Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | APREENSÃO VALIDAÇÃO DA APREENSÃO PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA NULIDADE DA APREENSÃO POR FALTA DE VALIDAÇÃO ARMA DE FOGO ARMA DESACTIVADAS CERTIFICADO DE DESACTIVAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA ENUMERAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS FACTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO PERDA DE INSTRUMENTOS PRODUTOS E VANTAGENS FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE PERDIMENTO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 04/26/2023 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 3 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | N | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | RECURSO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, COM DECLARAÇÃO DA NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Legislação Nacional: | LEI N.º 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO LEI N.º 50/2019, DE 24 DE JULHO ARTIGOS 119.º A 121.º, 178.º, N.º 6, 368.º, N.º 2, E 374.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARTIGO 109.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário: | I – A falta de validação, por parte da autoridade judiciária, da apreensão feita pelo órgão de polícia criminal, não integrando o elenco das nulidades insanáveis constante do artigo 119.º do Código Processo Penal, nem sendo cominada como tal no artigo 178.º, n.º 6, do mesmo diploma, deve considerar-se uma nulidade sanável, sujeita ao regime dos artigos 120.º e 121.º do Código Processo Penal.
II – Apenas com o artigo 11.º-B da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, introduzido pela Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho, que veio a consignar que a certificação ou reconhecimento de arma desativada determina a sua reclassificação automática em arma da classe G, foi tratada expressamente a questão da desactivação das armas de fogo e respectiva certificação. III – Em 2017 ainda não estava regulamentada a certificação da desactivação, mas também não estava legalmente prevista na legislação interna nacional a classificação das armas em causa como armas da classe G), o que significa que tais armas, ainda que já intervencionadas a fim de serem desactivadas, não estavam legalmente reconhecidas nem certificadas como desactivadas. IV – Os factos provados e não provados que, nos termos do n.º 2 do art. 374.º do Código de Processo Penal, devem constar da fundamentação da sentença são os factos referidos no n.º 2 do artigo 368.º. V – Para este efeito são factos relevantes os que integrem os pressupostos do crime imputado ao agente, cuja indiciação determinou a dedução de acusação e a realização do julgamento, os que integrem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e os que influenciem a escolha e medida da pena. VI – Os factos julgados provados devem ser enumerados especificada e metodicamente, para evitar dúvidas sobre se o tribunal julgou provado ou não um determinado facto, rigor não é de exigir e aplicar à enumeração dos factos julgados não provados, apenas se exigindo quanto a estes que resulte inequívoco que o tribunal apreciou, analisou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes submetidos ao seu julgamento. VII – Quando na contestação se alegue, com clareza e articulação, factos relevantes para a decisão, quer tendo por base a natureza do crime em causa, quer os eventuais efeitos na determinação da sanção, exige-se que o julgador se pronuncie expressamente sobre eles de forma expressa e inequívoca, seguindo o texto da respetiva contestação, elencando como factos provados ou não provados cada um deles de entre os que efetivamente são relevantes. VIII – Não existindo uma relação causal e imediata entre a prática do crime e a declaração de perda dos instrumentos de facto ilícito típico, esta declaração deve ser apreciada à luz do artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos do qual são pressupostos para a declaração da perda que o objecto tenha servido para a prática de facto ilícito ou estivesse destinado a servir para a sua prática, que pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso ponha em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou que ofereça sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. IX – Sem prejuízo de os objectos apreendidos serem armas e munições e da condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, o julgador não está dispensando de apreciar e fundamentar a perda dos bens a favor do Estado à luz dos pressupostos exigidos pelo artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, ainda que a condenação e as caraterísticas dos concretos objectos apontem para a verificação dos pressupostos legalmente exigidos por aquela disposição. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Relator: Luis Teixeira 1.º Adjunto: Vasques Osório 2.º Adjunta: Maria José Guerra … Acordam em conferência na 4ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra. I 1. Nos autos de processo comum supra identificados, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, alíneas a), c), d), por referência aos arts. 4.º e 5.º, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, na pena de prisão de 4 (quatro) anos e (seis) meses, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período e sujeito a regime de prova mediante plano a elaborar pela DGRSP. E foi absolvido o arguido da prática, em autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea e), por referência aos arts. 4.º e 5.º, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção actual. Foi ainda decidido declarar as armas e munições apreendidas, perdidas a favor do Estado e determinado a sua oportuna entrega à PSP. * 2. Desta decisão recorre o arguido, que formula as seguintes conclusões[1]: 1. O Ministério Público (doravante apenas MP) deduziu acusação contra o Arguido ora recorrente, imputando-lhe a prática, em co-autoria material, de 1(um) crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos arts. 86.º, n.º 1 al. a), c), d) e coautoria), por referência aos arts. 4.º e 5.º , todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. 2. O arguido, ora recorrente, apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e todas as circunstâncias dirimentes, impedientes e atenuantes que se provassem em audiência de discussão e julgamento, alegou factualidade em sua defesa (art.s 3º a 8º da contestação), arrolando prova testemunhal, documental e pericial e, contestou a declaração de perdimento a favor do Estado, requerida pelo MP, de todos os objectos (armas) apreendidos à ordem dos presentes Autos, para tanto, alegando de facto e de direito. 3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu o acórdão ora recorrido, depositado em 04.03.2022, que aqui damos por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, condenando o arguido nos termos que melhor constam da decisão em crise. 4. O arguido não se conforma com a decisão ora recorrida, bem como, com a pena que lhe foi imposta, 5. Porquanto, o arguido ora recorrente não praticou os factos constantes da acusação, nomeadamente os que preenchem os elementos do tipo de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º1, alíneas a), c), d), por referência aos arts. 4º e 5º, todos da Lei nº5/2006, de 23de Fevereiro, na redação introduzida pela Lei n.º50/2013, de 24/07. 6. As razões de divergência do recorrente com a decisão ora recorrida, são as seguintes: - Nulidade do Acórdão ora recorrido por Omissão de Pronúncia (art.ºs 379º, n.º 1, al.s a) e c), 374º, n.º 2, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2 e 369º, todos do CPP); - Erro notório na apreciação da prova; -Incorreta decisão sobre a matéria de facto, com a consequente modificação dessa decisão e a necessária absolvição do arguido; - Violação do Art.º 2.º, n.º 4 do C.P.; - Violação do princípio in dubio pro reo; - Erro na determinação da medida da pena; - Nulidade do Acórdão ora recorrido por Falta de Fundamentação (art.º 374º, n.º 2 do CPP, art.º 205º, n.º 1 da CRP); Da Nulidade por Omissão de Pronúncia 7. Da audiência de discussão e julgamento, onde foi produzida a prova e discutida a causa, o tribunal a quo considerou que, com interesse/relevo para a decisão da causa, resultou provada a factualidade descrita nos pontos 1 a 9 da matéria de facto decidida como provada. 8. Da audiência de discussão e julgamento, onde foi produzida a prova e discutida a causa, o tribunal a quo considerou que, com relevo para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos. 9. A matéria alegada pelo arguido, quer a expressamente alegada na sua contestação (art.ºs 3º a 8º da contestação), quer a resultante da prova documental que juntou aos autos com a sua contestação, quer a que resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou, não foi considerada pelo tribunal a quo na decisão que proferiu, que fez “tábua rasa” dessa factualidade, não tomando sobre ela qualquer decisão, decidindo-a provada ou não provada, não obstante ter resultado factualidade que constitui matéria relevante e necessária para a decisão a proferir. 10. Conforme resulta da prova documental junta pelo arguido com a sua contestação, sendo detentor de diversas licenças de uso e porte de armas da classe C (que abrange a classe D), da classe F e da classe Colecionador (que abrange B, B1, C, D, E, F, G), detinha esse acervo de armas e munições no âmbito da sua actividade de colecionismo de armas, o que fazia devidamente autorizado e legitimado para o efeito. 11. Quanto a esta factualidade, que resultou quer da prova documental junta pelo arguido, quer da prova testemunhal produzida em julgamento, o tribunal a quo não toma qualquer decisão, não se pronunciando, como se lhe exigia. 12. O que fere a decisão proferida de nulidade, por omissão de pronúncia, o que desde já se requer a V. Ex.ª seja reconhecido e declarado, nos termos do art.ºs 379º, n.º 1, al.s a) e c), 374º, n.º 2, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2 e 369º, todos do CPP, com as legais consequências.
Do Erro notório na apreciação da prova / Da Incorreta decisão sobre a matéria de facto / Da violação do art.º 2º, n.º 4 do C.P.
