Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ELISA SALES | ||
Descritores: | SANÇÃO ACESSÓRIA PENA ACESSÓRIA CRIMES COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA CONDUÇÃO CRIMES COMETIDOS COM UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO | ||
Data do Acordão: | 01/14/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CRIMINAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 69.º DO CÓDIGO PENAL; 138.º DO CÓDIGO DA ESTRADA. | ||
Sumário: | I – A sanção acessória de inibição de conduzir e a proibição de conduzir são realidades diversas, em função da sua diferente natureza jurídica, enquanto a primeira se destina a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves e se trata de uma medida de segurança administrativa, a segunda se trata de uma verdadeira pena, dado que pressupõe a prática de um crime e a aplicação de uma pena principal é ma reacção II. - Crimes cometidos no exercício da condução são todos aqueles em que a acção viola as regras do trânsito rodoviário, sendo elemento da sua estrutura típica, como sucede nos crimes previstos nos artigos 291º e 292º do Cód. Penal, ou causa do evento, como acontece em muitos crimes materiais em que a violação das regras da condução é a causa do evento típico – por ex. homicídio ou ofensas à integridade física por negligência causados por excesso de velocidade, ultrapassagem e demais manobras perigosas; III. - Crimes cometidos com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por esta facilitada de forma relevante são aqueles em que o uso do veículo é instrumento relevante para a prática do crime, a lei não exige que o uso do veículo tenha sido condição necessária da prática do crime, basta-se com que esse uso tenha sido instrumento relevante, isto é, tenha contribuído de modo importante para a sua prática. | ||
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
… veio interpor recurso da sentença que o condenou: - pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituídos por 300 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (num total de € 2.100,00) e, - na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de oito meses, pela prática da contra-ordenação por violação do disposto no artigo 13º do Código da Estrada ([i]). A razão de ser da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que: 1- Com o presente recurso pretende o arguido questionar a decisão proferida pela Mma Juiz do Tribunal a quo na parte em que condenou o arguido/recorrente como autor de uma contra-ordenação por violação do disposto no art. 13º do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de oito meses. 2- Não merecendo, todavia, censura por parte do arguido/recorrente a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido/recorrente, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p.p. pelo art. 137° n.º 1, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa à razão diária de € 7 (sete), no total de 2.100 (dois mil e cem euros). 3- Para a condenação do arguido na sanção de inibição de conduzir a Mma Juiz a quo considerou que, sendo a contra-ordenação p.p. pelo art. 13° do CE de natureza muito grave, nos termos do art. 146º, al, g) por referência ao art. 145° al, a) do CE, de acordo com o disposto no art. 134° do CE, "se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra ordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação" e resultando dos autos que o arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, por ter invadido a hemifaixa de rodagem contrária, em clara violação do disposto no art. 13° do CE, deve-lhe ser aplicada a sanção acessória pelo período de 8 meses. 4- Este raciocínio jurídico do tribunal recorrido teve na base a factualidade dada como provada, designadamente a invasão da via de trânsito contrária àquela em que seguia o arguido/recorrente e o consequente embate com o veículo da vítima. 5- No discernir do recorrente, estando em causa nos autos uma condenação pelo crime de homicídio por negligência p. p. pelo art. 137° n.º 1 do CP, cuja decisão o arguido aceita, não podia o tribunal recorrido, salvo melhor entendimento, condenar o recorrente na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 8 meses. 6- Este entendimento do recorrente encontra fundamento num raciocínio jurídico diferente do considerado pela Mma Juiz a quo e assente em larga jurisprudência dos nossos tribunais sobre esta matéria, segundo a qual estando previsto na al. a) do n.