Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TÁVORA VÍTOR | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA | ||
Data do Acordão: | 11/25/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | OLIVEIRA DO HOSPITAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 4.º DO DEC.LEI N.º 164/99, DE 13 DE MAIO; ARTIGO 2006.º DO CÓDIGO CIVIL LEI N.º 75/98 DE 19 DE NOVEMBRO; ARTIGOS ARTIGOS 2º, 63º Nº 3 E 69º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA RP | ||
Sumário: | 1) A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a intenção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência. 2) Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos. 3) A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria. 4) A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desencadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a colmatar as necessidades do menor. 5) O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, suporta perfeitamente que na respectiva interpretação nos orientemos pelo disposto no "lugar paralelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que os alimentos são devidos desde a propositura da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora. 6) Nesta conformidade o pagamento das prestações alimentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio. | ||
Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO.
Por decisão proferida em 10.05.06, já transitada em julgado e constante de fls. 30 e seguintes, determinou-se que os menores A....e B...., ficassem à guarda e cuidados da avó paterna, C...., a quem foi incumbido o exercício do poder paternal, e ainda que a progenitora, Célia Cármen da Costa Borges, contribuísse para o sustento dos menores com a pensão mensal global de € 80,00. Por decisão de 08.05.07 (fls 60) - na sequência do incidente deduzido a 12.02.08, a fls. 52 e seguintes, foi declarada a situação de incumprimento por banda da progenitora da sua obrigação de prestar alimentos, tendo-se julgado em dívida todas as prestações vencidas. Não foi possível, apesar das inúmeras diligências feitas ao longo dos últimos meses, obter informação acerca de bens ou rendimentos que a progenitora possua (cfr. fls. 47 e 48 e 70 a 74).
Dos elementos dos autos, nomeadamente do teor do relatório social junto aos mesmos, a fls. 82 e seguintes, resulta que:
1) Os menores vivem com a avó paterna e o marido desta, Carlos Alberto Pereira; 2) Este agregado com o vencimento do marido, no valor de € 500,00 mensais, com o valor das prestações familiares que se cifra em 665,30, e com a reforma da avó, Maria Teresa, de € 236,00. 3) O progenitor encontra-se a residir em Espanha. 4) A progenitora frequenta actualmente um Curso de Formação de Apoio à Comunidade, auferindo cerca de € 280,00 mensais, não lhe sendo conhecidos quaisquer outros bens.
Dos elementos recolhidos dos autos, supra indicados sumariamente e retirados do teor do Relatório Social de fls. 82 e seguintes, das certidões de assento de nascimento de fls. 4 e 5, e das informações acerca da situação económica dos progenitores de fls. 47,48, e 70 a 74, entendeu-se resultar claramente que os menores se encontram em condições de verem assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores o pagamento dos alimentos que lhe são devidos pelo progenitor. Desde logo, são menores, têm nacionalidade portuguesa e residem em território português. Por outro lado, decorre, igualmente, que os menores não dispõem de rendimentos, directamente ou por referência a outra pessoa, de montante superior ao fixado para o salário mínimo nacional.
Entendeu assim o Tribunal a quo estarem verificados os requisitos previstos no artº 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro e artsº 3º e 4º do DL 164/99 de 13 de Maio, pelo que se determinou que o pagamento dos alimentos devidos, ficasse a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores. Também uma vez que é do superior interesse das crianças de que se tratam e que em causa estão direitos indisponíveis, abordaram-se ainda duas questões: - Se os menores têm direito a ver actualizada a pensão de alimentos ora a cargo do Fundo e, por último, - Se têm direito ao montante das prestações vencidas e não pagas à data da primeira prestação liquidada pelo mesmo Fundo. O Sr. Juiz a fls. 101 determinou que a pensão de alimentos passe a ser processada pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos aos Menores e bem assim que seja actualizada para € 100,00 relativamente a cada menor. Mais determinou o pagamento a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, das prestações que se vençam a partir de Março de 2007, inclusive. Daí o presente recurso de agravo interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o qual no termo da sua alegação pediu que se considere aquele provido e revogando-se a sentença em análise seja a mesma substituída por outra decisão na qual o FGDADM do IGFSS seja obrigado a efectuar o pagamento das prestações apenas a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal. Foram para tanto apresentadas as seguintes,
Conclusões.
