Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4936/22.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
NULIDADE
CONTRATO DE CONSULTORIA IMOBILIÁRIA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data do Acordão: 09/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 410.º, 3; 473.º; 479.º; 566.º, 3; 790.º, 1; 795.º, 1; 1154.º E 1156.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- O Autor, face à factualidade alegada e face ao teor do documento escrito de fls. 16 a 17, invocou a celebração com a Ré de um contrato de mediação imobiliária, contrato esse regulado em primeira mão pelo diploma específico que o prevê, a Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, enquanto legislação especial, cfr. Art. 16º. À falta ou insuficiência do aí estabelecido e das estipulações contratuais das partes, regem as regras do contrato de prestação de serviços – artigo 1156º do C.Civil.

II- Os dois regimes anteriores ao RJAMI (2004 e 1999) descreviam e classificavam a obrigação típica do mediador imobiliário – independentemente de as partes poderem concretizar as suas obrigações de forma diferente -, como obrigação de meios.

III- Com a vigência do RJAMI (Lei nº 15/2013), estipula-se (artigo 2º) um vasto leque de negócios visados, passando a actividade do mediador a ter maior amplitude, e, só caso a caso, é que se sabe se a obrigação assumida é uma obrigação de meios, ou uma obrigação de resultado.

IV- No caso, o Autor não logra provar a celebração de um contrato de mediação imobiliária, mas sim de um contrato atípico de prestação de serviços de consultoria imobiliária.

V- A prestação de serviços atípica pode estabelecer para o consultor, uma obrigação de meios, ou uma obrigação de resultado, o que carece de indagação igualmente casuística.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1)-
Em 24 de Outubro de 2022 veio AA, casado sob o regime da separação de bens, residente na Rua ..., ..., ... ..., propor AÇÃO DECLARATIVA COMUM DE CONDENAÇÃO contra A..., LDA, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., Ed. Europa, Lote ..., Loja ..., ... Coimbra, com a licença AMI n.º ...26 emitida pelo IMPIC, concluindo por:

a) Ser declarado nulo o contrato de mediação imobiliária celebrado entre A. e R.;
b) Condenar a Ré a restituir ao Autor o montante que indevidamente recebeu do Autor no valor de 6.150,00 euros;
c) Condenar a Ré ao pagamento dos juros de mora vencidos devidos ao Autor, calculados à taxa legal de 4%, ascendendo à quantia de 819,55 euros;
d) Condenar a Ré ao pagamento dos juros de mora vincendos sobre a quantia peticionada, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
e) Condenar a Ré no pagamento das custas e demais despesas processuais.
Caso assim não se entenda, o que não se concede, e caso o douto Tribunal entenda pela validade do negócio celebrado, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, a título subsidiário:

f) Ser declarado o incumprimento contratual culposo pela Ré;
g) Ser declarado como resolvido o contrato celebrado entre Autor e Ré por incumprimento contratual a esta imputável;
h) Condenar a Ré a restituir ao Autor o montante que indevidamente recebeu dele
de 6.150,00 euros;
i) Condenar a Ré ao pagamento dos juros de mora vencidos devidos ao Autor, calculados à taxa legal de 4%, ascendendo à quantia de 819,55 euros;
j) Condenar a Ré ao pagamento dos juros de mora vincendos sobre a quantia peticionada, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
k) Condenar a Ré no pagamento das custas e demais despesas processuais.

Para tal, alega:

I – Dos factos:

