Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/21.5GBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Descritores: ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA
OMISSÃO DE DILIGÊNCIA ESSENCIAL PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 09/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 4
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERLOCUTÓRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO DO ACÓRDÃO FINAL, DECLARANDO A SUA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 205.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

ARTIGOS 97.º, N.º 5, 331.º, 340.º E 374.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Tendo o fundamento do pedido de adiamento da audiência consistido na falta de testemunha, que foi indeferido por ter havido, já, um adiamento anterior com o mesmo fundamento, e não tendo tal requerimento convocado a emissão de qualquer juízo positivo quanto à necessidade da inquirição da testemunha faltosa para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, o tribunal não tinha que emitir tal juízo e não tinha, consequentemente, que determinar a emissão de mandados de detenção da testemunha faltosa, nos termos do artigo 340.º do C.P.P.
II - A violação do artigo 340.º do C.P.P., decorrente de despacho de indeferimento, pressuporia que o Ministério Público houvesse previamente requerido a produção de meio de prova por ser necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

III - Na fundamentação de direito o caso particular deve ser interpretado, analisados os seus elementos e identificados aqueles que podem ser os factos operativos de uma ou mais normas do ordenamento jurídico, e se as circunstâncias do caso corresponderem aos factos operativos previstos na norma de direito, ou seja, se o caso particular for um exemplar da norma geral, a conclusão será a consequência normativa dessa norma.

IV - Padece de insuficiência da fundamentação de direito a sentença em que a indicação das razões de decidir consiste na referência genérica a dispositivos da lei, sem indicar o substracto fáctico que o juiz está subsumindo à regra referida, e que se limita a reproduzir o texto legal, sem qualquer explicação, por concisa e breve que seja, de sua relação com a causa ou a questão a decidir.

V - A sentença que não se encontre fundamentada de facto e de direito é nula, sendo a nulidade de conhecimento oficioso.

Decisão Texto Integral:

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Acordam, em conferência, na 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I–RELATÓRIO


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1.

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1.1 Por DESPACHO proferido no Processo Comum (Tribunal Coletivo) a correr os seus termos sob o n.º 15/21.... do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no Juízo Central Criminal de Leiria - Juiz ... Processo Comum datado do dia 18.01.2024, no decurso da audiência de discussão e julgamento, foi julgada não verificada a arguida nulidade do despacho que indeferiu o adiamento da audiência para a inquirição da testemunha faltosa AA, com fundamento no artigo 331.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), o qual foi mantido no entendimento de que a referida norma «prevê que por falta dos intervenientes processuais mencionados no 1, onde também se incluem as testemunhas, não pode haver mais de um adiamento, o que se verificou».

1.2 Mediante ACÓRDÃO datado de 15.02.2024 foi, designadamente, decidido:

- Condenar o arguido BB pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

- Condenar o arguido BB pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, n.ºs 1, alínea f), 2, 3, 4, 7 e 12, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Absolver o arguido BB da imputada prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, n.º 7, do Código Penal;

- Condenar o arguido BB na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão;


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- Absolver a arguida CC da imputada prática em coautoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de tráfico, …

- Absolver a arguida CC da imputada prática em coautoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de branqueamento, …

- Condenar a arguida CC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova;


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- Absolver o arguido DD da imputada prática, em coautoria com a arguida EE e com os arguidos BB e CC, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, …, e, em concurso real com aquele crime, de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, n.ºs 1, alínea f), 2, 3, 4, 7 e 12, do Código Penal;

- Absolver a arguida EE da imputada prática, em coautoria com o arguido DD e com os arguidos BB e CC, na forma consumada, de um crime de tráfico, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, …, e, em concurso real com aquele crime, de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, n.ºs 1, alínea f), 2, 3, 4, 7 e 12, do Código Penal;


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- Absolver o arguido FF da imputada prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 24º al. b) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, …

- Condenar o arguido FF pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, …, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão;


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- Absolver o arguido GG da imputada prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 24º al. b) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal;

- Condenar o arguido GG pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal, como reincidente de acordo com o estabelecido nos artigos 75.º e 76.º, ambos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;


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- Absolver o arguido HH da imputada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, …


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- Absolver o arguido II da imputada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, …


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- Absolver o arguido JJ da imputada prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, …

- Condenar o arguido JJ pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;


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- Absolver o arguido KK da imputada prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, …

- Condenar o arguido KK pela prática, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, …, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova;


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- Condenar o arguido LL pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º, n.º a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, … na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova;


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- Absolver o arguido MM da imputada prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previsto e punível pelo artigo 355.º, do Código Penal;


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- Condenar o arguido BB no pedido de “Liquidação” apresentado pelo Ministério Público, por procedente, pelo que se declara a perda a favor do Estado Português do valor de 10.000€ (dez mil euros) quanto a este arguido;


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- Absolver os arguidos CC, DD, EE e KK do pedido de “Liquidação” apresentado pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 36.º, nº 4, do DL 15/93, de 22 de janeiro, por improcedente, pelo que não se declara a perda dos lucros invocados quanto a estes arguidos, nem determina qualquer pagamento ao Estado a esse título;

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Verificou-se a liquidação relativa aos bens e valores da titularidade do arguido BB suficientes para garantir o pagamento dos valores liquidados e declarados perdidos a favor do Estado Português, designadamente dinheiro e/ ou valores mobiliários que tenha em contas bancárias de que seja titular, na devida proporção, ou tenham poderes de movimentação, bem como dos móveis e imóveis dos quais tenha o domínio e o benefício, mantendo-se o arresto, dos seguintes bens: os veículos de matrículas ..-..-ZU, ..-..-MG, ..-..-IG, HS-..-...

Determinou-se o levantamento do arresto dos bens:

- De CC, nomeadamente os seguintes:

- Do arguido DD, nomeadamente os seguintes:

- Da arguida EE, nomeadamente os seguintes:

- Do arguido KK, nomeadamente os seguintes:


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Não se declararam os veículos automóveis apreendidos perdidos a favor do Estado, devendo os mesmos ser restituídos, com exceção dos veículos que se mostram registados em nome do arguido BB.


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Nos termos do disposto no artigo 36º, nºs 2 e 5, do DL nº 15/93, o dinheiro apreendido foi declarado perdido a favor do Estado.
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  2
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2.1 Inconformado, recorreu o Ministério Público, do despacho proferido no dia

18.01.2014, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

«1. Vem o presente recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público do despacho proferido pelo Tribunal Colectivo dia 18 de Janeiro de 2024, na audiência de discussão e julgamento dos presentes autos, que indeferiu a inquirição da testemunha faltosa AA, com fundamento no disposto no artigo 331.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

2. O julgamento dos presentes autos iniciou-se no dia 30 de Novembro de 2023 com a identificação dos arguidos e tomada de declarações.