1) A sentença recorrida interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub judice, o artº 1º da Lei 75/98 de 19/11 e o artº 4º nºs 4 e 5 do Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio; 2) Com efeito, o entendimento do douto Tribunal a quo, de que no montante a suportar pelo FGADM devem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pelos progenitores (judicialmente obrigados a prestar alimentos) não tem suporte legal; 3) O Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações; 4) No nº 5 do artº 4 do citado diploma, é explicitamente estipulado que “O Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, nada sendo dito quanto às prestações em dívida pelo obrigado a prestar alimentos; 5) Existe uma delimitação temporal expressa que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado; 6) Não foi intenção do legislador dos supramencionados diplomas legais, impor ao Estado, o pagamento do débito acumulado pelo obrigado a prestar alimentos; 7) Tendo presente o preceituado no artº 9 do Código Civil, ressalta ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado, apenas o pagamento de uma nova prestarão de alimentos a fixar pelo Tribunal dentro de determinados parâmetros – artº 3º nº 3 e artº 4º nº 1 do Dec-Lei 164/99 de 13/5 e artº 2º da Lei 75/98 de 19/11; 8) A prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas antes proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação;
9) O FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente - ou menor – ao que fora judicialmente fixado. 10) Só ao devedor originário é possível exigir o pagamento das prestações já fixadas, como decorre do disposto no artº 2006 do CC, constatação que é reforçada pelo disposto no artº 7 do Dec-Lei 164/99 ao estabelecer que a obrigação principal se mantém, mesmo que reembolso haja a favor do Fundo. 11) Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias condições de subsistência; 12) Enquanto o artº 2006º do Código Civil está intimamente ligado ao vínculo familiar – artº 2009º do CC – e daí que quando a acção é proposta, já os alimentos seriam devidos, por um princípio de Direito Natural, o Dec-lei 164/99 “criar” uma obrigação nova, imposta a uma entidade que antes da sentença não tinha qualquer obrigação de os prestar. 13) A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM (autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal) não decorre automaticamente da Lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
14) Se é diferente a natureza das duas prestações, diferente é também o momento a partir do qual se começam a vencer a prestação de alimentos, visto haver norma substantiva que o prevê, começa a vencer-se a partir de Novembro e do Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio, que o Tribunal deve considerar na fixação da prestação a efectuar pelo Estado, prestação essa que não é necessariamente equivalente à que estava em dívida pelo progenitor. 15) Há ainda que salientar, que as atribuições de cariz social do Estado não se esgotam no FGADM, o qual constitui uma ínfima parte das mesmas, sendo certo que a todas o Estado tem de dar satisfação. 16) Não pode proceder-se à aplicação analógica do regime do artº 2006º, dada a diversa natureza das prestações alimentares. 17) O FGADM somente deverá ser responsabilizado pelo pagamento das prestações fixadas e devidas a partir da prolação da sentença judicial, e não pelo pagamento do débito acumulado dos obrigados. 18) O que se entende facilmente se atentarmos na finalidade da criação do regime instituído pelos supra citados diplomas legais, que é o de assegurar garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos. Não houve contra-alegações. Cabe decidir. * 2. FUNDAMENTOS.
2.1. Os Factos.
Os factos que interessam à decisão da causa constam do despacho agravado. Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida. +
2.2. O Direito.
Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- O Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores suporta as prestações devidas desde a data da sentença que fixa a sua contribuição ou desde a data da entrada do pedido em Juízo? + 2.1.1. O Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores suporta as prestações devidas desde a data da sentença que fixa a sua contribuição ou desde a data da entrada do pedido em Juízo?