1.º O Autor é pessoa idosa, nascido em ../../1941, atualmente com 81 anos de idade.
2.º A Ré é uma sociedade imobiliária que se dedica às atividades de promoção imobiliária de venda e compra de imóveis, com a licença AMI n.º ...26 emitida pelo IMPIC.
3.º Algures em abril/maio de 2019, o Autor interessou-se em adquirir um imóvel sito na freguesia ..., concelho ....
4.º O referido imóvel era composto por prédio urbano sito na Rua ..., ..., ... ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ... sob o artigo ...95 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 da referida freguesia (doravante designado por “imóvel”).
- cfr. registo predial e caderneta predial que se juntam sob a forma de documentos n.º 01 e 02 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
5.º Porque pretendia comprar o imóvel supramencionado, e por desconhecer a identidade dos seus proprietários, em maio de 2019, o Autor acordou com a Ré que esta intermediasse tal venda, ficando esta encarregue de encetar os contactos com o respetivo proprietário.
6.º Na sequência dos contactos encetados, e ao que a memória do Autor lhe permite localizar temporalmente, a 20/05/2019 ou alguns dias antes, Autor e Ré reuniram nas instalações desta última, tendo sido o Autor informado pela Ré, na pessoa do seu sócio-gerente BB, que já tinham estabelecido contacto com os proprietários do imóvel, estando o mesmo efetivamente disponível para venda, sendo, porém, necessário diligenciar pela obtenção da respetiva licença de utilização em falta.
7.º Mais explicou a Ré ao Autor que a ausência de licença de utilização não constituía motivo impeditivo da celebração quer da promessa quer mesmo da compra e venda, dizendo possuir já vasta experiência no tratamento de situações semelhantes, disponibilizando-se para diligenciar pela sua obtenção e legalização do imóvel junto da Câmara Municipal ..., com vista à aquisição do mesmo pelo Autor mediante a celebração da respetiva escritura de compra e venda.
8.º Em suma, a Ré informou o Autor que “trataria de tudo”, não tendo este “com que se preocupar”, assegurando ao Autor não só a obtenção da licença de utilização em falta, bem como a celebração, a final, da respetiva escritura de compra e venda.
9.º Em consequência, no dia 20/05/2019, nas instalações da Ré, Autor e Ré procederam à outorga de um contrato de mediação imobiliária designado como “contrato de prestação de serviços”. – cfr. cópia do contrato de prestação de serviços que se junta sob a forma de documento n.º 03 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
10.º Constituiu condição essencial para a celebração do referido contrato de mediação imobiliária, a obtenção pela Ré da referida licença de utilização junto da Câmara Municipal ..., e a que esta se vinculou perante o Autor, dado que sempre lhe assegurou ser possível de obter.
11.º Tal foi expressamente transmitido pelo Autor à Ré, sendo do expresso conhecimento desta.
12.º O Autor apenas anuiu celebrar o mencionado contrato de prestação de serviços com a Ré, na modalidade de mediação imobiliária, atendendo ao que esta lhe transmitiu àquela data.
13.º Sempre confiou o Autor na informação que lhe tinha sido reiteradamente transmitida pela Ré através do seu leal representante, o Sr. BB, e foi nesse pressuposto e nessa convicção que o Autor manifestou a sua vontade de celebrar aquele negócio jurídico.
14.º Assim, o Autor assinou o sobredito contrato de boa-fé, confiante de que a Ré seria capaz de resolver o problema da falta de licença de utilização, o único impedimento para a outorga da escritura de compra e venda do imóvel objeto do contrato sub iudice, tal como lhe havia sido transmitido pela Ré.
15.º Importa ressalvar que o Autor possui um baixo grau de instrução, detendo tão somente o antigo quarto ano de escolaridade,
16.º Sendo que à data da outorga deste contrato o Autor tinha quase 78 anos de idade.
17.º Considerando a obrigação de resultado a que a Ré se obrigou perante o Autor,
18.º Pagaria este à Ré, como contrapartida e no final, o montante de 5.000,00 Euros acrescidos de IVA, totalizando 6.150,00 Euros.
19.º Dando continuidade ao negócio jurídico ora celebrado entre Autor e Ré a 20/05/2019, procedeu também a Ré à elaboração do respetivo contrato-promessa de compra e venda do supramencionado imóvel sito em ...,
20.º bem como à recolha das assinaturas de ambas as partes outorgantes,
21.º tendo a Ré remetido o referido contrato-promessa de compra e venda para França, onde residiam os proprietários do imóvel,
22.º e recolhido a assinatura do Autor nas instalações da Ré.
23.º Assim, por documento datado de 05/06/2019 foi outorgado entre o Autor e os proprietários do imóvel supramencionado, um contrato-promessa de compra e venda, pelo preço de 30.000,00 Euros, nas condições e nos termos nele descritos. – cfr. cópia do contrato-promessa de compra e venda que se junta sob a forma de documento n.º 04 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
24.º Os proprietários do referido imóvel eram, à data dos factos, e ainda são à presente data, o senhor CC, e DD, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, ambos residentes no n.º 3, Rue ... ... (França). – cfr. documentos n.º 01 e 02.
25.º Pese embora a Ré tenha ocultado qualquer menção quanto à sua intervenção na outorga daquele contrato-promessa,
26.º a verdade é que a elaboração do referido documento provém da sua própria autoria,
27.º na sequência do contrato de mediação imobiliária que havia celebrado com o Autor.
28.º Tal comportamento indicia, desde logo e por si só, a má-fé e o dolo da Ré para com o Autor.
29.º Com efeito, da leitura daquele contrato-promessa de compra e venda, mais concretamente da cláusula terceira, n.º 5, resulta que o Autor – através da Ré, embora não conste convenientemente tal menção de forma expressa naquele contrato-promessa – se obrigou perante os proprietários do imóvel a diligenciar pela obtenção da licença de utilização:
“A validade do presente contrato fica sujeita à obtenção da licença de utilização do imóvel ora prometido. Para tal, o PROMITENTE COMPRADOR irá realizar, à sua conta e expensas, as obras necessárias para a obtenção da licença de utilização, bem como pagar os projetos, licenciamentos e honorários de arquitetos, apesar de os mesmos serem emitidos em nome dos PROMITENTES VENDEDORES.”
30.º Ora, esta obrigação com que o Autor se comprometeu é consequência direta e resulta do contrato de mediação imobiliária celebrado previamente entre Autor e Ré a 20/05/2019,
31.º sendo que o Autor apenas se obrigou formalmente a diligenciar pela obtenção da licença de utilização perante os proprietários do imóvel prometido porque sabia que, na prática, tal obrigação recaía na verdade sobre a Ré que se tinha comprometido previamente perante o Autor a obtê-la, não só garantindo a sua obtenção, como comprometendo-se por conseguir a legalização do imóvel com vista à sua aquisição formal.
32.º No dia 26/06/2019, foi o Autor convocado pela Ré, na pessoa do seu sócio-gerente BB, para comparecer nas instalações daquela para ali reunir,
33.º tendo a Ré informado o Autor ter já na sua posse o contrato-promessa de compra e venda assinado pelos proprietários,
34.º solicitando ao Autor a assinatura de um aditamento ao contrato celebrado a 20/05/2019 denominado por “contrato de prestação de serviços” com vista a retificar o número de identificação fiscal do Autor que continha um lapso de escrita. – cfr. cópia do referido aditamento que se junta sob a forma de documento n.º 05 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
35.º Naquele dia 26/06/2019, e na sequência da assinatura de ambos os interessados do contrato-promessa de compra e venda, a Ré solicitou ao Autor que este procedesse ao pagamento antecipado do montante de 5.000,00 Euros acrescidos de IVA – valor acordado no contrato de mediação imobiliária celebrado – por forma a permitir à Ré diligenciar pela obtenção da licença de utilização e de legalização do imóvel junto da Câmara Municipal ... necessária a instruir a escritura de compra e venda do imóvel.
36.º Mais explicou a Ré ao Autor, naquela reunião, que estimava demorar até cerca de 12 meses para concluir o processo agora em curso, sublinhando deter diversos conhecimentos e contactos na Câmara Municipal ..., motivo pelo qual não duvidava da facilidade na obtenção da licença de utilização a que se comprometera, nem da outorga da escritura de compra e venda que sempre prometeu ao Autor, pelo que ele “não tinha com que se preocupar”, sendo que ele, BB, “iria tratar de tudo”.
37.º Não compreendendo ao certo quais as diligências necessárias à obtenção da licença de utilização, nem da legalização do imóvel com vista à outorga da escritura de compra e venda do imóvel prometido, o Autor – como até então – confiou na Ré, na pessoa do seu legal representante, e nas suas promessas de um resultado garantido.
38.º Sempre nesse pressuposto, procedeu o Autor, no dia 26/06/2019, a uma transferência bancária a favor da Ré, no montante de 6.150,00 Euros – cfr. documento n.º 06 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
39.º Também naquele dia, a 26/06/2019, foi pela Ré simultaneamente emitida a fatura n.º 1 2019/4 a favor do Autor, no montante de 5.000,00 Euros acrescidos de IVA, num total de 6.150,00 Euros, com a seguinte descrição “Prestação de serviços de consultoria imobiliária”,
40.º e foi ainda emitido o respetivo recibo de pagamento n.º 2019/1 no mesmo montante. – cfr. documentos n.º 07 e 08 que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
41.º Acresce realçar que o referido contrato-promessa de compra e venda, elaborado pela Ré, e assinado pelo Autor e pelos proprietários do imóvel prometido não foi submetido a reconhecimento presencial de assinaturas, em clara violação do disposto no n.º 3 do artigo 410º do Código Civil: “3 - No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”
42.º Não tendo tal requisito sequer sido explicado pela Ré ao Autor, como lhe competia.
43.º O que, também por aqui, se antevê a má-fé e conduta dolosa da Ré para com o Autor.
44.º Com efeito, o Autor procedeu posteriormente a 16/09/2021, após mais de dois anos volvidos sobre a data da outorga daquele contrato-promessa de compra e venda em junho de 2019, ao reconhecimento por semelhança apenas da sua assinatura, por começar a recear da conduta da Ré.
45.º Assim, durante os meses que se seguiram à outorga daqueles contratos em 2019, o Autor acreditou e confiou que a Ré se encontrava a diligenciar pela legalização do imóvel prometido, mediante a obtenção da licença de utilização junto da Câmara Municipal ....
46.º No dia 01/11/2019, o Autor tomou posse física do imóvel prometido, nele passando a residir, conforme acordado com os proprietários e na sequência da informação transmitida pela Ré em como “tudo estava a ser tratado”.
47.º Com efeito, dos inúmeros telefonemas que o Autor manteve com a Ré,
48.º e das diversas visitas que o Autor efetuou às instalações da Ré,
49.º e das diversas conversas que o Autor manteve com a Ré na pessoa do seu sócio-gerente BB,
50.º questionando o estado dos trabalhos da Ré,
51.º a resposta desta, pela pessoa do seu sócio-gerente BB, vaga e imprecisa, foi, ao longo de vários meses, a de que esta se encontrava a diligenciar pela obtenção da mencionada licença, com vista à celebração da escritura, não havendo nada com que o Autor se devesse preocupar.
52.º Ao longo do ano de 2020, e por força dos constrangimentos decorrentes da pandemia covid-19, os contactos entre Autor e Ré decresceram, atendendo – da perspetiva inocente do Autor – ao encerramento temporário das instalações da Ré.
53.º No entanto, pelos contactos então estabelecidos neste mesmo ano de 2020, a mensagem desta permanecia igual: “estamos a tratar do assunto”.
54.º Convocado pela Ré, reuniu o Autor com esta na sua sede, ainda durante o ano de 2020, mas em data que o Autor não consegue já precisar, tendo-lhe sido fornecida pela Ré uma cópia da informação técnica que recebera por parte da Câmara Municipal ... datada de 06/03/2020, na sequência de um pedido de informação que havia efetuado em nome do Autor. - cfr. cópia da informação técnica que se junta sob a forma de documento n.º 09 e se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
55.º Não compreendendo o Autor a extensão do teor do referido documento, foi-lhe pela Ré explicado que tal resposta nada comportava de anormal ou de impeditivo das suas intenções em adquirir o imóvel prometido, mais referindo que iria prosseguir com as diligências necessárias à obtenção da licença de utilização em falta.
56.º Mais uma vez, e perante as explicações dadas pela Ré, nelas confiou o Autor.
57.º Ora, da leitura daquele documento tinha a Ré obrigação de saber que o imóvel prometido se encontrava construído em zona 100% espaço florestal,
58.º inviabilizando a emissão da respetiva licença de utilização ao abrigo do plano diretor municipal vigente.
59.º Tal não foi explicado pela Ré ao Autor,
60.º Nem nunca a Ré mencionou ao Autor a eventual necessidade do mesmo proceder à contratação de um profissional qualificado, com vista à eventual regularização da construção ali existente, como era seu dever.
61.º Algures em julho/agosto de 2021, perante a notícia de que os proprietários do imóvel prometido se iriam deslocar a Portugal no mês de setembro de 2021, o Autor exigiu à Ré que esta elaborasse um documento escrito apto a explicar aos proprietários quais as diligências que desenvolveu até então para obter a licença de utilização.
62.º Assim, em data que não pode precisar no mês de setembro de 2021, a Ré entregou ao Autor, em mãos, duas cartas com teor “explicativo”:
a. uma das cartas encontrava-se carimbada pela gerência da Ré, mas não estava assinada, nem datada, e informava que o processo de licenciamento com o fim de
“conseguirem realizar a escritura de compra e venda do ora imóvel prometido em contrato promessa” estaria a “ser desenvolvido e instruído pelo Dr. EE”; – cfr. documento n.º 10.
b. a outra carta encontrava-se datada de 14/05/2021, alegadamente subscrita pelo Ilustre Advogado Dr. EE, com a cédula profissional n.º 46059c, no entanto não continha nenhuma assinatura, nem carimbo, limitando-se o seu teor a informar das conclusões alegadamente retiradas Sr. Advogado da sua deslocação à Câmara Municipal .... – cfr. documento n.º 11.
63.º Exigindo saber de uma forma mais clara o que estava a ser feito pela Ré, no dia 16/09/2021 teve lugar nas instalações desta uma reunião, a pedido do Autor e do proprietário do imóvel prometido, estando presentes diversas pessoas, nomeadamente a Ré, na pessoa do seu sócio-gerente BB, o Autor, a esposa do Autor, o proprietário do imóvel e um familiar deste.
64.º Esteve ainda presente, ainda que por muito pouco tempo e a pedido do Autor, um advogado, contudo o mesmo compareceu já tardiamente à reunião, tendo o legal representante da Ré evitado responder às suas questões.
65.º Da reunião não resultou qualquer resposta imediata ou concreta da parte da Ré, tendo esta explicado que “os seus advogados estavam a tratar da questão” e que assim que tivesse novidades “entraria em contacto”,
66.º Advogados esses que nunca o Autor viu, nem conheceu.
67.º Ainda naquele dia, na sequência da reunião ocorrida, solicitou a Ré ao Autor o pagamento de uma soma adicional para além dos 6.150,00 euros já pagos,
68.º tendo o Autor recusado por não encontrar qualquer justificação fática para tal pagamento adicional,
69.º atendendo à soma avultada inicialmente paga à Ré.
70.º A isto acresce ainda ter a Ré proibido expressamente o Autor de se fazer acompanhar novamente por advogado a qualquer reunião sua,
71.º sintomático das intenções dolosas e da má-fé da Ré.
72.º Por continuar a acreditar nas promessas da Ré, o Autor saiu daquela reunião confiando que a licença de utilização em falta seria obtida pela Ré junto da Câmara Municipal ..., tal como esta se comprometera e lhe assegurara.
73.º Porém, nos meses que se seguiram àquela reunião de 16/09/2021, a Ré começou não só a rejeitar cada vez mais os telefonemas do Autor,
74.º como começou também a evitar a presença do Autor sempre que este tentava agendar reuniões presenciais,
75.º sendo que na maioria das vezes que o Autor se deslocava às instalações da Ré lhe era dito que o sócio-gerente BB ou não estava, ou estando a resposta dada era sempre a mesma “está quase”.
76.º No dia 28/01/2022, a Ré enviou um email ao Autor solicitando que este lhe enviasse os seus dados de identificação, bem como os dos proprietários do imóvel, com vista a procederem à outorga não da escritura de compra e venda, como acordado, mas de uma escritura de usucapião.
77.º Estranhando por tal não ter sido o acordado, o Autor recusou enveredar por uma alegada solução alternativa que não correspondesse à verdade dos factos,
78.º disso informando a Ré,
79.º mantendo-se o inicialmente acordado quanto à obtenção da licença de utilização e posterior escritura de compra e venda. – cfr. print da troca de emails que se junta sob a forma de documento n.º 12 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
80.º No entanto, e a partir de então, os contactos com a Ré foram sendo cada vez mais escassos, pese embora as diversas insistências do Autor.
81.º Com efeito, de acordo com o registo de telefonemas e mensagens que o Autor ainda mantém guardados, resulta que, nomeadamente ao longo dos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2022, o Autor foi pedindo esclarecimentos à Ré acerca do estado do processo de “legalização da casa”,
82.º pedindo reuniões que não ocorreram por alegados motivos de “agenda cheia” da Ré, porém, sem qualquer sucesso. – cfr. print de SMS’s trocadas entre Autor e Ré que se junta sob a forma de documento n.º 13 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
83.º Telefonando diversas vezes para a Ré, sem sucesso. – cfr. print do registo mais recente das chamadas telefónicas do Autor para a Ré que se junta sob a forma de documento n.º 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
84.º Também os mandatários do Autor remeteram à Ré duas missivas, interpelando-a acerca do estado do processo, em agosto e setembro de 2022, não tendo até à presente data obtido qualquer resposta às mesmas. – cfr. documentos n.º 15 e 16 que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
85.º Com efeito, a última carta veio devolvida por falta de levantamento por parte da Ré. – cfr. documento 16.
86.º Nunca a Ré disse ao Autor que lhe era impossível obter a licença de utilização do imóvel prometido junto da Câmara Municipal ..., pelo contrário.
87.º Nunca a Ré disse ao Autor que lhe era impossível proceder à outorga da escritura de compra e venda do imóvel prometido por impossibilidade prática atenta a inexistência de licença, pelo contrário.
88.º Nunca a Ré, em todos estes meses que se transformaram agora em anos, disse ao Autor que não conseguia obter a licença de utilização a que se comprometera, pelo contrário, a Ré garantiu sempre que tal seria por si possível de alcançar, mas que tal “demoraria algum tempo”.
89.º A conduta da Ré em relação ao Autor está eivada de má-fé.
90.º Com efeito, na sua relação com o Autor a Ré agiu com dolo manifesto, bem sabendo que com a sua conduta lesava os interesses do Autor.
91.º Dolo e má-fé esses que resultam notórios dos mais diversos comportamentos e condutas da Ré, nomeadamente:
a. ao ocultar deliberadamente do contrato de prestação de serviços na modalidade de mediação imobiliária que celebrou com o Autor qualquer menção à licença de utilização, bem sabendo que a obtenção da mesma era condição e elemento essencial ao cumprimento do negócio jurídico em causa;
b. ao ocultar a sua intervenção na elaboração do contrato promessa de compra e venda que ela própria elaborou e deu a assinar às partes, bem como qualquer menção à sua existência;
c. ao comprometer-se e garantir ao Autor que iria obter a licença de utilização do imóvel prometido junto da Câmara Municipal ... sem diligenciar previamente pela sua viabilidade;
d. ao exigir ao Autor o pagamento antecipado dos 6.150,00 euros sem apurar previamente pela viabilidade da concessão da licença de utilização ao imóvel prometido junto da Câmara Municipal ...;
e. ao solicitar ao Autor o pagamento de um montante adicional para além dos 6.150,00 euros, sem motivo evidente para tal com o intuito de lhe extorquir dinheiro;
f. ao propor ao Autor a outorga de uma escritura de justificação por usucapião, bem sabendo que ao fazê-lo incorreria em falsas declarações;
g. ao propor ao Autor a outorga de escritura de justificação por usucapião, e a celebração de negócios jurídicos sem existir licença de utilização do imóvel prometido, tornando tais negócios impossíveis ou, no limite, se ilegalmente celebrados nulos, não lhe tendo dado tais explicações;
h. ao comprometer-se junto do Autor numa obrigação de resultados e não de meios sem apurar previamente pela sua viabilidade;
i. ao elaborar e dar a assinar ao Autor um contrato promessa de compra e venda de um imóvel que não dispunha de licença de utilização, sem proceder e aconselhar sequer ao reconhecimento presencial das assinaturas, não obstante as consequências legais de tais omissões;
j. ao asseverar e garantir múltiplas vezes ao Autor que a obtenção da licença de utilização do imóvel prometido estava para breve, quando tal não correspondia nem corresponde à verdade;
k. ao não resolver de imediato o contrato celebrado com o Autor e ao não restituir os valores que este lhes pagou, assim que tomou conhecimento da impossibilidade de obtenção da licença de utilização que havia asseverado.
92.º A Ré agiu, pois, com dolo, bem sabendo que com a sua conduta lesava os interesses do Autor.
93.º Por dever de ofício tinha a Ré obrigação de saber não ser possível ao Autor outorgar qualquer escritura relativa ao imóvel prometido sem a devida licença de utilização.
94.º Ao não explicitar no contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária celebrado com o Autor a essencialidade da obtenção daquela licença, que se crê ter sido intencional, a Ré sintomatiza a má-fé da sua conduta.
95.º E ainda que se entendesse que a obtenção da referida licença não seria o serviço principal a prestar pela Ré ao Autor – o que não se concede e cuja hipótese apenas se formula como mero exercício académico – a verdade é que tal seria sempre, no mínimo, um serviço acessório e que carecia de ser minuciosamente descrito.
96.º Atenta a troca de mensagens entre Autor e Ré, também por aqui se vê que não podia esta ignorar a inexistência de licença de utilização do imóvel, considerando que aquela troca de mensagens visava suprir a sua falta.
97.º Com efeito, a Ré, consciente da ilicitude dos seus atos e do que se havia obrigado, devia ter transmitido logo ab initio ao Autor que quer a inexistência da licença de utilização, quer a falta de reconhecimento presencial das assinaturas do contrato-promessa de compra e venda, acarretavam a nulidade de qualquer contrato-promessa de compra e venda, atento o disposto no artigo 410º do Código Civil.
98.º E devia ter recusado a prestação do serviço.
99.º Devia a Ré ter recusado mediar a aquisição do imóvel.
100.º Devia a Ré ter recusado o pagamento antecipado do Autor numa soma tão avultada sem possuir as certezas necessárias em como tal licença era possível de obter com a facilidade descrita.
101.º Ou então devia a Ré, no mínimo, ter restituído os montantes pagos pelo Autor e que aquela recebeu indevidamente, assim que tomou conhecimento quer da ilicitude do negócio e dos negócios em causa, quer da impossibilidade objetiva de suprir a falta de tal licença.
102.º Mas a Ré não o fez.
103.º Ao invés, a Ré celebrou um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária com o Autor com vista à aquisição da licença de utilização junto da Câmara Municipal ... que não podia ter celebrado,
104.º e elaborou ainda um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel cuja construção sabia estar ilegal,
105.º asseverando ser capaz de obter aquilo que volvidos três anos efetivamente não conseguiu.
106.º Por dever de ofício, a Ré tinha obrigação de saber que a licença de utilização constitui elemento e condição essencial à celebração de negócios desta natureza,
107.º e por tal motivo devia ter-se abstido de os celebrar, ao invés de incutir falsas esperanças no Autor,
108.º ao invés de abordar a questão com uma ligeireza inadmissível.
109.º Há, pois, dolo manifesto da parte da Ré.
110.º A Ré aproveitou-se da boa-fé do Autor, da sua idade e do seu dinheiro,
111.º aceitando aquilo que sabia não poder aceitar,
112.º cobrando valores por serviços que sabia não poder e não dever cobrar.
113.º Não podia a Ré ter cobrado ao Autor os valores que cobrou sem se asseverar antes que era possível obter a licença de utilização.
114.º E mesmo que a outorga de uma escritura de justificação por usucapião fosse possível – que não é – tal contrariava o escopo daquilo a que a Ré se obrigara perante o Autor:
a obter a mencionada licença com vista à outorga de uma escritura de compra e venda (e não de justificação por usucapião).
115.º Diga-se, desde já, que a Ré ao avançar com a proposta da escritura de justificação por usucapião, também por aqui demonstra saber não lhe ser possível obter a sobredita licença de utilização em falta, exponenciando a má-fé e o dolo da sua conduta.

