Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2802/05.2TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
POSSE
USUCAPIÃO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PRAZO
REGISTO
Data do Acordão: 10/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 214.º; 343.º, N.º 1 ; 286.º 291.º, 1 E 2; 892.º; 1268.º, N.º 1; 1311.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 7.º DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL
Sumário: I - Na acção de reivindicação, incumbe a quem invoca o correspondente direito, a prova do mesmo e, para tanto, não basta que exiba um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correlativo.
II - A posse, como veículo da dominialidade, é a posse «stricto sensu», com o «corpus» e o «animus», e não a posse precária ou detenção, a qual só cessa, tornando-se idónea a viabilizar a usucapião e passível de conduzir à propriedade, se houver inversão do título de posse.
III - Sendo ao réu que competia o ónus da prova da posse, não o logrando realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deve, na dúvida, ser decidida a favor do autor.
IV - A acção de declaração de nulidade ou de anulação do negócio, se não for proposta e registada, nos três anos posteriores à sua conclusão, é inoponível a terceiros de boa-fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A.., viúva, B... e mulher, C.., D.. e marido, E.. e F.. e mulher, G..., todos com residência, em Portugal, na Guarda, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra H.., solteira, maior, I... e marido, J..., K... e marido, L..., e M... e marido, N..., todos residentes na Guarda, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o imóvel, infradiscriminado, a restituir tal imóvel aos autores, livre e desocupado, de pessoas e bens, a respeitar o direito de propriedade dos autores sobre tal imóvel, a abster-se da prática de quaisquer actos que afectem ou diminuam tal direito, e a pagar aos autores uma indemnização, pelos danos verificados, cuja liquidação relegaram para execução de sentença.
Para tanto, invocam, em síntese, que são co-proprietários e co-possuidores do prédio urbano em questão, com inscrição da aquisição do direito de propriedade, a seu favor, que lhes adveio, por sucessão de Manuel José Teles Loureiro, marido da primeira autora e pai e sogro dos restantes autores, e compra que fizeram a Armando Teles Loureiro e esposa, Lisdália Loureiro.
Alegam, ainda, que tal prédio, por si e antecessores no direito, se encontra na posse dos autores, há mais de 20 anos, que o emprestaram aos réus, que, actualmente, se recusam a entregar-lho, o que lhes tem causado prejuízos.
Na contestação, os réus defendem a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional que deduziram, com a declaração da nulidade ou anulabilidade do título de aquisição, ou seja, do contrato de compra e venda, celebrado no dia 19 de Julho de 1984, a declaração da nulidade da inscrição do direito de propriedade sobre tal imóvel, em nome dos autores, com o respectivo cancelamento, a favor dos mesmos, declarando-se que são os réus/reconvintes os proprietários e legítimos possuidores do prédio.
Impugnam, para o efeito, toda a factualidade alegada pelos autores, invocando que não foi propósito de Armando Teles Loureiro e esposa venderem esse prédio, encontrando-se o título ferido de nulidade, por venda de bens alheios, ou de anulabilidade, por erro sobre o objecto do negócio ou vício da vontade, sendo certo o prédio em discussão foi adquirido, por escrito particular, no dia 22 de Junho de 1965, pelo falecido José Sequeira, pai dos réus, aos anteriores donos, e que, desde essa data, têm sido os réus, por si e antecessores, quem tem tomado conta do prédio, retirando dele todas as utilidades, possuindo-o, durante mais de 35 anos, à vista de toda a gente, de forma continuada, de boa fé, pacificamente, convictos de exercerem um direito próprio, sem prejudicar ninguém, desta forma o adquirindo por usucapião.
Finalmente, alegam que os autores têm perfeito conhecimento de que não são, nem nunca foram donos ou possuidores do referido imóvel, deduzindo pretensão carecida de fundamento legal, defraudando a verdade dos factos, pretendendo locupletar-se com um bem, que sabem não lhes pertencer, pelo que peticionam a sua condenação, como litigantes de má fé, em multa e em indemnização, em valor não inferior a 2 500,00€.
Na resposta à contestação, os autores mantêm o alegado na petição inicial e concluem pela improcedência da reconvenção, afirmando que os réus deduziram oposição, cuja falta de fundamento não ignoravam, alterando a verdade dos factos, pelo que devem ser condenados, em multa e indemnização, a favor dos autores, em quantia que seja julgada adequada à sua conduta.
A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente e a reconvenção, parcialmente, procedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos formulados pelos autores, declarou nulo o contrato de compra e venda, titulado pela escritura pública, outorgada no dia 19 de Julho de 1984, no Cartório Notarial da Guarda, declarou que são os réus e reconvintes os proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano, sito em Ribeiro, freguesia de Trinta, concelho da Guarda, com a área coberta de 56 m2, composto por um único andar, que confronta de Norte com a rua, de Sul com herdeiros de Francisco Cunha Niza, de Nascente com ribeiro e de Poente com herdeiros de Francisco Costa Leitão, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 214º, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o nº 335/19990916, determinou que se proceda ao cancelamento da apresentação 7, de 16 de Setembro de 1999, e da inscrição subsequente G19990916007, efectuada sobre o mesmo imóvel, absolvendo os reconvindos do demais peticionado e os autores e réus e reconvintes do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Os factos aditados na fundamentação da douta sentença, constantes das alíneas e), f), g), h), i), j), k), l) e m), não foram considerados como assentes nem levados à douta base instrutória.
2a - Tal aditamento, e salvo o devido respeito por melhor opinião, constitui nulidade prevista no art. 201° do CPC, cuja nulidade aqui ora se argui.
3a - Salvo o devido respeito, pela douta decisão proferida, verifica-se a existência de erro na apreciação da matéria factual que possibilita a modificação das respostas dadas aos quesitos.
4a - Salvo o devido respeito pela douta decisão proferida sobre a matéria de facto, no nosso entendimento, a mesma sofre de obscuridade, visto que há respostas ambíguas ou pouco claras.
5a - No nosso entendimento e salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não fundamentou devidamente as respostas, ou algumas delas, conforme adiante procuraremos demonstrar.
6a - No que concerne à contradição, cabe referir que o Meritíssimo Juiz a quo não explicitou o motivo porque acreditou no depoimento da testemunha Armando Teles Loureiro, em confronto com a escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 19/07/1984, em cuja escritura intervieram, para além desta testemunha, a sua própria mulher, Lisdália da Cruz Barreiro Loureiro, Manuel José Teles Loureiro e a própria Dra Notária, cfr. doc. 3, junto com a p.i., e ponto C) dos factos assentes.
7a - Efectivamente, o Meritíssimo Juiz a quo não esclareceu porque é que, não obstante os vários documentos emitidos e provenientes de entidades públicas (providos, por isso, de fé pública), além da aludida escritura, a certidão de teor registral (doc.1, junto com a p.i.), a caderneta predial urbana (doc. 2, junto com a p.i.), a escritura de habilitação (doc. 4, junto com a p.i.), a certidão da relação de bens adicional (doc. 5, junto com a p.i.), o comprovativo do pagamento do I.M.I. (doc. 6, junto com a p.i.), a declaração para apresentação às entidades fornecedoras de água e energia (doc. 1, junto com a resposta à reconvenção), o termo de declaração de sisa (doc. 3, junto aos autos com o requerimento apresentado em 30/05/2006), não foram valorados como meio de prova.