13. As conclusões que o tribunal a quo formulou e fez constar da fundamentação da decisão da matéria de facto são desligadas da prova produzida nos autos, nomeadamente da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento e da prova pericial que, se devidamente apreciada, exige outra decisão. 14. E o certo é que, a prova produzida, quer pericial, quer documental, não permite formular a decisão que o tribunal a quo formulou, conforme supra se expôs em sede de alegações. Senão vejamos, 15. A busca realizada em casa do arguido, em 19-06-2017, foi ordenada e cumprida no âmbito do inquérito que correu termos sob o processo n.º 67/17..... 16. Busca que foi promovida e autorizada com vista a localizar um “motor”, encontrando-se o arguido a ser investigado naqueles autos de inquérito pela alegada prática de um crime de burla, no âmbito da sua actividade de reparação de automóveis. 17. Aquando da realização da busca, tendo o OPC encontrado em casa do arguido o grande acervo de armas e munições de que o arguido era legítimo detentor, entenderam que se justificava a apreensão de todo aquele acervo de armas e munições, como medida cautelar, ao abrigo da Lei de saúde mental. 18. O que, posteriormente, se veio a demonstrar, em diversas instâncias, absolutamente injustificado, o que resulta, tudo, da prova documental que o arguido juntou com a sua contestação, nomeadamente decisões judiciais transitadas em julgado, prova documental esta total e absolutamente ignorada pelo tribunal a quo, que sobre a factualidade ali constante e relevante para a decisão a proferir nestes autos fez total “tábua rasa”, aparentando dela não ter sequer conhecido - o que era sua obrigação, porquanto resulta de documentação junta com a contestação e mostra-se inequivocamente essencial para a decisão a proferir nos presentes autos. 19. No que aqui nos interessa, após a realização da referida busca, foram os referidos autos de inquérito arquivados por desistência de queixa. 20. Nessa sequência, foi extraída certidão daqueles autos de inquérito, nomeadamente do auto de apreensão, que foi remetida para os autos de inquérito que correram termos sob o processo n.º 9048/17..... 21. Todo o acervo de armas e munições foi então entregue pela GNR ... à Polícia Judiciária Militar do ..., no âmbito destes autos de inquérito, que apenas tiveram seu início na sequência da notícia publicada pela GNR nas redes sociais, acerca da apreensão que havia realizado em casa do arguido. 22. Após essa entrega, todas as armas e munições foram sujeitas a exames e peritagens pela PJM do ..., tendo culminado o referido inquérito com um Despacho de Acusação, tendo o arguido sido sujeito a julgamento pela detenção de material de guerra, tendo o arguido sido julgado e absolvido naqueles autos, por decisão transitada em julgado. 23. Após o que, todo o armamento e munições foi entregue pela PJM do ... à PSP ..., o que deu origem aos presentes autos. 24. Esta sequência de factos, por determinante para conhecer da “cadeia de custódia da prova”, sempre se mostra bastante relevante, uma vez que as armas e munições sub judice nos presentes autos foram apreendidas noutros autos e, antes de chegarem aos presentes autos, estiveram à ordem de um outro processo. 25. A relevância da análise da “cadeia de custódia da prova” assume extrema importância, nomeadamente ao nível da conservação e preservação da prova e sua eventual contaminação, sem prejuízo da, não menos importante, verificação dos exames e peritagens anteriormente realizados aos mesmos bens. 26. Aqui chegados, importa evidenciar duas questões absolutamente relevantes. 27. A primeira é que as provas em que assentam a decisão condenatória, o auto de apreensão e o exame pericial, padecem de vício que fere irremediavelmente o seu valor probatório. 28. A segunda é que, mesmo que tais provas não se mostrassem comprometidas quanto ao seu valor probatório, não foram devidamente apreciadas. 29. Quanto à primeira questão, o valor probatório destas provas, importa evidenciar que não resulta dos presentes autos que o auto de apreensão tivesse alguma vez sido sujeito à necessária validação pela entidade competente, o que o fere de nulidade insuprível, nulidade que desde já se invoca e se requer seja por V. Ex.ª reconhecida e declarada. 30. Assim como, importa evidenciar que a peritagem realizada aos referidos bens padece de vício, que resulta absolutamente evidente da leitura do relatório pericial, vício que se prende com a apreciação jurídica dos bens, para proceder à sua qualificação e enquadramento jurídico. 31. Porquanto, os peritos, aquando da examinação e peritagem dos bens, qualificaram-nos à luz da legislação em vigor no momento da peritagem, quando estes bens haviam sido apreendidos ao arguido alguns anos antes, em 19-06-2017 e, por isso, sob a vigência de diferente enquadramento legal. 32. Veja-se que, conforme consta da prova pericial, os requisitos de conformidade legal das armas desativadas e de outros bens, foram apreciados à luz do anexo I do Regulamento de Execução “EU” n.º2403/2015,de 15de dezembro, com alterações feitas pelo Regulamento de Execução “EU” n.º 337/2018, de 5 de março e com o Despacho n.º 8717/2019 da Direcção Nacional da PSP. 33. Tendo assim, sido apreciadas, examinadas e peritadas aquelas armas e munições à luz de normativos que inexistiam sequer aquando da apreensão desses bens na posse do arguido, resultando inequívoca errada aplicação da Lei no tempo, violando o art.º 2º, n.º 4 do CP. 34. Quanto à segunda questão, a errada apreciação destas provas, importa evidenciar que resulta da prova documental junta aos autos com a contestação do arguido que os bens que foram apreendidos em casa do arguido no dia 19-06-2017, não correspondem aos que constam do auto de apreensão, porquanto resulta inequívoco dessa prova documental que os bens que foram entregues pela GNR ... à PJM do ... não são os que constam do auto de apreensão, mostrando-se alguns a mais, outros a menos e outros diferentes, tudo, colocando inequivocamente em causa o valor probatório do referido auto de apreensão, que nunca foi sujeito a validação por entidade competente, nem apresentado ao arguido para sua apreciação e conferência. 35. Assim como, importa evidenciar que a prova pericial, ao ter subjacente legislação diferente da que se encontrava em vigor aquando da apreensão dos bens ao arguido, coloca necessária e inquestionavelmente em causa a qualificação que foi realizada à armas e munições, que ali resultaram qualificadas como sendo da classe A, quando assim não o era àquela data. 36. O que resultou absolutamente cristalino dos depoimentos das testemunhas inquiridas em julgamento, nomeadamente das testemunhas BB, CC e DD. 37. Acresce que, da decisão da matéria de facto consta decidido que o arguido detinha aquelas armas e munições sem qualquer propósito que o justificasse, não tendo qualquer tipo de licença que o legitimasse a detê-las. 38. Assim, ignorando o contexto em que o arguido detinha aquele armamento e munições, quando o fazia no contexto de colecionismo e era para isso titular de licença emitida pela PSP, bem como era detentor de outras licenças de uso e porte de armas. 39. Efectivamente, não era o arguido detentor de licença de uso e porte de armas da classe A, nem teria que o ser, porque não era aquele detentor de nenhuma arma ou munição daquela classe. 40. Na data em que foram apreendidas as armas e munições ao arguido, em 19-06-2017, nenhuma daquelas armas e munições eram ou poderiam ser classificadas como de classe A, porquanto eram detidas no contexto de colecionismo e em conformidade com as disposições legais em vigor naquela data. 41. As armas desativadas que o arguido detinha naquela data, encontravam-se todas perfeitamente desativadas, impossibilitadas de produzir disparos e eram titulares de certificados de desativação emitido por entidades certificadas para o efeito, algumas delas estrangeiras, tudo conforme resulta dos documentos juntos com a contestação. 42. Porquanto, naquela data (em 19-06-2017), não se encontrava em vigor o artigo 11.º-B da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, artigo este que apenas foi aditado àquela Lei, pela Lei 50/2019, de 24 de julho. 43. Assim, em 19-06-2017, inexistia norma que exigisse os procedimentos considerados na prova pericial para certificar a desativação de armas de fogo, nos termos que foram considerados no relatório pericial. 44. Perícia em que, sem mais, assentou a decisão proferida pelo tribunal a quo que, da decisão recorrida, fez constar que “sendo aqui fundamental a prova pericial, que não deixa lugar a quaisquer dúvidas sobre as características das armas em questão.” 45. Pelo que, desde já se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto considerada provada nos pontos de facto 1º a 9º da matéria de facto que foi incorrectamente julgada, devendo, em consequência, passar a constar da matéria de facto não provada, o que desde já se requer a V. Excelências, julgando procedente a impugnação ora efectuada, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
Da Violação do princípio in dubio pro reu / Da Nulidade do Acórdão ora recorrido por Falta de Fundamentação (art.º 374º, n.º 2 do CPP, art.º 205º, n.º 1 da CRP)
46. Acresce que, inexistindo da decisão recorrida a necessária e suficiente fundamentação, que torna ininteligível a decisão proferida em relação à decisão sobre a matéria de facto, o que fere de nulidade a decisão proferida, que não realiza o necessário exame crítico das provas que serviram de base para criar a convicção do tribunal, bastando-se pela enumeração dos meios probatório que diz ter considerado, sem qualquer análise crítica, articulada ou conjugada de todos eles, ficando o destinatário sem perceber qual o raciocínio feito pelo tribunal para atender a uma versão dos factos e não a outra, trazidas pelas testemunhas e pelo arguido, em especial no que respeita à classificação das armas, à legitimação da sua detenção atentas as licenças de que era naquela data detentor, ao facto de, conforme o arguido declarou, a arma identificada no ponto 21 da tabela não lhe pertencer, nem nunca ter estado na sua posse. 47. Isto quando, consta dos autos uma decisão colectiva transitada em julgado, que o arguido juntou com a sua contestação, a proferida no processo n.º 9048/17...., que apreciou e decidiu sobre a diligência de busca que esteve na origem do auto de apreensão e sobre o próprio auto de apreensão. 48. Decidindo conforme decidiu, o tribunal a quo violou indubitavelmente o princípio in dubio pro reu do ora recorrente, que sente ter entrado em julgamento já condenado e assim dele saiu, por não ter conseguido nele demonstrar ser inocente, o que não lhe era, natural e legalmente, exigido. 49. Não se compreendendo, por isso, qual a prova/fundamento para que o tribunal a quo tivesse decidido como decidiu, condenando o ora recorrente. 50. Não se compreende, porque inexiste qualquer prova, muito menos bastante e segura, que permitisse concluir nos termos em que o tribunal a quo decidiu. 51. E decidindo, como decidiu o tribunal a quo, condenando o arguido ora recorrente, violou descaradamente o princípio in dubio pro reu, o que desde já se invoca e se requer a V.s Excelências seja reconhecido e declarado.
Do Erro na determinação da medida da pena 52. O tribunal a quo não fundamentou suficientemente a escolha da medida da pena, 53. Exigindo-se, in casu, atenta a idade do arguido, a inexistência de quaisquer antecedentes criminais relacionados com este tipo de crime, com a detenção ou uso de armas, o facto de estar inserido socialmente, tudo conforme resulta do relatório social junto aos autos, 54. Que, em caso de condenação, este arguido seja condenado na pena mínima prevista para este tipo de crime, 2 anos, pena que deverá ser necessariamente suspensa, mediante o regime de prova, inexistindo fundamento para considerar como considerou o tribunal a quo que: “... não se pode considerar que a culpa do arguido se apresentasse diminuída, para o crime em apreço”, que o afirmou sem qualquer justificação ou fundamentação, também, quanto à medida da culpa.