II – Da nulidade do contrato:

116.º A Lei n.º 15/2013 de 8 de setembro estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária.
117.º Da referida lei resulta, do seu artigo 2º, que:
“1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a- Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. (...)
4 - As empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões, de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem. (...).”
118.º Resulta daqui que as partes celebraram um contrato de mediação imobiliária, não obstante a designação generalista que lhe foi atribuída de “contrato de prestação de serviços”, constituindo aquele contrato uma das várias modalidades existentes dentro deste último.
119.º Com efeito, a ausência de licença de utilização do imóvel prometido vender constitui elemento e característica essencial não só do imóvel prometido comprar pelo Autor, como constitui elemento e característica essencial do próprio negócio jurídico celebrado entre Autor e Ré.
120.º Foi a ausência desta licença de utilização, a par com as convenientes explicações dadas pela Ré ao Autor quanto à facilidade na sua obtenção, que conduziu à celebração do contrato de mediação imobiliária discutido nos presentes autos.
121.º No entanto, analisado o contrato dito de prestação de serviços outorgado entre as partes, verifica-se que nenhuma menção é feita à sobredita licença de utilização em falta, em lado algum.
122.º Na verdade, o contrato outorgado divulga apenas, de um modo convenientemente vago e generalista para a Ré, que esta se compromete a prestar ao Autor “serviços de consultoria imobiliária (...) incluindo-se aqui a obtenção dos dados do proprietário do imóvel abaixo identificado, com vista à sua aquisição pelo Segundo Outorgante”.
123.º O que não corresponde à verdade, pois que à data da assinatura daquele contrato a Ré já tinha contactado com os proprietários do imóvel prometido e já sabia que o único entrave ao negócio era a ausência da licença de utilização.
124.º O artigo 16º da referida Lei n.º 15/2013 regula especificamente a informação que deve constar obrigatoriamente nos contratos de mediação imobiliária, nomeadamente a identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam, a identificação clara do negócio visado, a identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa de mediação.
125.º A sua inobservância determina a nulidade do contrato, nos termos do n.º 7 daquele artigo 16º.
126.º Por conseguinte, salvo melhor opinião, atendendo à omissão clara de qualquer referência à licença de utilização e da sua inexistência – que constituía elemento essencial e fundamental deste negócio jurídico – deve o contrato de mediação imobiliária celebrado ser considerado nulo por não identificar corretamente as características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaem, em violação do disposto no artigo 16º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, atendendo à omissão de qualquer menção referente à inexistência da licença de utilização (elemento essencial do negócio).
127.º No entanto, caso assim não se entenda, sempre deve o contrato de mediação imobiliária celebrado ser considerado nulo por não identificar corretamente o negócio visado, em violação do disposto no artigo 16º, n.º 2, alínea b) da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, atendendo à omissão clara de qualquer menção referente à inexistência da licença de utilização (elemento essencial do negócio).
128.º Caso assim também não se entenda, o que não se concede, sempre se entende que tal serviço a que a Ré se comprometeu constituiria, no mínimo, se não o serviço principal – que o era – pelo menos um serviço acessório, pelo que deve o contrato de mediação imobiliária celebrado ser considerado nulo por não proceder a uma identificação discriminada dos serviços acessórios a prestar pela empresa, em violação do disposto no artigo 16º, n.º 2, alínea f) da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, atendendo à omissão manifesta de qualquer menção referente à inexistência da licença de utilização (elemento essencial do negócio).
129.º Por outro lado, a portaria n.º 228/2018, de 13 de agosto, prevê um modelo de contrato de mediação imobiliária a utilizar pelas empresas a operar neste mercado, que não coincide com o modelo utilizado pela Ré junto do Autor.
130.º Estatui o n.º 4 daquele artigo 16º da Lei n.º 15/2013 que os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária só podem ser utilizados pela empresa após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo IMPIC, sob pena de nulidade do contrato.
131.º Ora, desconhece o aqui Autor se a Ré diligenciou pela obtenção de tal aprovação prévia junto das entidades competentes.
Por outro lado...
132.º O artigo 17º daquela lei n.º 15/2013 estatui ser “expressamente vedado à empresa de mediação: (...) c) celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta”.
Ora,
133.º O artigo 1º do Decreto-Lei nº 281/99, na redação dada pelo DL n.º 116/2008, de 04 de Julho dispõe que não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.
134.º Esta exigência de prova da licença de utilização, feita no artigo 1º, n.º 1 do supramencionado Decreto-Lei é aplicável também às escrituras de justificação notarial, previstas no artigo 116º, nº 1 do Código do Registo Predial, na esteira do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/02/2011 no processo 300/10.1TBTCS.C11.
135.º Resulta daqui que já à data da outorga do contrato de mediação imobiliária a Ré sabia, ou tinha obrigação de saber, que o imóvel que o Autor pretendia comprar configurava na realidade uma construção ilegal atenta a inexistência de licença de utilização.
136.º Não obstante, a Ré não só assegurou ao Autor que tal licença seria fácil de obter atenta a sua experiência, comprometendo-se a obtê-la num curto espaço temporal,
137.º como procedeu também a Ré à elaboração de um contrato promessa de compra e venda daquele mesmo imóvel cuja construção sabia estar ilegal.
138.º Nunca a Ré poderia ter procedido à elaboração do referido contrato promessa, pois que não só incorreu num crime de procuradoria ilícita por tal configurar um ato próprio da competência de advogados e solicitadores na esteira da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto,
139.º como devia ter alertado o Autor para a nulidade de tal contrato violador de disposições de direito público.
140.º Ao invés a Ré nada disse ao Autor, incentivando-o a tomar posse do referido imóvel ilegalmente construído,
141.º peticionando junto do Autor o pagamento antecipado dos acordados 6.150,00 Euros.
142.º Mais de dois anos volvidos após a outorga do contrato de prestação de serviços entre Autor e Ré, esta propôs aquele, em janeiro de 2022 e ao arrepio do que havia sido acordado, a outorga de uma alegada escritura de justificação por usucapião,
143.º quando tal não era possível, pois não é possível celebrar este tipo de escrituras pelo facto do prédio estar descrito na competente Conservatória do Registo Predial – cfr. documento nº 01,
144.º como implicaria também que o Autor e os demais intervenientes incorressem num crime de falsas declarações (porquanto o mesmo sabia não deter a posse daquele imóvel há mais de vinte anos).
145.º Ora, todas estas circunstâncias permitiam à Ré, de uma forma razoável, duvidar da licitude do negócio cuja promoção ela própria propôs ao Autor.
146.º Pelo que devia a Ré ter-se abstido de celebrar o referido contrato de mediação imobiliária ou, ainda que num momento inicial estivesse de boa-fé – o que não se concede e cuja hipótese apenas se formula como mero exercício académico – devia ter procedido à restituição do valor pago, dando sem efeito o contratualizado, atendendo à impossibilidade de cumprir com o acordado.
147.º No entanto, e caso o Tribunal entenda que à data da outorga do contrato com o Autor a Ré não detinha ainda o conhecimento pleno daquelas circunstâncias impeditivas e do caráter ilícito do negócio,
148.º certo é que três anos volvidos e o Autor continua sem ter na sua posse a licença de utilização necessária à transferência da propriedade do imóvel prometido.
149.º Todo o comportamento da Ré, supra descrito, encontra-se eivado de má-fé, pois que a mesma dispôs de todas as possibilidades quer para pôr fim ao negócio jurídico celebrado com o Autor,
150.º quer para proceder à restituição ao Autor dos valores pagos,
151.º porém nunca o fez,
152.º optando por desinformar o Autor, rejeitando as suas mais recentes tentativas de contacto.
153.º Atento o exposto, importa ressalvar que o Autor, ao pretender obter a declaração de nulidade do contrato de mediação imobiliária existente entre Autor e Ré, não age de má-fé, nem em abuso de direito.
154.º Com efeito, aquele contrato foi celebrado no pressuposto de que a Ré iria conseguir obter a licença de utilização do imóvel prometido, o que até à presente data não aconteceu, nem se prevê conseguir.
155.º Na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/20202:
“Não age em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, nos termos do art. 334º do CC, a autora que pretende obter a restituição da comissão que pagou à Ré, no âmbito de um contrato verbal de mediação imobiliária, no pressuposto que se iria concretizar o negócio visado pelo exercício da mediação, negócio esse que não veio a celebrar-se por facto não imputável à autora. Por efeito da declaração de nulidade do contrato de mediação
imobiliária existente entre a autora e a ré, a restituição a favor da ré (mediadora) de tudo o que a mesma prestou no âmbito da execução desse contrato, não sendo possível em espécie, deverá consistir no valor correspondente aos serviços prestados, mesmo com recurso à equidade, ao abrigo do disposto no art. 289º, nº 1, do CC.”
156.º Do supra exposto resulta que da atividade alegadamente desenvolvida pela Ré não foi alcançado nenhum dos resultados a que o pagamento dos 6.150,00 euros estava condicionado.
157.º Assim, nos termos do disposto no artigo 289º do Código Civil, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, nomeadamente, a Ré restituir ao Autor os 6.150,00 Euros por este prestados.
158.º Deverá, ainda, a Ré ser condenada no pagamento dos respetivos juros de mora vencidos à taxa legal de 4% sobre aquela quantia e que resulta no montante de 819,55 euros a título de juros de mora vencidos,
159.º bem como condenada no pagamento dos juros de mora vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento,
160.º ascendendo, à presente data, a um total de 6.969,55 euros.

III – Do incumprimento contratual

161.º Se, no entanto, o douto Tribunal entender não decidir pelos argumentos supra aduzidos e decidir considerar como válido o contrato celebrado entre Autor e Ré – o que não se concede e cuja hipótese apenas se formula como mero exercício académico – certo é que a Ré incorreu em incumprimento contratual,
162.º uma vez que esta não conseguiu obter aquilo a que se obrigou junto do Autor – a sobredita licença de utilização – atendendo à impossibilidade legal de o fazer.
163.º A Ré obrigou-se, pois, a uma obrigação, não de meios, mas de resultados,
164.º tendo, com a sua atuação, violado os deveres contratuais a que se tinha obrigado perante o Autor.
165.º Com efeito a Ré não só não cumpriu com o acordado, como tinha a obrigação de saber, por dever de ofício, que tal cumprimento era legalmente impossível,
166.º arrastando esta situação ao longo de vários anos,
167.º pretendendo com isto extorquir dinheiro ao Autor.
168.º Em consequência, deverá o douto Tribunal declarar que a Ré violou culposamente os deveres contratuais a que se obrigou perante o Autor,
169.º resolvendo-se o contrato celebrado,
170.º com a consequente obrigação de a Ré restituir ao Autor o montante já pago de 6.150,00 euros, acrescido dos respetivos juros de mora vincendos e ainda os juros de mora vencidos à taxa legal de 4% que correspondem à quantia de 819,55 euros, totalizando o montante global de 6.969,55 euros.
171.º O que desde já se requer a título subsidiário.

IV – Do enriquecimento sem causa:

172.º Na esteira do artigo 473º do Código Civil:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
Destarte ...
173.º Caso o douto Tribunal não decida pelos argumentos supra aduzidos e, bem assim, pela nulidade do contrato celebrado entre Autor e Ré, seja pela preterição de formalidades essenciais, seja pelo caráter atentatório e ilícito do mesmo contrário à boa-fé,
174.º sempre se entende dever ser declarado e reconhecido que a quantia de 6.150,00 Euros entregues pelo Autor à Ré correspondem a um enriquecimento injusto e sem causa da Ré à custa do empobrecimento do Autor,
175.º o que, desde já e a título subsidiário, se requer.
176.º Considerando que da atividade alegadamente desenvolvida pela Ré não foi alcançado nenhum resultado que justifique o pagamento dos 6.150,00 euros,
177.º resultou daqui um enriquecimento injusto para a Ré,
178.º considerando o incumprimento contratual que lhe é imputável.
179.º Atente-se ainda no artigo 480º do Código Civil, no que diz respeito aos juros devidos pela Ré enriquecida em relação ao Autor aos montantes a restituir, e que sempre se invoca para os devidos efeitos legais, porquanto o mesmo dispõe que: “O enriquecido passa a responder também pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos que por sua culpa deixem de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias: a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição; b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.”.
180.º Perante o exposto, deverá ser declarado o enriquecimento injusto da Ré e ser esta condenada a restituir ao Autor o montante já pago de 6.150,00 euros, acrescido dos respetivos juros de mora vincendos e ainda os juros de mora vencidos à taxa legal de 4% que correspondem à quantia de 819,55 euros, totalizando o montante global de 6.969,55 euros.

Junta documentos e procuração.

2)-
A Ré, citada, veio contestar.
Aceita o teor da certidão do registo comercial, quanto ao seu objecto social.
Aceita a identificação do imóvel em causa nos autos.
No mais impugna.
Diz, em síntese:

(…)
6º.
A R. é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, à prestação de serviços de consultoria imobiliária, designadamente, mediante a recolha de informações sobre imóveis, identificação de proprietários, preparação, elaboração e apresentação de documentos tendentes à concretização de negócios relacionados com bens imóveis, acompanhamento do cliente, prestação de informação, aconselhamento e apresentação de oportunidade de negócios e demais serviços relacionados com imóveis e o mercado imobiliário.
- cf. Certidão Permanente.
7º.
Em dia concreto que não consegue precisar, mas durante o mês de Março ou Abril de 2019, a R. foi contactada pelo A. para que esta, no exercício da sua actividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição de um imóvel situado em ..., ....
8º.
Para o efeito, a R. informou o A. que pelo serviço de consultoria seria devido o pagamento da quantia de € 5.000,00 acrescida de IVA, num total de € 6.150,00, a liquidar após conclusão dos serviços contratados, valor que este aceitou sem reservas.
9º.
Pese embora as diligências da R. se tenham iniciado de imediato, as partes apenas formalizaram por escrito o contrato de prestação de serviços em 20/05/2022.
- cf. Doc. n.º 3 junto com a PI.
10º.
Após localização do imóvel, a R. logrou obter os respectivos elementos identificativos, concretamente a sua descrição na Conservatória do Registo Predial e inscrição na respectiva matriz.
11º.
Conhecida a identificação dos seus proprietários e após intensa pesquisa, agravada pelo facto de estes se encontrarem em França, conseguiu a R. descobrir o respectivo contacto.
12º.
Contactados os proprietários, a R. informou o aqui A. que aqueles se encontravam interessados na venda do prédio, tendo iniciado as competentes diligências para obtenção dos documentos necessários à concretização do negócio pretendido pelo A.
13º.
Reunida toda a documentação, verificou a R. que o imóvel, pese embora correctamente descrito da Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz, não possuía licença de utilização, o que iria impossibilitar a venda.
14º.
Desta situação deu de imediato conhecimento ao A. e aos proprietários – que, conforme melhor se explicará adiante, não podiam ignorar tal facto.
15º.
Consciente deste óbice, o A. informou a R. que mantinha interesse no negócio pois já tinha prometido vender a sua casa de habitação em ... e necessitava de outra casa onde pudesse viver com a sua companheira – a D. FF, aqui arrolada como testemunha e actualmente sua mulher.
16º.
Pelo que, em 26/06/2019, o A. assinou o contrato promessa de compra e venda do imóvel, entregando-o nas instalações da R. para que esta o remetesse para o proprietário assinar.
17º.
O que fez por carta registada expedida na mesma data, juntamente com o comprovativo do pagamento da quantia entregue pelo A. a título de sinal.
- cf. Doc. n.º 1 que se junta.
18º.
Contrato no qual a R. não interveio por não ter qualquer participação no negócio, a título de mediadora imobiliária ou qualquer outro,
19º.
Pois os serviços que lhe foram contratados cingiam-se à obtenção da documentação necessária para a aquisição do imóvel e localização e contacto com o proprietário.
20º.
Ciente da falta de licença de utilização e da impossibilidade de realização da escritura de compra e venda do prédio sem a sua obtenção, questionou o A. à R. o que seria necessário para o efeito e quais os custos inerentes.
21º.
A R. diligenciou junto da Câmara Municipal ... pela obtenção do respectivo processo, pedido que apenas foi deferido largos meses depois, já no ano de 2020.
22º.
Por consulta ao processo, verificou a R. que o imóvel já tinha sido objecto de uma tentativa de licenciamento em 1981.
23º.
E através da sua equipa de arquitectos apurou que, nessa data, a edificação cumpria os requisitos exigidos para a necessária aprovação camarária.
24º.
No entanto, em 1982 o processo de licenciamento havia sido indeferido devido ao mau levantamento topográfico, à falta de arruamento alcatroado e à inexistência de plantas de localização exatas do prédio, nada mais tendo sido entregue pelo proprietário à Câmara Municipal, pelo que o processo foi automaticamente arquivado.
25º.
De tudo isto deu a R. conhecimento ao A., alertando-o para o facto de os proprietários não poderem desconhecer esta realidade.
26º.
Por consulta ao PDM, constatou ainda a R. que o imóvel se encontra em Zona Florestal o que tornaria praticamente impossível a aprovação da legalização do edificado,
27º.
Tendo elaborado em 16/06/2022 e entregue ao A. um Relatório sobre a viabilidade construtiva do imóvel.
- cf. Doc. n.º 2 que se junta.
28º.
Não tendo aceite promover qualquer processo de licenciamento.
29º.
E cessando a prestação dos serviços que lhe haviam sido contratados.
30º.
Desta forma, não corresponde à verdade o alegado pelo A. nos artigos 5.º pois jamais foi acordado que a R. intermediasse a venda, 7.º, 8.º, 9.º na parte em que refere ter sido outorgado um contrato de mediação imobiliária, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º na medida em que a R. jamais se comprometeu a «resolver o problema da falta de licença de utilização», 17.º e 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 25.º a 28.º, 29.º com excepção do que decorre do teor do contrato, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º, 35.º, 36.º, 37.º, 1.ª parte do artigo 38.º, 45.º pois os serviços contratados à R. não passavam pela legalização do imóvel, 46.º a partir de «na sequência da informação» até ao final, 47.º a 51.º, 55.º, 56.º porque conclusivo, 59.º, 60.º, 61.º, 64.º parte final, 67.º, 68.º e 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 86.º, 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 94.º, 95.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 101.º, 103.º, 104.º, 105.º, 107.º, 108.º, 109.º, 110.º, 111.º, 112.º, 113.º, 114.º, 115.º, 118.º, 119.º, 120.º, 123.º, 135.º, 136.º, 137.º, 139.º, 140.º, 141.º, 142.º,145.º, 146.º, 154.º que expressamente se impugnam.
31º.
As vicissitudes do contrato promessa celebrado entre o A. e os proprietários do imóvel não estão em causa na presente acção, nem afectam a relação contratual do A. com a R.
32º.
Não foi a R. quem elaborou o contrato, não sendo responsável pelo seu conteúdo que, ademais, é de fácil percepção.
33º.
O A. teve oportunidade de examinar o clausulado e, se dúvidas surgissem, questionar um advogado ou a R. ou simplesmente recusar-se a assiná-lo, o que não fez.
34º.
Relativamente à reunião referida no artigo 63.º da PI, apenas se aceita que a mesma se realizou nas instalações da R., não podendo concretizar a data específica.
35º.
A solução de celebração de uma escritura de justificação não é da autoria da R. nem foi aventada em 28/01/2022, pelo que se impugna o alegado nos artigos 76.º a 79.º bem como o documento junto sob o n.º 12 por ter não o alcance probatório pretendido pelo A.
36º.
Quanto ao alegado no artigo 73.º, 74.º, 75.º e artigo 80.º e seguintes, cumpre esclarecer que o afastamento da R. se iniciou a partir do momento em que o A., responsabilizando-a pela impossibilidade de obtenção da licença, assumiu uma postura arrogante e agressiva, demonstrando uma total falta de respeito pela R., na pessoa do seu gerente e funcionários.
37º.
Impugnando-se, contudo, o Doc. n.º 14 junto com a PI por não ter o alcance probatório pretendido pelo A.
38º.
A presente acção nada mais é do que uma fabulação do A., uma construção distorcida e inexacta da realidade, partindo de motivo viciado, fabricada para se locupletar à custa da R., o que jamais pode merecer a tutela do Direito.

II - DO DIREITO
39º.
Qualifica o A. o contrato celebrado entre as partes como um contrato de mediação (imobiliária), regido pela Lei n.º 15/2013, de 25 de Setembro, pugnando pela declaração da sua nulidade.
40º.
Posição com a qual não se pode concordar.
41º.
Decorre do n.º 1 do artigo 2.º da referida Lei que «A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis» contra o pagamento a final de uma remuneração convencionada – artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 25/09.
42º.
«Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação.»
Cfr- Menezes Cordeiro, Do contrato de Mediação, in O Direito 139º/III/516ss, citado em Ac. TRE de 17/03/2010, Proc. n.º 898/07.1TBABF.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
43º.
O artigo 1154.º do Código Civil define a prestação de serviços como o contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem remuneração.
44º.
In casu, e seguindo os termos do acordo firmado entre as partes, foi celebrado um contrato de prestação de serviços de consultoria imobiliária «incluindo-se aqui a obtenção dos dados do proprietário do imóvel» identificado no ponto 2. da Cláusula Primeira, com vista à sua aquisição pelo Segundo Outorgante, mediante o pagamento à Primeira Outorgante da quantia de € 5.000,00 + IVA.
45º.
Desta forma, a ora R. obrigou-se, por força do contrato celebrado com o A., a prestar serviços de consultoria no processo destinado à aquisição do imóvel, desenvolvendo esforços para a obtenção dos dados e contactos do proprietário, mas não só.
46º.
Na execução do contrato, e não tendo o imóvel a necessária licença de utilização, a R. apresentou junto da Câmara Municipal ... um pedido de consulta do processo de licenciamento.
47º.
Dessa consulta decorreu que o imóvel já tinha sido objecto de uma tentativa de licenciamento em 1981 cujo processo acabou por ser arquivado.
48º.
Questionada sobre a possibilidade de proceder ao licenciamento da edificação e quais os custos inerentes, a R., após consulta do PDM, concluiu que o imóvel se encontra inserido em Zona Florestal razão pela qual seria praticamente impossível a aprovação da legalização do edificado.
49º.
O que de imediato comunicou ao A., alertando-o ainda para a eventual necessidade de demolição da edificação e possibilidade de responsabilidade contraordenacional do proprietário.
50º.
Perante estes factos, a R. elaborou um Relatório sobre a viabilidade construtiva do imóvel, que entregou ao A., concluindo, assim, os serviços contratados.
51º.
Desta forma, a R. utilizou os meios e a qualificação necessária ao fim a que se propôs, nomeadamente, com a colaboração do seu departamento de arquitectura e assessores jurídicos, não se comprometendo, contudo, a, como resultado da sua actividade, concluir o negócio de compra e venda do imóvel.
52º.
Razão pela qual, desde logo, a retribuição acordada não ficou dependente da celebração daquele negócio,
53º.
Nem foi acordado o pagamento de qualquer comissão em função do valor da transacção.
54º.
Sendo forçoso concluir que as partes não pretenderam celebrar nem celebraram qualquer contrato de mediação imobiliária.
55º.
Contratos cujo modelo utilizado pela R., em respeito pela Lei, é previamente aprovado pelo IMPIC e que não tem o mínimo de correspondência com o que constitui objecto dos presentes autos.
- cf. Doc. n.º 3 que se junta.
56º.
Mas pretenderam celebrar e efectivamente celebraram um contrato de prestação de serviços.
57º.
Mais concretamente, um contrato de prestação de serviços de consultoria.
58º.
Preceitua o artigo 1156.º do CC que «As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente».
59º.
«Na ausência de uma noção legal e não contendo o nosso Código Civil uma regulação semelhante, por exemplo, ao previsto no Codice Civile Italiano, podemos encontrar aí uma referência interpretativa, atenta a influência que o segundo diploma teve na elaboração do primeiro – o esercizio delle professioni intellettuali e de prestazione d’opera intellettuale está disciplinado nos artigos 2229.º a 2238.º deste último diploma. Deste modo, partindo da noção do contrato de prestação de serviços e precisando os seus contornos com este auxílio de direito comparado, podemos considerar o contrato de consultoria aquele pelo qual o consultor se compromete, sem constrangimento de subordinação, a prestar um trabalho intelectual de aconselhamento, com carácter pessoal, por si ou através dos seus colaboradores, e sendo profissional terá como contrapartida uma retribuição. O contrato de consultoria tem um âmbito de aplicação muito amplo, podendo ser dirigido, entre outros fins, para a definição de modelos de gestão, realização de negócios ou estratégias de investimento. O mesmo assenta numa relação de confiança e pode ter um carácter esporádico ou continuado. O contrato de consultoria estrutura-se essencialmente através de uma obrigação de meios, não sendo pelo facto de a retribuição ter uma componente fixa e uma componente adicional, em função dos resultados obtidos, que transforma esse contrato numa obrigação de resultados – em sentido semelhante veja-se o acórdão da Corte di Cassazione 22/05/2015 (n. 10681), acessível em www…..it/, respeitante a um contrato de consultoria de negócios (…) estando em causa o aumento de faturação de uma empresa. E isto porque na obrigação de meios é suficiente a diligência na execução do programa contratual, utilizando os meios e a qualificação necessária para o efeito, enquanto na obrigação de resultado é necessário a produção do resultado esperado. E a remuneração adicional em função dos resultados insere-se antes numa modalidade de remuneração por incentivos ou mediante certa estratégia.»
Cfr- Ac. TRP de 25/02/2021, proferido no Proc. n.º 45388/19.5YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
60º.
No caso sub judice, a actividade contratada, embora visando a realização futura de uma transação, não dependia da verificação efectiva desse negócio.
61º.
A obrigação assumida pela R. foi uma obrigação de meios, bastando a sua realização diligente para se considerar cumprida.
62º.
E não uma obrigação de resultado, como advoga o A.
63º.
Como se posicionou o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, «O contrato de prestação de serviços pode comportar a execução de uma obrigação de meios ou de uma obrigação de resultado (conferir sobre a distinção entre estes dois tipos de obrigações, A. Varela, “Das obrigações em geral”, 5ª edição, página 733 e ac. RP 13/12/2007 em www.dgsi.pt).
Na obrigação de meios, que é o típico trabalho desenvolvido pela generalidade das profissões liberais, o prestador do serviço compromete-se a desenvolver diligentemente uma actividade com vista à obtenção de um resultado, mas sem garantir que esse resultado se produza. Assim, o médico que se compromete a tratar do doente o melhor que puder, mas não pode garantir a cura, ou o advogado que representa diligentemente o seu cliente numa acção, mas não pode garantir o êxito da mesma.
Na obrigação de resultado, pelo contrário, o prestador de serviços fica obrigado a obter um determinado resultado. É o caso da empreitada, ou do contrato de transporte. (…)
Com a prestação desta actividade, a obrigação, nesta parte e como em qualquer obrigação de meios, deve-se considerar cumprida, mesmo que não se venha a verificar o resultado pretendido e só se poderá considerar haver incumprimento se, nos termos do artigo 798º do CC, se concluir que a prestação não só não foi efectuada com a diligência devida, mas que também foram cometidos erros que foram causais da não verificação do resultado (cfr referido ac. RP 13/05/2007 e acs RP 12/05/2009 e 20/07/2006, também em www.dgsi.pt).
Para se concluir que houve erros ou falta de diligência terá a outra parte o ónus de os provar, de acordo com o disposto no artigo 799º do CC.»
Cfr- Ac. TRC de 26/01/2010, Proc. n.º 130175/08.8YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt.
64º.
Prova que o A. não faz, nem poderia fazer.
65º.
Pelo contrário, o que decorre da factualidade descrita é que a R. realizou um vasto conjunto de diligências aptas ao efeito pretendido e mais do que justificativas da sua abonação.
66º.
Tendo sido efectivamente prestado um serviço, através de actos materiais desenvolvidos pela R. conforme se propôs no contrato, é-lhe devida a respectiva remuneração, tendo de improceder in totum as pretensões deduzidas pelo A.

SEM PRESCINDIR,
67º.
Caso assim não se entenda, o que não se concede mas se admite por mera cautela de patrocínio, e na hipótese meramente académica de se concluir que a R. cumpriu de forma defeituosa o contrato, sempre será de aplicar o regime estabelecido no artigo 793.º do CC segundo o qual, havendo lugar ao simples cumprimento parcial da obrigação terá lugar uma redução proporcional da contraprestação.
68º.
Tal redução é feita nos termos prescritos no artigo 884.º do CC, que estabelece a figura da redução do preço, aplicável aos contratos bilaterais e onerosos, «e que impõe que o defeito no cumprimento da prestação seja seguido pela redução do preço da contraprestação».
Vide ac. TRC de 26/11/2019, proferido no Proc. 5402/17.0T8CBR.C1 disponível em www.dgsi.pt.
69º.
A não se entender deste modo, determinando a restituição ao A. da totalidade da quantia paga à R. pelos serviços efectivamente prestados, como é por aquele peticionado, criar-se-ia um desequilíbrio contratual injustificável em que, pese embora o A. tenha fruído do apoio e assistência qualificada da R., nada lhe pagaria.
70º.
O que redundaria num enriquecimento sem causa.
71º.
Tendo o valor da prestação de serviços sido acordado sem discriminação donmontante relativo a cada tarefa, e admitindo-se - por mera cautela de patrocínio - que se verificou um cumprimento defeituoso do contrato, sempre haverá que recorrer ao critério da equidade para determinação do quantum efectivamente devido pelo A. à R. em confronto com o valor liquidado.
72º.
Não podendo, como pretende o A., proceder-se à resolução do contrato que terminou a sua vigência um ano após a respectiva celebração.
- Cf. Cláusula Quinta do Doc. n.º 03 junto com a PI.

Conclui pela improcedência da acção e, caso assim se não entenda, por ser ordenada a redução da contraprestação, determinando-se o quantum efectivamente devido pelo A. à R. em confronto com o valor liquidado, de acordo com critérios de equidade.

Junta documentos e procuração.

3)-
O Autor, a fls. 70, impugna os documentos juntos pela Ré.
A fls. 71 e ss junta certidão notarial do teor de mensagens de telemóvel.

A Ré, a fls.80 e ss responde e impugna.

4)-
Teve lugar audiência prévia.
Nela foi saneado o processo, fixado o valor da causa, identificad o objecto do litígio e elencados os temas da prova.

5)-
Teve lugar audiência final com gravação dos trabalhos.

6)-
Foi proferida douta sentença.