8a - Com efeito, na fundamentação da douta decisão sobre a matéria de facto, o Meritíssimo Juiz a quo apenas valorou o documento junto a fls. 85 dos autos, que é um mero escrito particular.
9a - O Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado.
10a - Salvaguardando sempre o devido respeito pelo Meritissimo Juiz a quo, a fundamentação da decisão da matéria de facto é, no nosso entendimento, lacónica, sucinta, vaga e inconclusiva, não sendo possível através das regras da lógica e da experiência, aferir da razoabilidade da convicção sobre o julgamento da matéria de facto.
11a - Salvo o devido respeito não chegaram a ser enunciados os motivos ou as razões substanciais porque os meios de prova referidos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do Meritíssimo Juiz a quo.
12a - Conforme aludimos, tratou-se de uma exposição vaga.
13a - Quanto aos factos não provados, o Meritíssimo Juiz a quo não esclareceu quais os meios de prova que não permitiram formar a sua convicção quanto à sua ocorrência, ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da realidade.
14a - Assim, entendemos que os limites mínimos exigidos pela lei para a fundamentação não foram observados, nos termos do art. 653°, n°2, do CPC.
15a - Pelo que, nos termos do art. 712°, n°5, do CPC, aqui e ora se requer seja determinado que o douto Tribunal a quo fundamente em conformidade, com as exigências previstas no art. 653°, n°2, do CPC, as respostas aos artigos da base instrutória julgados provados, parcialmente provados e não provados.
16a - Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não explicitou porque acreditou no depoimento da testemunha Armando Teles Loureiro, pois que, no nosso entendimento, o seu depoimento foi inconsistente, contraditório, confuso e faltou à verdade ao douto Tribunal, pois não se relaciona bem com os autores/reconvindos que são, respectivamente, cunhada e sobrinhos.
17a - Esta testemunha respondeu aos quesitos 7o e 8o (sendo que o quesito 8o não ficou provado) e o seu depoimento encontra-se gravado em duas fitas magnéticas desde o n°1366 ao n°889 do lado A da cassete número 2, cfr. acta da audiência de discussão e julgamento, de 22/01/2007, cujo depoimento se encontra transcrito de págs. 73 a 86 da transcrição que se junta em anexo.
18a - Com efeito, no nosso entendimento, o depoimento da testemunha Armando Teles Loureiro, sendo inconsistente, contraditório, confuso e não verdadeiro, só por si não tem a virtualidade de abalar os factos constantes na escritura, que é um documento autêntico e que goza de prova plena.
19a - Concomitantemente, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não explicitou porque é que o depoimento da testemunha Joaquim Diogo Pires, que respondeu aos quesitos nos 1o a 6°, 12°, 13°, 15°, 17°, 19° a 21°, 24° a 31° e 34° a 40°, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, desde o n°679 ao n°1366 do lado B, cfr. acta da audiência de discussão e julgamento de 22/01/2007, e transcrito de págs. 40 a 73 da transcrição que se junta em anexo, não se convenceu da verdade do seu testemunho.
20a - No que concerne às restantes testemunhas dos réus/reconvintes deve concluir-se serem todos aqueles depoimentos improcedentes para fazer prova na presente acção, incluindo o depoimento da testemunha Manuel Diogo.
21a - Constata-se pela transcrição da gravação que as testemunhas dos réus/reconvintes não dispunham de conhecimentos concretos, precisos e rigorosos, que pudessem esclarecer os factos sobre os quais depuseram.
22a - Assim, pelo depoimento da testemunha Joaquim Diogo Pires e também do teor dos docs. juntos aos autos pelos autores/reconvindos, nomeadamente a certidão de teor registral, a caderneta predial, a escritura de compra e venda, a escritura de habilitação, a relação adicional de bens, o comprovativo do pagamento do IMI referente ao ano 2004, cfr. docs. 1 a 6, juntos com a p.i., o termo de declaração de sisa, junto com o requerimento apresentado em 30/05/2006 pelos autores/reconvindos indicado como documento sob o n°3, e a declaração para apresentação às entidades fornecedoras de água e energia, cfr. doc. 1, junto com a resposta à reconvenção, deviam ter sido julgados provados os quesitos 1º, 2° e 6o, e não provados os quesitos 7o, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 24°, 27°, 28°, 29°, 30° a 40°.
23a - Efectivamente, o teor e a natureza dos documentos, acabados de referir supra, corroborado pelo depoimento da testemunha Joaquim Diogo, têm a virtualidade de contrariar a versão que os réus/reconvintes apresentaram em juízo.
24a - Sendo que os aludidos documentos infirmam os restantes elementos dos autos que determinaram a decisão proferida pelo Tribunal nas respostas dadas aos quesitos.
25a - As respostas dadas aos quesitos foram sustentadas em convicção que não se mostra adequada face aos elementos constantes do processo.
26a - Consequentemente, nos termos do disposto no artigo 712°, n°2, do CPC, a Relação pode alterar a matéria de facto, se tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art. 690°-A, do CPC, a decisão com base nela proferida.
27a - No que concerne à declaração de nulidade ou a anulação do contrato de compra e venda de imóvel cabe referir que a mesma é inoponível ao comprador do mesmo bem, terceiro de boa fé, se a acção respectiva não for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção.
28a - O registo da aquisição do artigo 214 foi efectuado a favor dos autores/reconvindos em 16/09/1999 e o registo da presente acção ocorreu em 2006.
29a - Por outro lado, a acção tinha de ser proposta contra os vendedores e comprador e não foi.
30a - O vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé.
31a - Sobre esta matéria foi elaborado o quesito 8°, que é do seguinte teor: "O adquirente de tal prédio sabia que o prédio não pertencia aos vendedores?" - a resposta a este quesito foi "não provado".
32a - Os réus/reconvintes não provaram que o marido da co-autora/reconvinda Lourdes, quando outorgou a escritura pública de compra e venda de metade do prédio inscrito na matriz sob o artigo 214 estivesse de má fé, isto é, que tivesse conhecimento que os vendedores da metade do prédio estivessem a vender um bem que não lhes pertencia.
33a - Aliás, tal não era possível, visto que já era proprietário da outra metade do prédio desde 1965.
34a - No nosso entendimento, a aludida escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 19/07/1984, faz prova plena de que a metade do prédio inscrito na matriz sob o artigo 214 foi efectivamente comprada pelo falecido marido da co-autora Lourdes, pelo que não é admissível prova testemunhal que pudesse contrariar o sentido ou o teor das declarações constantes desse documento.
35a - O artigo 376°, n°2, do CC, estabelece que "Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante".
36a - E o n° 2, do artigo 393°, do CC, estabelece que " ...não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena".
