Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134-A/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
PROPORCIONALIDADE
OPOSIÇÃO
VALOR
Data do Acordão: 05/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 821.º;833.º; 836.º; 863.º-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 601.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O conceito de suficiência dos bens penhorados desdobra-se, para o exequente, em duas exigências de sentido diverso: por um lado, a de que o valor a realizar com os bens apreendidos se mostre superior ou, pelo menos, equivalente, em termos matemáticos, ao da soma das importâncias relativas ao crédito do exequente e às custas; por outro lado, a de que a realização desse valor possa ser eficientemente obtida pelo exequente, o que também quer dizer num período de tempo razoável.
2. Se o exequente, para obter o seu crédito, tem de aguardar vários anos pela acumulação do desconto de quantias extraídas de créditos do executado, não se pode afirmar que os bens penhorados satisfaçam plenamente o escopo da execução e, nessa acepção, sejam eficientes, isto é, dispensem a penhora de outros bens com possibilidade de mais célere realização de valor.
3. Não há excesso de penhora quando é penhorado um imóvel, não obstante já estarem a ser efectuados descontos da pensão do executado que, a manter-se, faça prolongar a realização do crédito por tempo excessivo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A....., na execução para pagamento de quantia certa com processo ordinário que no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia lhe é movida pela CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., notificada da penhora que foi decretada sobre determinado prédio urbano a ela pertencente, veio deduzir oposição à referida penhora ao abrigo do art.º 863-B do CPC, invocando a inadmissibilidade do referido acto pelo facto de o valor do bem penhorado exceder largamente o montante ainda por satisfazer do crédito exequendo – de apenas € 18.755,92 – uma vez que, achando-se depositado o valor de € 6.703,92 por virtude da penhora de 1/3 da reforma da executada, é expectável o pagamento integral da dívida mediante a simples prossecução de tal desconto.

Notificada, a exequente respondeu, nos termos dos art.ºs 303, nº 2 e 863, nº 2 do CPC, defendendo a legalidade e justificação da penhora em causa, atenta a circunstância de ser previsível que a cobrança integral da dívida exequenda – juros incluídos - através dos descontos sobre a reforma da executada-oponente venha a demorar, previsivelmente, mais 15 anos. Termina com a improcedência da oposição, sem – no entanto - deixar de declarar que aceita a suspensão dos descontos sobre a reforma da executada até à realização do produto da venda do imóvel agora penhorado.

Pronunciando-se sobre a oposição, o M.mo juiz declarou-a improcedente, mantendo a impugnada penhora.

Inconformada com tal veredicto, dele interpôs recurso a executada A....., recurso admitido e processado como de agravo, com subida imediata e em separado.

A agravante, nas atinentes alegações, formula as seguintes conclusões delimitadoras do objecto do recurso:

A – A executada fez referencia ao art. 863-A, apontando ao excesso que decorria da penhora em relação à quantia exequenda.

B – A executada, nos termos do art. 303 deduziu um requerimento, alegando a prova que entendia por necessária (e que estava documentada no processo), sem que contudo optasse por indicar testemunhas.

C – Matéria essa alegada pela própria executada e não impugnada pela exequente.

D – A douta sentença não decidiu nos termos dos artºs. 304 e 863-B do C.P.C.

A agravada não contra-alegou.

O despacho agravado foi mantido.

                                                                            *

Para além dos pressupostos que liminarmente se adiantaram no relatório, há que consignar ainda os seguintes dados do processo, implícitamente admitidos na decisão agravada:

1 – Em 14/04/2008 encontrava-se penhorada e depositada, à ordem dos presentes autos, a quantia de € 7.278,54, proveniente dos descontos sobre a pensão da executada e oponente.

2 – A quantia reclamada pela exequente em 9/04/2001 foi de Esc. 5.103.843$00, acrescida de juros vincendos sobre Esc. 5.000.000$00, sendo esses juros à taxa de 11,45%, com a sobretaxa de 4%, além das despesas judiciais convencionadas.

3 – Notificado o Centro Nacional de Pensões em 5/11/2001 para proceder aos descontos na pensão de reforma da executada, veio aquela entidade a dar início aos mesmos em Dezembro de 2001. 

4 – Em 20/07/2007, a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., alegando que só então, por força da separação de meações efectuada na sequência de insolvência, passara a caber à executada A..... o imóvel urbano denominado "Cruzamento de Novelães - Casa de habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, com 240 m2 – reduto com 200m2, a confrontar do norte, sul, nascente e poente com herdeiros de António de Almeida Brito, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Tázem sob o art. 1266 e descrito na Conservatória do Reg. Predial de Gouveia sob o nº 0132/230596 requereu a penhora do mesmo prédio.