3. Prosseguiram as sessões de julgamento nos dias 7 de Dezembro de 2023 e 4 de Janeiro de 2024, onde a testemunha AA não compareceu, tal como outras testemunhas.

4. As faltas da testemunha foram julgadas justificadas e, por esse motivo não foram emitidos os mandados de detenção para comparência a diligência processual, nos termos do artigo 116.º, do Código de Processo Penal.

5. No dia 18 de Janeiro de 2024, a testemunha AA, compareceu no edifício do Tribunal, respondeu à chamada, mas de forma inopinada e sem justificação, veio a abandonar o edifício, não sendo inquirida.

6. Promovida a designação de nova data para a audição da testemunha, foi inferido com o fundamento no artigo 331.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

7. Os adiamentos sofridos, não se deveram exclusivamente à falta da referida testemunha, mas também de outras, o que necessariamente determinou a marcação de novas datas para a continuação do julgamento. Acresce que, as faltas da testemunha foram justificadas, atenta a documentação médica que aquela foi apresentando.

8. O Tribunal Colectivo não lançou mão de todos os meios coercivos de que dispunha para fazer comparecer a testemunha e sem que isso fosse causador de um tal atraso que prejudicasse os arguidos que se encontravam e encontram na situação de estarem sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

9. Ao não ter permitido a produção da prova arrolada na acusação - no que toca à inquirição da testemunha AA - o Tribunal Colectivo violou o disposto no artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, isto é, a descoberta da verdade material, quando estava ao seu alcance faze-lo.

10. O despacho proferido enferma da nulidade previsto no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser revogado e determinada a sua substituição por outro que ordene a inquirição da testemunha AA.

Vossas Excelências, farão como sempre, JUSTIÇA».

2.2 Inconformado, o Ministério Público recorreu do Acórdão proferido no dia

15.01.2024, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

«».


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2.3 inconformado recorreu o arguido JJ, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

«».


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2.4 Inconformado, recorreu GG, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

«…».


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2.5 Inconformado, recorreu LL formulando as seguintes Conclusões:

« …».

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2.6 Inconformados, recorreram os arguidos CC e BB

 formulando as seguintes CONCLUSÕES:

«».

2.7 Notificado, respondeu o Ministério Público aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência.

2.8 Notificado, respondeu o arguido FF ao recurso do Acórdão interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.

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Os autos baixaram a título devolutivo à primeira instância, a fim de ser proferido despacho de admissão (ou rejeição) do recurso interlocutório.

Proferido despacho a admitir o recurso interlocutório, foram notificados os recorridos, sem que tenham apresentado resposta.

Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos do Ministério Público e da improcedência dos recursos dos arguidos.

Cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP pronunciaram-se os arguidos BB e CC e EE e DD.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

ÂMBITO DO RECURSO

Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.

Encontra-se, ainda, o tribunal obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos art.º s 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).

No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações dos recursos, é são as seguintes as QUESTÕES a resolver:


A)


RECURSO DO DESPACHO DATADO DO DIA 18DE JANEIRO DE 2024

- Da nulidade do despacho recorrido por o Tribunal a quo ter omitido diligências

que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.


B)

RECURSO DO ACÓRDÃO DATADO DE 15DE FEVEREIRO DE 2024



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1. Da falta de fundamentação;

2. Da condenação da arguida CC por factos genéricos e abstratos;

3. Da sindicância da matéria de facto:

3.1- recurso do Ministério Público;


3.2 - recurso dos arguidos CC e BB; 3.3 - recurso do arguido JJ;
3.4 - recurso do arguido GG; 3.5 - recurso do arguido LL.

4. Do enquadramento jurídico penal: 4.1 recurso do Ministério Público;

4.2 recurso dos arguidos CC e BB; 4.3 recurso do arguido JJ.

5. Das penas: 5.1 Medida:

5.1.1 recurso do Ministério Público;

5.1.2 recurso do arguido LL; 5.1.3 recurso do arguido JJ.


5.2 Suspensão da execução da pena de prisão: 5.2.1 recurso de JJ;

5.2.2 recurso de LL.

6. Da liquidação;

7. Excesso da declaração de perda a favor do Estado da quantia apreendida aos recorrentes e arguidos CC e BB

*
 II.

DESPACHO RECORRIDO (e atos processuais conexos) E ACÓRDÃO RECORRIDO (TRANSCRITOS NAS PARTES ORA RELEVANTES)

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1. Recurso do despacho do dia 18.01.2024

Releva para a apreciação do recurso do despacho proferido no dia 18 de janeiro de 2024 o que consta da ata da sessão da audiência de julgamento realizada nesse mesmo dia, que se transcreve na parte que ora importa:

«Consigna-se que foi estabelecido contacto telefónico para o contacto existente os autos como sendo da testemunha AA, tendo tal contacto sido atendido por pessoa que se identificou como filha da testemunha AA, tendo informado que a testemunha terá estado efetivamente neste Tribunal, no entanto a mesma sentiu-se mal e teve necessidade de se deslocar ao Hospital.

***

Seguidamente e atenta a ausência da testemunha AA, foi comunicado o resultado do contacto telefónico estalecido, tendo a Mm.ª Juiz Presidente dado a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público que no seu uso, disse:

«O Ministério Público não prescinde da sua inquirição. Face ao motivo aventado sem que tenha sido aparentemente contactado o INEM, sem que tenha sido transmitido diretamente pela pessoa em causa o motivo ou se quer a sua deslocação para o hospital, o Ministério Público promove que, por ora se aguarde a justificação, e face às anteriores ausências desta testemunha e às dificuldades em fazê-la comparecer em audiência de julgamento, entende-se que deverão de ser emitidos mandados de detenção e condução na próxima data que vier a ser designada, mesmo que a sua falta venha a ser considerada justificada.


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Seguidamente e após deliberação, pela Mm.ª Juiz Presidente foi proferido o seguinte.


DESPACHO

Considerando que a testemunha várias vezes convocada para comparecer em audiência de discussão e julgamento não tem comparecido, sendo certo que no dia de hoje

tendo estado presente no Tribunal se ausentou sem dar qualquer justificação, julga-se por injustificada a falta.

Considerando que se encontram detidos 4 (quatro) arguidos, prosseguir-se-á com a continuação da audiência de discussão e julgamento.

Notifique.