37a - Assim, a validade da escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 19/07/1984, tem como consequência, que o decurso do prazo, para efeitos de usucapião sofreu interrupção, cfr. artigo 1292° do CC, o que significa que logram aqui aplicação, com as necessárias adaptações, entre outras, as regras dos arts. 323° e segs. do CC.
38a - Ora, tendo de situar-se o início da posse (não titulada), por parte dos réus/reconvintes depois de 1965, é patente que o prazo de vinte anos ainda não tinha decorrido quando o marido da co-autora, Lourdes, em 19/07/1984 comprou a metade do prédio - artigo 214 - ao seu irmão e cunhada.
39a - Assim, por efeito de tal acto interruptivo, ficou inutilizado, para efeitos de usucapião todo o tempo até então decorrido - o que conduz à inevitável conclusão de que o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa - artigo 214, fundada na sua aquisição por usucapião que os réus/reconvintes deduziram, por via reconvencional terá necessariamente de improceder.
40a - Em 16/09/1999, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 214 foi registado sob o n.°335, cfr. doc. 1, junto com a p.i.
41a - Sem prejuízo dos outros factos supra descritos, o registo efectuado em 16/09/1999 tem, no nosso entendimento, efeito interruptivo, pelo que ficou inutilizado, para efeitos de usucapião, todo o tempo até então decorrido, ou seja, de 19/07/1984 até 16/09/1999, que conduz à conclusão de que o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o artigo 214, fundada na sua aquisição por usucapião, que os réus/reconvintes deduziram, por via reconvencional, não pode proceder.
42a - A compra e venda alegada pelos réus/reconvintes, a existir, o que não se crê, não foi formalizada por escritura pública e o negócio de compra e venda nulo não tem a virtualidade de transferir o direito de propriedade.
43ª – Acresce que a posse que os réus/reconvintes invocam não é titulada e, não sendo titulada, que apenas se funda numa mera declaração, não é em si mesma e em abstracto um modo legítimo de transmitir e de adquirir o direito de propriedade, conforme se referiu supra.
44a - Por outro lado, a posse dos réus/reconvintes sobre o rés-do-chão do artigo 214 não perdurou pelo lapso temporal necessário para conduzir à aquisição do aludido direito por usucapião.
45a - Assim, demonstrado que está que os réus/reconvintes não são proprietários do prédio em causa (artigo 214), por qualquer das formas de aquisição do direito, derivada, uma, originária, a outra - que invocaram, ilidida se acha a presunção decorrente da posse, que, por isso, nada lhes aproveita.
46a - No caso dos autos, o facto de os réus/reconvintes terem utilizado a loja (rés-do-chão do aludido prédio - art. 214), sempre em nome de outrem, concretamente dos autores/reconvindos, a título de empréstimo, não chega para que da posse que assim exerceram, possam retirar os pretendidos efeitos, já que não estão reunidos os pressupostos que permitam seja reconhecida a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio em causa, uma vez que, além do mais, esta não foi mantida dentro dos prazos que a lei fixa.
47a - Conforme ficou supra expendido, a douta sentença não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão proferida, e, no nosso entendimento, os fundamentos estão em oposição com a mesma decisão, pelo que, a sentença é nula nos termos previstos no artigo 668°, n°1, b) e c), do CPC.
48a - Se assim não for entendido, o douto Tribunal da Relação, em face da matéria dada como provada, deve declarar que a douta sentença proferida ao julgar nula a escritura de compra e venda violou por erro de interpretação entre outros os artigos 874°, 875°, 371°, n°1, do CC.
49a - Conforme se alegou, nomeadamente nos arts. 37°, 38° e 39° da resposta à contestação e nos arts. 20° a 26° da resposta à reconvenção, os autores/reconvindos alegaram a interrupção da posse dos réus/reconvintes sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 214.
50a - Porém, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou sobre a interrupção da usucapião alegada pelos autores/reconvindos e operada com a realização da escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial da Guarda no dia 19/07/1984, que teve por objecto o artigo 214, nem com o registo do aludido prédio na Conservatória do Registo Predial da Guarda no dia 16/09/1999.
51a - Pelo que o Meritíssimo Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão relevante que, salvo o devido respeito, devia apreciar, pelo que, constitui nulidade prevista no artigo 668°, n°1, d), do CPC.
Os réus não apresentaram contra-alegações.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da nulidade da sentença.
II - A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
III - A questão da obscuridade e da deficiente fundamentação das respostas à base instrutória.
IV – A questão da invalidade do contrato de compra e venda.
V – A questão da usucapião.

I. DA NULIDADE DA SENTENÇA

Entendem, desde logo, os autores que os factos aditados à fundamentação da sentença, constantes das alíneas e), f), g), h), i), j), k), l) e m), não foram considerados como assentes, nem levados à base instrutória, o que constitui nulidade, que qualifica como processual genérica, prevista no artigo 201°, do CPC.
Efectivamente, os factos que compõem as alíneas e) a m), inclusive, da matéria assente, baseiam-se no teor dos documentos, casuisticamente, referidos, independentemente de não terem feito parte, oportunamente, da “especificação”, circunstância esta, de todo, indiferente, porquanto o artigo 659º, nºs 2 e 3, do CPC, obriga o Tribunal a discriminar, na parte da fundamentação da sentença, os factos que considera provados, quer os admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, quer aqueles que vier a dar como demonstrados, com origem na base instrutória.
Por isso, os aludidos factos foram incluídos, na fundamentação da sentença, devidamente alicerçados em documentos, com total propriedade processual, atendendo à sua pertinência, mas que, por qualquer razão, devida a descuido ou errónea convicção da sua justificação, não foram levados, em devido tempo, à especificação Alberto dos Reis, RLJ, 85º, 289; Castro Mendes, RT, 83º, 88..
Inexiste, assim, a apontada nulidade que, a verificar-se, seria uma nulidade da sentença e não uma nulidade processual.
Defendem ainda os autores que a sentença é nula porque não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida, e porque os fundamentos estão em oposição com esta.
Porém, a falta de motivação, a que alude o artigo 668º, nº 1, b), do CPC, consiste na total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não, apenas, numa incompleta ou deficiente especificação dessa matéria STJ, de 1-3-90, BMJ nº 395, 479. .
Ora, basta ler, até em diagonal, a sentença recorrida para se poder concluir pela total ausência de base legal desta alegação, tal o complexo fáctico exposto e a análise crítica das correspondentes normas jurídicas a que se procedeu.
Por outro lado, dispõe o artigo 668º, nº 1, c), do CPC, que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Contudo, os autores não imputam à sentença a oposição entre os seus fundamentos e a decisão, propriamente dita, como aconteceria se a construção daquela envolvesse um vício real do raciocínio do julgador, se os fundamentos invocados pelo Juiz conduzissem, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado; V, 1981, 141 e 142; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 233; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 671., mas antes uma alegada contradição entre os factos dados como provados, em que o vício relevante não contende com a nulidade da sentença, mas, tão-só, com um erro de julgamento Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 3ª edição, 2001, 194; STJ, de 9-12-93, BMJ nº 432, 342; RP, 13-11-1974, BMJ, nº 241, 344. .
