Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | REVISÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO POR DOENÇA PROFISSIONAL CENTRO NACIONAL DE PROTEÇÃO CONTRA OS RISCOS PROFISSIONAIS (CNPRP) EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA FALTA DE PRÉVIA TRAMITAÇÃO/DECISÃO ADMINISTRATIVA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
Data do Acordão: | 05/29/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 283.º, N.ºS 1 E 7, DO CÓDIGO DO TRABALHO, 138.º, N.º 3, 140.º DA LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO, 9.º DA PORTARIA N.º 135/2012, DE 8-05, 155.º DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, 493.º, N.º 2, E 495.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – O CNPRP não é um tribunal, mas uma mera entidade administrativa, onde está previsto um procedimento administrativo obrigatório, prévio à propositura da ação judicial para reconhecimento dos direitos emergentes de doença profissional quando o doente discorde da decisão do dito Centro. II – A certificação e a revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competência na área da proteção contra os riscos profissionais – artigo 138º, 3 da LAT. III – Sem a decisão do CNPRP o processo judicial não pode ter seguimento, sendo a sua ocorrência um verdadeiro pressuposto processual inominado, mas que constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do disposto nos artigos 493º, nº 2, e 495º, do CPC. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | *
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO AA apresentou incidente de revisão de incapacidade para o trabalho por doença profissional contra Instituto da Segurança Social, IP, a qual deve ser fixada em 36%. Para fundamentar a sua pretensão alegou que: -em 05/06/2018 dirigiu ao ISS pedido de pensão por incapacidade para o trabalho por doença profissional; -por decisão proferida pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais da Segurança Social, a 11/03/2022, foi reconhecida à requerente uma IPP de 4,5000%; -consequentemente, foi-lhe atribuída Pensão por Incapacidade para o Trabalho no valor mensal de €17,72; -com o passar do tempo viu o seu estado de saúde agravar-se, relacionado com a doença profissional e, a 16/11/2022 foi emitido à requerente, atestado médico de incapacidade multiuso que atesta uma Incapacidade Permanente Global de 36%; -a diferença em termos percentuais da IPP e da IPG é fundamento suficiente para o recurso ao presente requerimento para revisão da incapacidade em juízo. O ISS Departamento de Proteção contra Riscos Profissionais contestou, invocando, além do mais as exceções inominadas: doenças que não foram participadas ao réu; falta de pedido de revisão/alteração do grau de IPP junto do réu, estando assim precludida a possibilidade de iniciar a fase contenciosa, sem ter esgotado a fase administrativa (ou conciliatória). A autora pronunciou-se quanto às invocadas exceções, sustentando a improcedência das mesmas. Foi proferido despacho que julgou procedente a invocada exceção inominada (de falta de prévia comunicação/tramitação e decisão junto da entidade administrativa), e, em consequência, absolveu o réu da instância, nos termos do disposto nos artigos 278º, n º 1 al. e), 576º, n º 1 e 2, 578º e 590º, n º1 todos do CPC. A requerente recorreu deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1ª/ O Tribunal a quo ao julgar improcedente a ação, fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e dos arts. 145.º e 155.º do CPT. 2ª/ Determina o art.º 155.º, n.º 1 do CPT que “O disposto no art.º 117.º e seguintes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I.P., em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais”, encontrando-se estabelecido no art.º 145.º do CPT o pedido de revisão da incapacidade em juízo. 3ª/ A lei é clara no sentido em que é possível requerer judicialmente a revisão da incapacidade decorrente de doença profissional. 4ª/ Sendo certo que o Tribunal a quo o admite, ainda que em situação diferente do que aquela dos presentes autos. 5ª/ O art.º 138.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 setembro estabelece que “a certificação e revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, sem prejuízo do diagnóstico presuntivo pelos médicos dos serviços de saúde, para efeitos da atribuição da indemnização por incapacidade temporária”. 