Da Nulidade do Acórdão ora recorrido por Omissão de Pronúncia (art.ºs 379º, n.º 1, al.s a) e c), 374º, n.º 2, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2 e 369º, todos do CPP) e por Falta de Fundamentação (art.º 374º, n.º 2 do CPP, art.º 205º, n.º 1 da CRP) 55. Acresce que, determinou o tribunal a quo que as aludidas armas e munições, que o arguido detinha, sejam consideradas perdidas a favor do estado e oportunamente entregues à PSP, invocando o art.º109º, n.º 1doCódigoPenal e art.º78º do RJAM, assim dando provimento ao pedido deduzido nesse sentido pelo Ministério Público. 56. O arguido, na sua contestação, impugnou, contestando, o pedido formulado pelo Ministério Público nesse sentido, alegando nos termos melhor transcritos em sede de alegações. 57. Ora, o tribunal a quo decidindo, como decidiu, sem qualquer fundamentação para o efeito, limitando-se a citar normas jurídicas, fere esta decisão de nulidade por falta de fundamentação. 58. E ainda, de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto, não produziu uma única “palavra” sobre a contestação que o arguido efectuou nesse sentido. 59. Mesmo que assim nãos e entenda, sempre esta decisão carece de fundamento, porquanto, tais bens, não obstante se tratarem de armas e munições, estão inutilizadas, impossibilitadas de produzir disparos, tratando-se portanto de bens com valor no colecionismo, inofensivos para a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas, não se tratando de bens utilizados ou em risco de serem utilizados para a prática de qualquer crime. 60. Em súmula, importa realçar que o arguido detinha todos aqueles bens com o único propósito de os conservar e manter como colecionador que era, sendo proprietário de uma vasta colecção, que lhe foi apreendida na totalidade naquele dia 19-06-2017, colecção em que investiu todas as suas poupanças que acumulou ao longo da sua vida, por nutrir, como se demonstrou, elevado interesse histórico por todos aqueles artigos e o que eles representaram para a história militar de vários países. 61. Devendo, em consequência, ser proferida decisão em sentido diverso da recorrida. TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. Ex.ª DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, JULGANDO VERIFICADOS OS VÍCIOS/NULIDADES INVOCADOS(AS) E PROCEDENTES A IMPUGNAÇÕES REALIZADAS, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO ORA RECORRIDO E DETERMINAR A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE DECLARE O ARGUIDO ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE QUE VEM CONDENADO, COM O QUE V. EXAS. FARÃO, COMO SEMPRE A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA * 3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público dizendo o seguinte: - Da matéria de facto No entender do Ministério Público e da leitura do acórdão proferida pelo Tribunal a quo agora colocada em crise, não se vislumbra que da mesma resulte qualquer dos vícios descritos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. - Quanto à incorrecta apreciação da prova produzida, nos termos em que o recorrente formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida. Contudo, não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do Código de Processo Penal. - Relativamente à invocada violação do princípio in dúbio pro reo o arguido recorrente manifesta uma deficiente interpretação do mesmo, já que uma ofensa a este princípio só se verifica quando, na apreciação global dos meios de prova destinada à reconstituição do facto histórico que lhe é proposto, o julgador permanece na dúvida sobre a verificação do evento imputado ao arguido; e, nesse estado subjectivo, acaba por decidir num sentido que lhe é desfavorável. Para que tal princípio tenha aplicação é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido. Por conseguinte, sendo perfeitamente correcta a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo, e não padecendo a sentença recorrida de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º-2 do Código de Processo Penal, ou de outros de que cumpra ao Tribunal ad quem oficiosamente conhecer, a decisão de facto proferida deverá permanecer intacta. - Da matéria de direito. A ausência de validação da apreensão das armas realizada na sequência da execução das buscas domiciliárias judicialmente ordenadas não enferma de qualquer nulidade. Caso o referido despacho de validação, que naturalmente haveria de ser proferido no Processo 67/17...., ali não conste, em causa apenas está uma mera irregularidade, no seguimento do que vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 2007 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30 de Maio de 2007. Nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o prazo para a invocação da referida irregularidade já se mostra ultrapassado, pelo que nada afecta a apreensão das armas que determinaram a condenação do recorrente. 2. Da aplicação do Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2015. Trata-se de um diploma legal que, pela sua natureza, tem aplicabilidade directa, pelo quem ao contrário do que o recorrente afirma, a exigência dos certificados já ocorria em momento anterior à detenção das armas por parte deste. Ou seja, o Tribunal a quo integrou correctamente a conduta assacada ao recorrente. - No que respeita às restantes armas apreendidas ao recorrente - 5 faca de abertura automática, boxer e pistola, marca “Savage”, calibre .32 Auto/7,65 mm Browning, n.º 159145, não manifestada ou registada - a alegação de que não lhe pertencia não colhe assento em qualquer elemento probatório, para além do afirmado pelo recorrente. Na ausência de qualquer elemento corroborativo, bem andou o Tribunal a quo em não conferir credibilidade ao alegado e em condenar o recorrente, nos termos em que o fez. * 4. Nesta instância, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer: Partindo dos pressupostos acima enunciados, lido o acórdão e vista a prova, não encontramos nele contradição ou erro na apreciação da prova do processo, designadamente na produzida em audiência, e entre essa prova global e a decisão, que permita considerar verificados os vícios do artigo 410º, nº 2, do código de processo penal, não sendo detectado qualquer erro na apreciação da prova, insuficiência da prova para a decisão ou erro de julgamento. O tribunal fez cuidada apreciação da globalidade da prova do processo e da que foi produzida em audiência de julgamento, explicando, com clareza, o raciocínio que levou à condenação do arguido por aquele crime, e fundamentou com acerto a sua decisão. Foi feita adequada motivação de facto e de direito, considerando a prova produzida e o disposto na lei processual. A subsunção dos factos ao direito não merece censura. As discordâncias que o recorrente apresenta, contrapondo o seu próprio julgamento sobre a prova produzida ao realizado pelo tribunal, não têm a virtualidade de abalar a motivação que consta da apreciação crítica da prova. Sabe-se que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção de quem julga, conforme preceituado no artigo 127º do código de processo penal, não dispensa a explicação da convicção do tribunal, que necessariamente terá de assentar em prova concreta, e indicação das razões pelos quais se concluiu neste e não naquele sentido. O princípio da livre apreciação da prova não é um princípio absoluto, não se podendo confundir com uma apreciação arbitrária ou discricionária da prova, de todo em todo imotivável, cabendo, portanto, ao julgador apreciar livremente a prova e procurar através dela atingir a verdade material, com observância das regras de experiência comum e utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento através de critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo. Tudo isto fez o tribunal e fê-lo de forma criteriosa, não resultando evidenciados da leitura da sentença quaisquer erros, vícios ou raciocínios ilógicos ou incongruências. O tribunal deu relevância ao conjunto da prova produzida no processo, sustentada nos autos de apreensão e de exame pericial e nos depoimentos de testemunhas, e alicerçou a sua convicção nessa prova. Também não merece censura a parte decisória relativamente à declaração de perda do apreendido a favor do Estado, que está suficientemente fundamentada. A pena aplicada A pena aplicada, considerando a moldura abstracta – 2 a 8 anos de prisão (artigo 86º, nº 1, al. a), do RJAM -, os antecedentes criminais – o arguido sofreu duas condenações, uma delas contemporânea dos presentes autos, pela prática de seis crimes de injúria agravada, tendo sido condenado em pena de multa, e uma condenação por factos praticados posteriormente e relativos a um crime de violência doméstica, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução – e a diminuta ou mesmo ausente consciência crítica relativamente ao crime, parece-nos adequada e proporcional à grande gravidade do crime cometido e às fortes exigências de prevenção geral e especial. A decisão não merece reparo e, portanto, deve ser mantida. Em conclusão, aderindo, no essencial, à argumentação contida na fundamentada resposta do Ministério Público na primeira instância, e porque não houve violação de lei, somos de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente. 5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II Questões suscitadas pelo recorrente: 1 - Erro notório na apreciação da prova; incorreta decisão sobre a matéria de facto; da violação do art.º 2.º, n.º 4 do C.P.; 2 - Da violação do princípio in dubio pro reo e da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (art.º 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal e art.º 205º, n.º 1 da CRP). 3 - Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. 4. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto às armas e munições declaradas perdidos a favor do Estado - (art.º 374º, n.º 2 do CPP, art.º 205º, n.º 1 da CRP). 5. Do erro na determinação da medida da pena. III 1. São os seguintes os factos dados por provados e não provados no acórdão recorrido: A- Factos Provados: Da acusação 1- No dia 19.06.2017, pelas 06:30, o arguido detinha, no interior da sua residência, e respetivos anexos (sótão e cave), sita na Rua ..., ..., ..., ..., os seguintes objectos:
2- O arguido detinha, no interior da sua residência, as armas e munições supra identificadas, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, sem qualquer propósito que o legitimasse ou justificasse. 3- As armas de fogo identificadas sob os n.os 1. a 11 e 22, apesar de terem sido intervencionadas a fim de serem desactivadas, não o foram na sua totalidade, faltando o respectivo certificado de desactivação. 4- E não tendo o arguido, à data da prática dos factos descritos, qualquer tipo de licença que o legitimasse a detê-las. 5- O arguido também não era titular, à data da prática dos factos descritos, de qualquer licença que legitimasse a detenção das armas identificadas em 12 e 13, da culatra identificada em 14, e dos objectos identificados em 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21. 6- A arma identificada em 21, detida pelo arguido na supra indicada data, não se encontra manifestada ou registada em território nacional. 7- Com a conduta supra descrita, bem sabia o arguido que não lhe era permitida a detenção e uso das armas e munições acima identificadas, não obstante conhecer as suas características e ainda a sua aptidão para, com o seu uso, provocar lesões ou a morte de outrem ou provocar estragos em bem patrimonial alheio, o que representou e quis. 8- Mais sabia o arguido que a sua posse era proibida, carecendo de licença de uso e porte de arma para as mesmas, que o mesmo sabia não ter. 9- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Pessoais do arguido: 10- AA, natural de ..., Angola, permaneceu nesse país até aos 15 anos de idade, junto de seus pais e de uma irmã mais nova, regressando a Portugal por altura da guerra civil. 11- Em Angola, o pai era militar e a mãe proprietária de um café/restaurante e, em Portugal, a mãe abriu um outro café, e o pai uma empresa de pronto-socorro. 12- A família possuía uma situação económica favorável, sendo também o ambiente familiar vivenciado na infância, caracterizado como positivo. 13- AA frequentou colégios particulares em Angola, e abandonou os estudos aquando da frequência do 9º ano de escolaridade, por altura da guerra naquele país, não concluindo aquele nível de ensino. 14- Após vir para Portugal, trabalhou auxiliando os pais, quer no café propriedade da mãe, quer no pronto-socorro do pai. 15- Aos 24 anos emigrou para França, onde trabalhou numa empresa de limpezas, tendo depois frequentado um curso de segurança e incêndios, passando a laborar nessa área. 16- Aos 33 anos passou a integrar a competição de corridas de rallys de todo o terreno, ao nível nacional e internacional, mantendo-se essa situação durante mais de 10 anos. 17- Paralelamente, abriu em 1999 uma empresa em Portugal, de comercialização de peças e reparação de jipes Land Rover. 18- Contraiu matrimónio aos 25 anos de idade, com uma jovem emigrante em França, mantendo-se este casamento durante 6 anos, terminando em divórcio. 19- De um segundo casamento possui duas filhas, actualmente com 32 e 25 anos de idade, as quais residem em França. 20- O segundo casamento também não se manteve, ocorrendo a separação há 6 anos, e o divórcio há cerca de quatro anos. 21- O arguido, após ter cumprido uma medida de coacção de prisão preventiva pela prática de crime de violência doméstica, saiu em liberdade em junho de 2020, regressando a sua casa. 22- À data actual reside sozinho, e não possui em Portugal outros familiares. 23- Reside na casa de morada de família, situada em meio rural, numa pequena aldeia, numa moradia de tipologia T3, constituída por uma cave, um piso térreo e um sótão; na cave funciona o comércio de peças de jipes e reparações; no piso térreo funcionou com carácter sazonal (verão) um alojamento local; no sótão funciona a parte habitacional do arguido. 24- No exterior possui uma piscina, encontrando-se a casa em bom estado de conservação, reunindo boas condições de habitabilidade. 25- AA tem-se dedicado à comercialização de peças e reparação de jipes Land Rover, possuindo uma empresa denominada “D... Unipessoal, Lda.” e, como rendimentos, possui os provenientes desta actividade, os quais são de montante variável, mas com a média mensal da quantia de 700,00 €. 26- Nos tempos livres, o arguido foi coleccionador de veículos militares e material de guerra (armas e equipamentos militares etc.), tendo-se dedicado à caça grossa (javalis e veados) e à prática de tiro ao alvo nas carreiras de tiro, alegando ter deixado estes hobbys, pelo facto de lhe terem sido apreendidas as armas no âmbito de uma busca. 27- No meio de residência, AA não investe muito ao nível das relações de sociabilidade, mas não é receada a sua presença na zona. 28- AA encontra-se em acompanhamento pela DGRSP no âmbito de uma suspensão de execução da pena com regime de prova (Processo n.º 234/19....), estando a cumprir até ao momento as obrigações fixadas. 29- O arguido já foi condenado: a) - Por sentença datada de 07/02/2020, transitada em julgado em 13/01/2021 proferida no processo CS n° 352/17.... do Juízo Local Criminal do Tribunal ..., foi o arguido condenado pela prática de 6 crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos art. 181º nº 1 e 184º do C. Penal, por factos ocorridos em 19/06/2017, na pena de 320 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. b) - Por acórdão datado de 2/06/2020, transitado em julgado em 20/01/2021, proferido no processo CC n.º 234/19.... do Juízo Central Criminal de Leiria- Juiz ..., foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, por factos ocorridos em 2019, na pena de dois anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período. B- Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa. * 2. Fundamenta o tribunal recorrido a matéria de facto, nos seguintes termos: “Por força do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Por sua vez, o art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre os requisitos da sentença, determina que ao relatório se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se, assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas também os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou a que este valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07- 5.ª).”2 “O exame crítico basta-se com o fornecimento das informações suficientes a permitir perceber o processo lógico que subjaz à formulação da convicção do julgador, deixando ver a razão do apreço que cada um desses meios de prova mereceu.”3 É o que se passa a fazer de imediato. Assim, o Tribunal fundou a sua convicção sobre a matéria de facto provada nos seguintes meios de prova: As declarações do arguido: Que inicialmente não prestou declarações, só o fazendo no final da audiência, explicando que a ama “Savage” não era sua, nunca a tendo visto e, quanto à arma branca de ponta e mola, a mesma nem funciona e era de seu pai, tal como a “boxer”. O depoimento das testemunhas: EE, militar da GNR, interveio numas buscas feitas em casa do arguido, onde foram apreendidas armas e munições que foram transportadas para a esquadra. Fora também apreendidas licenças e a testemunha verificou os manifestos e algumas das armas. Esclareceu ainda que o arguido foi algemado no início das buscas. FF, militar da GNR, também participou nas buscas efectuadas em Junho de 2017, em casa do arguido. Explicou que esteve mais a dar apoio à busca, mas participou na elaboração do auto de apreensão. Houve apoio da PSP para exame das armas. GG, arrolado pelo arguido e amigo deste, esclareceu que o conhece desde 2008 ou 2009, são visitas de casa e falam pelo telefone regularmente. Ia a casa do arguido com regularidade, pois este vende peças para a Land Rover, sendo a testemunha amador destes veículos. O arguido mostrou-lhe armas que tinha num sótão, a que chamou museu e o acesso fazia-se através de uma porta blindada e no local havia também cofres, onde o arguido disse estarem armas em estado de funcionamento. No espaço havia também armas de guerra inutilizadas; o arguido adora armas. Explicou ainda que foi uma vez com o arguido no seu próprio carro a Inglaterra, para que este comprasse armas, que trouxeram, acompanhadas de certificados de inutilização, tendo-se o arguido preocupado em saber se os mesmos eram válidos. Foram abordados pelas autoridades policiais em Portsmouth e no norte de Espanha e estava tudo em ordem. Acrescentou ainda que o arguido é caçador e muito cuidadoso e, como pessoa, é trabalhador, honesto e prestável, sendo cordial no trato com os outros. HH, militar da GNR, esclareceu que participou nas buscas efectuadas em 2017 em casa do arguido, tendo sido ela quem elaborou o expediente e redigiu o auto. As buscas tiveram na sua origem a busca de um motor, que não foi encontrado. Explicou que foi apreendida uma arma documentada e depois foram apreendidas todas as armas, como medida cautelar. Da parte da tarde, vieram elementos do núcleo de armas da PSP. Os bens apreendidos foram todos fotografados e havia armas registadas. II, militar da GNR, esclareceu que era o comandante do posto, sendo o expediente que daí sai sempre assinado por si. Esteve presente numa parte da busca, sendo a mesma motivada pela procura de um motor de um jipe. Quando encontraram as armas, contactou a magistrada do Ministério Público, tendo sido determinada a apreensão do material ilegal numa fase inicial e depois, de acordo com a Lei de Saúde Mental, foi tudo apreendido. Explicou ainda que o auto foi assinado no posto, sem que o arguido estivesse então presente. Acrescentou ainda que, para entrarem no local onde estavam as armas expostas, foi preciso rebentar uma porta blindada. JJ, militar da Força Aérea, que conhece o arguido de um outro processo, em que interveio a Polícia Judiciária Militar. Esse processo era relativo a armas de guerra e teve início com uma entrega de armas, feita pela GNR .... Depois, as armas que não foram destruídas, foram entregues à PSP ..., mas isso já não foi com a sua equipa. BB, militar, interveio em outro processo, por estarem em causa armas e munições que seriam material militar, tendo sido a sua equipa quem recebeu as armas. Foi ele quem efectuou a peritagem às armas, mas não às que se encontravam desactivadas. Decidiram entregar ao Núcleo de Armas de Leiria, tendo depois entregue tudo à PSP .... Esclareceu que teve dificuldades em enquadrar as munições como sendo de colecção, tendo sido a FNM considerada como material de guerra. Todas as armas de fogo, bem como as desactivadas estavam cobertas por licenças, mas o arguido não tinha certificados de origem, nem emitidos pela PSP, que era obrigado a ter. KK, sargento do exército na reserva, que conhece o arguido de um processo que correu no Tribunal de S. João Novo e, confrontado com fls. 1092 v. só reconhece a assinatura que aí consta como sendo sua. Conferiu os bens que lhe foram entregues, mas o arguido não estava presente quando conferiram as armas. Esclareceu desconhecer quando vieram as armas para Portugal, mas as mesmas teriam que ser obrigatoriamente apresentadas à PSP para verificação e emissão dos certificados nacionais. Perguntaram por esses certificados e os mesmos nunca foram apresentados. LL, agente da PSP ..., foi a casa do arguido para examinar e verificar as armas. Examinou os livretes e observou uma arma Savage não registada, nem manifestada. No local solicitou ao arguido os certificados de origem das armas desactivadas, não os tendo visto todos, mas o arguido não tinha os certificados nacionais. Considerou-se também a seguinte prova: Pericial: - Exames periciais às armas e munições, de fls. 619 a 644, 652 a 663, 671 a 674, 742 a 751, todas do 3.º volume. Documental: - Termo de entrega de fls. 579 a 581 – 3.º volume; - Relatório de busca domiciliária, fls. 9 a 14 – 1.º volume; - Auto de busca e apreensão de fls. 15 a 49 – 1.º volume; - Registo fotográfico de fls. 25 a 41 – 1.º volume. Da conjugação destes meios de prova, considerados no seu conjunto, resultaram os factos provados. Com efeito, as testemunhas depuseram de forma esclarecedora, sendo aqui fundamental a prova pericial, que não deixa lugar a quaisquer dúvidas sobre as características das armas em questão. Não resultaram ainda quaisquer factos que colocassem em causa a apreensão em causa, quanto à forma como a mesma foi feita, ou quanto ao que foi apreendido. Aliás, o arguido nunca impugnou o respectivo auto, bem sabendo qual o meio adequado de o fazer. “No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, a partir do momento em que se demonstram os pressupostos de facto que indicam a prática de actos integrantes do tipo legal imputado, a afirmação do elemento subjectivo é uma questão de dedução lógica, ou seja, e também aqui, de prova indiciária.”4 Assim, provada a prática dos actos pelo arguido, da forma supra descrita, facilmente se inferiram os relativos ao elemento subjectivo. Relativamente às condições sócio-económicas do arguido, as mesmas fundaram-se exclusivamente no teor do relatório social junto. Quanto aos antecedentes criminais do arguido, foi relevante o CRC também junto. IV 1. Erro notório na apreciação da prova; incorreta decisão sobre a matéria de facto; da violação do art.