E, não ocorrendo um vício real do raciocínio do julgador, como acontece quando os fundamentos invocados pelo Juiz conduzem, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto, mas antes uma alegada contradição entre os factos dados como provados, inexiste a causa da nulidade da sentença, a que se reconduz a oposição entre os seus fundamentos e a decisão, propriamente dita, mas, ao invés, um hipotético erro de julgamento.
Por isso, não ocorre, também, a arguida nulidade, prevista pelo artigo 668º, nº 1, c), do CPC.

II. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Entendem os autores que, face à prova produzida, deveriam ter sido julgados provados os quesitos 1º, 2° e 6o, e não provados os quesitos 7o, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 24°, 27°, 28°, 29° e 30° a 40°, inclusive.
Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que os autores suscitaram a respectiva alteração, e bem assim como com os demais que com estes se encontram, intimamente, conexionados, que a testemunha Manuel Diogo, que vive em união de facto com a autora Lurdes, e que residiu, em França, desde 1965 a 1998, disse que “o Dr. Barbas vendeu a Cristiano Loureiro, pai do Manuel José Teles Loureiro, o artigo 214, a Nascente, tendo a casa sido comprada para os filhos, este Manuel José Teles Loureiro e Armando Teles Loureiro”, que “os dois filhos da Lurdes nasceram, nesta casa, à qual não mais voltaram, depois de 1965, quando foram para França”, cujo “rés-do-chão foi um talho, explorado pela Srª Sena, mas não sabe quando”, e que “no 1º andar, nunca viu viver ninguém”. Acrescentou que “o Manuel José Teles Loureiro comprou metade da casa do artigo 214 ao irmão, pertencendo-lhe a outra metade”, e que “o Sequeira tinha um armazém, no rés-do-chão, para guardar os garrafões de uma loja que explorava noutro local”.
A testemunha Joaquim Pires, que sempre viveu, na localidade de Trinta, disse que “as duas casas estavam separadas, por uma parede ao meio”, que “tiraram o balcão e fizeram uma escadaria no interior”. Referiu ainda que “a casa do Nascente foi comprada pelo Cristiano para os filhos, ao Vieira, mas que foi o Dr. Barbas, seu genro, como gestor, quem fez o negócio”. Acrescentou que “a casa do Nascente está fechada, há muitos anos, nunca lá vendo os réus habitar e, no rés-do-chão, houve Correios, sapataria e talho e, depois, um depósito de grades de cerveja do Sequeira”. Que “os filhos do Sequeira, depois da morte deste, continuaram a ocupar o rés-do-chão como armazém”. Que o Cristiano lhe disse que “tinha emprestado o rés-do-chão da casa, ao Sequeira, para guardar grades do seu comércio”. Que “a Lurdes habitou a casa, até ir para França, e lá nasceram os dois filhos mais velhos” e que “ até, por volta de 1974/1975, o acesso à casa era exterior, feito através de um balcão, mas há uns anos existe uma escadaria interior, depois de tirarem a entrada exterior, através do balcão, para alargar mais o caminho”.
A testemunha Armando Teles Loureiro, cunhado dos autores e tio dos réus, disse que “nunca foi dono da causa, que nunca pertenceu à herança” e que “a autora viveu nessa casa, sem nunca ter pertencido à família, por se dizer que era do Sequeira”.
A testemunha Fernando Gaudêncio, disse que “os pais habitavam as duas casas como se fossem uma, passando de um lado para o outro, tendo daí saído para casar, em 1974”. Que “os pais ocupavam a casa toda, pagando a renda de duzentos e tal escudos ao José Sequeira, mas não ocupavam as lojas”.
A testemunha Leonel Sequeira, residente na localidade de Trinta, mas que viveu em África, desde 1957 a 1977, disse que, “em 1977, quando regressou de África, se dizia que o Sequeira já era dona da casa por a ter comprado ao Vieira”, e que “as lojas eram ocupadas pela Teresa Sequeira, que aí guardava grades e mercearias, servindo como armazém”.
A testemunha Maria Sousa Sena, que vive nos Meios, próximo de Trinta, disse que “explorou, na loja, um talho, por volta dos anos sessenta e pouco, durante seis anos, pagando de renda ao José Sequeira cem ou duzentos escudos, e que a loja era a mais junto ao Ribeiro” e que “por cima, vivia uma senhora de Unhais da Serra com o marido, que deviam pagar renda ao Sequeira”.
A testemunha Basílio Fonseca, que sempre viveu nos Trinta, disse que “os Vieiras venderam a casa ao Sequeira, através de um documento que assinaram, em 1965”, e que este “que já tinha a casa do lado abriu uma porta entre as duas, passando a viver nas duas, durante uns quinze anos, até que comprou outra, onde tinha a taberna, e arrendou a parte de cima a Rafael Gaudêncio, de Unhais da Serra, que nela passou a viver de arrendamento com os filhos, só na parte de cima”. Acrescentou que “em baixo, estava o talho, e o Sequeira arrumava as coisas da mercearia”. Referiu ainda que “a Lurdes viveu na casa, no tempo em que a mesma ainda era dos Vieiras, antes de ter sido vendida ao José Sequeira”.
A testemunha António Dionísio, que viveu, em Paris, de 1968 a 1985, e é o actual Presidente da Junta de Freguesia, disse que se recorda de “o Sequeira ter vivido na casa, mas que ocupava a loja com matraquilhos, e a filha Teresa com mercearias e sumos que vendia na taberna”. Que foi “o Joaquim que mandou fazer as escadas interiores”, e que “a Teresa e o marido viviam mais na casa de Poente, que deixaram, há cinco/seis anos”.
A testemunha Carlos Fernandes, residente nos Trinta, disse que “fez a escadaria em madeira dentro da casa, na parte mais a Nascente, do rés-do-chão para o 1º andar, há cerca de 17/18 anos, um ano antes da Teresa e do Joaquim para lá terem ido viver, tendo a mesma sido paga pelo Sequeira”.
A testemunha Maria José Silva, que viveu em França, entre 1965 e 1983, disse que “o Sequeira comprou a casa aos Vieiras, por volta do ano em que foi para França, vivendo nas duas casas, e, depois do Sequeira, foi para lá viver a filha Teresa, cerca de 17 anos”.
Finalmente, a testemunha Maria Helena Pilão, que frequenta os Trinta, com assiduidade, disse que “a mãe e as pessoas do povo sempre lhe disseram que a casa era do Sequeira” e que “a Teresa viveu lá 17/18 anos”.
Assim sendo, efectuando uma análise crítica da prova conjugada que resulta dos extractos dos depoimentos referidos, que destacam a parte mais significativa dos testemunhos analisados, mesmo quando acentuam uma contradição lógica entre si e com a factualidade que se irá deixar como consagrada, sem esquecer o peso determinante que para o resultado final revelará o teor dos documentos de folhas 7 a 16, 23 a 26, inclusive, 85, 100 a 103, inclusive, 190 e 191, importa proceder à alteração das respostas proferidas, quanto aos pontos nºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 13 a 19, inclusive, 21, 24, 25, 27, 28, 29 a 40, inclusive, em conformidade.
