sequelas: (i) Bacia: incontinência urinária com perturbações sensitivas hipoestesia da área perineal; assimetria da bacia encurtamento aparente de 1 cm do membro inferior direito com rigidez das ancas; (ii) Membro inferior direito: rigidez da anca; (iii) Membro inferior esquerdo: cicatriz operatória da anca e rigidez da anca.

11- O quadro sequelar relacionado com o evento em apreço é incompatível com a atividade profissional que exercia de vendedor e distribuidor de carnes verdes, impossibilitando locomoção prolongada, manuseio e transporte de cargas e condução por períodos prolongados.

12- Pelo que o autor padece do coeficiente global de incapacidade de 92,21% (fator 1.5 incluído), com IPATH, reportado a 07.01.2023.

13- O autor sofreu de I.T.A. a partir de 09.01.2019, sendo que, após o decurso do prazo legal de 30 meses, ficou em I.P.A. até à data da alta.

14- Em consequência das sequelas de que padece, o autor necessita de consultas periódicas de urologia.

15- À altura o autor era sócio da co-ré B..., Lda, exercendo, ainda, as funções de vendedor sob as ordens e direção desta sociedade, competindo-lhe, designadamente, promover a venda de carnes verdes e enchidos, proceder à distribuição e entrega dessa mercadoria, para o que efetuava a carga e descarga dos produtos.

16- Auferia a retribuição base mensal de € 1.128,50 x 14 meses, acrescida de subsídio de alimentação de € 93,94 x 11 meses, num total anual ilíquido de € 15.799,00.

17- A 1ªré tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a A..., S.A., através da apólice nº ...55, pelo salário anual ilíquido de € 10.833,34.

18- Pelo que existe uma diferença salarial não transferida de € 4.965,66.

19- Em 19.12.2018, a A..., S.A. foi incorporada, por fusão, na A..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal.

20- Desde abril de 2021, a ré seguradora encontra-se a pagar ao autor uma pensão provisória.

21- O autor despendeu a quantia de € 100,00, a título de despesas efetuadas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao GMLL.


***

V - Conforme decorre das conclusões das alegações que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, a questão a dilucidar e a decidir reside em saber:

1. Se há lugar à alteração da matéria de facto.

2. Se o acidente se encontra descaraterizado, não dando lugar à reparação, por ter ocorrido em resultado de negligência grosseira do sinistrado.

3. Se é devida ao sinistrado uma pensão por IPA desde 09.07.2021 (após 30 meses de I.T.A.) até 06.01.2023 e se a pensão anual e vitalícia devida pela IPATH com IPP de 92,21% ser calculada a partir do dia 09.07.2021.

Da alteração da matéria de facto.

Entende a 2ª recorrente B... que ao facto 6 deve ser acrescentado a expressão “…uma Pick – Up de peso superior a 2000 Kgs” – e ao facto 8 “….e não assegurou a travagem manual completa e correta do veículo”.

Alicerça esta alteração no depoimento da testemunha BB e nas declarações de parte do autor AA.

Do depoimento da testemunha e das declarações de parte do sinistrado não nos restam dúvidas no sentido de que o veículo, uma Mitsubihi L 220, se encontrava mal ou deficientemente travada.

É o próprio autor que diz não ter a certeza se acionou ou não corretamente o travão de mão.

Só a deficiente imobilização do veículo (salvo uma improvável falha mecânica no sistema de travagem) explica o facto da viatura ter descaído pela rampa inclinada.

Por outro lado, uma Mitsusbih L 2002 pesa cerca de 2000 kgs, conforme refere o auto.

Por tudo isto, os factos 6 e 8 passarão a ter seguinte redação:

Facto 6 – “O veículo - uma pick-up com peso de cerca de 2000 kg -, atendendo à inclinação da rampa, deslizou e veio a embater no autor atropelando-o conforme 2, junto à torneira de segurança onde se encontrava”.

Facto 8 – “O autor não havia desligado o motor do veículo, nem colocou a mudança oposta ao sentido da inclinação do piso e não assegurou a travagem manual completa e correta do veículo”.

Da descaraterização do acidente (negligência grosseira).

Entende a recorrente que o acidente não dá lugar à reparação em virtude de ter resultado de negligência grosseira do sinistrado.

Para o efeito alega que, provando-se que o sinistrado estacionou o veículo em local não destinado a estacionamento (tendo locais próprios e a tal fim destinados nas imediações), em piso inclinado (rampa) com sentido descendente e na trajetória do local para onde se dirigiria seguidamente a poucos metros de distância, conhecendo as características de peso elevado do veículo, imobilizando-o nesse local sem desligar o motor / ignição nem colocar a mudança oposta ao sentido da inclinação do piso e sem assegurar a travagem manual completa e correta do veículo, a conclusão a retirar é a de que agiu com negligência grosseira.

Ora, não dá lugar à reparação o acidente que tenha ocorrido em consequência de negligência grosseira do sinistrado.