º 2.º, n.º 4 do C.P.. * Para apreciação destas questões bem como do demais objeto do recurso, importa fazer uma breve síntese quanto à origem dos presentes autos e subsequente processado, com o culminar dos factos provados e consequente condenação do recorrente. Enquadramento que, de algum modo o recorrente já faz, parcialmente, no seu recurso. Assim: - Os presentes autos iniciaram-se com base na certidão extraída do processo n.º 67/17...., onde foi autorizada e realizada uma busca domiciliária no qual se investigava eventual prática de um crime de burla, no âmbito da actividade de reparação de automóveis pelo arguido – v. fls 3 a 22 do 1.º volume. - Na sequência da realização de tal busca em casa do arguido em 19-06-2017, pelos OPCs foi encontrado um enorme acervo de armas e munições (várias dezenas ou mesmo centenas), pelo que foi todo esse material bélico objecto de apreensão, descrito e fotografado, conforme teor de fls. 17 a 42 do 1º volume. - Todos estes bens ou objectos apreendidos foram, em 18 de janeiro de 2018, objeto de exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Técnico Científica, da Polícia Judiciária Militar, conforme teor de fls 76 a 126, do 1º volume. - Quanto às concretas armas objeto dos presentes autos, fora ainda realizados em 2020, os exames e perícias pelo Centro Nacional de Peritagens da Direção Nacional da PSP, conforme fls 619 e seguintes. - Conforme teor do facto provado nº 26, nos tempos livres, o arguido foi coleccionador de veículos militares e material de guerra (armas e equipamentos militares etc.), tendo-se dedicado à caça grossa (javalis e veados) e à prática de tiro ao alvo nas carreiras de tiro, alegando ter deixado estes hobbys, pelo facto de lhe terem sido apreendidas as armas no âmbito de uma busca. - Relativamente aos bens ou objectos do auto de apreensão de 19.6.2017 – armas e munições – considerados material de guerra, foi o arguido julgado pela prática de um crime de comércio ilícito de material de guerra, pp pelo artigo 82º do Código de Justiça Militar por referência ao artigo 7º, alíneas c) e d) do mesmo diploma, nos autos de processo comum nº 9048/17...., tendo sido absolvido de tal crime por acórdão transitado em julgado em 17.7.2019, com o fundamento, em síntese, da “insuficiência factual da acusação que se revelou insusceptível de ser suprida pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento não tendo o tribunal possibilidade de alargar a investigação para além dos limites de factos traçados por aquela, de outra forma estaria a violar, além da garantia constitucional consagrada no artigo 32º, nº 5 da CRP, o artigo 339º, nº4, do Código de Processo Penal e a tornar nula a decisão de procedência que viesse a firmar, os termos dos artigos 359º e 379º, nº1, al. b), do mesmo Código”. - Relativamente a várias armas e munições do auto de apreensão de 19.6.2017, por despacho do Ministério Público de 18.5.2021, proferido nos presentes autos, foi determinado o seu arquivamento com o fundamento de o arguido não ter cometido qualquer crime ao possuir tais armas, munições e objetos identificados, por um lado, por a posse ilegal de alguns ser punida a nível contraordenacional nos termos do art. 97.º do RJAM e não a título penal, por outro, por se encontrarem manifestadas e poderem ser detidas pelo arguido, em virtude de ser titular da Licença de Colecionador; e outras ou por não serem punidas ou se encontrarem obsoletas, tudo conforme teor do respetivo despacho do Ministério Público. - Pelo que o objecto da acusação e consequente julgamento do arguido se restringiu às armas e munições relativamente às quais o mesmo não era titular da Licença de Colecionador e a sua detenção ser considerada ilícita e legalmente punida. ** Começa o recorrente arguido por questionar o valor probatório do auto de apreensão de 19-06-2017 com o fundamento de que não resulta dos presentes autos que o auto de apreensão tivesse alguma vez sido sujeito à necessária validação pela entidade competente, o que o fere de nulidade insuprível. Nos termos do artigo 178º, nº 6, do Código de Processo Penal, As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas. Não consta dos autos que em momento algum a apreensão em causa efectuada pelo órgão de polícia criminal tivesse sido validada como é legalmente exigível. O que significa que a mesma estava ferida de vício que poderia ser alegado em devido tempo. A não validação da apreensão realizada pelo órgão de polícia criminal não integra o elenco das nulidades insanáveis previsto no artigo 119.º do Código Processo Penal nem é cominada como tal no respetivo preceito legal (artigo 178º, nº 6, do Código de Processo Penal). Pelo que deve considerar-se uma nulidade sanável, sujeita ao regime previsto nos artigos 120.º e 121.º do Código Processo Penal – v. ac. do TRP de 21-01-2015, proc. nº 27/14.5PEVNG-A.P1. Também o Conselheiro Santos Cabral no Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, a fls 759, entende que “a omissão da validação pela autoridade judiciária de apreensão efetuada pelo órgão de polícia criminal constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, nº 2, al. d)”. O mesmo entendimento é perfilhado por Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, em anotação ao respetivo artigo 178º, pág. 491. Ora, se é verdade que esta apreensão não foi legalmente validada no respetivo prazo, também é verdade que só agora tal vício é alegado pelo arguido recorrente, sendo certo que o mesmo já interveio nos presentes autos em muitos momentos processuais posteriores ao vício, o que significa que a nulidade já se encontra sanada pelo decurso do prazo para a sua arguição, devendo assim a apreensão considerar-se válida e a produzir todos os efeitos jurídicos dela decorrentes. ** Nas conclusões nºs 32 e 33 vem o recorrente dizer que “conforme consta da prova pericial, os requisitos de conformidade legal das armas desativadas e de outros bens, foram apreciados à luz do anexo I do Regulamento de Execução “EU” n.º2403/2015, de 15 de dezembro, com alterações feitas pelo Regulamento de Execução “EU” n.º 337/2018, de 5 de março e com o Despacho n.º 8717/2019 da Direcção Nacional da PSP. Tendo assim sido apreciadas, examinadas e peritadas aquelas armas e munições à luz de normativos que inexistiam sequer aquando da apreensão desses bens na posse do arguido, resultando inequívoca errada aplicação da Lei no tempo, violando o art.º 2º, n.º 4 do Código Penal”. Concluindo assim o recorrente que “não era o arguido detentor de licença de uso e porte de armas da classe A, nem teria que o ser, porque não era aquele detentor de nenhuma arma ou munição daquela classe. Na data em que foram apreendidas as armas e munições ao arguido, em 19-06-2017, nenhuma daquelas armas e munições eram ou poderiam ser classificadas como de classe A, porquanto eram detidas no contexto de colecionismo e em conformidade com as disposições legais em vigor naquela data. As armas desativadas que o arguido detinha naquela data, encontravam-se todas perfeitamente desativadas, impossibilitadas de produzir disparos e eram titulares de certificados de desativação emitido por entidades certificadas para o efeito, algumas delas estrangeiras, tudo conforme resulta dos documentos juntos com a contestação” – cls 39, 40 e 41. * Não assiste razão ao recorrente nesta parte. À data da ocorrência dos factos, em 19-06-2017, estava em vigor a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES) na última redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24/07. Nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea j), desta Lei, «Arma automática» é a arma de fogo que, mediante uma única acção sobre o gatilho ou disparador, faz uma série contínua de vários disparos. E nos termos das alíneas: r) - «Arma de fogo inutilizada» a arma de fogo a que foi retirada ou inutilizada peça ou parte essencial para obter o disparo do projéctil e que seja acompanhada de certificado de inutilização emitido ou reconhecido pela Direcção Nacional da PSP; t) - «Arma de fogo desactivada» a arma de fogo a que foi retirada peça ou peças necessárias para obter o disparo do projéctil;
Por sua vez, nos termos do artigo 3º, nº 2, alínea b), São armas da classe A, as armas de fogo automáticas. E nos termos do nº 9, do mesmo preceito, eram armas e munições da classe G: a) As armas veterinárias; b) As armas de sinalização; c) As armas lança-cabos; d) As armas de ar comprimido de aquisição livre; e) As reproduções de armas de fogo para práticas recreativas; f) As armas de starter; g) As armas de alarme ou salva que não estejam incluídas na alínea n) do n.º 2 do presente artigo; h) As munições para armas de alarme ou salva e para armas de starter.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 50/2019, de 24/07, que veio alterar a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, foi revogada a alínea r), do artigo 2º, nº 1, ou seja, a alínea respeitante à definição/conceito de «Arma de fogo inutilizada» e o nº 9 do artigo 3º da mesma Lei n.º 5/2006, passou a integrar na categoria de armas e munições da classe G, também as armas de fogo desativadas – v. respetiva alínea i), aditada por aquela Lei.
E foi também aditado o artigo 11º-B, com o seguinte teor: Desativação de armas de fogo e certificado de desactivação 1 - A desativação de arma de fogo obedece às normas estabelecidas no Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 da Comissão, de 15 de dezembro de 2015, alterado pelo Regulamento de Execução (UE) 2018/337 da Comissão, de 5 de março de 2018. 2 - A arma de fogo desativada por armeiro deve ser apresentada à PSP para emissão de certificado, antes da sua entrega ao proprietário. 3 - A certificação ou reconhecimento de arma desativada determina a sua reclassificação automática em arma da classe G. 4 - O certificado de desativação emitido por autoridade competente de Estado-Membro deve ser comunicado à PSP no prazo de 15 dias após a transferência ou importação. 5 - Fora dos casos previstos no número anterior, a transferência ou importação de arma de fogo desativada é sujeita a peritagem no Centro Nacional de Peritagens da PSP. 6 - Caso a desativação de arma para importação esteja em conformidade com o Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 da Comissão, de 15 de dezembro de 2015, a PSP promove a marcação da arma e a emissão de certificado de desativação antes da sua entrega ao proprietário. 7 - Caso a desativação de arma para transferência esteja em conformidade com o Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 da Comissão, de 15 de dezembro de 2015, a PSP promove a sua entrega ao proprietário. 8 - Se a desativação da arma não estiver conforme com o Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 da Comissão, de 15 de dezembro de 2015, a PSP promove a sua desativação, quando solicitado pelo proprietário, ou aplica os procedimentos previstos para a transferência ou importação de armas de fogo.