***

Após, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi solicitada a palavra que lhe foi concedida e no uso da mesma disse:

«Entende o Ministério Público que o despacho agora proferido pelo Tribunal Coletivo, no sentido de indeferir a inquirição da testemunha arrolada em sede de acusação, encontra-se ferido de nulidade, desde logo porque o Tribunal tem à sua disposição meios para fazer comparecer coercivamente a testemunha, o que foi requerido pelo Ministério Público, e bem assim, não ouvido esta testemunha, sendo certo que, novamente, o Tribunal tem os meios para a fazer comparecer, essa nulidade advém do art.º 340º, ou seja, de serem realizadas todas as diligências possíveis para a descoberta da verdade».


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Seguidamente, pela Mm.ª Juiz Presidente foi dada a palavra aos Ilustres Advogados presentes, pelos mesmos foi dito nada terem a requerer.

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Após deliberação, pela Mm.ª Juiz presidente foi proferido o  seguinte:


                            DESPACHO

Considerando que o art.º 331º, 3 do C.P.P., prevê que por falta dos intervenientes processuais mencionados no 1, onde também se incluem as testemunhas, não pode haver mais de um adiamento, o que se verificou, mantém-se o decidido, não se verificando qualquer nulidade.

Notifique.


***

De imediato, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi solicitada novamente a palavra que lhe foi concedida e no uso da mesma disse:

«Em face do ora decidido pelo Tribunal Coletivo, nesta circunstância, entende o Ministério Público que é possível proceder à reprodução, neste caso à leitura das declarações prestadas por esta testemunha AA, uma vez que entendeu o Tribunal Coletivo inviabilizar qualquer diligência para a sua notificação ou para coercivamente fazê-la comparecer perante este Tribunal, que é possível proceder à leitura das declarações prestadas por esta testemunha que foi ouvida perante Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 356, 4 do C.P.P., o que se requer».

Seguidamente, pela Mm.ª Juiz de Direito foi dada a palavra aos Ilustres Advogado, tendo o Ilustre Mandatário dos arguidos DD e EE, Dr. NN, dito:

Renova-se aquilo que havia sido referido na última audiência a propósito do mesmo requerimento do Ministério Público neste caso sobre outra testemunha, por esse motivo deve ser indeferido o requerido pelo ministério Público.


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Após deliberação, pela Mm.ª Juiz presidente foi proferido o seguinte:


DESPACHO

Uma vez que não se mostram reunidos os pressupostos previstos no art.º 356, 4, à contrário, do C.P.P., indefere-se o ora requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público.

Notifique».


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2. Acórdão recorrido


Transcreve-se, de seguida, o Acórdão recorrido na parte ora relevante:

«II – FUNDAMENTAÇÃO:

Produzida a prova e discutida a causa, com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:

Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:

166.Computa-se em 313.483,57 (trezentos e treze mil e quatrocentos e oitenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos), o valor e bens adquiridos pelos arguidos BB e CC, por força da atividade descrita na acusação, o qual deve ser declarado perdido a favor do Estado Português.

167.Computa-se em 75.058,54 (setenta e cinco mil e cinquenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), o valor incongruente e de bens adquiridos pelo arguido DD, por força da atividade descrita na acusação, o qual deve ser declarado perdido a favor do Estado Português.

168. Pelo que se computa em 230.010,15 (duzentos e trinta mil e 10 euros e cinquenta e quinze cêntimos), o valor incongruente e de bens adquiridos pela arguida EE, por força da atividade descrita na acusação, o qual deve ser declarado perdido a favor do Estado Português.

169. Computa-se em 52.351,27 (cinquenta e dois mil e trezentos e cinquenta e um euros e vinte e sete cêntimos), o valor incongruente e de bens adquiridos pelo arguido KK, por força da atividade descrita na acusação, o qual deve ser declarado perdido a favor do Estado Português.

* Factualidade tida por “não escrita”:

A restante matéria alegada não foi considerada provada nem não provada, por constituir matéria irrelevante, desnecessária, repetitiva, opinativa e/ou de direito.

Motivação:

O Tribunal formou assim a sua convicção no depoimento do arguido BB que prestou declarações e confirmou ter vivido com a arguida CC cerca de 40 anos e que exerciam a profissão de vendedores ambulantes ; admitiu que ele vendeu produtos estupefacientes mas a CC não; …; todos os demais arguidos usaram, validamente, o seu direito ao silêncio, sendo que o arguido GG pretendeu falar no final da audiência para referir que comprou cocaína uma ou duas gramas no máximo ao BB (pai) e que quem afirmou ter-lhe comprado a ele estava a mentir; foram lidas as declarações prestadas em sede de interrogatório pelo arguido; foram lidas em audiência de discussão e julgamento as declarações prestadas durante o inquérito pelo arguido (ao abrigo do disposto no artigo 357, 1, alínea b), do Código de Processo Penal): II (fls. 4145) que esclareceu que os seus fornecedores de produtos estupefacientes (heroína e cocaína) eram os arguidos FF e BB, conhecido por “OO”, deslocava-se a casa do FF , todos os dias da semana e pagava 20€ a dose de cocaína e 10€ de heroína, normalmente adquiria 3 doses de heroína e pagava 60€;