º 1 do art. 69° do C.P. que "é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos arts. 291° ou 292°" e não sendo a conduta do arguido enquadrável num caso de condução perigosa de veículo rodoviário ou condução em estado de embriaguez, fica de imediato arredada a possibilidade de subsunção da conduta do arguido naquele preceito. 7- Tese do recorrente que apenas tem merecido acolhimento a partir das alterações introduzidas pela Lei 77/01 de 13 de Julho, já que até aí a sanção acessória de inibição de conduzir podia ser aplicada ao caso dos autos. 16- Ao ter condenado o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 8 meses, a d. decisão em crise violou, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 13°, 134°, 138°, 147° n.º 2 do C.E. e 69° e 137° do CPenal. Termina pelo provimento do presente recurso e em consequência ser revogada a sentença recorrida, e em substituição ser tomada uma decisão que absolva o arguido da contra-ordenação a que foi condenado por violação do disposto no n.º 13 CE, e absolva o arguido da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de oito meses. A Magistrada do M°P° junto da 1ª instância apresentou resposta defendendo que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420º, n.º 1, al. a) do CPP. Nesta instância, também o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Os autos tiveram os vistos legais. II- FUNDAMENTAÇÃO Consta da sentença recorrida: “ Factos provados: Da acusação, da contestação e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: No dia 3 de Agosto de 2006, pelas 16h, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula XX-XX-UH, marca Peugeot, modelo 206, de cor cinzenta, no IP5, sentido Aveiro/Viseu, área desta comarca. No sentido contrário circulava o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula RE-XX-XX, marca Opel, modelo Kadett, de cor branca, conduzido por António Henriques Ladeira. O arguido, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, sem previamente se assegurar de que não circulavam veículos na via de trânsito em sentido contrário e sem que nada o fizesse prever, repentinamente, invadiu aquela via de trânsito, no preciso momento e local em que o veículo matrícula RE-XX-XX transitava, embatendo-lhe com a lateral esquerda da parte frontal do seu veículo na lateral esquerda frontal do veículo matrícula RE. Do embate resultaram as lesões examinadas e descritas no relatório de autopsia de … (fls. 183 a 189) designadamente, fractura bilateral de costelas e do esterno, laceração do fígado, baço e diafragma, hemoperitoneu, fractura da 11.ª vértebra, sendo que estas lesões traumáticas toraco-abdominais foram a causa directa e necessária da sua morte. O embate deu-se ao Km 77,90, na via de trânsito sentido Viseu/Aveiro, a 1,55m da berma do lado direito, atento aquele sentido de trânsito. Naquele local, o IP5 tem duas vias de trânsito, uma em cada sentido de circulação, separadas por uma linha longitudinal descontínua, numa largura total de 7,25m. A faixa de rodagem era constituída por pavimento betuminoso, em boas condições de aderência e conservação, não existiam quaisquer obstáculos ou obras, o tráfego era pouco intenso e o local do acidente apresenta uma ligeira inclinação ascendente, atento o sentido de trânsito do arguido, com boa visibilidade. O limite de velocidade no local é de 90 km/h para os veículos ligeiros de passageiros. O tempo apresentava-se bom, sem nebulosidade. Os veículos apresentavam bom estado de funcionamento dos órgãos de travagem, direcção e sinalização acústica. O arguido não procedeu com o cuidado devido e exigível, circulando de forma desatenta e descuidada, invadindo a via de trânsito em sentido contrário, sem respeitar as regras de condução que impõem que a circulação de veículos se faz pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas. O arguido não previu mas devia ter previsto que da sua condução acima descrita podia resultar um embate com outro veículo, com a consequente morte de quem fosse atingido. Teria evitado o embate e a morte de … se tivesse usado de prudência na condução e cumprido as regras estradais relativas à posição de marcha dos veículos e manobras de ultrapassagem, comportamento que era razoavelmente de esperar dele e de que era capaz. Sabia também que o desrespeito das normas que impõem tais cautelas o fazia incorrer em responsabilidade contra-ordenacional e penal. O arguido é membro da Congregação dos Missionários do E S. Aufere da sua