Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | COELHO DE MATOS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/13/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE ANADIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 871.º E 287.º , E) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | 1. A instância executiva só se extingue com a extinção da obrigação exequenda. Enquanto não se verificar o pagamento integral do crédito exequendo, a execução não pode ser julgada extinta e o exequente pode nomear novos bens à penhora (artigo 836.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8/3 e 834.º,n.º 3, b) e 835.º, n.º 1 na redacção actual). 2. Consequentemente, a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, e) do Código de Processo Civil, só é possível com a extinção da obrigação exequenda. 3. O facto de o exequente não desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo, em execução sustada nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil, não conduz à extinção da instância, devendo antes observar-se o regime da suspensão da instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. O A... requereu execução para pagamento de quantia certa contra B... e mulher C..., apresentando, como título executivo, um contrato de mútuo com hipoteca que celebrou com os executados, para financiamento da aquisição de uma casa de habitação. Após pagarem algumas prestações, que compreendiam os juros remuneratórios e a amortização do capital, os executados deixaram de cumprir e o crédito deu-se por integralmente vencido. Daí esta execução. Penhorado que foi o imóvel hipotecado, verificou o exequente que já havia penhora dele noutro processo contra os mesmos executados. Daí o ter-se suspendido a execução para que o Banco reclamasse o seu crédito na execução com penhora mais antiga, nos termos do artigo 871.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Como só havia penhora desse imóvel e a suspensão era total, o sr. Juiz proferiu um despacho a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, al. e) do Código de Processo Civil. 2. Inconformado o exequente agrava do assim decidido, concluindo: a) Em face da sustação total dos presentes autos e do pagamento das respectivas custas, o Meritíssimo Juiz julgou extinta a instância nos termos e ao abrigo do artigo 287°, al. e) do Código de Processo Civil. b) À luz do preceituado no artigo 835.º do Código de Processo Civil, poderá o exequente nomear novos bens à penhora sempre que se reconheça a insuficiência dos bens dados em garantia, para satisfação dos créditos do exequente. c) Por sua vez, o artigo 920°, n.os 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, permite ao reclamante prosseguir com a execução para pagamento dos seus créditos. d) Do mesmo preceito resulta que o prosseguimento da execução, nestes casos, só poderá cingir-se a bens sobre os quais exista garantia real. e) Vedada que é ao reclamante a indicação de novos bens à penhora na execução onde reclamou os seus créditos, o mesmo só poderá fazê-lo noutra execução, ou, no caso concreto, na execução inicialmente instaurada. f) Perante a extinção da instância, ao abrigo do disposto na al. e) do mencionado artigo 287°, e porque as prestações se encontram, todas elas, vencidas, também o ora Recorrente se verá impossibilitado de renovar os presentes autos, nos termos do n° 1 do artigo 920°. g) Ao declarar extinta a instância nos termos em que o fez - e , em vez da suspensão dos autos, nos termos do artigo 276° e seguintes -terá o Meritíssimo Juiz “a quo” violado as disposições legais citadas, designadamente o disposto nos artigos 835° e 920°, ambos do Código de Processo Civil, e ainda o disposto no artigo 276° e seguintes do mesmo diploma. 3. Não foram apresentadas contra-alegações e no despacho de sustentação o sr. Juiz manteve o julgado, porque, não tendo o exequente desistido da penhora neste processo, face ao disposto no artigo 871.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (na redacção anterior à reforma do processo executivo), “renunciou ao direito de nomear outros bens e à faculdade de aqui obter a satisfação do seu crédito”. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir, considerando os elementos supra descritos. Tendo em conta que as alterações ao Código de Processo Civil provenientes do Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8/3 só entraram em vigor a 15 de Setembro de 2003, aplicando-se aos processos instaurados a partir dessa data, e que a acção deu entrada a 3 de Fevereiro de 2003, é pela redacção anterior que se rege esta execução. Assim sendo, consta do artigo 871.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bem, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga...” e o n.º 3 diz que “na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e nomear outros em sua substituição”. Tendo e exequente reclamado o seu crédito no processo que tinha a penhora mais antiga sobre o mesmo imóvel, o sr. Juiz entendeu que, não tendo o exequente aqui desistido dessa penhora, todo o direito que tinha à execução passou para o outro processo e que neste já nada mais haveria a fazer, já que as custas estavam contadas e foram também reclamadas no outro, juntamente com o crédito. E daí o julgar extinta a execução por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do artigo 278.º do Código de Processo Civil. Nada mais haveria a fazer, designadamente sobre a hipótese de prosseguir a execução noutros bens, se porventura o exequente não lograsse a inteira satisfação do seu crédito, como lho permite o artigo 836.º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil, na versão referenciada e também na actual redacção do artigo 835.º, citado pelo agravante. E se por hipótese a execução mais antiga for extinta – por pagamento, por exemplo – o aí reclamante e aqui exequente só pode fazer prosseguir a execução quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada (artigo 920.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Logo, se ainda assim não conseguir obter integral satisfação do seu crédito, não pode, nesse processo, nomear outros bens do executado. Só lhe resta voltar à execução suspensa e fazê-lo aí. Mas se esta for extinta, como entende o sr. Juiz recorrido, ficará sem outra hipótese de ver o seu crédito inteiramente satisfeito e numa situação que se não coaduna com a irrenunciabilidade do direito de acção ( Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2.