Sopesado o depoimento da prova Testemunhal: NN …, militar da GNR, referiu ter feito uma fiscalização de trânsito ao arguido MM a 25.1.2021 e encontrou produto estupefaciente; acrescentou que posteriormente , na esquadra, deram por falta de um pacote de heroína sendo que o arguido pediu para ir à casa de banho e por isso julgam ter sido ele a retirar o pacote; FF …, militar da GNR, referiu ter sido o titular do inquérito e chegaram às testemunhas através das matriculas das viatura e por conhecimento funcional, também fez vigilâncias e na busca a casa do arguido BB (pai); MM …, militar da GNR, referiu que participou nas vigilâncias e na busca a casa de BB (pai) e verteu tudo em auto; PP … , militar da GNR referiu ter participado em algumas das vigilâncias e ter documentado tudo em RDE´s; QQ …, militar da GNR, esclareceu ter auxiliado nas buscas na localidade do ... e encontraram produto estupefaciente heroína - ao arguido KK; RR … referiu conhecer os arguidos FF e GG e ter sido consumidora de heroína até agosto de 2023; esclareceu que comprou heroína ao arguido FF …; SS … , conhece o FF e foi consumidor de heroína até cerca de 6 ou 7 meses atrás; comprava heroína ao FF, …; TT … conhece o arguido FF sendo que consumia heroína e era o sobrinho quem ia comprar e ele acompanhava-o , QQ … comprou heroína ao FF …; UU … , comprava ao FF heroína, …; QQ , consumia heroína e ia a casa do FF comprar …; António … comprava heroína ao FF …; esclareceu que também conhece o JJ o russo mas nunca lhe comprou nada porque não consumia cocaína; VV …, comprava cocaína até um ano atrás até o FF ser preso …; KK …, dava 20€ por uma quarta ao FF …; WW … consumiu heroína, mas nunca comprou a nenhum dos arguidos ; XX … consumiu heroína e cocaína, mas nunca comprou a nenhum dos arguidos; YY …, consumia heroína e cocaína , esclareceu que ia de boleia com outros consumidores e dava a estes 10 ou 20€ a quem ia comprar um ou dois pacotes de heroína, durante cerca de um ano e durante uma ou duas vezes por semana; ZZ … comprou ao FF …; BB …, consome heroína e comprou ao FF cerca de seis meses atrás uma vez por dia um pacote por 10€; FF …, consumidor de heroína e cocaína comprava heroína ao FF até seis meses antes de ele ser preso, …; BB … consume heroína e cocaína e conhece o FF, mas nunca lhe comprou nada apenas chegou a transportar alguém a casa daquele, …; KK …, comprou heroína ao FF antes de ele ser “apanhado”, …; António …, comprou heroína ao FF uma vez por semana por10 ou 15€; .Manuel …, consumia heroína e dava boleia ao AAA que ia comprar, junto ao mercado de ... e depois fumavam os dois; .Delfim … referiu que dava boleia no Toyota ou no Corsa ao ... para a zona da ... e deixava-o próximo de uma casa mas não sabe o que ia fazer, mas chegou a fuma em conjunto com o ...; BBB … consome cocaína, mas nunca comprou nada ao FF …; QQ …, conhece o FF, mas nunca lhe comprou droga, CCC …, comprou heroína ao FF uma ou duas vezes por semana três a quatro meses até antes de ele ser preso por 10 ou 20€; …; DDD …               consumia heroína, não conhece o LL, mas talvez tenha comprado aquela vez e mais uma outra heroína por 29€; EEE … comprou heroína ao FF, …; FFF …, consumidor de heroína; nunca comprou ao FF …; GGG … conhece o KK, mas nunca lhe comprou heroína, …; GGG …, filho do arguido LL, não pretendeu prestar declarações, HHH …, consome cocaína, conhece o FF, mas nunca lhe comprou nada; comprou ao JJ …; BB …, consome heroína, mas nunca comprou a nenhum dos arguidos, …; BB …, consome cocaína, mas nunca comprou a nenhum dos arguidos; JJ …, consome heroína e comprou ao FF durante quatro a cinco meses …; GGG …, nunca comprou droga a nenhum dos arguidos …; .HHH …, conhece o FF e comprou-lhe heroína no ano de 2022; …; III …, conhece o FF e comprou-lhe heroína por 10€ e cocaína comprou ao JJ duas vezes por 10€; JJJ …, filha dos arguidos BB e CC, referiu que o ... é dela e é ela quem paga 400€ de prestação que saem da conta dela e do fruto do seu trabalho; foram ainda lida as declarações das testemunhas: KKK …, constantes de fls. 4127 e ss, que referiu ser consumidor de heroína e que inicialmente comprou ao LLL depois passou a comprar duas ou três vezes por semana ao GG e também lhe comprou cocaína …; depois passou a comprar ao FF …: MMM … que esclareceu     que adquiria heroína ao BB (pai) e a CC desde início do ano 2021, …; BB … que referiu que desde o verão de 2020/21 até à data da detenção do arguido que adquiria heroína ao BB (pai) e que quando este lhe fazia entregas estava sempre acompanhado pela CC; quando se encontrava com os arguidos era a CC que conduzia um veiculo de marca ...; …; KKK que referiu ser consumidor de heroína comprou em maio de 2022 ao arguido GG, o GG deu-lhe o numero do FF e passou a telefonar-lhe e a comprar-lhe heroína e cocaína quando o GG não tinha;

Na análise da prova Pericial:

Relatório do LPC a fls. 220, 4428 a 4463

Documental: A constante dos autos, nomeadamente:

Concretizando:

Quanto aos crimes de tráfico de estupefacientes p. e p.pelo artº 21º 1 e 25º do D.L. 15/93 de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B imputado aos arguidos BB (pai), CC, FF, GG, JJ, KK e LL os factos dados como provados assentaram, essencialmente, no depoimento das testemunhas/consumidoras que foram claras e credíveis no esclarecimento da compra quer de cocaina, quer de heroina, uns a uns arguidos, outros a outros arguidos, e referiram as quantidades,os numeros de vezes e a quantia monetária que pagaram; O tribunal colectivo, não teve dúvidas de que os produtos contendo cocaína e heroína se destinavam à venda, tendo em conta os depoimentos das testemunhas e os actos documentados e presenciados, conjugado com o modo como os arguidos tinham tais produtos acondicionados, o dinheiro que tinham consigo, bem como os telemóveis utilizados nas comunicações

assim como as deslocações e demais envolvência. Também por isso, o tribunal colectivo não teve dúvidas de que o dinheiro apreendido resultava as vendas dos referidos produtos contendo cocaína e heroína; mas ainda se acrescenta o contexto e o modo como os arguidos tinham o dinheiro consigo ou o guardavam, sendo que, na altura, alguns deles não trabalhavam e até tinham problemas de saúde; tudo pode apontar no sentido de o dinheiro ser produto das vendas efectuadas. O mesmo quadro permite a conclusão estabelecida relativamente aos telemóveis apreendidos. O dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da causalidade ou das regras gerais da experiência3. Ora, o contexto em que os arguidos foram surpreendidos, o modo como tinham acondicionado o estupefaciente, bem como as suas anteriores condenações, são suficientes para o tribunal colectivo concluir pelo preenchimento dos elementos subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes. A análise conjugada destes meios de prova levou o tribunal colectivo a convencer, sem qualquer dúvida, que os factos ocorreram tal como se deram como provados. No que tange aos factos dados como não provados, os mesmos ficaram a dever-se a total ausência de prova ou a prova contrária ou os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitem uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência ou resultam de diferente perspectiva da realidade apurada; não se provou que os arguidos BB (filho), EE e HH algum vez entregaram cocaína e /ou heroína a consumidores porque os mesmos nada disseram a esse respeito e não foi produzida qualquer outra prova para tanto; o mesmo se diga relativamente ao arguido MM no que tange ao crime pelo qual vem acusado; assim sendo em estrita obediência aos princípios “in dúbio pro reo” e presunção de inocência, os mesmos deverão ser, necessariamente, absolvidos.


Enquadramento jurídico-penal:

No que respeita à autoria estabelece o artigo 26º do Código Penal que é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto; desde que haja execução ou começo da execução.

a co autoria baseia-se no principio do atuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis.

