Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
572/23.1T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: CRÉDITOS EMERGENTES DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE VÍNCULOS PRECÁRIOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PREVPAP)
CONTRATOS DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 337.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A celebração com o Estado de contratos de trabalho em funções públicas (CTFP) na sequência do PREVPAP, apenas regulariza ou formaliza o vínculo laboral anteriormente existente, não criando um vínculo novo, completamente autónomo e diferente do anterior.
II – Assim, não ocorrendo a cessação do vínculo jurídico anterior à regularização operada através do PREVAP, não se coloca a questão da prescrição dos créditos alegadamente emergentes daquele primeiro vínculo, não sendo de equacionar a aplicação do disposto no art.º 337º do CT que determina que os créditos emergentes do contrato de trabalho prescrevem no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 572/23.1T8GRD.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ..., ...

BB, residente em ..., ...

CC, residente em Quinta ..., ... e

DD, residente em Nelas,

intentaram a presente ação de processo comum contra

 

Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, com sede em Lisboa

formulando o seguinte pedindo:

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência:

1 Serem os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos (supra identificados) em que trabalharam para o mesmo desde 2013 a 2020, com as todas as consequências legais inerentes;

2 Em face do sobredito, deve ser o Reu condenado a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, subsidio de baixa médica e subsídio de parentalidade, no montante global de €195.353,79, que se discrimina da seguinte forma:

a) À Autora AA, a quantia €38.293,55, de a título de férias, subsídio de férias e de Natal; a quantia de €7.235,09 a titulo de subsídios de refeição e a quantia €2.640,00 a titulo de Baixa Medica não paga, num total de €48.169,64;

b) Ao Autora BB, a quantia €38.729,03, de a titulo de férias, subsidio de férias e de Natal, e a quantia de €7.474,59 a titulo de subsídios de refeição, num total de €46.203,62;

c) À Autora CC, a quantia €39.512,90. de a titulo de férias, subsídio de férias e de Natal; a quantia de €7.152,00, a titulo de subsídios de refeição e a quantia de €8.112,00 a titulo de Baixa Médica e Subsidio de Parentalidade mão pagos, num total de €54.776,90;

d) À Autora DD, a quantia €38.729,03, de a titulo de férias, subsídio de férias e de Natal, e a quantia de €7.474,59, a titulo de subsídios de refeição, num total de €46.203,62.

3. Mais deve o Réu ser condenado no pagamento dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo pagamento.

Para assim se fazer JUSTICA.”

*

O Réu apresentou contestação concluindo:

Termos em que, e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossa Excelência, deve julgar-se provada e procedente toda a matéria alegada na presente contestação e, em consequência:

1. Deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção perentória da prescrição dos créditos laborais peticionados pelos Autores, nos termos e com os fundamentos do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, e, em consequência, deverá o Réu ser totalmente absolvido dos pedidos, de harmonia com o n.º 3 do artigo 576.º do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT, com a consequente extinção da instância, por inutilidade da lide; se assim se não entender, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder:

2. Deverá ser julgada totalmente procedente, por provada, a exceção perentória do abuso de direito e, em consequência, deverá o Réu ser totalmente absolvido dos pedidos, com a consequente extinção do efeito jurídico dos factos articulados pelos autores, de harmonia com o n.º 3 do artigo 576.º do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT, com as legais consequências. Se assim se não entender, o que, uma vez mais, apenas se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder:

3. Deverá a presente ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, ser o Réu absolvido dos pedidos, face, em última análise, à irrelevância dos indícios previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho para a qualificação dos vínculos estabelecidos entre cada um dos autores e o réu, pois que, de acordo com a legislação especial reguladora da formação profissional inserida no mercado de emprego e do seu regime de cofinanciamento pelo Fundo Social Europeu, o exercício da docência como formador em Centro de Formação Profissional pode processar-se ao abrigo de um contrato de trabalho ou de outra forma de contratação que não implique uma vinculação de natureza laboral, sendo que os indícios decorrentes da forma de execução da atividade, invocados pelos Autores, estão presentes nas três formas de vinculação: contratos individuais de trabalho, contratos de trabalho em funções públicas e contratos de prestação de serviços.”