actividade de pároco a quantia de €450 mensais, e aufere pensão de reforma de valor não apurado. Todos os seus rendimentos são entregues à Congregação. Vive no seminário da Congregação sendo que esta suporta todos os seus encargos e necessidades, facultando igualmente dinheiro. O carro que conduz é da Congregação. Tem o curso superior de seminário. Tem dois irmãos em Leiria com quem se dá bem. O arguido é considerado bom amigo, um padre exemplar, correcto e sincero, integro, bem considerado e responsável. É ainda considerado um bom condutor e prudente. O arguido é primário e não tem qualquer infracção estradal registada no RIC. Factos não provados O arguido não procedeu com o cuidado devido e exigível, circulando de forma desatenta e descuidada, invadindo a via de trânsito em sentido contrário, sem previamente se assegurar que ali não circulavam veículos e só podia usar para ultrapassar ou mudar de direcção, nesse caso, devendo assinalar previamente a manobra e assegurar que não circulam veículos em sentido contrário de modo a que não resulte perigo para o trânsito. Motivação da matéria de facto A convicção do tribunal, no que concerne à forma como ocorreu o acidente, baseou-se essencialmente na análise conjugada dos agentes de autoridade com o depoimento da testemunha …, única testemunha presencial dos factos e com a participação de acidente de viação de fls. 9 e ss, relatório fotográfico e croqui e folha de medição juntos a fls. 128 e ss. Através do depoimento desta testemunha Albino Silva, a qual foi isenta e imparcial e nenhum interesse tem na solução da causa, decorre que o acidente ocorreu na hemifaixa de rodagem onde seguia a vítima. Na verdade, por si foi referido que quando circulava no IP5, sentido Aveiro/Viseu, numa pequena fila de trânsito com cerca de 5 ou 6 viaturas à sua frente, a dado momento viu uma viatura a sair para a esquerda, no preciso momento em que, em sentido contrário circulava a viatura da vítima, tendo ocorrido o embate. Mais confirmou a posição final dos veículos. Por sua vez o soldado da GNR …, autor do croqui junto a fls.11 dos autos, confirmou que foi ele que o elaborou e, quanto ao ponto provável de embate que assinalou, mencionou que teve ajuda do pessoal da investigação, os quais estudam certos aspectos dos acidentes. Mais referiu que, como aliás consta da participação de acidente de viação, que a mercadoria transportada pela vítima se encontrava bem acondicionada., não obstante a carga, pelo comprimento, exceder a parte da mala do carro. O soldado da GNR …, autor do croqui de fls. 129, e especialmente habilitado para o fazer através de acção de formação em acidentes de viação, explicou ao Tribunal que a dinâmica do acidente é a que consta da acusação, atentos os vestígios encontrados no local - óleo, sulcos no pavimento, marca de arrasto do pneumático do veículo do arguido - conjugados com o depoimento da testemunha presencial. Mais referiu que não admite que o embate tenha ocorrido na via de trânsito do arguido, para além do mais, pela existência de marca de arrastamento do veículo do arguido, na sua hemifaixa de rodagem. O arguido apenas confirmou o seu sentido de marcha, Aveiro/Viseu, sendo que, em relação à dinâmica do acidente e quanto ao concreto momento do embate diz que nada se recorda, (ou não quer recordar!). No entanto, pelo arguido, não foi trazido aos autos qualquer justificação, designadamente, doença de que padeça para ter qualquer tipo de amnésia ainda que circunstancial! Aliás, e como decorre do depoimento do soldado Lourenço Vieira e do próprio arguido, este não padeceu de qualquer perda de consciência após o embate, na medida em que, como referiu aquele soldado, logo após o acidente, dirigiu-se a ele, apresentando-se consciente e tendo pedido água. Além do mais, decorre do próprio boletim de urgência relativo à assistência médica prestada ao arguido no Hospital de São Teotónio, que se encontra a fls. 85 e ss. que, aquando do seu exame inicial, cerca das 17h45, “nega perda de conhecimento, amnésia, náuseas ou vómitos…”, encontrando-se “consciente, colaborante e orientado” Quanto aos antecedentes criminais o tribunal fundou a sua convicção no CRC junto a fls. 354; quanto ao registo individual de condutor consta a fls. 102 e ss dos autos. Teve-se em conta as declarações do arguido quanto à sua situação pessoal e económica. Relativamente aos aspectos da personalidade do arguido teve-se em conta o depoimento das testemunhas …, … que privam com o arguido e que depuseram acerca desses aspectos. Quanto aos factos não provados resulta de relativamente a eles não se ter feito qualquer prova.” APRECIANDO O presente recurso circunscreve-se à matéria de direito e, dentro desta como resulta evidente das conclusões (que delimitam o âmbito do recurso ao abrigo do disposto nos artigos 403º, n.