Dolo

O artigo 14º define:

1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.

2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como

consequência possível da conduta, dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.


*

Estão em causa, no presente processo comum colectivo, os crimes:

a)- de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-B e I-A, seja nos termos simples, seja agravado nos termos do disposto no artigo 24º al. b) e h) , do mesmo diploma;

b) branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, nºs 1, alínea f), 2,3,4,7 e 12 do Código Penal.

A)- Crime de tráfico de estupefacientes

O artigo 24º prevê que as penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se, entre outros:

b) as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas;

h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.

Segundo o artigo 25º (tráfico de menor gravidade):

Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações da tabela IV.

A heroína e a cocaína estão incluídas, respectivamente, nas tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao DL 15/93, de 22.01.


*

Com efeito, ficou demonstrado que os arguidos BB (pai) CC, FF, GG, JJ, KK e LL em diversos momentos, cederam produtos contendo cocaína ou heroína a outras pessoas, a troco de dinheiro.

Todavia, os factos provados não permitem considerar a possibilidade de se verificar qualquer das agravantes previstas nas referidas alíneas b) e b) do artigo 24º do DL 15/93, de 22.01.

Com efeito, não se provou que as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas, nem que a infracção tenha sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga.

Assim sendo impõe-se, nesta parte, a absolvição dos arguidos LLL e FF.

A análise dos factos provados mostra que as actuações dos arguidos BB, FF, GG e JJ se enquadram na previsão do artigo 21º do DL 15/93.

Aos arguidos DD, CC, GG, II, JJ, KK e LL está imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-B e I-A.

No que respeita aos arguidos DD, EE, HH e II, os factos provados não permitem afirmar o cometimento de qualquer crime de tráfico de estupefacientes; por isso não se justificam maiores desenvolvimentos.

Na verdade, não foi demonstrada qualquer participação dos mesmos em entregas ou cedências de cocaína ou heroína que lhes vinham imputadas, nem qualquer detenção de tais produtos; também não ficou provada qualquer actuação do MM, que lhe impute a prática do crime de descaminho pelo qual vinha acusado.

Devem os arguidos DD, EE, HH e II serem absolvidos do imputado crime de tráfico de estupefacientes e o arguido MM absolvido da prática do crime de descaminho.


*

Os demais arguidos tiveram intervenção em cedências, entregas, aquisição, detenção ou transporte de produtos contendo cocaína ou heroína.

Temos, assim, que cometeram um crime de tráfico de estupefacientes os arguidos BB, CC, GG, JJ, KK e LL, aos quais está imputada a prática do crime previsto pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-B e I-A.


*

O facto de estes arguidos serem consumidores não afasta o cometimento do crime pois as actuações em causa não se enquadram na previsão do artigo 26º do DL 15/93.


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A questão que se coloca é a de saber se os comportamentos dos arguidos CC, KK e LL devem ser enquadrados na previsão do artigo 21º do DL 15/93 de 22.01 ou se “apenas” no crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º do mesmo diploma legal.


*

O artigo 21º, 1 do DL 15/93, sendo o tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes, pressupõe, a avaliar pelos elevados limites da moldura penal aplicável, actos de tráfico de significativo relevo, de média e grande escala, ou, por outras palavras, de uma expressão de ilicitude de assinalável dimensão, pondo em perigo (visto que se trata de um crime de perigo abstracto) em grau médio ou elevado, os bens jurídicos protegidos com a incriminação: a saúde e a integridade física e psíquica dos cidadãos, ou, em termos sintéticos, a saúde pública.

Assim é que, ao lado desse tipo-base, a lei prevê outras situações em que o grau de perigo das condutas proibidas não atinge o patamar de ilicitude requerido pelo tipo-base, como é o caso do tipo privilegiado do artigo 25º do referido DL, ou em que, pelo contrário, as condutas proibidas se revestem de uma especial gravidade, acima do padrão pressuposto pelo tipo-base, requerendo, por isso, um agravamento em termos de punição, como no caso do tipo agravado do artigo 24º.

Considerando o primeiro caso, dispõe o artigo 25º : «Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto for consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias compreendidas na tabela IV.»

Neste tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, coloca-se o acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela ilicitude que está pressuposta no tipo-base descrito no artigo 21º.

Essa diminuição acentuada depende, nos termos da referida norma, da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa, como é inculcado pelo advérbio nomeadamente («tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações …»).

No caso sub judice, dos arguidos CC, KK e LL venderam heroina e cocaína, as quantidades não se podem dizer elevadas. São, no conjunto, quantidades pequenas, consentâneas com a capacidade do pequeno retalhista, na modalidade de venda directa ao consumidor final; as quantidades apreendidas ao arguido foram mínimas e não expressivas; nada que se assemelhe a um grande traficante desses produtos.

Assim, tudo globalmente considerado, a punição da actuação dos arguidos CC, KK e LL pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, 1 seria desproporcionada, pois o referido tipo matricial pressupõe o médio e o grande tráfico e, no caso, a ilicitude mostra-se consideravelmente diminuída, atenta a ponderação global que se fez das circunstâncias relevantes para tal qualificação.


*

Em conclusão de tudo o que se explanou, relativamente aos arguidos CC, KK e LL o tribunal colectivo considera que os factos provados preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto no artigo 25º do DL 15/93, de 22.01.

Nesta conformidade, estes arguidos devem ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

Acresce que logrou provar-se que os arguidos conheciam a natureza e características dos produtos estupefacientes que transacionava, mediante contrapartidas monetárias, querendo agir da forma por que o fez, sabendo que a aquisição, posse, venda, transporte e cedência de tais produtos estupefacientes lhe estava legalmente vedada e que tal conduta é proibida e punida por lei penal.


CRIME DE BRANQUEAMENTO:

Vêm ainda os arguidos BB, CC, DD e EE, vêm ainda acusados da prática em co-autoria do rime de branqueamento p. e p. pelo artº 368º-A nºs 1 al. f), 2,3,4,7 e 12..

Vejamos:

Preceitua o artº 368º A sob a epigrafe “Branqueamento” que:

“1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas

aplicáveis, de factos ilícitos típicos de: (…)

f)Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;

2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior.

3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de

vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos.

4 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

(…)

7 - O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada.

12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.

Com efeito apenas se provou relativamente ao arguido BB que o mesmo adquiriu bens com as vantagens patrimoniais que obteve da atividade do tráfico de produtos estupefacientes e quis dissimular tais vantagens na aquisição de bens.

Mais se provou que o mesmo agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao dissimular os proveitos económicos que ia obtendo da atividade de tráfico de produtos estupefacientes na aquisição de bens conhecendo a sua proveniência ilícita.