6ª/ Resulta deste normativo que quando o legislador diz que a certificação e revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, quis dizer que a certificação e revisão das incapacidades não pode ser feita por qualquer serviço médico público ou privado, mas apenas e tão-só pelo Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais. 7ª/ Tal leitura e interpretação decorre não só do objeto daquele diploma como da própria norma transcrita que apresenta uma exceção no caso de atribuição da indemnização por incapacidade temporária. 8ª/ Pois quando o legislador aprovou a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro pretendeu regulamentar as disposições dos arts. 281.º a 284.º do Código do Trabalho, i.é., da lei material donde constam os direitos dos trabalhadores em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais. 9ª/ Não se trata de uma norma de carácter adjectivo, pois quanto à lei adjectiva já está demonstrado que encontra-se previsto no art.º 145.º, por referência ao 155.º do CPT, o mecanismo para reagir quando o trabalhador/doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I.P. 10ª/ Em suma, não há qualquer disposição legal, nem o Tribunal a quo invoca, que determine a obrigatoriedade da Autora pedir a revisão da incapacidade junto da Ré antes de recorrer aos meios judiciais. 11ª/ A sentença recorrida limita-se a citar o sumário do Acórdão do TRG de 21/01/2021, proferido no âmbito do processo n.º 1223/20.1T8VRL.G1 para fundamentar a mesma. 12ª/ No entanto, uma leitura atenta do sumário e do Acórdão na íntegra, demonstra muito claramente que apenas está vedado o recurso ao pedido de revisão de incapacidade em juízo quando não há decisão definitiva por banda da Ré. 13ª/ Nos presentes autos, a decisão que determinou à Autora uma IPP de 4,5% foi notificada à mesma em 11/03/2022 e tornou-se definitiva após o de curso do prazo de 3 meses para recurso hierárquico ou impugnação judicial. 14ª/ Apesar de a Autora ter a faculdade de efetuar o pedido de revisão de incapacidade junto à Ré, iniciando um novo procedimento administrativo, não o fez, como resulta do PA junto ao processo pela Ré. 15ª/ O que significa que existe uma decisão administrativa definitiva, aquela que fixou à Autora uma IPP de 4,5%, e da qual a Autora pode reagir através do pedido de incapacidade em juízo, conforme resulta da lei. 16ª/ O Tribunal a quo, para além de uma incorreta interpretação da lei, fez uma incorreta interpretação da jurisprudência ao utilizar o Acórdão mencionado para fundamentar a sentença recorrida, dado que se tratam de duas situações distintas — uma em que existe uma decisão definitiva e outra que não. 17ª/ Uma interpretação do art.º 155.º, n.º 1 do CPT que considerasse que a Autora teria que iniciar junto da entidade administrativa um procedimento administrativo para revisão da incapacidade antes de poder recorrer ao pedido de incapacidade em juízo seria inconstitucional por violar o disposto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP ao vedar o acesso da Autora à justiça e aos tribunais. TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, ser proferida decisão que substitua a sentença recorrida por outra que determine o prosseguimento dos autos.” O recorrido Instituto da Segurança Social, I.P., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (…). “1- O disposto nos artigos 117º e seguintes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais. 2- Nesses casos, o tribunal requisita o processo organizado naquela instituição, que é apensado ao processo judicial e devolvido a final.” “Deste esquema tramitacional resulta que o doente profissional pode requerer ao tribunal de trabalho que reveja a incapacidade que o CNPCRP lhe atribui, decisão para a qual o tribunal é competente. Para tanto é pressuposto que esta entidade tenha proferido decisão na matéria. No caso, o requerente precipitou-se dado que deu início à fase contenciosa em tribunal de trabalho, sem que a fase conciliatória junto da entidade administrativa tivesse sido esgotada e concluída, na medida em que ainda não foi proferida decisão, o que impede que o tribunal possa de imediato apreciar o pedido. A fase contenciosa que se processa no tribunal do trabalho pressupõe um procedimento prévio obrigatório que decorre junto da referida entidade administrativa até que esta profira decisão.[2]” Assim sendo, o presente processo não pode ter seguimento e o tribunal não pode apreciar o mérito, faltando um requisito ou pressuposto processual inominado (a prévia tramitação e decisão junto do CNPCRP), exceção dilatória que leva ao indeferimento liminar (ou absolvição da requerida da instância se detetado mais tarde) e é de conhecimento oficioso- 278º, 1, e), 576º, 1 e 2, 578º, 590º, 1, CPC[3].
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