Os presentes autos tiveram o seu início no pedido de regulação do poder paternal deduzida por Artur Miguel Duarte Costa contra sua mulher Célia Cármen da Costa Borges, onde veio primeiramente a ser proferida em 10.05.06, a fls. 30 ss, decisão já transitada em julgado onde se determinou que os menores A....e B...., ficassem à guarda e cuidados da avó paterna, C...., a quem foi incumbido o exercício do poder paternal, e ainda que a progenitora, Célia Cármen da Costa Borges, contribuísse para o sustento dos menores com a pensão mensal global de € 80,00. Por decisão de 08.05.07 (fls. 60) - na sequência do incidente deduzido a 12.02.08, a fls. 52 e seguintes -, foi declarada a situação de incumprimento por banda da progenitora da sua obrigação de prestar alimentos, tendo-se julgado em dívida todas as prestações vencidas. Entendeu igualmente o Tribunal a quo verificadas as pertinentes diligências, estarem verificados os requisitos previstos no artº 1º da Lei 75/98 de 19 de Novembro e artsº 3º e 4º do DL 164/99 de 13 de Maio, pelo que se determinou que o pagamento dos alimentos devidos aos menores ficasse a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores. Não se ficou por aqui o decidido; na verdade determinou-se que a prestação de alimentos devidos aos menores ficasse actualizada para € 100,00 relativamente a cada menor e que ficasse a cargo do Fundo o pagamento das prestações que se vençam a partir de Março de 2007. Se o decidido quanto ao aumento do quantitativo das prestações não foi objecto de impugnação por parte do Fundo de Garantia, o mesmo já não poderá dizer-se do determinado judicialmente no tocante a prestações vencidas. Vejamos: O artigo 2º da Lei Fundamental refere que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa". Este princípio genérico é em seguida concretizado nos artigos 63º nº 3 e 69º nº 2 da Constituição da República onde é cometida ao Estado a protecção dos cidadãos no que toca à falta ou diminuição dos meios de subsistência assegurando nomeadamente especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. No desenvolvimento da ideia programática de Estado social, consagra a Constituição vários direitos dessa índole no título III, sob a epígrafe de Direitos e Deveres económicos sociais e culturais; no elenco dos direitos e deveres sociais, ali se patenteia todo um conjunto de princípios ordenadores votado a uma cobertura protectora daqueles direitos de que são exemplos as medidas a tomar no campo da saúde – artigo 64º, habitação e urbanismo – artigo 65º, ambiente e qualidade de vida – 66º, família, paternidade e maternidade, infância, juventude e terceira idade – artigos 69º a 72º. No que toca a alimentos, nomeadamente devidos a menores (e que são objecto da nossa análise), esse direito aparece claramente consagrado no artigo 63º nº 2 e 69º nº 2 do Diploma Fundamental como uma obrigação do Estado em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência; existe nestes casos um direito originário a prestações[1]; o Estado tem aqui o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos. Não se trata na verdade aqui de sugerir um objectivo; muito embora reconhecendo ao legislador ordinário liberdade na escolha de meios com vista à realização do programa social neste domínio, a Constituição compromete os poderes públicos na consecução dos seus objectivos, mau grado considerando os condicionalismos económicos que rodeiam a respectiva concretização[2]. A ausência de legislação neste domínio é mesmo susceptível de enquadrar "inconstitucionalidade por omissão". Na verdade e nos termos do preceituado no artigo 293º da CRP "o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. 2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente". A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a intenção programática fixada na Lei Fundamental. Do artigo 1º da referida Lei ressalta a função primária do Fundo i.e. de suprir as necessidades do menor quando não for possível obter alimentos da pessoa judicialmente obrigada a tal pelas formas a que alude o artigo 187º do DL 314/78 de 27 de Outubro e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional; Por seu turno, o DL 164/99 de 13 de Maio, veio no artigo 3º nº 1 alínea a), a acrescentar um outro pressuposto da intervenção estadual "não beneficiar [o menor] de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional". Exige-se ainda para que o Fundo intervenha, a falta de pagamento voluntário e que tenham resultado infrutíferos os esforços envidados para obter o pagamento, no âmbito de um processo de incumprimento a que alude o artigo 189º da Organização Tutelar de Menores. À semelhança do que sucede nos ordenamentos jurídicos europeus congéneres e nomeadamente o alemão, como frisámos, também a lei veio subrogar o Fundo no lugar em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso. A questão que nos ocupa não vem expressamente regulamentada em qualquer dos Diplomas que regulam a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menor, pelo