Assim sendo, sem necessidade de mais amplas considerações apenas o arguido BB deverá ser condenado pela prática deste crime, devendo os demais arguidos serem absolvidos.

Escolha e determinação da medida da pena:


*

Face à anterior explanação de natureza teórica, e que apenas pode relevar como premissa na lógica que nos leva à individualização das penas em cada caso concreto impõe-se, agora, a consideração das circunstâncias singulares das actuações em apreço.

A determinação concreta das penas deve valorizar as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, militem a favor do arguido ou contra ele; assim, impõe-se ponderar:

- grau de ilicitude dos factos: é elevado quanto aos arguidos BB (pai), FF, GG e JJ, tendo em conta o modo de actuação e as entregas em causa bem como o contexto da actuação; os demais arguidos que praticaram este crime encontram-se num patamar de ilicitude mais baixo atendendo ao contexto em que actuavam e bem como as quantidades em causa, ou a motivação das deslocações;

- modo de execução do crime: mais grave quanto aos arguidos BB (pai), FF, GG e JJ, atenuado pela situação de consumo; os demais arguidos que praticaram este crime encontram-se num escalão inferior com entrega directa e pessoal sem envolver outros meios sendo a actuação relacionada com a sua própria dependência do consumo desses produtos, com excepção da arguia CC que não consome;

- gravidade das consequências: todo o drama que envolve o problema da toxicodependência para a saúde pública e para o desenvolvimento e/ou decadência das pessoas;

- grau de violação dos deveres impostos ao agente: elevado, até pelas condenações anteriores no que toca aos arguidos FF, GG e JJ; quanto ao arguido BB (pai) saliente-se a ausência de condenações anteriores mas o facto de actuar a partir de sua casa, onde morava com a mulher;

- intensidade do dolo: elevado directo;

- sentimentos manifestados no cometimento dos crimes: desprezo da saúde alheia e aproveitamento dos problemas decorrentes da toxicodependência de outras pessoas a troco da obtenção de “dinheiro fácil”;

- fins ou motivos que os determinaram: obtenção de dinheiro ou vantagens relacionadas com as necessidades decorrentes da dependência do consumo desses produtos;

- condições pessoais dos arguidos e situação económica:

- conduta anterior aos factos: largos antecedents criminais por banda dos arguidos FF, GG e JJ e alguns com falta de efectivo enquadramento profissional e familiar;

- conduta posterior aos factos: colaboração do arguido BB (pai) que admitiu parcialmente os factos.

Assim sendo, devem ser fixadas as seguintes penas, para os arguidos:

a)- BB crime de tráfico de estupefacientes, punido pelo artigo 21º, do DL 15/93 (moldura entre quatro e doze anos de prisão): seis anos de prisão (saliente-se que era ela quem tinha o domínio da situação, as vendas feitas, a maior parte em sua casa; quantidade apreendida; ausência de antecedentes criminais e consumidor);

- crime de branqueamento: 2 anos e 6 seis meses de prisão (nos termos do artº 368º- A 12);

b)- FF crime de tráfico de estupefacientes, punido pelo artigo 21º, do DL 15/93 (moldura entre quatro e doze anos de prisão): seis anos de prisão ( várias condenações pela prática deste crime);

c)- GG crime de tráfico de estupefacientes, punido pelo artigo 21º, do DL 15/93 (moldura entre quatro e doze anos de prisão): seis anos e seis meses de prisão (várias condenações pela prática deste crime);

d)- JJ crime de tráfico de estupefacientes, punido pelo artigo 21º, do DL 15/93 (moldura entre quatro e doze anos de prisão): sete anos de prisão (várias condenações pela prática deste crime);

e) CC - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (moldura entre um e cinco anos de prisão): dois anos de prisão (cedências, em sua casa; a seu favor a ausência de condenações e o facto de também ser consumidor);

f)- KK - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (moldura entre um e cinco anos de prisão): um ano e seis meses de prisão (quantidades apreendidas; a seu favor o facto de também ser consumidor e ausência de antecedentes criminais);

g)- LL - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (moldura entre um e cinco anos de prisão): um ano e seis meses de prisão (cedência/entrega; ausência de condenação anterior pelo mesmo tipo de crime);


*

Posto isto e aqui chegados, impõe-se determinar da pena do concurso, das penas aplicadas ao arguido BB (pai) que segundo o nosso direito vigente, comporta, como se sabe, duas fases distintas, servidas por critérios diferentes18. Na primeira, e efectuada, o tribunal determina cada uma das penas parcelares

concretamente correspondentes a cada crime, utilizando a cada um deles os critérios estabelecidos no art. 71º do

Código Penal, com um desvio, porém, em relação ao procedimento normal de determinação da pena, que é o de não se colocar em relação às penas parcelares a questão da aplicação de pena de substituição (a questão da substituição da pena deve ser colocada tão quanto à pena conjunta, por ser esta a que efectivamente virá a ser cumprida pelo agente).

Na segunda fase, cabe então fixar a pena única: começa o tribunal por encontrar a medida da pena do concurso, que tem como limite máximo a soma das penas de prisão e/ou de multa concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art. 77º, n.º 2) e sendo as penas parcelares umas de prisão e outras de multa, esta diferente natureza mantém-se na pena única (art. 77º, n.º 3); e de seguida, dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, para o qual a lei estabelece critério especial: considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, n.º 1), sem embargo, obviamente, de ter-se também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art.71º, n.º 1, bem como os factores elencados no n.º 2 deste art. 71º referidos agora à globalidade dos crimes (e porque aqui se atende a tais factores referidos ao conjunto dos factos, enquanto que nas penas parcelares esses factores foram considerados em relação a cada um dos factos singulares, intocado fica o princípio da proibição da dupla valoração).

Assim sendo, e à luz dos critérios supra expostos, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido BB (pai) supra apuradas (6 anos de prisão + 2 anos e 6 meses de prisão) e tendo em consideração, no conjunto, os factos e a personalidade revelada pelo arguido fixa-se a pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.


Da reincidência:

Aplicação dos pressupostos da REINCIDÊNCIA aos arguidos FF e GG,

prevista nos artigos 75.º, n.os 1 e 2 e 76.º, n.º 1, ambos do Código Penal:

Dispõe o artº 75º do Código Penal que:

Ora, no caso sub judice, estão preenchidos todos os pressupostos formais da reincidência, porquanto:

Deverão, assim, os arguidos FF e GG ser considerados reincidentes, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 75.º, do Código Penal.

O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos vêm acusados é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos e por via da agravação da reincidência é agravado de 1/3 o seu limite minino, ou seja de 5 anos e 4 meses.