Nela dão-se como provados os seguintes factos:

1. O Autor nasceu no dia ../../1941;
2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, à prestação de serviços de consultoria imobiliária, designadamente, mediante a recolha de informações sobre imóveis, identificação de proprietários, preparação, elaboração e apresentação de documentos tendentes à concretização de negócios relacionados com bens imóveis, acompanhamento do cliente, prestação de informação, aconselhamento e apresentação de oportunidade de negócios e demais serviços relacionados com imóveis e o mercado imobiliário;
3. Em Abril/Maio de 2019, o Autor interessou-se em adquirir um imóvel sito na
freguesia ..., concelho ...;
4. O referido imóvel era o prédio urbano sito na Rua ..., em ..., Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ... sob o artigo ...95 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23;
5. Porque pretendia comprar o referido imóvel, e por desconhecer a identidade dos seus proprietários, em Maio de 2019, o Autor contactou a Ré para que esta, no exercício da sua actividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição do imóvel;
6. A Ré informou o Autor que pelo serviço seria devido o pagamento da quantia de € 5.000,00, acrescida de IVA, num total de € 6.150,00;
7. As diligências da Ré iniciaram-se de imediato;
8. As partes formalizaram por escrito o contrato em 20.05.2019;
9. Após a localização do imóvel, a Ré logrou obter os respectivos elementos identificativos, concretamente a sua descrição na Conservatória do Registo Predial e inscrição na matriz;
10. Conhecida a identificação dos proprietários e após pesquisa, a Ré descobriu que os mesmos se encontravam em França e conseguiu o respectivo contacto;
11. Contactados os proprietários, a Ré informou o Autor que aqueles estavam interessados na venda do prédio, tendo iniciado diligências para obtenção dos documentos necessários à concretização do negócio pretendido pelo autor;
12. Reunida toda a documentação, verificou a Ré que o imóvel não possuía licença de utilização, o que impossibilitaria a venda;
13. Dessa situação, a Ré deu imediato conhecimento ao Autor e aos proprietários;
14. O Autor informou a Ré que mantinha interesse no negócio pois já tinha prometido vender a sua casa de habitação em ... e necessitava de outra casa onde pudesse viver com a sua companheira, FF, actualmente sua mulher;
15. A Ré solicitou a um advogado que elaborasse o contrato promessa;
16. No dia 05.06.2019, foi outorgado entre o Autor e os proprietários do imóvel um contrato promessa de compra e venda do imóvel pelo preço de € 30.000,00;
17. O Autor assinou o contrato promessa de compra e venda do imóvel, entregando-o nas instalações da Ré para que esta o remetesse para o proprietário o assinar;
18. O que fez por carta registada expedida na mesma data, juntamente com o comprovativo do pagamento da quantia entregue pelo Autor a título de sinal;
19. Os proprietários do imóvel eram, à data dos factos, e ainda são na presente data, CC e DD, casados sob o regime da comunhão de adquiridos e residentes em França;
20. O Autor possui o antigo 4º ano de escolaridade;
21. Da cláusula terceira, nº 5, do contrato promessa celebrado entre as partes consta “A validade do presente contrato fica sujeita à obtenção da licença de utilização do imóvel ora prometido. Para tal, o PROMITENTE COMPRADOR irá realizar, à sua conta e expensas, as obras necessárias para a obtenção da licença de utilização, bem como pagar os projetos, licenciamentos e honorários de arquitetos, apesar de os mesmos serem emitidos em nome dos PROMITENTES VENDEDORES”;
22. No dia 26.06.2019, o Autor e a Ré assinaram um aditamento ao contrato celebrado em 20.05.2019, com vista a retificar o número de identificação fiscal do Autor que continha um lapso de escrita;
23. Nesse mesmo dia, o Autor procedeu a uma transferência bancária a favor da Ré, no montante de € 6.150,00;
24. No referido dia, a 26.06.2019, a Ré emitiu a factura nº 1 2019/04 a favor do Autor, no montante de € 5.000,00 acrescidos de IVA, num total de € 6.150,00, com a seguinte descrição “Prestação de serviços de consultoria imobiliária”;
25. Tendo sido emitido o respetivo recibo de pagamento nº 2019/1 no mesmo montante;
26. O contrato promessa de compra e venda, assinado pelo Autor e pelos proprietários do imóvel prometido não foi submetido a reconhecimento presencial de assinaturas;
27. Em 16.09.2021, o Autor procedeu ao reconhecimento por semelhança apenas da sua assinatura;
28. No dia 01.11.2019, o Autor passou a residir no imóvel, conforme acordado com os proprietários;
29. A Ré informou o Autor do teor do documento nº 9 junto com a petição inicial – informação que recebera por parte da Câmara Municipal ..., datada de
06.03.2020, na sequência de um pedido que havia sido efectuado em nome do Autor;
30. Desse documento consta que o imóvel prometido vender se encontra em zona 100% florestal, inviabilizando a emissão da respetiva licença de utilização ao abrigo do plano director municipal vigente;
31. A Ré entregou ao Autor a carta que constitui o documento nº 10 junto com a petição inicial, carimbada pela gerência da Ré, mas não assinada, nem datada, na qual refere que o processo de licenciamento com o fim de “conseguirem realizar a escritura de compra e venda do ora imóvel prometido em contrato promessa “estaria a “ser desenvolvido e instruído pelo Dr. EE”;
32. A Ré entregou ao Autor a carta que constitui o documento nº 11 junto com a petição inicial, datada de 14.05.2021, subscrita pelo advogado EE, não contendo nenhuma assinatura, nem carimbo, a informar as conclusões retiradas pelo advogado da sua deslocação à Câmara Municipal ...;
33. Em Setembro de 2021, teve lugar nas instalações da Ré uma reunião onde estiveram presentes o sócio gerente da Ré, BB, o Autor, a esposa do Autor, o proprietário do imóvel e um familiar deste;
34. No dia 28.01.2022, a Ré enviou um email ao Autor solicitando que este lhe enviasse os seus dados de identificação, bem como os dos proprietários do imóvel, com vista a procederem a uma escritura de usucapião;
35. O Autor informou a Ré que recusava essa solução e que a Ré deveria continuar a tratar da angariação da licença de habitabilidade;
36. Ao longo dos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022, o Autor foi pedindo esclarecimentos à Ré acerca do estado do processo de “legalização da casa”, pedindo reuniões;
37. O Autor telefonou diversas vezes para a Ré;
38. Os mandatários do Autor remeteram à Ré duas missivas, interpelando-a acerca do estado do processo, em Agosto e Setembro de 2022;
39. A última carta veio devolvida por falta de levantamento por parte da Ré;
40. Da cláusula primeira do contrato outorgado entre o Autor e a Ré no dia 20.05.2019 consta “O Primeiro Outorgante compromete-se a prestar ao Segundo Outorgante serviços de consultoria imobiliária, no âmbito da sua atividade comercial, incluindo-se aqui a obtenção dos dados do proprietário do imóvel abaixo identificado, com vista à sua aquisição pelo Segundo Outorgante”;
41. O Autor continua sem ter na sua posse a licença de utilização do imóvel;
42. A Ré não restituiu ao Autor a quantia que este lhe pagou;
43. Após ter conhecimento da falta da licença de utilização, o Autor questionou a Ré o que seria necessário fazer para o efeito e quais os custos inerentes;
44. A Ré diligenciou junto da Câmara Municipal ... pela obtenção do respetivo processo;
45. Por consulta ao processo, verificou a Ré que o imóvel já tinha sido objecto de uma tentativa de licenciamento em 1981;
46. Tendo apurado que, nessa data, a edificação cumpria os requisitos exigidos para a necessária aprovação camarária;
47. Em 1982, o processo de licenciamento foi indeferido devido ao mau levantamento topográfico, à falta de arruamento alcatroado e à inexistência de plantas de localização do prédio, nada mais tendo sido entregue pelo proprietário à Câmara Municipal, pelo que o processo foi arquivado;
48. De tudo isto deu a Ré conhecimento ao Autor, alertando-o para o facto de os proprietários não poderem desconhecer esta realidade;
49. Por consulta ao PDM constatou a Ré que o imóvel se encontra em Zona Florestal;
50. Tendo elaborado, em 16.06.2022, e entregue ao Autor um relatório sobre a viabilidade construtiva do imóvel;
51. A Ré não aceitou promover qualquer processo de licenciamento;
52. O afastamento da Ré iniciou-se a partir do momento em que o Autor a responsabilizou pela impossibilidade de obtenção da licença.

Nela dão-se como não provados os seguintes factos:

1. O Autor acordou com a Ré que esta intermediasse a venda do imóvel;
2. A 20.05.2019, o Autor e a Ré reuniram nas instalações desta, tendo a Ré informado o Autor que era necessário diligenciar pela obtenção da respetiva licença de utilização em falta;
3. Mais explicou a Ré ao Autor que a ausência de licença de utilização não constituía motivo impeditivo da celebração quer da promessa, quer mesmo da compra e venda, dizer possuir já vasta experiência no tratamento de situações semelhantes, disponibilizando-se para diligenciar pela sua obtenção e legalização do imóvel junto da Câmara Municipal ..., com vista à aquisição do mesmo pelo Autor;
4. A Ré informou o Autor que “trataria de tudo”, não tendo este “com que se preocupar”, assegurando ao Autor não só a obtenção da licença de utilização em falta, bem como a celebração, a final, da respetiva escritura de compra e venda;
5. Constituiu condição essencial para a celebração do contrato referido em 8 dos factos provados a obtenção pela Ré da licença de utilização junto da Câmara Municipal ... e a que esta se vinculou perante o Autor, dado que sempre lhe assegurou ser possível obter essa licença;
6. Tal foi expressamente transmitido pelo Autor à Ré, sendo do expresso conhecimento desta;
7. O Autor apenas anuiu celebrar o referido contrato com a Ré, atendendo ao que esta lhe transmitiu naquela data;
8. Sempre confiou o Autor na informação que lhe tinha sido reiteradamente transmitida pela Ré, através do seu legal representante, GG, e foi nesse pressuposto e nessa convicção que o Autor manifestou a sua vontade de celebrar aquele negócio;
9. O Autor assinou o contrato confiante de que a Ré seria capaz de resolver o problema da falta de licença de utilização, o único impedimento para a outorga da escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato, tal como lhe havia sido transmitido pela Ré;
10. A Ré comprometeu-se perante o Autor a obter a licença de utilização do imóvel e a conseguir a legalização do imóvel, com vista à sua aquisição;
11. No dia 26.06.2019, a Ré explicou ao Autor que estimava demorar até cerca de 12 meses para concluir o processo, sublinhando deter diversos conhecimentos e contactos na Câmara Municipal ..., motivo pelo qual não duvidava da facilidade na obtenção da licença de utilização a que se comprometera, nem da outorga da escritura de compra e venda que sempre prometeu ao Autor, pelo que ele “não tinha com que se preocupar”, sendo que ele, BB, “iria tratar de tudo”;
12. Não compreendendo ao certo quais as diligências necessárias à obtenção da licença de utilização, nem da legalização do imóvel com vista à outorga da escritura de compra e venda do imóvel prometido, o Autor confiou na Ré, na pessoa do seu legal representante, e nas suas promessas de um resultado garantido;
13. O requisito referido em 26 dos factos provados – reconhecimento presencial das assinaturas – não foi explicado pela Ré ao Autor;
14. Durante os meses que se seguiram à outorga dos contratos em 2019, o Autor acreditou e confiou que a Ré se encontrava a diligenciar pela legalização do imóvel prometido, mediante a obtenção da licença de utilização junto da Câmara Municipal ...;
15. Dos inúmeros telefonemas que o Autor manteve com a Ré, das diversas visitas que o Autor efectuou às instalações da Ré e das diversas conversas que o Autor manteve com a Ré na pessoa do seu gerente, questionando o estado dos trabalhos da Ré, a resposta desta, pela pessoa do seu sócio gerente, BB, foi, ao longo de vários meses, a de que esta se encontrava a diligenciar pela obtenção da mencionada licença, com vista à celebração da escritura, não havendo nada com que o Autor se devesse preocupar;
16. Ao longo do ano de 2020, e por força dos constrangimentos decorrentes da pandemia Covid-19, os contactos entre o Autor e a Ré decresceram, atendendo ao encerramento temporário das instalações da ré;
17. Pelos contactos então estabelecidos no mesmo ano de 2020, a mensagem desta permanecia igual: “estamos a tratar do assunto”;
18. Não compreendendo o Autor a extensão do documento nº 9 junto com a petição inicial, foi-lhe pela Ré explicado que tal resposta nada comportava de anormal ou impeditivo das suas intenções em adquirir o imóvel, mais referindo que iria prosseguir com as diligências necessárias à obtenção da licença de utilização em falta;
19. Perante as explicações dadas pela Ré, nelas confiou o Autor;
20. Os factos referidos em 29 dos factos provados não foram explicados ao Autor;
21. Nunca a Ré mencionou ao Autor a eventual necessidade de o mesmo proceder à contratação de um profissional qualificado, com vista à eventual regularização da construção ali existente;
22. Em Julho/Agosto de 2021, perante a notícia de que os proprietários do imóvel
prometido se iriam deslocar a Portugal no mês de Setembro de 2021, o Autor exigiu à Ré que esta elaborasse um documento escrito apto a explicar aos proprietários quais as diligências que desenvolveu até então para obter a licença de utilização;
23. Na reunião referida em 33 dos factos provados esteve presente, ainda que por muito pouco tempo e a pedido do Autor, um advogado, que compareceu tardiamente à reunião, tendo o representante da Ré evitado responder às suas questões;
24. Da reunião não resultou qualquer resposta imediata ou concreta da parte da Ré, tendo esta explicado que “os seus advogados estavam a tratar da questão” e que assim que tivesse novidades “entraria em contacto”;
25. Advogados esses que nunca o Autor viu ou conheceu;
26. No dia dessa reunião, solicitou a Ré ao Autor o pagamento de uma soma adicional para além dos € 6.150,00 já pagos;
27. Tendo o Autor recusado por não encontrar qualquer justificação para tal pagamento adicional;
28. A Ré proibiu expressamente o Autor de se fazer acompanhar novamente por advogado a qualquer reunião sua;
29. Por continuar a acreditar nas promessas da Ré, o Autor saiu daquela reunião confiando que a licença de utilização em falta seria obtida pela Ré junto da Câmara Municipal ..., tal como esta se comprometera e lhe assegurara;
30. Nos meses que se seguiram àquela reunião, a Ré começou a rejeitar cada vez mais os telefonemas do Autor e a evitar a presença do Autor sempre que este tentava agendar reuniões presenciais;
31. Na maioria das vezes que o Autor se deslocava às instalações da Ré era-lhe dito que o sócio gerente BB não estava ou, estando, a resposta dada era sempre a mesma “está quase”;
32. A partir de Janeiro de 2022, os contactos do Autor com a Ré foram sendo cada vez mais escassos;
33. As reuniões referidas em 36 dos factos provados não ocorreram por motivos de “agenda cheia” da Ré;
34. Os telefonemas referidos em 37 dos factos provados não tiveram sucesso;
35. As missivas referidas em 38 dos factos provados não obtiveram qualquer resposta até à presente data;
36. Nunca a Ré disse ao Autor que lhe era impossível obter a licença de utilização do imóvel prometido junto da Câmara Municipal ...;
37. Nunca a Ré disse ao Autor que lhe era impossível proceder à outorga da escritura de compra e venda do imóvel prometido por impossibilidade prática atenta a inexistência de licença;
38. Nunca a Ré disse ao Autor que não conseguia obter a licença de utilização a que se comprometera;
39. A Ré garantiu sempre que tal seria possível de alcançar, mas que “demoraria algum tempo”;
40. A Ré obrigou-se perante o Autor a obter a licença com vista à outorga da escritura de compra e venda do imóvel;
41. Foi a ausência da licença de utilização, a par com as explicações dadas pela Ré ao Autor quanto à facilidade na sua obtenção, que conduziu à celebração do contrato entre o Autor e a Ré;
42. À data da assinatura do contrato referido em 40 dos factos provados, a Ré já tinha contactado com os proprietários do imóvel prometido e já sabia que o único entrave ao negócio era a ausência da licença de utilização;
43. Em Janeiro de 2022, a Ré propôs ao Autor a outorga de uma escritura de justificação por usucapião.