Como assim, ao ponto nº 1, responde-se “provado apenas que os réus têm vindo a utilizar o rés-do-chão do prédio, referido em A), como armazém de apoio a um estabelecimento comercial de taberna, inicialmente, explorado, por José Sequeira Sampaio, e local do jogo de matraquilhos”.
Ao ponto nº 2, responde-se “provado apenas o que consta do teor da alínea N) dos factos assentes”.
Ao ponto nº 4, responde-se “provado com o esclarecimento de que a autora e o seu falecido marido, em período não concretamente apurado, compreendido entre 1960 e 1965, habitaram a casa, referida em A)”.
Ao ponto nº 5, responde-se “provado apenas que foi nesta casa que nasceram os dois filhos mais velhos da autora e do seu falecido marido”.
Ao ponto nº 7, responde-se “não provado”.
Ao ponto nº 9, responde-se “provado apenas o que consta do teor da alínea Q) dos factos assentes”.
Ao ponto nº 10, responde-se “provado apenas o que consta do teor da alínea Q) dos factos assentes”.
Ao ponto nº 11, responde-se “provado apenas o que consta do teor da alínea Q) dos factos assentes”.
Aos pontos nºs 13 a 19, inclusive, responde-se “não provado”.
Ao ponto nº 21, responde-se “provado apenas o que consta da resposta ao ponto nº 1 da base instrutória”.
Ao ponto nº 24, responde-se “provado apenas o que consta da resposta ao ponto nº 1 da base instrutória”.
Ao ponto nº 25, responde-se “provado apenas que os réus Teresa Sequeira Pinto e marido, por volta de 1990, construíram, no edifício referido na resposta ao ponto nº 20, umas escadas interiores de aceso do rés-do-chão para o 1º andar”.
Ao ponto nº 27, responde-se “não provado”.
Ao ponto nº 28, responde-se “provado apenas que os réus, por si e por intermédio dos falecidos José Sequeira Sampaio e mulher e antecessores, gozam, usam e fruem o rés-do-chão do imóvel correspondente ao artigo 214º, desde 1983, em conformidade com a resposta ao ponto nº 1 da base instrutória”.
Aos pontos nºs 29 a 40, inclusive, responde-se “provado apenas o que consta das respostas aos pontos nºs 1 e 28 da base instrutória”.
Nestes termos, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:
Mostra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o nº 335/19990916, um prédio urbano, sito em Ribeiro, freguesia de Trinta, concelho da Guarda, com a área coberta de 56 m2, composto por um único andar, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 214º, que confronta de Norte com rua, de Sul com herdeiros de Francisco Cunha Niza, de Nascente com ribeiro e de Poente com herdeiros de Francisco Costa Leitão, mostrando-se o direito de propriedade inscrito, em comum e sem determinação de parte ou direito, por sucessão e dissolução da sociedade conjugal, pela apresentação 7, de 16/9/1999, em nome de A.., B..., casado com Maria de Lurdes Faria de Pina, Maria Celeste Cruz Teles Loureiro, casada com Patrick Latarge, e José Manuel da Cruz Teles Loureiro, casado com Franceline Labonne – A).
Tal prédio possui uma caderneta predial urbana, emitida pela Repartição de Finanças da Guarda, no dia 16 de Setembro de 1965, altura em que constavam como titulares inscritos na matriz, Manuel José Teles Loureiro e Armando Teles Loureiro – B).
Por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 19 de Julho de 1984, Armando Teles Loureiro e esposa, Lisdália da Cruz Barreiro Loureiro, declararam que vendiam a Manuel José Teles Loureiro, casado com A.., que declarou comprar, pelo preço de 50000$00, além do mais, metade de um prédio urbano, composto de uma casa, sito no lugar do Ribeiro, freguesia de Trinta, concelho da Guarda, inscrito na matriz, sob o artigo 214º - C).
Manuel José Teles Loureiro faleceu, no dia 25 de Junho de 1998, no estado civil de casado, tendo deixado a suceder-lhe, como únicos e universais herdeiros, a sua viúva, A.., e os seus filhos, B..., D.. e José Manuel da Cruz Teles Loureiro – D).
Manuel José Teles Loureiro, filho de Cristiano da Cruz Loureiro e de Maria Rosa Ferreira Teles, contraiu casamento católico com Lurdes de Figueiredo Cruz, no dia 16 de Junho de 1957 – Doc. de folhas 184 – E).
Armando Teles Loureiro, filho de Cristiano da Cruz Loureiro e de Maria Rosa Ferreira Teles, contraiu casamento católico com Lisdália Cruz, no dia 16 de Setembro de 1961 – Doc. de folhas 187 – F).
José Sequeira Sampaio, filho de António Sampaio e de Maria da Purificação Sequeira, faleceu no dia 12 de Março de 2004, no estado civil de casado com Maria Alexandrina Oliveira – Doc. de folhas 254 – G).
Maria Alexandrina Oliveira faleceu, no dia 7 de Janeiro de 2005, no estado civil de viúva de José de Sequeira Sampaio – Doc. de folhas 253 – H).
Maria Beatriz Oliveira Sequeira, filha de José Sequeira Sampaio e de Maria Alexandrina Oliveira, nasceu no dia 14 de Março de 1959, e contraiu casamento católico com José da Cunha Costa, no dia 1 de Setembro de 1979 – Doc. de folhas 255 – I).
H.., filha de José Sequeira Sampaio e de Maria Alexandrina Pacheco, nasceu no dia 28 de Julho de 1957 – Doc. de folhas 256 – J).
Teresa da Purificação de Oliveira Sequeira, filha de José Sequeira Sampaio e de Maria Alexandrina Oliveira, nasceu no dia 8 de Outubro de 1961, e contraiu casamento católico com Joaquim Lourenço Gomes Pinto, no dia 30 de Julho de 1988 – Doc. de folhas 257 – L).
Margarida Maria de Oliveira Sequeira, filha de José Sequeira Sampaio e de Maria Alexandrina Oliveira, nasceu no dia 21 de Outubro de 1971, e contraiu casamento católico com Joaquim Paulo Frade da Fonseca, no dia 8 de Agosto de 1992 – Doc. de folhas 258 – M).
No dia 15 de Setembro de 1965, na Repartição de Finanças da Guarda, Manuel José Teles Loureiro e Armando Teles Loureiro declararam, em escrito assinado pelo primeiro, que “pretendem pagar a sisa que for devida com referência à compra que, por 5000$00, vai fazer a Simplício Barreto Magro, casado, residente em Castelo Branco, dos seguintes prédios: 1º Uma casa térrea, sita no Ribeiro, inscrita na matriz predial urbana de trinta sob o artigo 214, com o rendimento colectável de 584$00 e o valor matricial de 11680$00…” – Documento de folhas 191 e verso – N) e 2º.
A.., em 24 de Agosto de 1999, apresentou, nos Serviços de Finanças da Guarda, uma relação de bens adicional, por óbito do seu marido, na qual relacionou, além do mais, o prédio referido em A) – O).
O imposto municipal sobre imóveis, referente ao ano de 2004, foi pago no dia 8 de Abril de 2005 – P).