Cremos justa a aplicação da pena de 6 anos no caso de FF e de 6 anos e seis meses no caso de GG, conforme se referiu supra.

Assim, seria esta a pena que, concretamente, deveria caber ao arguido se ele não fosse reincidente.

Pelo exposto, tendo em conta os respetivos limites mínimos e máximo e ponderando todas as circunstâncias supra referidas, a este Tribunal afigura-se adequado aplicar, à luz do regime vigente, a pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão ao arguido FF e a pena de 7 (sete) anos de prisão ao arguido GG pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artº 21º.


Da suspensão da execução da pena:

No caso, é indubitável a existência do pressuposto formal, uma vez que os arguidos CC, KK e LL vão condenados em penas de prisão inferiores a cinco anos. É, em nosso entender, igualmente liquida a existência do pressuposto material pois tudo faz concluir que os arguidos estejam dispostos a aproveitar a oportunidade para se reintegrarem socialmente, em face da sua primodelinquência de sorte que, se decide suspender a execução das referidas penas, respetivamente por 2 anos no caso da arguida CC e por 1 ano e 6 meses no caso dos arguidos KK e LL, sujeitas a regime de prova por se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


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Preceitua o artº 53º do Código Penal na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4/09 que:

 “1- O Tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar

conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.

2 O regime de prova assenta num plano der reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.

3 O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime , 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida não superior a três anos.”

Por seu turno o plano de reinserção social encontra-se previsto no artº 54º do Código Penal na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4/09 que preceitua: “1- O Plano de reinserção social contém os objectivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social.

2 O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio.


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*


Liquidação:

O Ministério Público apresentou “Liquidação” ao abrigo dos artigos 1º, a), 7º, 8º, 1 e 12º 1 todos da Lei 5/2002 de 11.1.

Preceitua o 1 al. a) desta lei a mesma estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra de segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa a, entre outros, crimes de tráfico de estupefacientes, nos termos dos artº 21º a 23º e 28º do DL 15/93 de 22.1e acrescenta o 7 que em caso de condenação pela prática de crime referido no artº e, para efeitos de perda de bens a favor do estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento licito.

O MºPº liquidou na acuação, o montante no valor de 313.483,57 a ser pago pelos arguidos BB e CC como devendo ser perdido a favor do Estado

Com efeito apenas se provou factos relativamente ao arguido BB, com relevância, que justifique o cálculo do lucro invocado pelo Ministério Público.

Por isso, e apenas quanto a este arguido se justifica que se liquide o valor do seu património a ser declarado perdido a favor do estado Português e correspondente ao valor do património incongruente com os seus rendimentos lícito, devendo em consequência ser condenado a pagar ao Estado Português o montante de 10.000€, correspondente ao valor global dos cinco veículos automóveis que tem registados em seu nome, nos termos do artº 12º 1 da Lei 5/2002 de 11.1

Assim sendo, relativamente aos arguidos CC, BB (filho), EE e KK não existe fundamento para ser decretado qualquer pagamento ao Estado a esse título.

Nesta conformidade, deve ser julgada parcialmente procedente a liquidação apresentada pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 1º, a), 7º, 8º, 1 e 12º 1 todos da Lei 5/2002 de 11.1. visto que não ficou demonstrado o lucro invocado.


*


DO ARRESTO:

Por despacho Referência nº: 03871162 proferido no Apenso G o arresto foi julgado procedente.

Produzida a prova e discutida a causa verifica-se apenas a liquidação relativa aos bens e valores que sejam da titularidade do arguido BB suficientes para garantir o pagamento dos valores liquidados e declarados perdidos a favor do Estado Português, designadamente dinheiro e/ ou valores mobiliários que tenha em contas bancárias de que seja titular, na devida proporção, ou tenham poderes de movimentação, bem como dos móveis e imóveis dos quais tenha o domínio e o benefício, mantendo-se assim o arresto, dos seguintes bens: os veículos de matrículas ..-..-ZU, ..-..-MG, ..-..-IG, HS-..-..;

Determina-se o levantamento do arresto dos bens:

De CC, nomeadamente os seguintes:

Do arguido DD, nomeadamente os seguintes:

Da arguida EE, nomeadamente os seguintes:

Do arguido KK, nomeadamente os seguintes:


Destino a dar aos objetos apreendidos:


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III - DECISÃO:

O Tribunal Coletivo decide, julgar a acuação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:


III. APRECIANDO E DECIDINDO

Incidem os recursos interpostos nos autos sobre:

A) O despacho proferido no dia 18.01.2024 (que julgou não verificada a arguida nulidade do despacho que havia indeferido o adiamento da audiência para a inquirição da testemunha faltosa AA);

B) O Acórdão proferido no dia 15.02.2024. Vejamos das questões suscitadas.


A)


(Recurso do despacho de 18.01.2024)

DA NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO POR O TRIBUNAL A QUO TER OMITIDO

DILIGÊNCIAS QUE PUDESSEM REPUTAR-SE ESSENCIAIS PARA A DESCOBERTA DA VERDADE

1. O despacho cuja nulidade foi arguida pelo recorrente Ministério Público é o seguinte:

«Considerando que a testemunha várias vezes convocada para comparecer em audiência de discussão e julgamento não tem comparecido, sendo certo que no dia de hoje tendo estado presente no Tribunal se ausentou sem dar qualquer justificação, julga-se por injustificada a falta.

Considerando que se encontram detidos 4 (quatro) arguidos, prosseguir-se-á com a continuação da audiência de discussão e julgamento.

Notifique».

2. Este despacho foi proferido na sequência de promoção do Ministério Público que, não prescindindo da inquirição da testemunha faltosa, face «ao motivo aventado sem que tenha sido aparentemente contactado o INEM, sem que tenha sido transmitido diretamente pela pessoa em causa o motivo ou se quer a sua deslocação para o hospital», promoveu que, por ora se aguardasse «a justificação, e face às anteriores ausências desta testemunha e às dificuldades em fazê-la comparecer em audiência de julgamento», a emissão de «mandados de detenção e condução na próxima data que viesse a ser designada», mesmo que a falta viesse a ser considerada justificada».

3. Ora, dispõe o art.º 331.º do Código de Processo Penal (CPP)que:

«1- Sem prejuízo do disposto no artigo 116.º, a falta do assistente, de testemunhas, peritos ou consultores técnicos ou das partes civis não lugar ao adiamento da audiência. O assistente e as partes civis são, nesse caso, representados para todos os efeitos legais pelos respectivos advogados constituídos.