A negligência grosseira[1] definida no artigo 14º nº 3 da Lei 98/09 de 04/09 implica a violação das mais elementares regras de precaução em que a culpa é elevada pelo elevado teor de imprevisão ou de falta de cuidados elementares. Traduz-se numa conduta temerária em alto e relevante grau, fortemente indesculpável por violar as cautelas mais elementares.

A sua apreciação deve ser feita em concreto em face do próprio sinistrado e não em função de um padrão geral e abstrato de conduta.

Deve poder estabelecer-se um nexo de causalidade (adequada, na sua formulação negativa) entre a conduta negligente e o evento infortunístico

A lei não se basta, pois, para a descaracterização do acidente, com uma simples imprudência, uma mera negligência ou com uma distração. É necessário um comportamento temerário em alto e relevante grau, ostensivamente indesculpável, reprovado por um elementar sentido de prudência [que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão], e que constitua a única causa do acidente.

A simples imprudência, imprevidência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras, embora consubstanciem comportamentos negligentes não são enquadráveis no conceito de negligência grosseira.

Analisando o comportamento do autor[2], não se pode deixar de concluir que o seu comportamento traduzido em não ter acionado corretamente o travão de mão de forma a imobilizar completamente o veículo, tanto mais que o local era uma rampa inclinada é, certamente, um comportamento negligente dado o risco ou a probabilidade da viatura se deslocar rampa abaixo, como se deslocou, indo atingi-lo, com atingiu, quando fechava a torneira de segurança.

Contudo, tal comportamento, nas circunstâncias em que ocorreu, não corresponde a uma negligência particularmente grave na medida em que não se pode afirmar ter o autor inobservado em alto e elevado grau o dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo; e daí que não se configure no caso uma ação fortemente indesculpável ou que o sinistrado tivesse inobservado as precauções ou cautelas mais elementares.

Quando se aciona o travão de mão, deve ser exercida a força necessária na respetiva manete de forma a que a travagem seja total e o veículo fique totalmente imobilizado.

A força a exercer depende do tipo de veículo e da afinação do próprio travão.

Quem, por descuido desleixo ou inconsideração, não deixou já o veículo mal travado, quando pensava que tinha acionado corretamente o travão de mão?

A conduta do sinistrado revela-se negligente mas tal conduta não pode caraterizar-se como grosseiramente negligente.

Assim o decidiu a RL no já antigo aresto de 24.11.1993 (proc. nº 0088604) tirado no domínio da Lei 2127 mas que mantem atualidade, citado no parecer emitido pelo Exmº PGA e disponível em www.dgsi.pt, no qual se lê:

“… III – Assim e considerando tais circunstâncias de facto, não provém exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima, o acidente por esta sofrido quando, no dia 18-5-1989, entre as 15,00 h e as 16,00 h, o sinistrado deixou o veiculo que costumava conduzir, mal travado e com o motor a trabalhar, estacionado na rampa de uma garagem, quando procedia ao seu carregamento, e, quando o mesmo começou a andar sozinho, tentou pará-lo com as mãos tendo sido atropelado e sofrido as lesões que lhe determinaram a morte”.

Da pensão por IPA e por IPATH:

Tal como refere a seguradora resulta dos autos o seguinte circunstancialismo fático:

(i) O acidente dos autos ocorreu em 08.01.2019

(ii)A primeira observação clínica do sinistrado ocorreu em 15.07.2021 – apesar de não ter sido suscitada nos termos e para os efeitos do artigo 22º da LAT, ocorreu escassos 7 dias após ter decorrido o prazo de 30 meses.

(iii) Nesse exame, o Exmo. Senhor Perito Médico concluiu que as lesões se consolidaram em 31.03.2021, fixou como de ITA o período compreendido entre o dia 09.01.2019 e o dia 31.03.2021 e atribuiu ao Autor a IPATH com IPP de 74,364%.

(iv) Posteriormente, a Junta Médica realizada em 14.07.2022, por maioria composta pelos peritos médicos do Sinistrado e do Tribunal, e após observação clínica do sinistrado e consulta dos autos, considerou que, decorrido o prazo legal de 30 meses não estando as lesões resultantes do evento em apreço consolidadas (estando o sinistrado a aguardar tratamento cirúrgico da especialidade de urologia), deverá a incapacidade temporária ser convertida em incapacidade permanente absoluta.

(v) Posteriormente, o Autor foi submetido a novo exame por junta médica em 15.06.2023, tendo a Junta Médica, por unanimidade, e após observação clínica do sinistrado e consulta dos autos, considerado o Autor afetado de IPATH com IPP de 92,21% [já com fator de bonificação] e fixando o dia 06.01.2023 como data de alta.

Neste circunstancialismo, sufragamos o entendimento da seguradora quando refere, e passamos a citar:

“Estatui o artigo 22º da LAT o seguinte:

“1. A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respetivo grau de incapacidade.

2. Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado”.

Esta norma legal corresponde, no essencial, ao disposto no artigo 42º do DL143/99, de 30.04 – que regulamentava a Lei 100/97, de 13.09 – que, por seu turno, já correspondia também, no essencial, ao disposto no artigo 48º do Decreto 360/71 – que regulamentou a Lei 2127, de 03.06.1965 –, sendo a sua razão de ser exatamente a mesma.