*

Os Autores apresentaram resposta concluindo pela improcedência das exceções invocadas.

                                                             *

Foi, de seguida, proferido despacho saneador sentença com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, em face do exposto e com os fundamentos supra, julgo procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. e, consequentemente, absolvo-o dos pedidos contra si deduzidos, na presente acção, pelos autores.”

                                                             *

Os Autores, notificados desta decisão, vieram interpor o presente recurso que concluíram da forma seguinte:

(…).

                                                             *

O Réu apresentou resposta, concluindo que:

(…).

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 1175 e segs. no sentido de que “a apelação deve ser julgada totalmente procedente, com a consequente revogação do despacho recorrido e o prosseguimento dos autos”.

                                                             *

O Réu veio responder a este parecer concluindo como nas alegações de recurso.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, então, apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes, quais sejam:

Se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

Se não ocorreu a prescrição dos créditos peticionados pelos Autores.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados constantes da decisão recorrida:

1. Desde 2013 até 2020, os autores foram contratados pelo réu para o desenvolvimento da atividade de formação, mediante a celebração de contratos de aquisição de serviços de formação.

2. Os contratos referidos em 1.º foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012 de 17 de dezembro e 1/2015 de 28 de dezembro, que visavam a contratação para os Centros de Empregos e Formação Profissional, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013 e 2020.

3. Em resultado da conclusão com sucesso dos procedimentos concursais de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), autores e réu celebraram contratos de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, respetivamente, em 03.05.2020 (AA), 04.05.2020 (BB), 15.12.2020 (CC) e 04.05.2020 (DD).

4. Tais contratos produziram efeitos em 01.05.2020 (AA, BB e DD) e em 15.12.2020 (CC).

5. Na sequência da contratação referida em 3. com base no PREVPAP, os autores integram os quadros de pessoal do IEFP, desde 1 de maio de 2020 e 15 de dezembro de 2020 (CC).

6. A presente ação deu entrada em juízo em 12 de abril de 2023.

7. O réu foi citado para a ação em 8 de maio de 2023.

                                                             *

                                                             *

b) - Discussão

Alegam os recorrentes, além do mais, que:

- A sua antiguidade teve que retroagir ao início das suas funções no IEFP porquanto o PREVAP implicou o reconhecimento de uma relação laboral que já existia e que não se iniciou apenas em 2020 com o CTFP.

- E mesmo que assim fosse, era agir manifestamente em abuso de direito o Réu vir invocar a prescrição dos créditos dos AA. face à sua censurável conduta no tratamento dos mesmos, que o próprio Estado reconheceu com o PREVPAP.

 - Esse abuso de direito foi invocado pelos AA. na sua pronúncia de 20/04/2023, e não foi alvo de qualquer pronúncia da sentença, o que a fere de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC.

- Não procedendo, de facto o PREVPAP não criou um novo vínculo, apenas reconheceu o já existente, não é como se não existisse a situação anterior, apenas se reconhecendo o que já existia.

- Ao interpretar-se os factos de outra forma, estaria em causa a violação do princípio da tutela da confiança e do princípio da proporcionalidade dos artigos e 202º da Constituição da República Portuguesa, também invocados no requerimento dos AA. de 13/06/2023 , o que não foi alvo de qualquer prolação na sentença, o que a fere de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC.

- No mais, a jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo do nosso Supremo Tribunal de Justiça, tem reconhecido unanimemente que o que vinculava os trabalhadores que foram integrados através do PREVAP, era um contrato de trabalho e a regularização de uma realidade pré-existente.