ºs 1 e 2 e 412º, n. 1 do CPP), o recorrente limita a sua impugnação à aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de oito meses, pela prática da contra-ordenação por violação do disposto no artigo 13º do Código da Estrada. Sustenta o recorrente que tendo sido condenado pelo crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1, do CP, não deve ser condenado na sanção acessória de inibição de conduzir face às alterações introduzidas ao artigo 69º do CP pela Lei 77/2001, de 13 de Julho. Todavia, não se encontra correcto o que vem alegado pelo recorrente, porquanto a sanção acessória de inibição de conduzir foi-lhe imposta pela prática da contra-ordenação por violação do disposto no artigo 13º do Código da Estrada, sanção acessória prevista no artigo 138º do CE; não lhe tendo sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir a que alude o artigo 69º, n.º 1 do Código Penal. Convém relembrar que a inibição de conduzir e a proibição de conduzir são realidades diversas, em função da sua diferente natureza jurídica. A sanção acessória de inibição de conduzir prevista no CE, aplicada pela prática de contra-ordenações graves e muito graves, é uma medida de segurança administrativa (e não criminal – cfr. artigos 91º e segs. do CP e 1º, al. a) do CPP) ([ii]). Como decidiu o Assento do STJ, publicado no DR, Série I, de 10-7-1992 “A inibição da faculdade de conduzir, estatuída no artigo 61º do Código da Estrada (de 1954), constitui uma medida de segurança”. Com a aprovação do CE pelo DL n.º 114/94, 3 de Maio, o legislador qualificou expressamente a inibição de conduzir como medida de segurança – art. 146º, n.º 1, in fine ([iii]). Já a pena acessória de proibição de conduzir traduz-se numa verdadeira pena; pressupõe a prática de um crime e a aplicação de uma pena principal ([iv]). O texto do artigo 69º do CP é resultante da revisão do Código levado a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março. Com efeito, este diploma introduziu no Código Penal a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, matéria anteriormente privativa do Código da Estrada e de leis extravagantes. A propósito, transcrevemos o que consta no preâmbulo do DL n.º 48/95: «No capítulo relativo às penas acessórias e efeitos das penas há que assinalar a inovação da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir. Por outro lado, e agora no âmbito das medidas de segurança não privativas da liberdade, passa a regular-se autonomamente tanto a cassação da licença de condução de veículo automóvel como a interdição da concessão da licença.». Ao artigo 69º do CP foi dada nova redacção pela Lei 77/2001, de 13 de Julho, pretendendo-se reduzir os índices de sinistralidade, pelo aumento da «segurança rodoviária, adoptando medidas ajustadas à realidade social, à situação das infra-estruturas e à evolução do comportamento dos intervenientes no sistema de trânsito, em especial os condutores» (Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 69/VIII, que esteve na origem desta alteração legislativa, in Diário da Assembleia da República, II Série A, de 21-4-2001, pág. 1708). Passou, então, a contemplar-se um outro fundamento da sanção acessória, previsto na alínea c) do n.º 1, ao abrigo do qual veio a ser imposta ao arguido a proibição de conduzir veículos motorizados. Segundo este preceito, “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor … quem for punido: a) (…) b) (…); ou c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.” E, quanto à alínea a), que previa a aplicação de tal pena acessória no caso de condenação por crime cometido no exercício de condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, foi a mesma alterada, passando a prever a cominação daquela pena acessória nos casos de condenação por crime previsto nos artigos 291º (condução perigosa de veículo rodoviário) ou 292º (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas). Por sua vez, a alínea b) manteve a mesma redacção: É condenado na proibição de conduzir veículos com motor, quem for punido por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante. Na verdade, segundo a orientação deste tribunal ([v]) «Após a entrada em vigor da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, e como decorre da redacção dada à al. a), do n.