ª edição, pág. 293), a menos que se entenda que o crédito também se extinguiu por vontade do próprio exequente. Tendo o sr. Juiz entendido que a não desistência da penhora, nos termos do artigo 871.º, n.º 3, equivale à sua renúncia “ao direito de nomear outros bens e à faculdade de aqui obter a satisfação do seu crédito”, isso equivale a dizer que o exequente renunciou ao próprio crédito exequendo, ainda que só parcialmente. Ora a renúncia, como negócio jurídico que é, constitui um acto voluntário que se há-de exprimir por uma declaração de vontade nesse sentido, ou derivar do sentido que a lei atribui a determinado comportamento. Não existindo declaração de renúncia só pode concluir-se que a lei atribui esse sentido a um comportamento quando o diga expressamente. Se só se limita a dizer que, na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos, não se pode daí concluir que se o não fizer renuncia ao crédito. Em vez de limitar o direito do exequente, o preceito confere-lhe mais um direito; o de poder optar pela continuação da execução com os bens aí eventualmente penhorados e outros, ou de ir liquidar o crédito a outra execução, escolhendo a hipótese que, em seu entender, mais lhe convenha. Aumenta-lhe o direito, em vez de o diminuir, contrariamente ao entendimento do sr. Juiz recorrido. 4. A questão está em saber se a sustação da execução, por todos os bens nela penhorados já estarem penhorados noutro processo, constitui causa de extinção da instância executiva. Resulta do artigo 919.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a execução se extingue quando estiverem pagas as custas e a quantia exequenda. Esta é a causa geral de extinção da instância executiva. Mas há outras causas, como refere o preceito. A execução pode ainda extinguir-se em consequência da revogação da sentença exequenda, (se estava pendente de recurso com efeito devolutivo) e em consequência da procedência da oposição à execução; pode oficiosamente o juiz extinguir a instância nos termos do artigo 820.º (rejeição oficiosa da execução); pode o exequente desistir da instância ou do pedido, e pode extinguir-se a instância por deserção e transacção (artigo 287.º als. c) e d) do Código de Processo Civil).( Cfr. ob. cit.292 e M. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular(1998), pág.414.) Pode assim dizer-se que a instância executiva se extingue com a extinção da obrigação exequenda. Enquanto não se verificar o pagamento integral do crédito exequendo, a execução não pode ser julgada extinta e o exequente pode nomear novos bens à penhora (artigo 836.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil). ( Teixeira de Sousa, ob. cit. 413 414.) O regime actual, resultante da redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8/3, mantém-se, nestas matérias, como resulta dos artigos 834.º, n.º 3, al. b) e 835.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Consequentemente, a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, e) do Código de Processo Civil só é possível com a extinção da obrigação exequenda. 5. O artigo 871.º do Código de Processo Civil manda sustar a execução quanto aos bens duplamente penhorados, ainda que todos eles estejam nessa situação; não manda extinguir a execução quando todos os bens estejam duplamente penhorados. Sustada a execução ou suspensa a instância executiva é exactamente o mesmo. Logo, há que fazer observar o regime da suspensão (artigo 283.º) até à cessação (artigo 284.º). A regra básica é a de que enquanto durar a suspensão só se podem praticar actos urgentes destinados a evitar dano irreparável e os prazos judiciais não correm durante a suspensão e esta cessa de acordo com a causa que a determinou. Assim, quando é suspensa a instância nos casos em que a lei o determina especialmente (artigo 276.º, 1, d) do Código de Processo Civil), como acontece no caso previsto no artigo 871.º (caso dos autos), a suspensão cessa quando “cessar a circunstância a que a lei atribui o efeito suspensivo” (artigo 284.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil) e essa circunstância é a da liquidação do crédito do exequente noutro processo, pelo facto de aí já se encontrar penhorado o mesmo ou mesmos bens pela venda dos quais se pretende fazer o pagamento. E quando essa liquidação cessar, das duas uma: ou o crédito do exequente se encontra extinto e finda a instância executiva; ou não se encontra extinto (porque os bens aí penhorados eram insuficientes) e cessa a suspensão da instância, para se retomar o processado com a nomeação de outros bens (artigo 836.º, 2, a) do Código de Processo Civil). Claro que durante a suspensão a instância pode extinguir-se por vontade do exequente, se este desistir do pedido ou transigir sobre o mesmo, como resulta do n.º 3 do artigo 283.º. Com o que podemos concluir que: A instância executiva só se extingue com a extinção da obrigação exequenda. Enquanto não se verificar o pagamento integral do crédito exequendo, a execução não pode ser julgada extinta e o exequente pode nomear novos bens à penhora (artigo 836.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8/3 e 834.º,n.º 3, b) e 835.º, n.º 1 na redacção actual). Consequentemente, a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, e) do Código de Processo Civil, só é possível com a extinção da obrigação exequenda. O facto de o exequente não desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo, em execução sustada nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil, não conduz à extinção da instância, devendo antes observar-se o regime da suspensão da instância. Deste modo parece assistir razão ao agravante, não fazendo qualquer sentido que o facto de ser forçado a reclamar o seu crédito noutro processo o coloque numa situação que o iniba de o ver completamente satisfeito, na eventualidade de lá não conseguir obter pleno pagamento. 6. Decisão Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, para que se observe o regime da suspensão da instância. Sem custas [artigo 2.º, 1, al. o) do ccj] Coimbra, |