A este propósito consta da decisão recorrida, em conclusão, o seguinte:

“Assim, pese embora as mesmas ou a similitude das funções prestadas e alegadas pelos autores, a verdade é que a natureza da relação laboral é diferente, a partir da celebração entre os autores e o réu, de um contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, com efeitos a 1 de Maio de 2020 e 15 de Dezembro de 2020.

Ou seja, a partir da titulação da relação de trabalho no quadro de um contrato de trabalho em funções públicas, constituiu-se uma nova relação jurídica entre as partes, esta de direito público.

Esta nova relação jurídica tem inteira autonomia face à situação anterior, uma vez que lhes confere um estatuto de direito público, que embora moldado em vários aspetos pelo regime que emerge do Código de Trabalho, afasta-se da disciplina deste código em aspetos essenciais, cabendo-lhe até uma tutela judiciária específica - a jurisdição administrativa.

E, assim sendo, no caso vertente e como se concluiu no último aresto citado, não há continuidade entre as duas fases em que se divide a prestação de trabalho dos autores, pelo que o prazo de prescrição de eventuais créditos constituídos na situação anterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas decorreu a partir da celebração destes contratos e da cessação de funções prestadas na situação anterior.

Pelo que, tendo os efeitos dos alegados contratos individuais de trabalho celebrados entre autores e réu cessado em 30 de Abril de 2020 e 14 de Dezembro de 2020, passou a correr, a partir dos dias seguintes - 1 de Maio e 15 de Dezembro de 2020 -, o prazo de prescrição previsto no art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

Tendo a acção dado entrada em juízo em 12 de Abril de 2023 e a citação do réu ocorrido em 8 de Maio de 2023, afigura-se-nos que ocorreu a prescrição invocada pelo réu.

Pelo que, tem este a faculdade de recusar o cumprimento da prestação e de se opor ao exercício do direito prescrito (artigo 304.º, n.º 1 do Código Civil).

Tendo a prescrição sido invocada (artigo 303.º do Código Civil) e constatada que está a sua verificação, deverá o réu ser absolvido do pedido, por se tratar de uma exceção material peremptória, o que se determina – art.º 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil – mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pelas partes (vide Acórdão da Relação de Guimarães de 28 de Setembro de 2023, disponível em www.dgsi.pt, que confirmou a sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 1754/22.9T8VRL, junta pelo réu na contestação).”

Apreciando:

Este tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre as questões supra enunciadas no acórdão de 24/11/2023, proferido no processo n.º 5977/2.2T8 CBR.C1[2], nos seguintes termos:

Da nulidade da decisão.

Nas conclusões 11 e 14 os recorrentes vêm arguir a nulidade da decisão por omissão de pronúncia (artº 615º nº1 al. d) do CPC) porquanto o tribunal na decisão recorrida não se pronunciou sobre as questões do abuso do direito da violação do princípio da tutela da confiança e do princípio da proporcionalidade invocadas no seu requerimento de 20.04.23

De facto, neste requerimento, os autores alegaram que:

“13º Se existe esta continuidade da relação de dependência, entender-se pela prescrição dos créditos era claramente favorecer o infrator – o Instituto de Emprego e Formação Profissional – e desproteger a fragilidade dos AA.

14º E mesmo que assim fosse, é manifestamente abuso de direito do Réu em vir invocar a prescrição dos créditos dos AA. face à sua censurável conduta no tratamento dos mesmos, que o próprio Estado reconheceu com o PREVPAP.

15º De facto o PREVPAP não criou um novo vínculo, apenas reconheceu o já existente, 16º não é como se não existisse a situação anterior, apenas se reconhecendo o que já existia.

17º Ao interpretar-se os factos de outra forma, estaria em causa a violação do princípio da tutela da confiança e do princípio da proporcionalidade dos artigos 2º e 202º da Constituição da República Portuguesa”.

Decidindo:

Como se sabe, as nulidades previstas no art.º 615º do Código de Processo Civil[3] prendem-se com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual são decretadas, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão, ou seja, a vícios formais da decisão ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.

A nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC relaciona-se com o disposto no art.º 608º nº 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Assim, para lá de estar obrigado a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o juiz está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.

Para efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do CPC, tem-se considerado que “questões” são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as exceções porventura aduzidas.

Por outro lado, há a distinguir as “questões” das “razões” ou “argumentos”, sendo que só a falta de apreciação das primeiras – “questões” – integra a nulidade prevista na alínea d) do citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Para concluir que o tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objeto do mesmo recurso, entendidas as mesmas, como se disse, como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) exceções porventura aduzidas.

No caso dos autos, os fundamentos invocados pelos recorrentes, na base nos quais suportam a pretensa nulidade da decisão, mais não passam do que razões ou argumentos por si aduzidos tendentes a concluir sobre a verdadeira e real questão que se controverte, que também é objeto da apelação: saber se ocorreu ou não a prescrição dos créditos peticionados..

E a 1ª instância não deixou de conhecer desta questão, razão pela qual se decide não ocorrer a invocada nulidade da decisão impugnada.

Da prescrição.

A enunciada questão passa por saber se se constituiu uma nova relação jurídica com a celebração pelos autores, no âmbito do PREVAP, dos contratos em funções públicas, cessando a relação que até então vigorava entre as partes ou se, ao invés, se verifica uma situação de continuidade da relação contratual, que se manteve a mesma, e se iniciou, no caso, em 1 de maio e 22 de dezembro de 2020[4].

A 1ª instância entendeu inexistir continuidade entre as duas fases em que se divide a prestação laboral dos autores.

(…)

Decidindo:

Vejamos o que a jurisprudência diz sobre a questão sub judice.

Ac. STJ de 08.03.23 P. 20152/21.5T8LSB.L1.S1 “Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 22.06.2022, proc. 987/19.0T8BRR.L2.S1, o PREVPAP, previsto na Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro, não cria novos vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes, consistindo o dito programa, como resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei 91/XIII, no reenquadramento contratual das situações laborais irregulares de modo a que as mesmas passem a basear-se em vínculos contratuais adequados.

Com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré-existente.

Ac. RL de 01.03.2023 P.6947/18.0T8LSB.L1.S1 “Através do PREVPAP regularizaram-se, (…), os vínculos anteriores e indevidamente havidos como precários, salvaguardando-se o tempo de exercício na situação que deu origem à regularização em termos de desenvolvimento na carreira e posicionamento remuneratório.

Destarte, o facto de a Autora na sequência do PREVPAP ter celebrado o referido CTFP, significou apenas a regularização (formalização) do vínculo anteriormente existente, e não a criação de um vínculo completamente autónomo e “desligado” da situação anterior. A formalização do vínculo por aquele meio não representa a criação de uma outra relação contratual, mas o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado por se tratar de necessidades que a CAB,s reconhecerem como permanentes”.

Mais recentemente, justamente num caso em se discutia uma questão de prescrição escreveu-se do Ac. da RP de 18.09.23, P. 7769/21.7T8PRT.P1 “(…) no caso sub judice estamos no quadro de um regime específico, mais propriamente, (…), no caso em apreço a contratação ocorreu no âmbito de programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, donde vir a jurisprudência a considerar que está em causa a assunção pelo beneficiário da atividade que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, só assim se explicando o recurso do legislador, ao consagrar o PREVPAP, à presunção estabelecida no art.º 12º do Código do Trabalho [cfr. jurisprudência acima citada, e ainda mais os seguintes acórdãos citados pelos Recorridos: do TRG de 13/07/2022e do TRL de 26/06/2019].

Ou seja, não está em causa uma relação ex novo, mas a regularização da situação existente.

É verdade que, como refere o Recorrente e já acima se deixou expresso, o contrato individual de trabalho e o contrato de trabalho em funções públicas não se confundem, estando tal afirmado, por exemplo, no acórdão do STJ de 29/10/2014 citado pelo Recorrente.