5 – Deferida a requerida penhora, foi o respectivo termo lavrado a fls.62, com data de 14/09/07.

                                                                             *   

O agravo.

O presente processo, iniciado em 2001, rege-se pelas disposições da acção executiva anteriores à vigência da reforma introduzida pelo DL 38/03 de 8/03, por virtude do disposto no art.º 21, nº 1deste último diploma.

A agravante conclui as respectivas alegações insurgindo-se contra o que qualifica de excesso da penhora face à quantia exequenda – que deveria conduzir ao respectivo indeferimento – e, bem assim, contra o entendimento da decisão agravada de que seria necessária a indicação de prova sobre esse excesso.

 

A questão fulcral do agravo consiste, portanto, em decidir – num primeiro momento - se o requerimento em que a agravante deduziu oposição à penhora do imóvel comporta ou não matéria susceptível de conduzir ao levantamento total ou parcial  do visado acto de apreensão.

Ou seja, se a penhora decretada, o não devia ter sido, por ir contra o regime legal que condiciona a sua prolação  – hipótese que se dirá de inadmissibilidade – ou se, podendo sê-lo, o âmbito ou extensão com que foi decretada e efectuada, ultrapassou ou extravasou os limites que derivavam da lei – hipótese que se diz de excesso.

Trata-se aqui, apenas e afinal, de apreciar se a oposição se enquadra no disposto no art.º 863-A, nº 1 al.ª a) do CPC, preceito que justamente se refere aos casos de "inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada".

  

Num segundo momento, importará – eventualmente - apreciar se, apesar de existir essa matéria, a oponente respeitou ou não as exigências adjectivas dos art.ºs 303 e 304, normativos aplicáveis por força do nº 2 do art.º 863-B do CPC. 

Decidindo.

Para além da inadmissibilidade oriunda do direito substantivo, reconhecida no nº 1 do art.º 821 do CPC, a lei adjectiva anterior à reforma da acção executiva do DL 38/03 previa várias situações de inadmissibilidade de penhora por via processual, nomeadamente as que resultam dos art.ºs 835, 822, 823, 824-A, 827, nº 2, 828, nº 1, 829, nº 1, todos do CPC. Tal como contemplava casos de simples limitação do objecto ou extensão da penhora, como o do art.º 824 do Código. O que sucede é que mesmo as situações de inadmissibilidade ou limitação processual não deixam de radicar em razões substantivas.

Verdadeiramente em causa no vertente recurso, está, pois e tão só, uma questão da proporcionalidade do conjunto dos bens penhorados - não do meio executivo da penhora concretamente requerida - em relação ao fim que a execução se propõe atingir, de plena satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.

A proporcionalidade da penhora afere-se por critérios que são estranhos aos vícios da inadmissibilidade e da violação dos limites da penhora de certo bem, embora possa ser conexionada com a questão da extensão penhora, sendo esta reportada aos bens globalmente penhorados no processo.

À luz do regime aplicável à presente execução, a Exequente e ora agravada, devolvido que lhe foi o direito de nomear bens por falta de nomeação dos executados, ficou com a liberdade de sujeitar à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondessem pela dívida exequenda (art.º 821, nº 1 do CPC).

Tendo em vista a protecção diante do arbítrio do exequente quando este requeira a incidência da penhora sobre um objecto relativamente ao qual a lei lhe retira da possibilidade executiva, por a sua concretização ofender direitos encabeçados pelo executado, configurou-se na al.ª a) do art.º 863-A a faculdade de ser deduzida oposição à execução com esse fundamento.

A regra basilar relativamente à garantia geral do cumprimento das obrigações é a de que por esse cumprimento responde o património do devedor, integrado pelos bens que sejam susceptíveis de penhora (art.º 601ºdoCC). Sabido que pela penhora, o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, que passam para o tribunal (no caso de penhora de coisa móvel ou imóvel, esta transferência de poderes importa a transferência da própria posse) que, normalmente, os exercerá através de um depositário, as regras regulamentadoras deste acto processual estão enformadas por um princípio de proporcionalidade, tendente ao equilíbrio entre o valor dos bens penhorados e o do crédito exequendo.
Quando nos arts. 833º e 836º se fala em
suficiência de bens, tem-se em vista, imediatamente, a contenção da penhora aos bens necessários à satisfação da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução. Esta adequação da penhora à satisfação do crédito exequendo vale tanto para a nomeação do executado como para a do exequente.