que não é possível recolher através do elemento literal da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro ou do DL nº 164/99 de 13 de Maio, a solução que se pretende; tal só será viável através da interpretação teleológica das normas em causa com inserção no sistema de que fazem parte. + Em abono da sua tese, sustenta o agravante nunca ter sido intenção do Legislador suprir as prestações em dívida do devedor relapso. O pagamento destas pelo Fundo de Garantia, para além de se tornar um encargo insustentável para aquele, seria ainda nocivo sob o ponto de vista social, pois só incentivaria o incumprimento por parte dos devedores relapsos. Em nosso entendimento não colhem as considerações do agravante nesta parte. Em parte alguma da Lei se pode inferir que o Legislador pretendeu consagrar tal entendimento; nomeadamente tal não se deduz, ao contrário do que o agravante sustenta, do artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio, ao estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal". Na verdade, o facto de a entidade iniciar o pagamento numa determinada data, não significa necessariamente que o mesmo se reporte apenas a prestações futuras, já que suporta perfeitamente que na respectiva interpretação nos orientemos pelo disposto no "lugar paralelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil; "Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo no disposto no artigo 2 273º". É bem certo que o paralelismo de situações não é total, desde logo devido à natureza da intervenção do Fundo de Garantia, cuja obrigação não está, como temos vindo a decidir ao abordar esta temática[3], necessariamente dependente da do primitivo obrigado. E é precisamente esta relativa independência de obrigações e partindo para já do estatuído no citado normativo legal que nos permite desde logo concluir que ao caso que apreciamos não é aplicável a 2ª parte do normativo supracitado. Concretizando, não compete ao Fundo assegurar as prestações que antes da propositura da acção eventualmente estejam em dívida. A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desencadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a colmatar as necessidades do menor em montante que se bem que tendencialmente equivalente à do obrigado, não está em princípio limitada pela mesma. Na verdade é sobre a factualidade exposta no requerimento que vai incidir primordialmente o inquérito a que alude o artigo 4º do DL 164/99, sendo certo que o Fundo não tem nem pode ocupar-se de necessidades e faltas ocorridas anteriormente à sua solicitação, as quais têm de presumir-se superadas. Caso assim não fosse, teriam cabimento as objecções opostas pelo CRSS por via do presente agravo. Seria na verdade incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas do menor, bem como pedagogicamente inadequado substituir o originário obrigado a alimentos no seu inalienável dever de prover ao sustento e educação do menor a seu cargo. Tal incentivaria o desleixo do obrigado, sabendo o mesmo a priori que o Estado supriria as suas faltas. Só que ao contrário do que o agravante pretende fazer crer, o caso em análise não pode subsumir-se ao que acima referimos; trata-se tão só de ponderar o pagamento de retroactivos reportados à data do pedido de intervenção do Fundo de Garantia, os quais visam colmatar uma necessidade actual e cujos fundamentos se pretende que sejam de averiguação célere. Nesta conformidade haverá que alterar parcialmente o decidido determinando que as prestações sejam devidas apenas a partir do momento em que o Fundo foi chamado a intervir no processo ou seja 9 de Maio de 2008 solução que corresponde de certa forma à data da propositura de uma acção autónoma contra o Fundo de Garantia de Alimentos.
Pode pelo exposto concluir-se o seguinte:
1) A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a intenção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência. 2) Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos. 3) A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria. 4) A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desencadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a colmatar as necessidades do menor. 5) O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, suporta perfeitamente que na respectiva interpretação nos orientemos pelo disposto no "lugar paralelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que os alimentos são devidos desde a propositura da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora. 6) Nesta conformidade o pagamento das prestações alimentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio. * 3. DECISÃO.
Pelo exposto acorda-se em conceder parcial provimento ao agravo e revogando nessa medida a decisão de fls. 101 determina-se o pagamento a cargo do fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores das prestações que se venceram apenas a partir de Maio de 2008.
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