*

Foi proferida decisão de mérito que, no final, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.
As custas ficaram pelo Autor.

7)-
Inconformado recorre o Autor, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

8)-
O Apelante alega, apresentando as seguintes conclusões:
1. A presente ação tem por causa de pedir o incumprimento do contrato de prestação de serviços outorgado entre o Autor e a Ré em 26 de junho de 2019 e não quaisquer vicissitudes do contrato promessa celebrado entre o A. e os proprietários do imóvel em causa na presente ação.
2. O Autor não aceita a valorização que a Meritíssima Juiz faz das declarações de parte do legal representante da Ré, em razão das contradições e a forma titubeante, nervosa, pré-formatada e pouco esclarecedora da verdade material manifestada ao longo da sua inquirição, em contraposição com a forma escorreita, precisa, espontânea, clara e contextualizada como Autor e a testemunha sua mulher depuseram, sendo que certo todos têm interesse direto no
desfecho da contenda.
3. Quanto aos factos dados por não provados pela Meritíssima Juiz, entende o Autor que devem ser dados por provados os factos identificados com os números 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 14, 15, 16, 17, 22, 24, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 e 43, pelas razões acima descritas, assentes nos depoimentos prestados pelos litigantes e testemunhas e documentos juntos aos autos.
4. No que concerne aos factos tidos por provados, o Autor pugna relativamente aos que se passam a enunciar, seja dada a seguinte redação:
a) 5. Porque pretendia comprar o referido imóvel, e por desconhecer a identidade dos seus proprietários, em março ou abril de 2019, o Autor contactou a Ré para que esta, no exercício da sua atividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição do imóvel;
b) 8. A data constante do facto provado 16, deve ser retificada para o dia 26 de junho de 2019;
c) 17. O contrato-promessa que foi previamente assinado pelo vendedor e mulher, a quem foi remetido e recebido pela Ré, após o que foi subscrito pelo Autor.
d) 29. O Autor informou Ré do teor do documento nº 9 junto com a petição inicial –
e) informação que aquele recebera por parte da Câmara Municipal ..., datada de f) 06.03.2020, na sequência de um pedido que havia sido efetuado por ele, Autor;
5. Os depoimentos, documentos e alegações invocadas que fundamentam as alterações assinaladas, têm a virtualidade de lhes atribuir força probatória plena, não só de acordo com as regras da experiência comum, seguindo o critério de um homem médio colocado em situação idêntica, pois estão objetiva e racionalmente fundamentadas nas declarações prestadas pelas partes e testemunhas ouvidas e documentos carreados para os autos.
6. As declarações de parte do Autor, porque estão acompanhadas de outros elementos probatórios, devem ser valoradas através de uma análise holística, crítica, lógica e plural, que pela sua razão de ciência, concorrem na busca da verdade material – vide Acórdão da Relação de Coimbra, processo nº 2012/15.0T8, datado de 05/11/2019.
7. Contrariamente ao vertido na sentença sub iudice, o contrato de prestação de serviços outorgado ente Autor e Ré, não se circunscreve à mera obtenção de documentos por parte desta última, pois caso assim fosse aquele poderia facilmente requerê-los junto das entidades respetivas, já que esta se obrigou a conseguir de quem de direito a licença de utilização do imóvel prometido adquirir pelo Autor aquando da celebração do contrato promessa junto aos autos, cuja elaboração foi feita a seu mando e por sua conta, para o que foi principescamente
paga.
8. A Ré obrigou-se a alcançar aquele concreto resultado e não a limitar-se a uma obrigação de meios, como se retira da análise hermenêutica do teor do número 1 da cláusula primeira do contrato de prestação de serviços, na esteira do doutamente decidido pelo Acórdão do STJ de 05-7-2012, em que foi Relator o Senhor Juiz Conselheiro António Joaquim Piçarra: No domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida.
9. Como muito bem refere a Meritíssima Juiz quando caracteriza o contrato de prestação de serviços do ponto de vista dogmático e legal (pág. 31, parágrafos 4 a 7), Com efeito, caracteriza este tipo de contrato a circunstância de nele se prometer o resultado de uma determinada actividade sem que exista subordinação à direcção da outra parte (nisto consistindo a principal distinção entre o contrato de prestação de serviços e o contrato de trabalho) – (carregado nosso).
10. O contrato prestação de serviços de consultadoria imobiliária que nos ocupa, previa a obtenção de um resultado concreto (a licença de utilização do prédio aqui em causa (cfr. artigo 410º, nº 3, do Código Civil), sendo esta a vontade efetiva as partes, pelo qual foi acordado e previamente pagos os honorários acordados, como se extrai da preposição “incluindo” ali exarada, valendo aqui o padrão de prova em direito civil – mais provável do que não.
11. E a falta deste importante e essencial documento com vista à aquisição do imóvel, era conhecida de todas as partes num momento fundamental na relação jurídica que estabeleceram: aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda mandado redigir pela Ré ao seu advogado avençado, depois de reunida toda a documentação necessária à sua feitura e subscrito na sua sede social – factos provados 11, 12 e 15.
12. Ao resolver o contrato, como está provado em 51 e 52, a Ré faltou dolosamente ao cumprimento das suas obrigações, pelo que deve ser responsabilizada civilmente a devolver, com juros, o dinheiro que recebeu para obter um resultado a que se vinculou mas não realizou.
13. Salvaguardando de novo o merecido respeito por douta opinião em contrário, a sentença de que se recorre enferma de erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma – Acórdão do STJ de 03-03-21, processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, 4ª Secção, em que foi Relatora a Senhora Juiz Conselheira Leonor Cruz Rodrigues – cfr. artigo 615º, nº 1. Al. c) do CPC.
14. Pelo exposto, a douta sentença viola o disposto nos artigos 232º, 405º, 406º e 777º do Código Civil, pelo que deve ser revogada, proferindo-se douto Acórdão que condene a Ré no pedido e, destarte, proceda à devolução da quantia que recebeu do Autor, acrescida dos respetivos juros legais, assim se fazendo a costumada Justiça

9)-
A Apelada, Ré, riposta, alinhando o seguinte:

Questão prévia

Estatui o artigo 640º. do CPC:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
(…)
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
(…)
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
É assente que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, cujo papel
essencial se materializa na delimitação do objeto de recurso, não podendo o Tribunal a quo conhecer de questão que delas não conste (cfr. artigo 639º. do CPC)

As conclusões formuladas pelo Recorrente não identificam os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem sequer identificam com exatidão as passagens das gravações em que funda o seu recurso.
O Recorrente limita-se a referir no ponto 3. das conclusões que devem ser dados como provados os factos que ali indica “pelas razões acima descritas, assentes nos depoimentos prestados pelos litigantes e testemunhas e documentos juntos aos autos”.
Omite qualquer referência relativamente aos concretos meios de prova em que baseia a alteração dos factos que indica no ponto 4. das conclusões.
Menciona apenas de forma genérica e imprecisa no ponto 5. das conclusões que os “depoimentos, documentos e alegações invocadas que fundamental as alterações assinaladas, têm a virtualidade de lhe atribuir força probatória plena”.
- A título meramente exemplificativo, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 06/06/2018, proferido no âmbito do processo nº.4691/16.2T8LSB.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
As conclusões formuladas pelo Recorrente não cumprem os ónus previstos nos artigos 639º. e 640º. do CPC, sendo manifestamente insuficientes para fundamentar qualquer alteração ao que foi dado como provado e como não provado.

SEM PREJUÍZO,

O Tribunal ad quem só tem acesso à versão radiofónica do teatro do julgamento,
o que não lhe permite uma avaliação cabal do desempenho dos diversos atores.
O Tribunal a quo avalia a relevância de um depoimento, no âmbito do cômputo geral da apreciação dos meios de prova, com base numa análise comportamental que está vedada ao Tribunal ad quem, que não tem acesso à visualização dos depoimentos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto só pode proceder quando o recorrente demonstrar através de um juízo crítico sobre todas as provas produzidas que esses meios de prova impunham decisão diversa sobre determinado ponto de facto.

 “Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela”

O Tribunal a quo formou a sua convicção quanto à fixação da matéria factual essencialmente no seguimento do contacto imediato e pessoal com a prova produzida em juízo e observando sempre as regras da experiência comum e do normal acontecer.
O Recorrente procura impugnar a matéria factual, mas basta-se para o efeito com a mera menção genérica aos depoimentos prestados e aos documentos juntos aos autos.
Manifestamente não logra encadear raciocínio lógico, concreta e explicitamente evidenciado, que permita, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação da matéria de facto.
Pelas razões supra expostas, deve ser imediatamente rejeitado o recurso na parte
da impugnação da matéria de facto.

SEM PRESCINDIR,

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O Recorrente alega que as declarações de parte do representante legal da Ré são
contraditórias, pelo que não aceita a valorização realizada pelo Tribunal a quo.
E refere que os depoimentos prestados pelas partes e testemunhas e o conteúdo dos documentos juntos aos autos são aptos a alterar a decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, nomeadamente sobre os factos 2., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 14., 15., 16., 17., 22., 24., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42. e 43.
Relativamente à alteração da decisão sobre a matéria factual dada como provada, nomeadamente sobre os factos 5., 16., 17. e 19, o Autor/Recorrente omite a referência a qualquer concreto meio de prova que o impusesse.
VEJAMOS,
O Tribunal a quo avaliou os depoimentos prestados pelas partes e testemunhas, atendendo à linguagem verbal e não verbal, à espontaneidade, às hesitações, ao tom de voz e as emoções transparecidas.
Relativamente às declarações do Autor/Recorrente e esposa FF o Tribunal a quo aferiu que:
“As declarações do autor pautaram-se, pois, pela falta de rigor e falta de contextualização lógica dos factos que relatou, para além de serem pouco compatíveis com as regras da experiência comum.
Por todo este conjunto de razões, entendemos que as declarações de parte do autor não merecem crédito.
Para além disso, o tribunal também não atendeu ao depoimento da testemunha FF, esposa do autor, não só pelo seu interesse, ainda que indirecto no desfecho desta acção, dado o vínculo conjugal que tem com o autor, mas também pelo facto de o seu depoimento não ter sido confirmado por outra prova, testemunhal ou documental, para além das declarações do autor.
Assim sendo, pela falta de rigor, pela falta de isenção e incoerência, o depoimento desta testemunha não se nos afigurou ser credível e, como tal, não foi tido em consideração”.
Relativamente às declarações de parte do legal representante da Ré/Recorrida o Tribunal a quo aferiu que:
“Para além disso, o tribunal atendeu às declarações de parte do legal representante da Ré, BB que, apesar do interesse desta na causa, se afiguraram espontâneas, credíveis e compatíveis com o teor dos documentos juntos aos autos.
Na verdade, BB explicou ao tribunal, de forma clara, e por forma a convencer da veracidade das suas afirmações, o que o Autor contratou com a Ré e que foi objecto do contrato que ambas as partes assinaram no dia 20 de Maio de 2019”.
O Tribunal a quo entendeu que as declarações de parte do representante legal da Ré/Recorrida corroboram a restante prova produzida, mormente o contrato que configura o documento n.º 3 instrutório da Petição Inicial.
A forma como foi apreciada a prova produzida pelo Tribunal a quo não merece qualquer retificação, pois encontra sustento num raciocínio coerente e verosímil, não se vislumbrando qualquer razão que possa conduzir à inversão do decidido.
Nesta medida, pugna-se pela manutenção da decisão relativa à matéria de facto dada como provada e como não provada, não devendo ser objeto de reapreciação.

SEMPRE SEM PRESCINDIR,
DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O recorrente procura qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de mediação imobiliária e assim por forma a concluir que do seu teor se pode retirar uma obrigação de resultado.
Tese que não encontra qualquer correspondência na letra e/ou nas circunstâncias que o fundaram.
O contrato celebrado entre as partes não adota sequer as formalidades previstas na Lei n.º 15/2013, de 08/02.
Em momento algum a Ré/Recorrente se obrigou a obter a licença de utilização do imóvel, mas antes aceitou uma mera obrigação de meios.
Levou a cabo todas as diligências possíveis para que fosse celebrada a escritura, mas tal não foi possível por impossibilidade de obtenção daquela licença de utilização, que desconhecia no momento da celebração do contrato.
A Ré/Recorrente cumpriu integralmente o contrato celebrado entre as partes.
Tendo realizado um vasto conjunto de diligências aptas ao efeito pretendido e mais do que justificativas da sua abonação.
Tendo sido efectivamente prestado um serviço, através de actos materiais desenvolvidos pela Ré/Recorrente conforme se propôs no contrato, é-lhe devida a
respectiva remuneração.
Bem andou o Tribunal a quo ao julgar a presente ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré/Recorrida do pedido.
Tal decisão, doutamente elaborada e fundamentada, por se revelar acertada, deve
manter-se.

Sustenta o acerto da sentença recorrida – facto e direito -.

10)-

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO 

As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:
 
I - saber quais os factos a ter em conta;
II- decidir do mérito da causa.
 
IV- mérito do recurso

1ª questão

O Apelante impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto pretendendo alterar os factos vindos como não provados dos pontos 2., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 14., 15., 16., 17., 22., 24., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42. e 43 – para provados, e pretende a alteração da redacção dos pontos 5., 16., 17. e 19, vindos como provados.

*

Recuando um pouco diremos o seguinte: o acto de julgar é do tribunal. Tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção do julgador. Esta operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva. Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se para tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

Assim a convicção do julgador é em si mesma inatacável.

A censura quanto ao modo da formação da convicção do julgador não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação da convicção, isto é na valoração da prova. Tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos, ou porque não houve liberdade na formação da convicção, inquinando-a. De outra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão – cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 198/2004, DR, II, de 2-6-2004, pág. 8545 e ss.