Consta de folhas 85 um documento particular, intitulado “Declaração”, assinado pelos declarantes, nos termos do qual, no dia 22 de Junho de 1965, António Nunes Patrício, António Pilão Barbas, Armando Moradas Ferreira, Francisco Sales Pereira de Sousa, João Tavares Vieira e Simplício Barreto Magro, declararam que venderam a José Sequeira Sampaio, casado com Maria Alexandrina de Oliveira, uma casa, sita nos Trinta, no lugar do Ribeiro, que confronta do Nascente com o Ribeiro, de Poente com Purificação Sequeira, do Norte com a Rua Pública e de Sul com Casimiro Lucas – Q); 9º; 10º; 11º.
Por escritura de justificação notarial, lavrada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 3 de Maio de 1993, José Sequeira Sampaio declarou que é dono e possuidor, com exclusão de outrem, de um prédio urbano de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 48 m2, sito ao Ribeiro, na freguesia de Trinta, concelho da Guarda, inscrito na matriz, sob o artigo 216º, e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 53, o qual possui, há mais de 20 anos, sem interrupção, pública, pacífica e, continuadamente, de boa fé, com exclusão dos demais, à vista de todos, sem discussão, nem oposição de ninguém, fruindo todas as suas utilidades, tendo-o adquirido, além do mais, por usucapião – R).
No mês de Setembro de 2005, a autora A.. solicitou aos réus a entrega do prédio, livre e devoluto, de pessoas e bens – S).
Os quais se recusaram a proceder à sua entrega – T).
Os autores vêem-se, perante o comportamento dos réus, impossibilitados de acederem ao seu prédio – U).
A reconvenção, onde se formula o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda, deu entrada em juízo, a 12 de Dezembro de 2005, e o respectivo registo, provisório por natureza, está datado de 7 de Março de 2006 – Documentos de folhas 72 e 155 – V).
Os réus têm vindo a utilizar o rés-do-chão do prédio, referido em A), como armazém de apoio a um estabelecimento comercial de taberna, inicialmente, explorado, por José Sequeira Sampaio, e local do jogo de matraquilhos – 1º, 21º; 24º, e 29º a 40º, inclusive.
A autora e o seu falecido marido, em período não concretamente apurado, compreendido entre 1960 e 1965, habitaram a casa, referida em A) – 4º.
Foi, nesta casa, que nasceram os dois filhos mais velhos da autora e do seu falecido marido – 5º.
Tal prédio mostra-se inscrito na matriz predial urbana respectiva, sob o artigo 214º - 12º.
Que constitui com o mesmo um único edifício, o qual, já ao tempo, era propriedade da avó dos réus e mãe de José Sequeira Sampaio, Maria da Purificação Sequeira – 20º.
Os réus Teresa Sequeira Pinto e marido, por volta de 1990, construíram, no edifício referido na resposta ao ponto nº 20, umas escadas interiores de acesso do rés-do-chão para o 1º andar – 25º.
Os réus, por si e por intermédio dos falecidos José Sequeira Sampaio e mulher e antecessores, gozam, usam e fruem o rés-do-chão do imóvel correspondente ao artigo 214º, desde 1983, em conformidade com a resposta ao ponto nº 1 da base instrutória – 28º e 29º a 40º, inclusive.
Face à alteração verificada, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, considera-se, consequentemente, prejudicada a apreciação da questão da eventual obscuridade e deficiente fundamentação das respostas dadas à base instrutória.

III. DA ACÇÃO E DA RECONVENÇÃO

Traduz-se o essencial do pedido formulado pelos autores na condenação dos réus a reconhecer o direito de propriedade daqueles sobre o imóvel controvertido, com a consequente restituição aos mesmos, livre e desocupado, de pessoas e bens.
Por seu turno, na reconvenção, os réus pedem a declaração de nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda, decretando-se que são os proprietários e legítimos possuidores de tal imóvel, que adquiriram por usucapião.
Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que a autora e o seu falecido marido, no período temporal compreendido entre 1960 e 1965, habitaram o prédio controvertido, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 214º.
A isto acresce que, no dia 15 de Setembro de 1965, na Repartição de Finanças da Guarda, Manuel José Teles Loureiro, falecido marido da autora Lurdes, e seu irmão, Armando Teles Loureiro, declararam, em escrito assinado pelo primeiro, que pretendiam pagar a sisa que fosse devida pela compra do prédio em questão que, por 5000$00, iam fazer a Simplício Barreto Magro, passando ambos, a partir de então, a constar como seus titulares inscritos, na respectiva caderneta predial.
Por seu turno, os réus, por si e por intermédio dos falecidos José Sequeira Sampaio e mulher e antecessores, gozam, usam e fruem o rés-do-chão desse imóvel, desde 1983, como armazém de apoio a um estabelecimento comercial de taberna, inicialmente, explorado por aquele, e local do jogo de matraquilhos.
Por outro lado, através de escritura pública, outorgada a 19 de Julho de 1984, o mencionado Armando Teles Loureiro e esposa, Lisdália da Cruz Barreiro Loureiro, declararam vender ao, também, referido Manuel José Teles Loureiro, que, por sua vez, declarou comprar, pelo preço de 50000$00, além do mais, metade do prédio urbano em apreço.
Na verdade, este prédio urbano está inscrito, em comum e sem determinação de parte ou direito, por sucessão e dissolução da sociedade conjugal, a título definitivo, em nome dos autores, desde 16 de Setembro de 1999.
Porém, no dia 3 de Maio de 1993, José Sequeira Sampaio declarou, em escritura de justificação notarial, que adquiriu, além do mais, por usucapião, o prédio urbano de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na matriz, sob o artigo 216º, que possui há mais de 20 anos, sem interrupção, publica, pacifica e, continuadamente, de boa fé, com exclusão dos demais, à vista de todos, sem discussão, nem oposição de ninguém, fruindo todas as suas utilidades, ou seja, um prédio contíguo ao primeiro e que constitui com o mesmo um único edifício, no qual os réus Teresa Sequeira Pinto e marido, por volta de 1990, construíram umas escadas interiores de aceso do rés-do-chão para o 1º andar.
Efectivamente, constando de folhas 85 um documento particular, nos termos do qual, no dia 22 de Junho de 1965, António Nunes Patrício, António Pilão Barbas, Armando Moradas Ferreira, Francisco Sales Pereira de Sousa, João Tavares Vieira e Simplício Barreto Magro declararam que venderam a José Sequeira Sampaio, casado com Maria Alexandrina de Oliveira, uma casa sita nos Trinta, no lugar do Ribeiro, que confronta do Nascente com o Ribeiro, de Poente com Purificação Sequeira, do Norte com a Rua Pública e de Sul com Casimiro Lucas, os réus não utilizaram o instrumento notarial, acabado de aludir, para, em conjunto, procederem à justificação deste artigo matricial, alegadamente, correspondente ao nº 214, controvertido, mas cujas confrontações não se identificam, quer com os coevos documentos de folhas 10 e 11, quer com os documentos posteriores de folhas 13 a 16 e 24.