Daqui resulta que, ao abrigo da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro - REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES – apenas a partir da entrada em vigor das alterações da Lei nº 50/2019 a certificação ou reconhecimento de arma desativada determinou a sua reclassificação em arma da classe G. * O REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2015/2403 DA COMISSÃO de 15 de dezembro de 2015, aplicável a partir de 8 de abril de 2016 (v. artigo 9º do regulamento), já dispunha sobre esta matéria – desativação de armas de fogo: Artigo 1ª Âmbito de aplicação 1.O presente regulamento é aplicável às armas de fogo das categorias A, B, C ou D, como definidas no anexo I da Diretiva 91/477/CEE. Artigo 3º Controlo e certificação da desativação de armas de fogo 1.Os Estados-Membros devem designar uma autoridade competente que verifique que a desativação da arma de fogo foi efetuada em conformidade com as especificações técnicas estabelecidas no anexo I («entidade de controlo»). (…) 4.Se a desativação da arma de fogo foi realizada em conformidade com as especificações técnicas estabelecidas no anexo I, a entidade de controlo deve remeter ao proprietário da arma de fogo um certificado de desativação de acordo com o modelo previsto no anexo III.
Por sua vez, o REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2018/337 DA COMISSÃO de 5 de março de 2018 no seu artigo 1º, veio dispor o seguinte: O Regulamento de Execução (UE) 2015/2403 é alterado do seguinte modo: 1) O artigo 1º, nº 1, passa a ter a seguinte redação: «1.O presente regulamento é aplicável às armas de fogo de todas as categorias enumeradas no anexo I, parte II, da Diretiva 91/477/CEE.» 2) O artigo 3º, nº 1, passa a ter a seguinte redação: «1.Os Estados-Membros designam uma autoridade pública competente para verificar que a desativação da arma de fogo foi efetuada em conformidade com as especificações técnicas estabelecidas no anexo I («entidade de controlo»).»
Finalmente, o despacho 8717/2019, de 2 de Outubro, da Direção Nacional de Polícia de Segurança Pública, DR n.º 189/2019, Série II de 2019-10-02, veio estabelecer/regular o reconhecimento e certificação de desativação das respetivas armas. De acordo com os exames e perícias de fls 619 e seguintes realizados no ano e 2020 pelo Centro Nacional de Peritagens da Direção Nacional da PSP e referentes às armas em causa nos presentes autos (ids. no facto provado nº 1), as mesmas não foram consideradas armas de fogo desativadas por não cumprirem os requisitos de conformidade com o anexo I do REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2015/2403 DA COMISSÃO de 15 de dezembro de 2015, com as alterações feitas pelo REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2018/337 DA COMISSÃO de 5 de março e com o despacho nº 8717/2019, de 2 de Outubro, da Direção Nacional de Polícia de Segurança Pública. ** Feitos estes considerandos normativos, importa agora averiguar se a detenção e posse das armas em causa (bem como dos restantes objectos, culatras, munições carregadores), deve considerar-se lícita e legal, ainda que o arguido não fosse titular de licença de uso e porte de armas da classe A, como ele próprio reconhece na conclusão nº 39 e foi dado como provado no facto nº 4. Do factualismo provado resulta do facto nº 3, que As armas de fogo identificadas sob os n.os 1. a 11 e 22, apesar de terem sido intervencionadas a fim de serem desactivadas, não o foram na sua totalidade, faltando o respectivo certificado de desactivação. * Se é certo que a questão da desativação de armas de fogo e respetiva certificação e reconhecimento apenas expressamente tratada pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, que veio alterar a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro nomeadamente com o aditamento do artigo 11º-B e a sua classificação como arma da classe G com a respetiva certificação ou reconhecimento de arma desativada (v. nº 3 deste preceito supra transcrito), a verdade é que o REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2015/2403 DA COMISSÃO de 15 de dezembro de 2015, aplicável a partir de 8 de abril de 2016, já previa o controlo e certificação da desativação de armas de fogo da classe A. E dispõe o artigo 288º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia no CAPÍTULO 2 (ATOS JURÍDICOS DA UNIÃO, PROCESSOS DE ADOÇÃO E OUTRAS DISPOSIÇÕES) SECÇÃO 1 (OS ATOS JURÍDICOS DA UNIÃO): “Para exercerem as competências da União, as instituições adotam regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres. O regulamento tem caráter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros”. Estes regulamentos são, pois, atos jurídicos de aplicação geral, obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis nos Estados-Membros da UE. Poderá argumentar o recorrente que quando as armas lhe foram apreendidas na busca em 19-06-2017, ainda não estava regulamentada no nosso país a certificação da desativação. Sendo verdadeira esta afirmação, também nessa data e momento não estava legalmente prevista na legislação interna nacional a classificação das armas em causa como armas da classe G). O que significa que tais armas, ainda que já intervencionadas a fim de serem desactivadas, não estavam legalmente reconhecidas nem certificadas como desativadas. Relevante é ainda que, nos exames periciais realizados a tais armas pelo Centro Nacional de Peritagens da Direção Nacional da PSP em 2020, as mesmas não foram consideradas armas de fogo desativadas, por não cumprirem os requisitos de conformidade com o anexo I do REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2015/2403 DA COMISSÃO de 15 de dezembro de 2015. Ora, este anexo I refere as especificações técnicas para a desativação das armas de fogo conforme o respetivo tipo, onde se incluem nomeadamente as armas de fogo automáticas, descrevendo-se no quadro II do respetivo anexo I, as operações específicas por componente. De onde se pode e deve concluir que as intervenções já realizadas nestas armas para a sua desativação, não obedeciam às exigências das especificações técnicas para a desativação das armas de fogo já legalmente em vigor, através do mencionado regulamento da EU 2015/2403, Anexo I. O que significa que tais armas de fogo automáticas pertenciam à classe A, segundo a classificação então legalmente em vigor. * Refere o recorrente na conclusão nº 34 que “Quanto à segunda questão, a errada apreciação destas provas, importa evidenciar que resulta da prova documental junta aos autos com a contestação do arguido que os bens que foram apreendidos em casa do arguido no dia 19-06-2017, não correspondem aos que constam do auto de apreensão, porquanto resulta inequívoco dessa prova documental que os bens que foram entregues pela GNR ... à PJM do ... não são os que constam do auto de apreensão, mostrando-se alguns a mais, outros a menos e outros diferentes, tudo, colocando inequivocamente em causa o valor probatório do referido auto de apreensão, que nunca foi sujeito a validação por entidade competente, nem apresentado ao arguido para sua apreciação e conferência”. Não tendo o recorrente, nem nas conclusões nem na motivação de recurso, identificado ou descriminado os concretos bens ou objectos a que se refere, está este tribunal impossibilitado de definir o exato objeto do recurso e, consequentemente, impossibilitado de apreciar ou conhecer qualquer pretensão a este respeito. * Por todo o exposto, será de concluir pela improcedência da pretensão do recorrente quanto à violação do disposto no art.º 2º, n.º 4 do Código Penal e incorreta decisão sobre a matéria de facto que foi dada como provada, nos termos analisados. ** 2. Da violação do princípio in dubio pro reo e da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (art.º 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal e art.º 205º, n.º 1 da CRP). Diz o recorrente que “inexiste na decisão recorrida a necessária e suficiente fundamentação, que torna ininteligível a decisão proferida em relação à decisão sobre a matéria de facto, o que fere de nulidade a decisão proferida, que não realiza o necessário exame crítico das provas que serviram de base para criar a convicção do tribunal, bastando-se pela enumeração dos meios probatório que diz ter considerado, sem qualquer análise crítica” – v. conclusão nº 46. Mais afirma, na conclusão nº 48 que “Decidindo conforme decidiu, o tribunal a quo violou indubitavelmente o princípio in dubio pro reo do ora recorrente, que sente ter entrado em julgamento já condenado e assim dele saiu, por não ter conseguido nele demonstrar ser inocente, o que não lhe era, natural e legalmente, exigido”. Sobre estas questões nada mais acrescenta o recorrente na motivação de recurso. * O dever de fundamentação que emerge do disposto no artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal, significa que o tribunal tem de explicitar o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas, a razão pela qual a convicção do tribunal se formou em determinado sentido. Ou seja, através da fundamentação da matéria de facto, deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. Ou, como se decide no acórdão do STJ de 24.10.2012, proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1 «o dever de fundamentação da decisão começa e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida». Com este dever de fundamentação da decisão judicial – com consagração constitucional no nº 1 do artigo 205º da CRP/76 - pretende-se que o princípio da livre apreciação da prova do artigo 127º do C.P.P. não se traduza num mero arbítrio do julgador mas sim em um dever, no sentido de que deve explicitar todo o raciocínio lógico seguido para dar a matéria fática como provada de modo a que a decisão possa não só ser percebida pelos seus destinatários (os sujeitos processuais e comum cidadão), como possa ainda ser sindicada pelo tribunal superior ou de recurso. Ora, compulsado o teor da motivação do tribunal recorrido integralmente supra reproduzida, afigura-se que a mesma é deveras e suficientemente expressiva e esclarecedora sobre o iter lógico do raciocínio do julgador ao valorar a prova produzida e ao dar como provada a matéria de facto vertida na sentença. De resto, a prova é essencialmente documental e pericial, cuja validade legal não está posta em causa como se apreciou na questão anterior. Disso mesmo o tribunal recorrido dá nota na fundamentação ao enumerar as provas valoradas, não só pericial como também testemunhal. Estamos, evidentemente, a referirmo-nos aos factos da acusação e nos quais se alicerça a responsabilidade criminal do arguido, analisando-se mais adiante a eventual omissão de pronúncia quanto aos factos da contestação bem como quanto à fundamentação sobre a perda dos objectos a favor do Estado. Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, depois de identificar as provas produzidas e relativamente a cada uma delas realçar o que considerou de mais relevante, faz uma síntese final que de novo se reproduz: “Da conjugação destes meios de prova, considerados no seu conjunto, resultaram os factos provados. Com efeito, as testemunhas depuseram de forma esclarecedora, sendo aqui fundamental a prova pericial, que não deixa lugar a quaisquer dúvidas sobre as características das armas em questão. Não resultaram ainda quaisquer factos que colocassem em causa a apreensão em causa, quanto à forma como a mesma foi feita, ou quanto ao que foi apreendido. Aliás, o arguido nunca impugnou o respectivo auto, bem sabendo qual o meio adequado de o fazer. “No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, a partir do momento em que se demonstram os pressupostos de facto que indicam a prática de actos integrantes do tipo legal imputado, a afirmação do elemento subjectivo é uma questão de dedução lógica, ou seja, e também aqui, de prova indiciária.”4 Assim, provada a prática dos actos pelo arguido, da forma supra descrita, facilmente se inferiram os relativos ao elemento subjectivo”. Termos em que não assiste razão, nesta parte, ao recorrente. *. Quanto à violação, na sentença, do princípio do in dubio pro reo, manifestamente não assiste razão ao recorrente. Como decidiu o STJ, a violação do princípio do in dubio pro reo só se verifica “quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido” – v. ac. do STJ de 18.3.98, proc. nº 1543/97 e ac. do STJ de 24.3.99, Col. Jurisp., Acs. do STJ, I, 247. Ou, como se decide no ac. desta Relação de Coimbra de 25.10.2017, proc. nº 403/16.9GASEI.C1[2]: VI - Se produzida a prova, subsiste na mente do julgador um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se-lhe proferir uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