Por exemplo: relativamente às declarações do legal representante da Ré, o Apelante, no sentido de diminuir a sua relevância para a decisão da causa, escreve:


Quando ao minuto 36m45s é questionado se é mediador imobiliário, respondeu num primeiro momento que era empresário e só depois de alguma insistência o admitiu, quando anteriormente, ao minuto 9m55s e a instâncias da Meritíssima Juiz, afirmou que a Ré presta serviços de mediação imobiliária.
Afirmou ao minuto 37m10s, apesar de tentar fugir à questão, que não sabe da exigência legal de licença de utilização e, a muito custo e nervosamente, lá concluiu que não se pode colocar um imóvel à venda sem que o mesmo esteja dotado de licença de utilização.
Nesta mesma sequência, de forma muito titubeante, lá explicou a esforço, novamente, a relação contratual com o advogado que elaborou o contrato-promessa de compra e venda.
Disse que não foi a sua representada quem elaborou o contrato-promessa de compra e venda, como o escrevera nos artigos 16 a 19 da contestação; ouvido em declarações, o Dr. HH, Ilustre Advogado, confirmou que o elaborou a pedido e por conta da ré com quem mantinha, ao tempo, um contrato de avença. Este facto foi dado por provado - nº 15.
Afirmou perentoriamente que não conheceu o vendedor do imóvel, CC aquando da reunião de 16 de setembro de 2021 no seu escritório (minuto 52m15s), no que foi contrariado pela testemunha e familiar deste, II, que afirmou ao 4 minuto 4m14s do seu depoimento (ficheiro áudio com o número 20230605143259_3031787_2870725), que não só o Sr. CC esteve presente nessa reunião, como se identificou como proprietário do imóvel, acrescentado que já se tinham conhecido anteriormente a propósito da outorga do contrato-promessa de compra e venda.
Este facto foi dado como provado sob o número 33.

Ora acontece que o Apelante, pretendendo por em causa a convicção do julgador, parece aceitar o acerto da prova relativamente aos pontos 33 e 15, pontos estes que não vêm impugnados.o

Assim se responde ao vertido na conclusão 2ª da minuta.

Pela leitura do desenvolvimento da argumentação da apelação e pela leitura das conclusões da mesma verificamos que o Apelante discorda do sentido da convicção do Senhor Juiz do 1º grau, não atacando o iter que foi seguindo para a formação dessa convicção, e que era exigido que fizesse, mas relativamente aos pontos da impugnação.

Senão vejamos.

O Apelante quanto aos pontos vindos como não provados 2., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 14., 15., 16., 17., 22., 24., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42. e 43 – pretende vê-los provados.

E no corpo alegatório discorre:

a) O facto não provado 2 é confirmado pelo depoimento do próprio legal representante da Ré ao minuto 2m55s, quando afirmou que de imediato iniciaram as diligências antes mesmo da assinatura do contrato de prestação de serviços, e coincide com o alegado em 9 da contestação, pelo que se deverá ter por confessado – vide os factos dados por provados sob os números 11 e 12.
b) Os factos não provados 4 a 11 e 14 decorrem dos seguintes depoimentos:
- do Autor, aos minutos 17m15s ao minuto 21m20s, 29m25s, 33m45s a 34m31s, 35m, 37m, 40m35s, 44m a 44m35s, 48m15s, 54m50s e 62m50s;
- da testemunha FF, aos minutos 12m a 13m20s, 17m10s a 20m, 21m a 22m15s, 23m a 24m55s, 27m20s a 31m30s, 41m40s a 42mm20s; 48m40s a 49m10s, 75m a 75m45s; 77m a final;
- da testemunha II, aos 2m30s a 4m10s, 5m15s a 6m15s; 10m45s a 11m.
c) o facto não provado 16 deve ser dado por provado em função das declarações - do legal representante da Ré ao minuto 49m10s a 49m35s;
- do Autor ao minuto 28m10s ao minuto 28m40s;
d) igualmente devem ser dados por provados os factos não provados 14, 15 e 17, conforme:
- depoimento do autor – minuto 27m ao minuto 31m23s;
- depoimento da testemunha FF - minuto 39m00s a minuto 40m10s e
- o teor dos documentos 13 e 14 da petição inicial.
e) Os factos não provados elencados sob os números 22, 24 e 29 devem ser dados por provados, com os seguintes fundamentos:
- depoimento do autor minutos 54m a 58m;
- depoimento da testemunha FF ao minuto 27m20s ao minuto 31m30s e 41m40s a 42m10s;
- da testemunha II: 2m30s a 4m10s, 5m15s a 6m15s; 10m45s a 11m.
f) A mesma conclusão se aplica aos factos não provados 30 a 34 pelo seguinte:
- documentos 13 e 14 da petição inicial;
- depoimento do autor ao minuto 30m40s a 31m20s;
- depoimento da testemunha FF minuto 37m35s a 40m10s.
g) Também o facto não provado 35 deverá ser dado por provado considerando:
- o teor dos documentos 15 e 16 da p.i., nomeadamente os avisos de receção inclusos;
- o teor das declarações do legal representante da Ré, minuto 2m35s a 4m35s.
h) Mutatis mutandis o mesmo raciocínio é válido para os factos não provados 36 a 42, conforme, nomeadamente, os depoimentos que se passam a referir:
- depoimento do legal representante da Ré: minuto 5m20s a 5m45s;
- depoimento do autor ao minuto 17m15s a 21m20s, 29m25s a 29m35s, 33m45s a 34m30s, 35m a 37m20s, 40m35s a 46m, 50m a 50m45s e 61m15s a 64m;
- depoimento da testemunha FF minuto 12m a 13m30s, 21m a 22m15s, 23m a 24m55s, 27m20s a 31m 30s52m30s, 48m40s a 49m10s, 52m30s a 52m55s, 74m15s a 74m55s.
i) O facto não provado 43 está demonstrado, nomeadamente:
- pelo teor dos factos dados por provados com os números 34 e 35;
- pelo teor do documento 12 da p.i. e pelos depoimentos:
- depoimento do autor ao minuto 17m15s a 21m20s, 29m25s a 29m35s, 33m45s a 34m30s, 35m a 37m20s, 40m35s a 46m, 50m a 50m45s e 61m15s a 64m;
- depoimento da testemunha FF minuto 31m40s a 37m35s.
Concorrem ainda para as conclusões agora expostas, a análise crítica e circunstanciada e objeto de devida ponderação em conformidade com as regras da experiência.

( Indica os ficheiros da gravação da prova, invariavelmente, sendo assim: 20230605122328_3031787_2870725 – o relativo ao legal representante da Ré. )

*
Ao actuar assim o Apelante não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação, que impunham decisão diversa, não cumprindo o ónus do artigo 640º, 1, b) do CPC.

Não transcreve os excertos dos depoimentos e declarações concretas sobre cada facto, não expõe a contextualização dos mesmos, face a outros depoimentos e face ao teor dos documentos.
Não se trata apenas de uma questão de dificultar a procura dos ficheiros por parte do Tribunal superior, é uma questão de perceber o âmago da justeza da pretensão, uma vez que não se sabe de que se está a falar em concreto, uma vez que não existe verdadeira base para operar a reapreciação anunciada.

Vai rejeitada a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.

*

O Apelante propõe nova redacção para o facto que vem provado sob o nº 5.

5. Porque pretendia comprar o referido imóvel, e por desconhecer a identidade dos seus proprietários, em Maio de 2019, o Autor contactou a Ré para que esta, no exercício da sua actividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição do imóvel;

Propõe a seguinte redacção:

Porque pretendia comprar o referido imóvel, e por desconhecer a identidade dos seus proprietários, em março ou abril de 2019, o Autor contactou a Ré para que esta, no exercício da sua atividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição do imóvel;

O Autor no artigo 5º da petição inicial alega: Maio de 2019.
A Ré, no artigo 7º da contestação, impugna, aceitando tratar-se de durante o mês de Março ou Abril de 2019.

No 1º grau fundamentou-se a particularidade da data, escrevendo-se a fls. 107 verso, que o Autor contactou a Ré em Maio de 2019.

Não há outros elementos a considerar.

Mantém-se a redacção do nº 5.

*
No ponto 8 dos factos provados deu-se como provado que:

8. As partes formalizaram por escrito o contrato em 20.05.2019;

O Apelante defende que a data deve ser alterado para: 26 de Junho de 2019.

O Autor alega no artigo 9º da sua petição que o acordo foi formalizado a 20 de Maio de 2019.
A Ré alega no artigo 9º da contestação que tal formalização ocorreu a 20 de Maio de 2019.

Como se vê do documento de fls. 16 a 17, consta do mesmo ter sido feito e assinado  em 20 de Maio de 2019.
Certo é que as partes estão de aceitam que a formalização do acordo verbal tenha sido em 20 de Maio de 2019.
É esta data a respeitar.
Esta data resulta igualmente motivada nas declarações do legal representante da Ré – como se pode ver na sentença recorrida a fls. 105 verso, últimas linhas.

Mantém-se a redacção do nº 8.

*

O Apelante pretende que “por consequência” se altere a data do ponto 16, que, dados os fundamentos referidos, se mantém.

*

Em 17.- deu-se provado: O Autor assinou o contrato promessa de compra e venda do imóvel, entregando-o nas instalações da Ré para que esta o remetesse para o proprietário o assinar;

O Apelante pretende dar a este ponto a seguinte redacção:

O contrato-promessa que foi previamente assinado pelo vendedor e mulher, a quem foi remetido e recebido pela Ré, após o que foi subscrito pelo Autor.

A redacção dada ao referido ponto bebe directamente na alregação da Ré – artigo 16º da contestação.
A sentença recorrida fundamenta a resposta nas declarações do legal representante da Ré – como se pode ver a fls. 106, 7ª linha a contar do fim da página.

O Apelante funda a pretensão da alteração igualmente nas declarações do legal representante da Ré e ainda no depoimento da testemunha FF, não esmiuçando o teor do depoimento desta testemunha que imponha redacção diferente.

Assim, mantém-se a redacção dada ao ponto 17. – no 1º grau.

*
 
No ponto 29. Deu-se provado que: A Ré informou o Autor do teor do documento nº 9 junto com a petição inicial – informação que recebera por parte da Câmara Municipal ..., datada de 06.03.2020, na sequência de um pedido que havia sido efectuado em nome do Autor;

O Autor pretende ver a redacção deste ponto alterada para:
O Autor informou a Ré do teor do documento nº 9 junto com a petição inicial – informação que aquele recebera por parte da Câmara Municipal ..., datada de f) 06.03.2020, na sequência de um pedido que havia sido efetuado por ele, Autor;

A informação camarária faz fls. 22 verso e ss.

O facto positivo vem motivado no teor do documento, conforme fls. 105 verso do processo físico, e bem assim nas declarações do legal representante da Ré – ver fls- 106 verso, linhas 8 e 9.
O Apelante pretende a alteração com fundamento nos depoimentos da testemunha FF e declarações do Autor.

Tudo ponderado, mantemos a redacção do ponto, que é respeitadora da alegação que a Ré faz nos artigos 21º a 25º da contestação.
Assim, mantém-se a redacção dada ao ponto 29. – no 1º grau.

*
Consta dos factos vindos como provados, em 31.- que: A Ré entregou ao Autor a carta que constitui o documento nº 10 junto com a petição inicial, carimbada pela gerência da Ré, mas não assinada, nem datada, na qual refere que o processo de licenciamento com o fim de “conseguirem realizar a escritura de compra e venda do ora imóvel prometido em contrato promessa “estaria a “ser desenvolvido e instruído pelo Dr. EE”;
Consta dos factos vindos como provados o nº 32.- com o seguinte teor: A Ré entregou ao Autor a carta que constitui o documento nº 11 junto com a petição inicial, datada de 14.05.2021, subscrita pelo advogado EE, não contendo nenhuma assinatura, nem carimbo, a informar as conclusões retiradas pelo advogado da sua deslocação à Câmara Municipal ...;

Esta factualidade é susceptível de entrar em contradição com o facto nº 51.
A contradição entre factos provados é de conhecimento oficioso.

Por outro, o teor do nº 51 encerra um juízo conclusivo, o que leva a evitar leválo ao conjunto dos factos provados.

Assim, o facto nº 51 dos vindos como provados, passa a constar dos não provados, com o nº 44.

*
Os factos dados como provados e a ter em conta são os já supra transcritos, considerando a decidida retirada do nº 51.
Tal conjunto não padece de contradição ou obscuridade, e não se vê que deva ser oficiosamente alterado.

2ª questão

Em Abril/Maio de 2019 o Autor interessou-se em adquirir um imóvel – factos 3 e 4.
Efectivamente celebrou com os proprietários do mesmo um contrato-promessa de compra e venda. Desde 1 de Novembro de 2019 que o Autor e companheira vivem no referido imóvel. Factos 16 e 17.

Para a celebração desse contrato – e em sede de necessidade de apresentação/certificação de licença de utilização/habitabilidade do imóvel – a lei estabelecia – e estabelece – no artigo 410.º, 3, do Código Civil que:

- No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.

Sobre o tema – Fernando de Gravato Morais – Contrato Promessa em Geral e Contrato Promessa em Especial, Almedina, 2009, pág. 265.

O direito positivo parece manter-se ainda hoje apesar de, como se sabe, a  simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, que consta no Decreto-Lei n.º 10/2024 de 8 de janeiro, ter vindo “simplificar” as formalidades relacionadas com a compra e venda de casas.
Em concreto, no momento da celebração do contrato de compra e venda do imóvel deixa de ser obrigatório exibir ou provar a existência da ficha técnica de habitação e da autorização de utilização junto do notário. Esta medida, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2024, surge na sequência “da eliminação da autorização de utilização quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio”.

Não é porém esse contrato objecto de apreciação nos presentes autos.

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Autor e Ré outorgaram em 20 de Maio de 2019 o documento de fls. 16 a 17, que intitularam de “contrato de prestação de serviços”.

O Autor, face à factualidade alegada e face ao teor do documento escrito de fls. 16 a 17, invocou a celebração com a Ré de um contrato de mediação imobiliária, contrato esse regulado em primeira mão pelo diploma específico que o prevê, a Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, enquanto legislação especial, cfr. Art. 16º. À falta ou insuficiência do aí estabelecido e das estipulações contratuais das partes, regem as regras do contrato de prestação de serviços – artigo 1156º do C.Civil.

O Autor alega que no âmbito desse contrato a Ré se obrigou a conseguir a licença de habitabilidade/utilização para o imóvel que tinha em vista adquirir.

Certo é que, face à prova, o Autor não logra provar a celebração desse contrato de mediação imobiliária.

Por isso, fica prejudicada a apreciação da invocada nulidade do mesmo.

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Mas o Autor solicitou, subsidiariamente, que fosse declarado o incumprimento contratual culposo da Ré, e que fosse declarado como resolvido o contrato celebrado entre Autor e Ré, por incumprimento contratual a esta imputável.

No 1º grau qualificou-se o contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de consultoria imobiliária.