O proprietário não possuidor pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor da coisa, não proprietário, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, como corolário do direito real de sequela, em que se consubstancia o direito e a correspondente acção de reivindicação ou petitória Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 92, 238 e 239; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, RLJ, Ano 57º, 144..
Efectivamente, são dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação, isto é, o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa.
Trata-se, pois, de uma acção condenatória e não de uma acção de simples apreciação ou, meramente declarativa, aquela a que se reporta a presente apelação, uma vez que o Tribunal não pode condenar o eventual infractor, sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante.
A natureza da acção de reivindicação resulta, aliás, imediatamente, da causa de pedir, objectivada no direito de propriedade, e do fim visado pelo autor, que é constituído pela declaração da existência da sua propriedade e pela entrega do objecto sobre o qual o seu direito de propriedade incide Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, 1970, 175 a 188 e 199 a 223; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 114; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, RLJ, Ano 57º, 161 e 175; Manuel Salvador, Elementos de Reivindicação, nº 24..
Na acção de reivindicação, compete aquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, daqueles que pertencem à norma fundamentadora do direito e que, em si, lhe não são indiferentes, isto é, que conduzem ao reconhecimento do direito de propriedade de que se arroga, atento o disposto pelos artigos 1311º, nº 1 e 342º, nº 1, do Código Civil (CC) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 435..
De facto, nas acções de reivindicação, a causa de pedir é, especialmente, complexa, para o autor, face à inexistência de relações pessoais que se estabelecem entre aquele e o réu.
Incumbe, por isso, aos autores e, igualmente, aos réus que, nesta acção, formulam um pedido reconvencional com o mesmo objectivo daqueles, ou seja, o de verem reconhecido, a seu favor, o direito de propriedade sobre o prédio em causa, a prova do seu direito e, para tanto, não basta que exibam um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, a qual, em última análise, acabará por se tornar no verdadeiro facto constitutivo do direito Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, 1968, 137 e 138; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 115., ou, em derradeira alternativa, de que gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade correspondente, com base no disposto pelo artigo 1268º, nº 1, do CC.
Na hipótese em apreço, os autores invocam, a seu favor, a presunção da titularidade do direito inscrito sobre o prédio urbano, nos termos do estipulado pelo artigo 7º, do Código do Registo Predial (CRP), enquanto que os réus, por seu turno, alegam a usucapião, como forma de aquisição originária da propriedade do mesmo.
A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida durante certo lapso de tempo e com certas características, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, ou seja, a via da usucapião, definida pelo artigo 1287º, do CC.
Mas, a posse, como veículo da dominialidade, é a posse «stricto sensu», e não a posse precária ou detenção, a qual só é passível de conduzir à propriedade, se houver inversão do título de posse, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1290º, 1263º, d) e 1265º, do CC.
São havidos como detentores ou possuidores precários, no que interessa à hipótese em apreço, onde se interpenetram, transversalmente, as três categorias típicas da detenção, os que, simplesmente, se aproveitam da tolerância do titular do direito, os que exercem o poder de facto, sem intenção de agir como beneficiários do direito, e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem – alíneas a), b) e c), do artigo 1253º, do CC -, isto é, todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, não actuam sobre ela os poderes de facto com o «animus» de exercer o direito real correspondente.
A concepção subjectivista da posse, plasmada no ordenamento jurídico nacional, está integrada por dois elementos estruturais – o «corpus» e o «animus possidendi» -, objectivando-se aquele como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto que o último consiste na intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 181 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 5 e 6; Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, 122º, 65 e ss.; Mota Pinto, Direitos Reais, 1970-1971, 177 e ss.; Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 65 e ss..
Assim sendo, o acto de aquisição relevante, para efeitos de usucapião, deve consubstanciar os dois elementos definidores do conceito de posse – o «corpus» e o «animus» -, porquanto, se apenas o primeiro se preenche, ocorre uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.
Como assim, não se acha preenchido o requisito do «animus», por parte dos réus, relativamente ao prédio em apreço, que aqueles reivindicam, ou seja, não se verificam os requisitos da posse, em sentido estrito, susceptíveis, enquanto tal, de viabilizar a aquisição originária da propriedade, por usucapião.
Por outro lado, nem os réus invocaram a inversão do título de posse, como forma de fazer cessar a sua precariedade, nem esta se encontra demonstrada nos autos, porquanto supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse, em nome próprio, a transformação da detenção em posse, e pode dar-se, em conformidade com o preceituado pelo artigo 1265º, do CC, por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse, exigindo-se um acto de oposição inequívoca, implicita ou explicitamente, do possuidor precário contra a pessoa em cujo nome possuía, não bastando que a detenção se prolongue, para além do termo do título que lhe servia de base, devendo o detentor tornar, directamente conhecida, da pessoa em cujo nome possuía, a sua intenção de actuar como titular do direito, mas não se impondo, como acontecia durante a vigência do Código Civil de 1867, também, que a oposição seja repelida pelo possuidor Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 30 e 31; Manuel Rodrigues, A Posse, 1981, 232 e 233; Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 98 e ss; Meneses Cordeiro, Direitos Reais, 1978, II, 664 e ss; França Pitão e Borges Pinto, Direito das Coisas, Da Ordenação Dominial, 1976, 71 e 72..
A utilização que os réus faziam da loja, correspondente ao rés-do-chão do prédio, embora traduzindo o exercício de poderes de facto sobre a mesma, não se consubstanciava em actos de posse, não constituía uma relação jurídica de posse Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1971, 254 e 255., mas antes em actos de mera tolerância dos titulares do direito, que eram os autores, mas que nunca chegaram a perder a posse jurídica da mesma.
E, enquanto não ocorrer a inversão do título de posse, não se inicia a contagem do tempo necessário para a usucapião, por, até esse momento, não existir posse em nome próprio, mantendo-se a situação da posse precária, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1263º, d), 1265º e 1290º, do CC Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, III, 494 a 496; Manuel Rodrigues, A Posse, 1981, 271..
Assim sendo, os réus não demonstraram a inversão do título de posse, pelo que esta sempre se manteve precária, como mera detenção, com «animus detinendi» e não com «animus possidendi».
Porém, os autores entendem que gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio urbano em discussão, com base no disposto pelo artigo 1268º, nº 1, do CC.
Em sintonia com o princípio enformador de que o registo predial assume, essencialmente, como finalidade, nos termos do preceituado pelo artigo 1º, do CRP, conceder publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, sendo sua função assegurar a quem adquire direitos de certa pessoa sobre um prédio que esta não realizou, relativamente a eles, actos susceptíveis de prejudicar o mesmo adquirente Vaz Serra, RLJ, Ano 97º, 57., o artigo 7º, do mesmo diploma legal, contém uma conclusão que se suporta numa dupla presunção legal, ou seja, a de que o direito registado, a título definitivo, existe e a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, aliás, na esteira do nosso sistema jurídico, que lhe confere natureza, meramente declarativa, e não constitutiva, corolário do instituto que o concebe como realidade que «não dá direitos, mas apenas os conserva» Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 20., não garantindo que o direito pertença, na realidade, à pessoa que figura no registo como seu titular ou que esse direito não esteja desfalcado no seu valor por alguns encargos, porquanto não vigora, entre nós, o princípio da universalidade do registo, e ainda porque este não sana, radicalmente, os defeitos de que, eventualmente, enfermem os títulos apresentados para registo Antunes Varela, RLJ, Ano 118º, 312, nota 2..