No ponto 7 do Preâmbulo do Diploma, consignou-se expressamente “Fazendo considerar como permanentes as incapacidades temporárias que ultrapassem dezoito meses e fixar nesse momento o grau de desvalorização, procura-se evitar o protelamento excessivo da atribuição das pensões em consequência da dilação do tratamento do sinistrado.”.

Mais se consignou nesse diploma que, embora assistindo aos interessados o direito de requererem a revisão das pensões assim fixadas, excluem-se tais pensões da remição até que seja dada alta definitiva do tratamento “atento o caráter da incapacidade que lhes serve de fundamento” – cf. artigo 64º, n.º 3.

Com esta conversão legal da incapacidade temporária em incapacidade permanente – bem apelidada de “alta processual” por Vitor Ribeiro, in Prontuário do CEJ, n.º 39, pág. 23 – o legislador pretendeu, fundamentalmente, evitar o prejuízo do sinistrado decorrente do protelamento excessivo da atribuição das pensões…por causa da dilação do tratamento.

Porém, não pode ignorar-se que esta pensão está sujeita a um regime especial, com legais limitações, enquanto não for dada alta definitiva ao sinistrado.

De tal forma assumido que, com vista a assegurar uma subsequente harmonização da “verdade processual” – conversão refletida nos termos do devido exame médico a realizar pelo perito do Tribunal logo após o decurso do prazo de 18 meses – com a “verdade clínica” – correspondente à cura, com o desaparecimento total das lesões ou a insusceptibilidade da sua modificação com terapêutica adequada –, fica sempre disponível o incidente de revisão das pensões.

Acresce que, apesar de a conversão da IT em IP ocorrer “ope legis”, não deixa de constituir uma ficção, não significando a simultânea conversão da desvalorização daquela nesta.

A natureza da incapacidade [Incapacidade Temporária vs Incapacidade Permanente] e o respetivo grau são realidades independentes, juridicamente distintas, só assim se explicando a exigência legal de, quando se concluírem os 18 meses de IT e da conversão desta em IP, fazer intervir o perito médico do Tribunal para reavaliar [fixar, no texto homólogo do artigo 48º do Decreto 360/71] o respetivo grau de incapacidade”.

Assim, no caso, a alta de 07.01.2023, referida pela junta médica, não tem relevância para efeito de fixação do início da incapacidade permanente, a qual ocorreu em 09.07.2021, data da “alta processual” (conversão “ope legis” da IT em IP – nº 2 do artº 22º da LAT).

É este o momento em que deve considerar-se que o perito médico reavaliou o grau de incapacidade do sinistrado como prescreve a lei e considerou que é portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho.

Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora, de 16.12.2021, no proc. 7211/15.2T8STB.E1, citado pela seguradora, publicado em  www.dgsi.pt.


***

IV - Termos em que se delibera:

1 Julgar a apelação da B... totalmente improcedente com confirmação, na parte respetiva, da sentença impugnada.

2.Julgar a apelação a A... totalmente procedente em função do que se decide:

a) absolver as rés do pagamento da pensão anual fixada entre 09.07.2021 e 06.01.2023

b) fixar a pensão anual e vitalícia por IPATH a partir 09.07.2021.


*

Custas a cargo do ré B... no recurso por si interposto.

Sem custas o recurso interposto pela seguradora


*

Sumário[3]:

(…).


***

Coimbra, 13 de setembro de 2024

***

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



[1] Entre muitos outros veja-se a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 24.02.2010 (Procº 747/04.2TTCBR.C1.S1), tirado no domínio da Lei 100/97 mas que mantém plena atualidade em face da LAT em vigor, consultável em www.dgsi.pt/jstj, do qual se destaca a seguinte parte do respetivo sumário:
(...).II - A descaracterização do acidente de trabalho com esteio no disposto no art. 7.º, al. b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a adoção, pelo sinistrado, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou nos usos e costumes da profissão (art. 8.º, n.º 2, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril).III - A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objetivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo, mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).IV - A negligência pode também assumir diferentes graus: será levíssima quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excecionalmente diligente teria observado; será leve quando o padrão atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa excecionalmente descuidada e incauta teria também incorrido. V - A negligência grosseira, correspondendo a uma culpa grave, pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. VI - A culpa grave deve ser apreciada em concreto – conferindo as condições do próprio acidentado – e não com referência a um padrão abstrato de conduta. VII - A descaracterização do sinistro constitui um facto impeditivo do direito reclamado na ação, competindo ao demandado, por via disso, a prova da materialidade integradora dessa descaracterização (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil).
[2] Encontrando-se o veículo a trabalhar teve de ficar em “ponto morto”. Por isso não podia ter engrenada a “mudança oposta ao sentido da inclinação do piso” conforme se refere no facto 8, sob pena do veículo começar a andar para trás sem condutor!!
[3] Da responsabilidade do relator.