º1, do art. 69°, do Código Penal, deixou de ser aplicável a pena acessória de proibição de conduzir por crime cometido no exercício da condução de veículo com motor com grave violação das regras de trânsito rodoviário. Por isso, no caso de crime cometido no exercício da condução de veículo automóvel, designadamente de homicídio por negligência, aquela sanção acessória só poderá ser aplicada caso o agente haja cometido, concomitantemente, o crime previsto no artigo 291º, do Código Penal (condução perigosa de veículo rodoviário) ou o crime previsto no artigo 292° (condução em estado de embriaguez)» ([vi]). Importa atentar na distinção entre o “crime cometido com utilização de veículo” e o “crime cometido no exercício da condução”. Assim, seguindo de perto Germano Marques da Silva ([vii]): - crimes cometidos no exercício da condução são todos aqueles em que a acção viola as regras do trânsito rodoviário, sendo elemento da sua estrutura típica, como sucede nos crimes previstos nos artigos 291º e 292º do Cód. Penal, ou causa do evento, como acontece em muitos crimes materiais em que a violação das regras da condução é a causa do evento típico – por ex. homicídio ou ofensas à integridade física por negligência causados por excesso de velocidade, ultrapassagem e demais manobras perigosas; - crimes cometidos com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por esta facilitada de forma relevante são aqueles em que o uso do veículo é instrumento relevante para a prática do crime, a lei não exige que o uso do veículo tenha sido condição necessária da prática do crime, basta-se com que esse uso tenha sido instrumento relevante, isto é, tenha contribuído de modo importante para a sua prática. Por conseguinte, caso o recorrente tivesse sido condenado apenas pela prática do crime de homicídio por negligência não haveria lugar à aplicação da pena acessória prevista no artigo 69º, n.º 1 do CP. Acontece, porém, que in casu, para além do crime de homicídio por negligência, foi ainda o arguido condenado pela prática da contra-ordenação prevista no art. 13º do Código da Estrada (por que igualmente se encontrava acusado; contra-ordenação que não se encontra prescrita) por ter invadido a via de trânsito em sentido contrário. Esta contra-ordenação tem a natureza de “muito grave”, nos termos da alínea g) do artigo 146º do Código da Estrada (na redacção introduzida pelo DL n.º 44/05, de 23 Fev., diploma vigente à data da prática dos factos). Esta contra-ordenação é sancionada com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir – n.º 1 dos artigos 138º e 147º do Código da Estrada. E, no que respeita à inibição de conduzir, tem a mesma a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos (n.º 2 do art. 147º). Ou seja, com a sua conduta o arguido violou uma regra estradal, a qual foi causal do crime de homicídio por negligência. E, mostrando-se preenchidos os dois tipos - do crime e da contra-ordenação -, verifica-se uma situação de concurso aparente entre as duas infracções. Ora, nos termos do artigo 134º, n.º 1 do CE, sob a epígrafe «Concurso de infracções», Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação. Igual redacção tem o artigo 20º do DL n.º 433/82, de 27.10 (RGCO). Ainda nos termos do n.º 2 do citado artigo 134º A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime. Concluímos, deste modo, que bem andou o tribunal a quo quando condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir. Porém, já discordamos da medida de tal sanção acessória, que entendemos ser excessiva. Nos termos do artigo 139º, n.º 1 do Código da Estrada “a medida (…) da sanção determina-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.”. Assim, considerando a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos, a idade do arguido (conta actualmente 75 anos de idade) e que o seu registo individual de condutor não tem averbada qualquer infracção estradal, afigura-se-nos como adequado fixar em 5 (cinco) meses a duração da sanção acessória de inibição de conduzir. III- DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: - Conceder provimento parcial ao recurso, fixando-se em 5 (cinco) meses a duração da sanção acessória de inibição de conduzir imposta ao arguido.
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