Atendendo a esta presunção de propriedade que decorre do estipulado pelos artigos 1268º, nº 1, do CC, e 7º, do CRP, o possuidor inscrito, como é o caso dos autores, é, em princípio, o proprietário do bem e, como tal, pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1311º, nº 1, do CC.
Sendo aos réus que competia o ónus da prova da posse, o que não lograram realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deve, na dúvida, ser decidida, a favor dos autores.
Assim sendo, não tendo os réus-reconvintes demonstrado os elementos, essencialmente, constitutivos do seu alegado direito, como lhes pertencia, na decorrência do preceituado pelo artigo 342º, n 1, do CC, importa concluir pela falência da posição que sustentam.
É que, não se enquadrando a presente acção na espécie classificativa das acções meramente declarativas ou de simples apreciação negativa, hipótese em que, então, competiria aos autores-reconvindos a prova dos factos constitutivos do direito invocado pelos réus, seria a estes, atento o disposto pelo artigo 343º, nº 1, do CC, que sempre caberia demonstrar a factualidade correspondente, por si alegada Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, Aditamentos, 1970/1971, 36 e ss..
Relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda, que os réus formulam na reconvenção, estes não demonstraram o carácter de bem alheio da metade indivisa do prédio em apreço, que Armando Teles Loureiro e esposa, Lisdália da Cruz Barreiro Loureiro, venderam a Manuel José Teles Loureiro, falecido marido da autora, A.., cuja metade indivisa restante a este último pertencia.
Dispõe o artigo 892º, do CC, que “é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso”.
Efectivamente, não se tendo provado que os vendedores da aludida metade indivisa do prédio, Armando Teles Loureiro e esposa, Lisdália da Cruz Barreiro Loureiro, não eram comproprietários do mesmo, nem que nunca tenha sido seu propósito vender a Manuel José Teles Loureiro o direito de propriedade sobre aquela metade indivisa do prédio, carece de qualquer suporte, fáctico e jurídico, quer o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda, quer a correspondente declaração de nulidade da mesma, decretada pela sentença.
A isto acresce que a regra geral da declaração de nulidade da venda de bens alheios, contida no artigo 892º, do CC, tem, porém, como excepção, a situação em que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico, respeitante a bens imóveis, não seja capaz de prejudicar os direitos adquiridos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação, e esta não tenha sido proposta e registada, dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, em conformidade com o disposto pelo artigo 291º, nºs 1 e 2, do CC.
Quer isto dizer, por outras palavras, que, em nome da protecção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses do tráfico jurídico, em geral, estabeleceu-se que a acção de declaração de nulidade ou de anulação do negócio, se não for proposta e registada, nos três anos posteriores à sua conclusão, é inoponível a terceiros de boa-fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, 208; Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3º, 437; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 267; Antunes Varela, RLJ, Ano 118º, 309 e 310; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 626; Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas, 4º, 40 e ss.; Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, 75; STJ, de 14-11-96, CJ, IV, T3, 104; RC, de 25-10-94, CJ, XIX, T4, 44; RP, 9-10-79, CJ, IV, T4, 1278; RE, de 11-2-1982, VII, T1, 358..
Acontece que, na hipótese em discussão, a escritura de compra e venda impugnada teve lugar, a 19 de Julho de 1984, a respectiva aquisição do prédio, a favor dos autores, foi registada, em 16 de Setembro de 1999, enquanto que os réus registaram a presente reconvenção, em 7 de Março de 2006, portanto, muito para além do aludido prazo de três anos, o que, em caso algum, teria, então, a virtualidade de evitar o reconhecimento dos direitos adquiridos pelo terceiro de boa-fé, ou seja, o mencionado Manuel José Teles Loureiro, falecido marido da autora Lurdes e pai dos restantes autores, nem o contrário se demonstrou ter acontecido.
Mas, sendo nula a venda de bens alheios, sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, atento o estipulado pelo artigo 892º, trata-se de uma nulidade que pode ser invocada, por qualquer interessado, nos termos do disposto pelo artigo 286º, ambos do CC, ou seja, pelo titular de qualquer relação jurídica cuja consistência, tanto jurídica, como pratica, seja afectada pelo negócio Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 263., um dos quais será o verdadeiro titular dos bens alienados que, evidentemente, pode e tem interesse em invocar a nulidade do mesmo Raul Ventura, O Contrato de Compra e Venda no Código Civil, ROA, nº 40, II, 306 e ss.; STJ, de 13-12-84, BMJ nº 342, 361..
Assim sendo, julga-se a reconvenção, inteiramente, improcedente, e a acção, parcialmente, procedente por provada, e, em consequência, condenam-se os réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano, sito em Ribeiro, freguesia de Trinta, concelho da Guarda, com a área coberta de 56 m2, composto por um único andar, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 214º, que confronta de Norte com rua, de Sul com herdeiros de Francisco Cunha Niza, de Nascente com ribeiro e de Poente com herdeiros de Francisco Costa Leitão, a restituir o mesmo aos autores, livre e desocupado, de pessoas e bens, e a respeitar o direito de propriedade dos autores sobre tal imóvel, abstendo-se da prática de quaisquer actos que afectem ou diminuam tal direito, mas absolvendo os autores da totalidade do pedido reconvencional formulado pelos réus.

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CONCLUSÕES:

I - Na acção de reivindicação, incumbe a quem invoca o correspondente direito, a prova do mesmo e, para tanto, não basta que exiba um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correlativo.
II - A posse, como veículo da dominialidade, é a posse «stricto sensu», com o «corpus» e o «animus», e não a posse precária ou detenção, a qual só cessa, tornando-se idónea a viabilizar a usucapião e passível de conduzir à propriedade, se houver inversão do título de posse.
III - Sendo ao réu que competia o ónus da prova da posse, não o logrando realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deve, na dúvida, ser decidida a favor do autor.
IV - A acção de declaração de nulidade ou de anulação do negócio, se não for proposta e registada, nos três anos posteriores à sua conclusão, é inoponível a terceiros de boa-fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os mesmos bens, desde que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, condenam os réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano, sito em Ribeiro, freguesia de Trinta, concelho da Guarda, com a área coberta de 56 m2, composto por um único andar, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 214º, que confronta de Norte com rua, de Sul com herdeiros de Francisco Cunha Niza, de Nascente com ribeiro e de Poente com herdeiros de Francisco Costa Leitão, a restituir o mesmo aos autores, livre e desocupado, de pessoas e bens, e a respeitar o direito de propriedade dos autores sobre tal imóvel, abstendo-se da prática de quaisquer actos que afectem ou diminuam tal direito, julgando-se a reconvenção, improcedente por não provada, e revogando-se, em conformidade, a sentença recorrida, que confirmam quanto ao restante.

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Custas, em ambas as instâncias, a cargo dos réus-apelados.