A fundamentação do julgador a quo não evidencia qualquer dúvida sobre o decidido em matéria de facto. Nem motivo para a equacionar. Como se apreciou na questão anterior, a prova é essencialmente documental e pericial, cuja validade legal não está em causa. E as dúvidas suscitadas quanto à mesma pelo recorrente, foram já supra apreciadas. Ou seja, ao tribunal recorrido não se suscitou qualquer dúvida que justificasse a aplicação do princípio do in dubio pro reo. E da análise feita por este tribunal, nomeadamente da apreciação sobre o decidido pelo julgador a quo, não existe fundamento válido para que seja chamado à colação tal quanto à fixação da matéria de facto a apreciar e juridicamente a relevar. Pelo que deve improceder também esta pretensão do recorrente. ** 3. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. Segundo o teor da conclusão nº 9, entende o recorrente que “a matéria alegada pelo arguido, quer a expressamente alegada na sua contestação (art.ºs 3º a 8º da contestação), quer a resultante da prova documental que juntou aos autos com a sua contestação, quer a que resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou, não foi considerada pelo tribunal a quo na decisão que proferiu, que fez “tábua rasa” dessa factualidade, não tomando sobre ela qualquer decisão, decidindo-a provada ou não provada, não obstante ter resultado factualidade que constitui matéria relevante e necessária para a decisão a proferir”. Pelo que a decisão proferida está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, conclui – v. conclusão nº 12. * Deve distinguir-se desde já a matéria alegada pelo recorrente na contestação e que em seu entender não foi objecto de apreciação pelo tribunal recorrido, da matéria que eventualmente resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou ou seja, da discussão da causa, pois se aquela consta expressamente da dita peça processual – contestação -, quanto a esta não está a mesma minimamente identificada nem concretizada pelo recorrente, pelo que não tem este tribunal de recurso meio ou possibilidade de sindicar se foi discutida alguma matéria para além da constante da acusação e da contestação, com relevância para a decisão e que não conste da matéria de facto provada ou não provada. Quanto à prova documental, tendo esta exatamente a natureza de meio de prova, tal documentação relevará, ou não, apenas e na medida para dar como provados ou não provados factos relevantes e alegados para a boa decisão da causa. Em síntese, a questão suscitada restringe-se tão só à apreciação e análise do teor da contestação para avaliar da verificação ou não do vício alegado, a omissão de pronúncia. * Dispõe o nº 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados…”. E que factos provados e não provados serão estes? A resposta é dada pelo disposto no artigo 368º, nº2, do Código de Processo Penal: “2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber[3]: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil”.
Pretende o legislador que o tribunal aprecie e tenha em conta toda a matéria submetida à apreciação e decisão – acórdão do S.T.J. de 3-5-1995, processo 047687. Mas esta exigência está limitada aos factos relevantes. Esta vinculação do tribunal existe apenas para os factos relevantes, sendo para este efeito factos relevantes os que integram os pressupostos do crime imputado ao agente, cuja indiciação determinou a dedução de acusação e realização do julgamento; os que integrem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa; e os que influenciem a escolha e medida da pena – vide, entre outros os acórdãos do S.T.J. de 29-11-1995, processo 048402, de 11-12-1996, processo 047136, de 15-12-1998, processo 98P1160; do T.R.P. de 8-1-2003, processo 0212494; do T.R.E. de 26-9-2006, processo 167/06-1, de 3-12-2013, processo 864/03.6TAPTM.E1, de 24-1-2017, processo 218/12.3TAFAR.E1; do T.R.L. de 12-7-2018, processo 523/15.7T9OER.L1-9. Neste sentido v. também o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-05-2011, proferido no âmbito do processo nº 113/09.3GBFVN.C1 (relator Paulo Guerra), “o dever de fundamentação de uma sentença exige a enunciação como provados e não provados de todos os factos relevantes para: a imputação penal; determinação da sanção; responsabilidade civil, constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respetivas contestações, incluindo os factos não provados da contestação, importando, pois, saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação” [4].
Daqui se infere que, se só os factos considerados relevantes devem ser apreciados na sentença, dando-os como provados ou não provados, a omissão de pronúncia sobre os factos não relevantes é, obviamente, irrelevante, não constituindo nulidade ou qualquer outro vício da sentença. Aqui se incluem, nos factos irrelevantes, à contrário, os factos que nenhuma influência tenham sobre o objeto da decisão, aqueles que nada determinem quanto à descrição do crime e quanto à graduação da respetiva responsabilidade do arguido, nomeadamente a espécie e medida da pena.
Outra questão que se coloca é saber de que forma ou em que termos os factos (relevantes), devem ser enumerados. O acórdão do S.T.J. de 6-2-1991, proferido no processo 041200, entende que a enumeração dos factos deve ser feita um a um. Já o acórdão do mesmo tribunal de 31-1-1996, proferido no processo 048564, diz que enumerar os factos provados e não provados, para efeitos do art. 374º, nº 2, é especificá-los, narrá-los e selecioná-los metodicamente. “Esta reprodução do texto da acusação e/ou contestação no texto da sentença é a forma mais comum de fundamentação. É, também, a forma mais fácil de elencar os factos julgados provados e não provados, na medida em que bastará para a tarefa de conhecer todos os factos relevantes ir seguindo o texto da acusação, contestação, pedido de indemnização. Sendo a mais comum e a mais fácil, pensamos que é, também, a mais correcta, pois permite identificar, de forma célere e segura, qualquer omissão de pronúncia que se verifique” – ac. TRC de 18.5.2022, proc. nº 135/17.0JACBR.C1. Mas se este entendimento é o que se ajusta e deve ser seguido quanto aos factos provados, exatamente para evitar dúvidas sobre se o tribunal julgou provado ou não um determinado facto, entende-se que este rigor não será de exigir e aplicar à enumeração dos factos julgados não provados, sendo essencial, sim, que resulte inequívoco que o tribunal os apreciou, que analisou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes submetidos ao seu julgamento (v. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 31-1-1996, e do T.R.E. de 20-3-2000, BMJ nº 495, pág. 382). * Na contestação o recorrente alega nomeadamente os seguintes factos: 1. “o Arguido oferece o merecimento dos Autos. 2. E demais circunstâncias dirimentes, impedientes e atenuantes que se provarem em Audiência de Discussão e Julgamento. 3. Importa ainda referir que o arguido é residente no lugar ..., união de freguesias ... e ..., Concelho ..., distrito ..., lugar onde vive há mais de 20 anos, onde é por todos conhecido e reconhecido como uma pessoa séria e honesta, honrada e trabalhadora" sendo por todos acarinhado e admirado pelas suas qualidades 4. Tendo sempre participado no desenvolvimento e crescimento da comunidade em que vive, desenvolvendo desde muito novo as mais diversas iniciativas, tanto em manifestações sócio-culturais, como desportivas, tendo representado Portugal em eventos desportivos internacionais ("Paris - Dakar"), sempre em busca do bem-estar da localidade onde reside e sua população. 5. O arguido há já vários anos que se dedica à actividade de caça grossa e é colecionador de armas, munições e outros artigos com valor histórico, de natureza militar e civil. 6. É titular de licenças de uso e porte de armas das classe C, F e coleccionador, bem como do cartão europeu de armas de fogo, encontrando-se inscrito em várias associações de Colecionadores de Armas, Munições e veículos militares, tendo frequentado curso de colecionador de armas. 7. A sua actividade de coleccionismo visa: a) a preservação de armas e munições antigas ou históricas e contemporâneas, de natureza militar ou civil; b) o estudo do património histórico de forças armadas ou militarizadas e outras forças de segurança; c) a preservação de armas e munições utilizadas ou concebidas para defesa pessoal ou tiro desportivo; d) a preservação de armas utilizadas ou concebidas para uso venatório; e) o estudo do património histórico da indústria armeira em geral; f) o estudo das técnicas de restauro e preservação das armas e munições; g) o estudo da arquitectura militar; h) O estudo e reconstituição histórica de batalhas militares; i) o estudo e preservação de objectos, equipamentos, fardas e coberturas militares ou outras; j) participar em colóquios, seminários e conferências relativos ao conhecimento e preservação de armas e munições históricas. 8. A sua actividade caça grossa e o facto de ser colecionador confere-lhe um gosto especial por armas, munições e outros artigos de natureza militar, razão pela qual a sua colecção representa um acervo com valor de colecionismo e histórico considerável.
Juntou vária prova documental, nomeadamente certificação da Associação Açoriana de Colecionadores de armas e munições certificando as condições de segurança para a guarda das armas; sócio de clube de tiro de ...; da Associação Portuguesa de colecionadores e munições; da Associação Açoriana de Colecionadores de armas e munições e colecionadores; Associação Portuguesa de veículos militares; e certificados vários de desativação e neutralização de armas. E foi produzida prova testemunhal ** No factualismo provado e não provado, apenas consta como matéria provada, que de algum modo tem alguma conexão com o teor do factualismo invocado pelo recorrente na contestação, o seguinte: - Facto provado nº 16: Aos 33 anos passou a integrar a competição de corridas de rallys de todo o terreno, ao nível nacional e internacional, mantendo-se essa situação durante mais de 10 anos. - Facto provado nº 26: Nos tempos livres, o arguido foi coleccionador de veículos militares e material de guerra (armas e equipamentos militares etc.), tendo-se dedicado à caça grossa (javalis e veados) e à prática de tiro ao alvo nas carreiras de tiro, alegando ter deixado estes hobbys, pelo facto de lhe terem sido apreendidas as armas no âmbito de uma busca.