Pode definir-se assim – conforme o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.02.2021 (disponível em www.dgsi.pt): “Podemos considerar o contrato de consultoria aquele pelo qual o consultor se compromete, sem constrangimentos de subordinação, a prestar um trabalho intelectual de aconselhamento, com carácter pessoal, por si ou através dos seus colaboradores, e sendo profissional terá como contrapartida uma  retribuição. (…) Estrutura-se essencialmente através de uma obrigação de meios.”

Face aos factos 3., 4., 5., 6. e 7., esta qualificação é a correcta.

Trata-se de uma modalidade de prestação de serviços.

De acordo com o artigo 1154º do Código Civil, o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, obrigando-se o prestador à obtenção de um certo resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

O contrato de prestação de serviços tal como contemplado no Código Civil corresponde a uma figura ampla que aglutina uma multiplicidade de situações jurídicas.
O legislador identifica aí três modalidades de contrato de prestação de serviços – mandato, depósito e empreitada -.
A estas modalidades importa acrescentar a figura da prestação de serviços como contrato atípico – não regulado especialmente – que abrange uma enorme variedade de vínculos jurídicos – cfr. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª ed., Almedina, pág. 521 e ss.).
Este autor identifica, igualmente, nesta outra categoria de prestação de serviços vários contratos de prestação de serviços realizados por profissionais liberais – como médicos, advogados, arquitectos – e ainda serviços de limpeza, mediação e outros.

O artigo 1156º do CC estende ao contrato de prestação de serviços atípico as disposições sobre o mandato.

Avisa este autor que nem sempre, todavia, o regime do contrato de mandato se ajusta bem a situações jurídicas decorrentes da prestação de serviços que tenham em conta a prática de actos materiais.

Seja como for, a factualidade em causa é correctamente qualificada na sentença recorrida como integrando um contrato de prestação de serviços atípico.

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A sentença recorrida evolui depois até considerar que a Ré, com o contrato em apreço, assumiu perante o Autor, uma obrigação de meios.

Correctamente.

Fê-lo escrevendo:

Por força do contrato celebrado com o autor, a ré obrigou-se a prestar serviços de consultoria no processo destinado à aquisição do imóvel, desenvolvendo esforços para a obtenção dos dados e contactos do proprietário.
Assim sendo, por força do referido contrato, a ré não ficou obrigada a conseguir o resultado final, isto é, a aquisição pelo autor do referido imóvel, designadamente a conseguir a necessária obtenção da licença de utilização.
Tanto mais que não logrou o autor provar, como lhe competia, de acordo com as regras do ónus da prova, que, à data da celebração do contrato com a ré, isto é, em 20 de Maio de 2019, a ré tinha conhecimento de que esse imóvel não tinha licença de utilização.
Pelo contrário, ficou provado que as únicas pessoas que tinham conhecimento da falta dessa licença eram os proprietários, que ocultaram tal facto ao autor e à ré.
Apesar de o imóvel que o autor pretendia adquirir não ter a necessária licença de utilização, a ré apresentou junto da Câmara Municipal ... um pedido de consulta do processo de licenciamento, tendo constatado que o imóvel já tinha sido objecto de uma tentativa de licenciamento em 1981 cujo processo acabou por ser arquivado.
A ré verificou, ainda, que o imóvel está inserido em Zona Florestal, razão pela qual seria praticamente impossível a legalização do edificado, o que de imediato comunicou ao autor.
Por todo o exposto, verifica-se que a ré não se comprometeu a obter um resultado, tanto mais que a retribuição acordada não ficou dependente da obtenção desse resultado.
Na verdade, no caso sub iudice, a actividade contratada, embora visasse a realização futura de uma aquisição, não dependia da verificação efectiva desse negócio.
A obrigação assumida pela ré foi, pois, uma obrigação de meios, bastando a sua
realização diligente para se considerar cumprida.

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Como vimos pelo acordo documentado a fls. 16 e ss, outorgado entre Autor e Ré a 20 de Maio de 2019, a Ré obrigou-se perante o Autor a prestar a este serviços de consultoria imobiliária, no âmbito da sua actividade comercial, com vista à aquisição a terceiros de um imóvel, incluindo aqui a obtenção dos dados do proprietário da propriedade pretendida adquirir pelo Autor.
Conforme ponto 5- a assessoria destinava-se aos procedimentos para a aquisição do imóvel.
Como contrapartida, as partes acordaram 5.000 €, a que acresceu IVA a 23%, e que totalizou € 6.150,00, a pagar pelo ora Autor à Ré, o que foi feito.

Trata-se assim de um contrato válido, de prestação de serviços atípico.

Não se trata de contrato de mediação imobiliária, como o Autor pretende.

O Autor cumpriu a sua prestação, pagando à Ré o valor da contraprestação combinado.

Pergunta-se: a Ré cumpriu ou não a prestação a que se obrigou?

Vejamos.

O Autor contactou a Ré para que esta, no exercício da sua actividade comercial, o assessorasse no processo destinado à aquisição do imóvel – ponto 5.
Celebraram então o contrato documentado nos autos a fls. 16 a 17.
Ao tempo desconheciam as partes que o imóvel pretendido adquirir pelo Autor não possuía licença de habitabilidade, formalidade que não impedia a celebração do contrato promessa de compra e venda entre o ora Autor e os proprietários do imóvel, por ser situação passível de ser sanada, mas que, a persistir impediria inexoravelmente a celebração do pretendido contrato de compra e venda, cujo processo se visava assessorado pela Ré.
A 5 de Junho de 2019 o aqui Autor celebra com os proprietários do imóvel pretendido adquirir um contrato promessa de compra e venda.
Conforme 21-: Da cláusula terceira, nº 5, do contrato promessa celebrado entre as partes consta “A validade do presente contrato fica sujeita à obtenção da licença de utilização do imóvel ora prometido. Para tal, o PROMITENTE COMPRADOR irá realizar, à sua conta e expensas, as obras necessárias para a obtenção da licença de utilização, bem como pagar os projetos, licenciamentos e honorários de arquitetos, apesar de os mesmos serem emitidos em nome dos PROMITENTES VENDEDORES”;
Nesse contrato, o ora Autor, comprometeu-se perante os promitentes-vendedores a diligenciar pela obtenção da licença de habitabilidade do fogo edificado no imóvel, bem como a suportar à sua custa as respectivas despesas.
Conforme 28-: No dia 01.11.2019, o Autor passou a residir no imóvel, conforme acordado com os proprietários.
Mas, conforme 29-: A Ré informou o Autor do teor do documento nº 9 junto com a petição inicial – informação que recebera por parte da Câmara Municipal ..., datada de 06.03.2020, na sequência de um pedido que havia sido efectuado em nome do Autor.
E conforme 30-: Desse documento consta que o imóvel prometido vender se encontra em zona 100% florestal, inviabilizando a emissão da respetiva licença de utilização ao abrigo do plano director municipal vigente.
Já tinha havido uma tentativa de legalizar o edificado em processo camarário anterior (1981).
As soluções para obter a licença estreitam-se.
Assim, um parecer jurídico junto como doc. 11 com a petição inicial, aponta a possibilidade de declarar na Câmara que já se encontram realizadas as obras exigidas aquando da solicitação formulada em 1981, e requerer a consequente emissão da licença. Mas alerta para o facto de o edificado poder vir a ser considerado clandestino e sofrer ordem de demolição. Facto 32.
Um outro caminho aponta para o desencadear de uma justificação notarial baseada na usucapião, que permitiria que o Autor ficasse actual titular dos registos existentes sobre o imóvel rústico e benfeitoria. Assim o documento de fls. 26 e ss – facto 34.
Mas, facto 35-: O Autor informou a Ré que recusava essa solução e que a Ré deveria continuar a tratar da angariação da licença de habitabilidade;
36. Ao longo dos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022, o Autor foi pedindo esclarecimentos à Ré acerca do estado do processo de “legalização da casa”, pedindo reuniões;
37. O Autor telefonou diversas vezes para a Ré;
A Ré elaborou, em 16.06.2022, e entregou ao Autor um relatório técnico sobre a viabilidade construtiva do imóvel – facto 50.
52. O afastamento da Ré iniciou-se a partir do momento em que o Autor a responsabilizou pela impossibilidade de obtenção da licença.

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Com os dados disponíveis é evidente que a obtenção da licença de habitabilidade para o edificado no terreno, só será possível após longas e dispendiosas obras, eventuais alterações ao PDM, e um processo longo e dispendioso, de desfecho incerto.

Com os dados concretos disponíveis é evidente ser legalmente impossível a obtenção da referida licença de habitabilidade, e assim fica impossibilitada de jure a celebração da escritura pública de compra e venda, cujo processo o contrato dos autos visou assessorar, e fica impossibilitado o prosseguimento da assessoria da Ré ao ora Autor.
Cfr. Abel Pereira Delgado, Do Contrato Promessa, Lisboa, 1978, pág. 87, relativamente à impossibilidade legal.

Esta constatação é superveniente ao momento da celebração do contrato de prestação de consultoria imobiliária outorgado entre as partes.

Nestes termos o objecto da a prestação – a consultoria acordada -  porque deixa de ser possível legalmente, extingue para o devedor, a obrigação, uma vez que a causa não lhe é imputável – cfr. Artigo 790º, 1 do CC.

O devedor é na dinâmica dos autos a Ré.

Para o legislador trata-se de uma impossibilidade, objectiva, absoluta, total e definitiva de cumprimento da obrigação. Trata-se de um impedimento, em si mesmo, uma barreira inultrapassável pelo devedor ou por qualquer outra pessoa que o possa substituir. É sancionado com um normal efeito extintivo. 
Cfr- Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, reimpressão, Coimbra editora, pág. 168.

Dispõe o nº 1 do artigo 795º, 1 do CC: quando no contrato bilateral uma das prestações  se torna impossível, fica o devedor desobrigado da contra-prestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa

Temos então que, nos casos com simples efeitos obrigacionais, como se caracteriza o acordo dos autos, o credor perde o direito à prestação, e o devedor perde o direito à contra-prestação, arcando em regra com as despesas que houver já realizado.
À forçosa extinção da obrigação para o devedor, contrapõe-se, por via do sinalagma contratual, a desobrigação do credor.
Cfr- artigo 795º, 1 do CC.
Cfr- Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, reimpressão, Coimbra editora, pág. 183.

Espelhando bem: face ao disposto nos artigos 790º, 1 e 795º, 1 do CC, o devedor (Ré) vê extinta a obrigação de prestar; e o credor perde o direito à prestação; o devedor perde o direito à contra-prestação, arcando em regra com as despesas que houver já realizado. Porém, se o credor já tiver realizado a sua contra-prestação, tem o direito de exigir a sua restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa. 

Dispõe o artigo 479º do CC o seguinte:
Objecto da obrigação de restituir
1- A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa  compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2- A obrigação de restituir não pode exceder  a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.

Nos termos deste nº 2, a restituição não pode exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para a restituição ou daquela em que o enriquecido tomar conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento.

O Autor pretende se declare a resolução do acordo celebrado com a Ré.
Mas a aplicação destes dispositivos normativos tornam desnecessária qualquer declaração de resolução (tal declaração apenas iria confirmar o efeito de libertação do credor; não justificaria a recuperação da contra-prestação para por antecipação e teria por último significado o desejo de o credor não pretender o commodum de representação).
Cfr- Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, reimpressão, Coimbra editora, pág. 183.  
Improcede assim a pretensão.

O Autor já realizou por antecipação a sua contra-prestação. Tem o direito de exigir a sua restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa. 
A Ré, vê extinto o direito de realizar a sua prestação, por impossibilidade absoluta, objectiva, definitiva de incumprimento não imputável a si, e tem o direito de se ver ressarcida das despesas efectuadas, do valor do desempenho entretanto realizado e demais perdas.

Face ao disposto no artigo 479º, 1 e 2, do CC, atentos os factos, está em causa apenas o valor do montante da contra-prestação pago antecipadamente pelo Autor à Ré - capital e IVA – de € 6.150,00.

A Ré pretende que a sua actuação seja avaliada no mesmo valor que recebeu do Autor – capital e IVA – de € 6.150,00, não pondo de parte outra ponderação a levar a cabo pelo Tribunal.

O Autor pretende ser restituído da totalidade do montante avançado.

Referem-se à actividade desenvolvida pela Ré no âmbito do acordo celebrado com o Autor os pontos 7 a 13, 15 a 18, 29 a 34 e 43 a 50 da matéria de facto provada.
O nº 50 refere-se à elaboração e entrega pela Ré, em 16.06.2022, ao Autor, de um relatório sobre a viabilidade construtiva do imóvel. Esse relatório faz fls. 56 a 60 verso. Evidencia ser documento de valia técnica, acolitado por levantamento topográfico. É documento que o Autor pode utilizar com proveito noutras diligências que pretenda empreender relativamente ao imóvel e construção nele edificada.
Perante estes factos provados verificamos que a Ré foi incansável desde a celebração do contrato com o Autor. Fez diligências para saber da morada dos proprietários do imóvel. Consultou a Câmara Municipal, o PDM. Assessorou o Autor na celebração do contrato-promessa de compra e venda. Diligenciou junto de técnicos, Advogados e topógrafos. De tudo foi informando o Autor. Procurou soluções fundamentadas. Forneceu ao Autor os elementos que obteve.
Como provado vem em 52.-  O afastamento da Ré iniciou-se a partir do momento em que o Autor a responsabilizou pela impossibilidade de obtenção da licença.

Tudo actuações dispendiosas, demoradas, cujo valor não está concretamente apurado.

Estamos perante o estabelecimento de uma indemnização em dinheiro, e, quanto a estas, segundo o artigo 566º, 3 do CC, se não puder ser averiguado o valor concreto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.

Tudo ponderado – artigos 473º, 479º, 790º, 1, 795º, 1, e 566º, 3, todos do CC, parece justo e equilibrado avaliar a prestação da Ré em metade do valor já por ela recebido do Autor, condenando-a a restituir o remanescente do valor.

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Improcedem em parte as conclusões da apelação.

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V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente em parte a apelação, indo revogada a sentença recorrida cujo dispositivo passa a ter a seguinte redacção:
a- Julga-se extinta a obrigação da Ré perante o Autor, a que se havia obrigado no âmbito do contrato de prestação de serviços atípico celebrado de fls. 16 a 17, ao abrigo do disposto no artigo 790º, 1 do CC.
b- Condena-se a Ré a restituir ao Autor metade do valor da contra-prestação antecipada por este, ao abrigo do disposto nos artigos 795º, 1 e 473º, do CC, isto é, condena-se a Ré a pagar ao Autor € 3.075,00 acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa supletiva legal para as operações meramente civis.
c- No mais vai a Ré absolvida.
 
Custas nas duas instâncias, em partes iguais, por Autor, ora Apelante - e Ré.

Valor da causa - € 6.969,55.


Coimbra, 24 de Setembro de 2024.


                                (Rui António Correia Moura)                                
              
                                (Luís Cravo)

                                (João Moreira do Carmo)