Talvez por essa razão, a Lei nº 112/2017 (acima referida) apenas em relação às “entidades abrangidas pelo Código do Trabalho” (art.º 14º) deixa subentendido que o reconhecimento da existência de contrato de trabalho se reporta à data do início da relação contratual.

Só que, em relação às demais entidades, o mesmo legislador não autonomizou por completo a situação existente antes da celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, sendo disso exemplo o art.º 11º da referida Lei nº 112/2017, que dispõe que o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental.

Ou seja, o que se passa é que os contratos iniciais, nulos como contratos de trabalho porque não observadas as regras de contratação pela Administração Pública, não veem o legislador impor a sua cessação, mas antes veem o legislador permitir que a situação seja regularizada, tendo presente, para a celebração de contratos de trabalho em funções públicas, a relação contratual antes existente, na qual se verificam alguns dos indícios de laboralidade previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, ou seja, é em face da situação contratual antes vigente que a regularização ocorre.

Dito de outra forma, se não se pode falar em continuidade do contrato inicial, o certo é que este esteve na base da celebração do contrato de trabalho em funções públicas, surgindo este como regularização da situação existente, (…).

Em suma, se a relação contratual atualmente existente surge por regularização da situação que antes existia, não se pode dizer que a atual relação contratual determinou a cessação daquela, o mesmo é dizer não se pode falar em cessação para efeitos do disposto no art.º 337º do Código do Trabalho.

A conclusão a retirar é, então, que os créditos dos Autores relativos aos referidos contratos iniciais, porque a situação existente foi regularizada com a celebração de contratos que ainda não cessaram, os créditos, repete-se, não se encontram prescritos.

De tudo o que ficou dito e relatado resulta que, com o PREVPAP, não se criaram novos vínculos, entendimento este que é dominante na jurisprudência.

Por outro lado, conforme assinalam os recorrentes, no articulado legal que instituiu o PREVPAP o legislador também deu indicações naquele sentido quando, por exemplo, se refere: que o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração definida para o período experimental da respetiva carreira (artº 11º), que as pessoas recrutadas através do procedimento concursal são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária (artº 7º) e que o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira (artº 13ºnº 1).

Por tudo isto, não tendo ocorrido a cessação da relação contratual inicial, mas apenas a sua regularização, não ocorreu a prescrição dos créditos peticionados pelos autores.

Com efeito, ao contrário do decidido pela 1ª instância, os alegados contratos individuais de trabalho celebrados entre autores e réu não cessaram em 30 de abril de 2020 e 21 de dezembro de 2020, não dando início à contagem de qualquer prazo prescricional.”

Regressando ao caso dos autos, em suma, ao contrário do que consta da sentença recorrida, os contratos de trabalho celebrados entre os AA. e o Réu não cessaram em 30 de abril e 14 de dezembro, não se iniciando a contagem do prazo de prescrição a partir dos dias seguintes, pelo que, não ocorreu a invocada prescrição dos créditos dos Autores.

Procedem assim as conclusões formuladas pelos AA. recorrentes, impondo-se a revogação da decisão recorrida em conformidade.

                                                             *

*                                                       

IV – Sumário[5]

(…).

*

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações acorda-se:

- na procedência da apelação, revogando-se a decisão recorrida, em julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Réu, devendo os autos prosseguir os seus trâmites normais.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo do Réu recorrido.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2024/05/29

                                                                                                            ______________________

 (Paula Maria Roberto)

 ____________________

   (Felizardo Paiva)

 ____________________                                                                     

 (Mário Rodrigues da Silva)

                                                                                                                                                                                                                                                                 


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Felizardo Paiva
   Mário Rodrigues da Silva
[2] No qual a ora relatora interveio como 1ª adjunta.
[3] Aplicável, com as necessárias adaptações aos despachos (nº 3 do mesmo precito).
[4] No caso em 01 de maio e 15 de dezembro de 2020.
[5] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.