E no acórdão, ao apreciar a sanção e respetiva medida, o tribunal recorrido refere o seguinte que tem, de algum modo, alguma conexão com o teor do factualismo invocado pelo recorrente na contestação: “Ao definir a pena, o julgador deve procurar entender a personalidade do arguido para, adequadamente, determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformidade com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformidade a medida da censura pessoal do agente, ou seja, a medida correspondente à culpa manifestada. (…) Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele- cfr. artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. Ou seja: (…) c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- o arguido detinha as referidas armas, nas aludidas circunstâncias, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei; (…) Em suma, as considerações de prevenção geral são elevadas, uma vez que os crimes de arma proibida constituem uma ameaça à paz social e à segurança. Quanto à prevenção especial, as penas a aplicar têm de fazer sentir convenientemente ao arguido a reprovabilidade das suas condutas, condição essencial para o arguido não tornar a delinquir. A culpa situa-se em níveis altos, sendo que era exigível ao arguido que não praticasse os actos que praticou”. ** Numa breve análise ao apreciado/decidido pelo tribunal recorrido e ao que foi alegado pelo recorrente na contestação, facilmente se constata que a pronúncia do tribunal sobre factos relevantes pelo arguido, quer quanto à sua personalidade (v. facto nº 2 da contestação) quer quanto às suas actividades desenvolvidas (v. factos nºs 4 e 7 da contestação) e essencialmente aos motivos do gosto pelas armas e concretas atividades que realizou, como colecionador, estudo enquanto património, preservação e restauro (v. nº 7 da contestação) fica muito aquém do que foi efetivamente alegado pelo recorrente. Pois a dar-se como provado tudo o que foi alegado pelo recorrente, a abordagem à sua personalidade e motivação da prática dos factos será diferente daquela em que se apoiou o tribunal recorrido na decisão. O que poderia ter consequências na fixação da concreta medida da pena. Do mesmo modo que, se tais factos forem dados como não provados, a sua relevância não poderá ser equacionado pelo julgador. * Compulsado todo o teor do acórdão, do mesmo não resulta que o tribunal recorrido se tenha pronunciado expressamente sobre o exato teor dos factos da contestação, com a ressalva dos factos nºs 16 e 26, que, como já se disse, é muito exígua quanto a todo o acervo alegado pelo arguido. É certo que quanto aos factos não provados, o julgador usou a fórmula genérica de Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa. Já na motivação da matéria de facto provada e não provada, o jugador por um lado, é completamente omisso quanto a qualquer fundamentação do factualismo não provado, não lhe fazendo qualquer referência. E quanto ao factualismo provado e mais concretamente aos factos nºs 16 e 26º, também não é feita qualquer menção expressa na motivação. Situação que nos leva a questionar e, por sua vez, a afirmar, que o tribunal recorrido simplesmente não se pronunciou sobre os exatos factos alegados pelo arguido na contestação. Tendo em conta a clareza e articulação (numerada) do factualismo alegado nessa peça processual e a sua relevância nos termos já analisados, quer tendo por base a natureza do crime em causa quer os eventuais efeitos na determinação da sanção, entende-se que será de exigir ao julgador que se pronuncie expressamente sobre esta concreta matéria, segundo uma fórmula expressa e inequívoca e que passa necessariamente, segundo a jurisprudência supra citada de, na fundamentação, seguindo o texto da respetiva contestação, elencar como factos provados ou não provados, cada um deles de entre os que efetivamente são relevantes e que ainda são vários.
Todos estes considerandos nos levam a concluir que efetivamente existe uma omissão de pronúncia quanto a todo o factualismo alegado pelo recorrente arguido na sua contestação, o que constitui a nulidade parcial do acórdão por omissão de pronúncia – v. artigo 379º, n.º 1 als a) e c), do Código de Processo Penal com a consequente falta de fundamentação exigida pelo artigo 374º, n.º 2, do mesmo diploma. * 4. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto às armas e munições declaradas perdidos a favor do Estado - (art.º 374º, n.º 2 do CPP, art.º 205º, n.º 1 da CRP). Diz o recorrente nas conclusões: 56. O arguido, na sua contestação, impugnou, contestando, o pedido formulado pelo Ministério Público nesse sentido, alegando nos termos melhor transcritos em sede de alegações. 57. Ora, o tribunal a quo decidindo, como decidiu, sem qualquer fundamentação para o efeito, limitando-se a citar normas jurídicas, fere esta decisão de nulidade por falta de fundamentação. 58. E ainda, de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto, não produziu uma única “palavra” sobre a contestação que o arguido efectuou nesse sentido. * O acórdão aprecia esta questão da perda dos objetos nos seguintes termos: “Dos objectos: Como resulta dos autos, foram apreendidas as aludidas armas e munições, que o arguido detinha. Assim, determinamos a sua perda a favor do Estado e a sua oportuna entrega à PSP- art. 109.º, n.º 1, do Código Penal e art. 78.º do RJAM. * Dispõe o artigo 109º, nº1, do Código Penal, o seguinte – redação dada pela Lei nº 30/2017, de 30 de Maio: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática”.
Segundo este preceito, são pressupostos para a declaração da perda do objecto a favor do Estado: - que o objecto tenha servido para a prática de facto ilícito ou estivesse destinado a servir para a sua prática; - que a sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas; - que ofereça sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Por sua vez, a perda do objeto da prática de um crime não é automática, ou seja, não existe uma relação causal e imediata da prática do crime pelo agente e consequente perda do objeto a favor do Estado. Se assim fosse, não teria qualquer razão o recorrente na sua pretensão. Mas a perda deve ser apreciada à luz dos pressupostos exigidos pelo supra citado artigo 109º, nº1, do Código Penal. E, manifestamente, o julgador não fez esta avaliação ou fundamentação, limitando-se a referir ou a remeter para aquele preceito legal. É certo que os objectos estão descritos nos autos e que o arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida nos termos já analisados, embora tais objetos integrem várias classes de armas. Mais uma vez o recorrente, na sua contestação, se opôs ao pedido do Ministério Público para que todos os objectos fossem declarados perdidos a favor do Estado, com o fundamento de que não distingue entre os vários objectos que são propriedade do arguido e que o mesmo detinha legitimamente e devidamente autorizado daqueles que alegadamente detinha ilegalmente, como não fundamenta minimamente os requisitos previstos no artigo 109º, do Código Penal e 185º, do Código de Processo Penal, limitando-se a invocar tais normativos, sendo que não bastará a natureza e características dos objectos para que se verifiquem reunidos todos os pressupostos necessários para que tal pedido seja julgado procedente. Ora, sem prejuízo da natureza dos objectos em causa – legalmente considerados como armas, de várias classes - e da condenação do recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida, a verdade é que o julgador não está dispensando de apreciar e fundamentar a perda dos bens a favor do Estado à luz dos pressupostos exigidos pelo artigo 109º, nº1, do Código Penal. Ainda que esta condenação do arguido e as caraterísticas dos concretos objectos apontem para a verificação dos pressupostos legalmente exigidos por aquela disposição legal. Ao fundamentar a efetiva perda dos bens o julgador estará não só a esclarecer perante terceiros e a permitir ao tribunal de recurso a sindicância da bondade de decisão sobre esta matéria, como a esclarecer essencialmente o próprio recorrente sobre as dúvidas colocadas na contestação e que agora renova, de forma mais ampliada, é certo, mas com base em factos que também alegou na contestação e sobre os quais já se decidiu pela omissão de pronúncia, o que o leva a afirmar nas conclusões nºs 59 e 60, já supra citadas, o seguinte: 59. Mesmo que assim nãos e entenda, sempre esta decisão carece de fundamento, porquanto, tais bens, não obstante se tratarem de armas e munições, estão inutilizadas, impossibilitadas de produzir disparos, tratando-se portanto de bens com valor no colecionismo, inofensivos para a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas, não se tratando de bens utilizados ou em risco de serem utilizados para a prática de qualquer crime. 60. Em súmula, importa realçar que o arguido detinha todos aqueles bens com o único propósito de os conservar e manter como colecionador que era, sendo proprietário de uma vasta colecção, que lhe foi apreendida na totalidade naquele dia 19-06-2017, colecção em que investiu todas as suas poupanças que acumulou ao longo da sua vida, por nutrir, como se demonstrou, elevado interesse histórico por todos aqueles artigos e o que eles representaram para a história militar de vários países. Nestes termos, entende-se que se verifica, quanto à questão da perda dos bens a favor do Estado, nulidade por falta de fundamentação - artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal. * 5. Do erro na determinação da medida da pena. Nesta questão, suscita o recorrente a fixação da medida concreta da pena, pugnado por uma pena mais baixa que a aplicada pelo tribunal recorrido. Tendo-se decidido supra pela nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação quanto ao factualismo alegado pelo recorrente arguido na sua contestação com eventuais efeitos na determinação da medida concreta da pena, desde já se julga esta questão prejudicada, tendo exatamente como pressuposto o suprimento da respetiva nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação quanto a esse factualismo. V Dispositivo Por todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso do recorrente AA e, consequentemente: - Declara-se a nulidade parcial da sentença por omissão de pronúncia quanto ao factualismo alegado pelo recorrente arguido na sua contestação ao abrigo do artigo 379º, n.º 1 als a) e c), do Código de Processo Penal o que se traduz ainda na falta de fundamentação exigida pelo artigo 374º, n.º 2, do mesmo diploma. - Face à declaração desta nulidade por omissão de pronúncia, julga-se prejudicada a questão do erro na determinação da medida da pena. - Mais se declara a nulidade parcial da sentença por falta de fundamentação quanto à perda dos objetos declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 al. a), ambos do Código de Processo Penal. - Julgam-se as demais questões suscitadas pelo recorrente, improcedentes. - Baixem os autos à primeira instância para suprimento das respetivas nulidades. * Sem custas. * Coimbra, 26.4.2023. Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários.
[1] Conclusões apresentadas/reformuladas na sequência do despacho proferido pelo relator em 2.3.2023, ao abrigo do artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal. [2] Relator Vasques Osório [3] Sublinhado nosso. [4] V. ainda Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, António Henriques Gaspar e outros Conselheiros do STJ, fls. 1169; e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-03-2014, proferido no processo 811/12.4JACBR.C1 (relator Belmiro Andrade). |