Isto é, a regra da suficiência é simétrica: se o executado não pode nomear menos bens do que os suficientes para a satisfação da pretensão do exequente, também este não pode, quando substitua aquele nesse acto, nomear mais bens do que os suficientes para o mesmo efeito (cfr. Lopes Cardoso, Aditamento ao Manual da Acção Executiva, 1968, pág. 20, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular Comum e Especial, 1973, pág. 128 e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1997, pág.199). A natureza gravosa da penhora deve, pois, ao menos em princípio, confiná-la ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.

Como observa Teixeira de Sousa, "a agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património" (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág.140).

Nesta preocupação com o justo equilíbrio entre os interesses das partes se insere, aliás, a actual consagração expressa do aludido princípio da proporcionalidade da penhora no nº 3 do art.º 821, acrescentado pelo DL nº 38/2003, de 8/3: "A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução...".

     

Note-se que transparece dos autos que a Exequente não vem sequer usar da faculdade de requerer um reforço da penhora da reforma da Executada-agravante, esta já em curso desde 2001.

Na verdade, emerge do acervo fáctico reunido que a Exequente Caixa Geral de Depósitos apenas conseguiu consumar a penhora de 1/3 da reforma de executada, obtendo por essa via o montante que se acha depositado à ordem do processo. Mas também flui desse acervo que a penhora do imóvel que agora foi alvo de oposição, embora já anteriormente requerida pela Exequente, foi então indeferida, só recentemente se tornando viável em consequência da aquisição por sucessão mortis causa da Executada Maria Olinda.[1]

Neste contexto, a indicação pelo exequente do imóvel agora em causa para execução não constituiria propriamente uma nova nomeação de bens à penhora, mas a renovação de uma nomeação já efectuada, renovação meramente apoiada na modificação de circunstâncias iniciais.

E mais: na resposta à oposição à penhora da Executada, esta, de forma expressa, declarou aceitar a suspensão dos descontos em curso até à realização da venda do imóvel objecto da contestada penhora.

 

De todo o modo, ainda que se perspective o requerimento da Exequente de 20/07/07 como uma nomeação à penhora de novos bens, mediante a suspensão dos descontos sobre a reforma da executada, afigura-se que lhe era inteiramente legítimo fazê-lo, sob o prisma da suficiente e adequada satisfação do seu crédito.

Se não, vejamos.

Dispõe o nº 2 do art.º 836 do CPC, na redacção aplicável aos presentes autos, que "Efectuada a penhora, seja por nomeação do executado, seja por nomeação do exequente, este pode ainda nomear outros bens nos seguintes casos: a) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados (…)".

Ora o conceito de suficiência dos bens penhorados desdobra-se, para o exequente, em duas exigências de sentido diverso: por um lado, a de que o valor a realizar com os bens apreendidos se mostre superior ou, pelo menos, equivalente, em termos matemáticos, ao da soma das importâncias relativas ao crédito do exequente e às custas; por outro lado, a de que a realização desse valor possa ser eficientemente obtida pelo exequente, o que também quer dizer num período de tempo razoável.

Na verdade, se o exequente, para obter o seu crédito, tem de aguardar vários anos pela acumulação do desconto de quantias extraídas de créditos do executado, não se pode afirmar que os bens penhorados satisfaçam plenamente o escopo da execução e, nessa acepção, sejam eficientes, isto é, dispensem a penhora de outros bens com possibilidade de mais célere realização de valor.

Exactamente com o objectivo de explicitar e clarificar este amplo conceito de ineficiência ou inaptidão dos bens penhorados, o nº 2 do art.º 834 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 38/03 de 8/03, veio estatuir que "Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses." De resto, este normativo mais não é que um corolário do princípio consignado no nº 1 do mesmo artigo, segundo o qual "A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente".

Pelo que, não se verificando qualquer forma de excesso da penhora requerida, não ocorre o pretenso fundamento de oposição à execução deduzida pela Executada, ora agravante.

Fica, por conseguinte prejudicada, a apreciação da questão atinente à indicação da prova da matéria da oposição.

E improcedem as conclusões do agravo.

Pelo exposto, negam provimento ao agravo.

Custas pela agravante.


[1] Aquisição levada ao registo em 2/12/05, conforme se pode ver de fls. 61.