2 - Se o presidente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, por despacho, que a presença de alguma das pessoas mencionadas no número anterior é indispensável à boa decisão da causa e não for previsível a obtenção do seu comparecimento com a simples interrupção da audiência, são inquiridas as testemunhas e ouvidos o assistente, os peritos ou consultores técnicos ou as partes civis presentes, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º

3 - Por falta das pessoas mencionadas no n.º 1 não pode haver mais de um adiamento».

4. No nosso caso.

Já ocorrera o pressuposto que se encontra previsto no n.º 3 do art.º 331.º do CPP, ou seja, por falta dos intervenientes referidos no n.º 1 do mesmo artigo já ocorrera adiamento, não podendo, por isso, com o mesmo fundamento, haver novo adiamento.

Portanto, e bem, o Tribunal recorrido indeferiu a pretendida «emissão de mandados de detenção e condução da testemunha» faltosa, para a próxima data que viesse a ser designada (ainda que a falta viesse a ser considerada justificada), e prosseguiu a audiência de julgamento.

5. Posteriormente, o Ministério Público arguiu a nulidade do despacho de indeferimento, por o Tribunal não ouvir a testemunha, quando tinha os meios para a fazer comparecer, «e essa nulidade advém do art.º 340º, ou seja, de serem realizadas todas as diligências possíveis para a descoberta da verdade».

Mas foi apenas neste momento - com a arguição da nulidade - que o Ministério Público invocou o disposto no art.º 340.º do CPP que, no seu n.º 1 dispõe que «O Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa».

6. No entanto, a violação do art.º 340.º do CPP - mediante o despacho de

indeferimento - pressuporia que o Ministério Público houvesse previamente requerido a produção de meio de prova (a inquirição da testemunha faltosa) por ser necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Ora, a promoção - que precedeu e na sequência da qual foi proferido o despacho de indeferimento - não convocou a emissão de um qualquer juízo positivo quanto à necessidade para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa da inquirição da testemunha faltosa.

E, naturalmente, o Tribunal recorrido não emitiu qualquer juízo (a requerimento ou oficiosamente) sobre a necessidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa na inquirição da testemunha.

E como assim foi, o Tribunal a quo também não tinha de determinar, nos termos do art.º 340.º do CPP, a emissão de mandados de detenção da testemunha faltosa (a fim de a mesma vir a ser inquirida na próxima data de julgamento a ser designada).

7. Do exposto resulta que o despacho de indeferimento nem violou o disposto no art.º 340.º n.º 1 do CPP, nem enferma da arguida nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d), do mesmo diploma legal.

8. Tudo considerado, concluímos que o despacho em crise não enferma da arguida nulidade, improcedendo o recurso que sobre o mesmo incide.


B)


(Recursos do Acórdão proferido no dia 15.02.2024)

1. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

1.1 Alega o recorrente Ministério Público que o Tribunal recorrido não explicitou os

motivos pelos quais:

- Não conferiu credibilidade às declarações do coarguido BB em toda a sua extensão (por forma a dar como provados e não provados os factos que respeitam aos arguidos CC, DD e EE);

- Absolveu a arguida CC, da prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso real, um crime de tráfico, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexa ao citado diploma legal, e um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368-A, n.ºs 1, alínea f), 2, 3, 4, 7 e 12, do Código Penal, quando os relatórios das vigilâncias realizadas colocam a arguida a acompanhar o coarguido BB, nos momentos em que este procede a entregas de produto estupefaciente ao coarguido FF, tal como declarado pelo coarguido II; foi no interior da casa pertença da mãe da arguida, que é encontrado produto estupefaciente; e, foi dado como provado que a arguida vendeu produto estupefaciente a consumidores que a procuravam para esse efeito, pelo que, necessariamente se tem de concluir que a mesma tinha acesso ao estupefaciente adquirido pelo coarguido.

1.2 Vejamos.

Consabidamente, a fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: extraprocessual e intraprocessual.

Na sua vertente extraprocessual, o dever de fundamentação é uma garantia integrante do Estado de Direito Democrático, ao permitir o controlo da legalidade e a legitimação democrática servindo para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da correção e justiça do ato, através da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão.

Por outro lado, a previsão constitucional de um processo equitativo a que todos têm direito, nos termos do n. 4 do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), integra, numa das suas dimensões, o direito à motivação das decisões judiciais em ordem a garantir a proibição do arbítrio, a interdição de discriminação e a obrigação de diferenciação impostas pelo artigo 13.º da CRP e pelo artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - cf. Tomé de Carvalho, Breves Palavras sobre a Fundamentação da Matéria de Facto no Âmbito da Decisão Penal Final, no Ordenamento Jurídico Português, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2013/09/05-Tom%C3%A9-Carvalho-Fundamenta%C3%A7%C3%A3o-MF-.pdfp.

A fundamentação garante a imparcialidade às decisões judiciais, impedindo a arbitrariedade, assegurando-se por essa via o respeito dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados – arts. 20º, n.ºs 4 e 5, sº, 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa.

Assim, na vertente intraprocessual, a exigência de fundamentação das decisões judiciais constitui uma garantia de imparcialidade do juiz e de controlo da legalidade da decisão em fase de recurso.

A decisão tem de ser clara e compreensível para os seus destinatários, para que dela possam, eficazmente (sendo o caso) recorrer.

E, para poder reapreciar a decisão, o Tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.

O dever de fundamentar uma decisão judicial encontra consagração constitucional no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

Densifica-se este imperativo constitucional no princípio geral consagrado no art.º 97º nº 5 do Código de Processo Penal (CPP), ao dispor que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Concretamente, no que se refere à sentença, dispõe o n.º 2 do art.º 374.º do CPP que: «2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Como a apreciação da prova é livre (art.º 127.º do CPP) mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objetivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18.05.2022, proc. 101/17.6SULB.L1-3 (rel. Des. Cristina Almeida e Sousa).

A exigência legal do exame crítico das provas satisfaz-se com a «enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica exterior ao processo com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 16.03.2005, processo n.º 05P662 (rel. Cons. Henriques Gaspar).

«A fundamentação não tem de não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado» - Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.03-2008, proc. 07P4833 (rel. Cons. Raúl Borges).

No entanto, a sentença há-de conter «os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - Cf. Ac. do STJ datado de 23.02.2011, proc. 241/08.2GAMTR.P1.S (rel. Cons. Santos Cabral).

Torna-se, em suma, necessário «que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efetuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respetivas» - Ac. TRL datado de 10.11.2020, proc. 9/18.8GBALM.L1-5 (rel. Des. João Carrola).

Como vemos, a fundamentação não apenas terá de ser de facto, como de direito.

No que respeita à fundamentação jurídica, consideramos que, «fundamentar uma decisão é construir um raciocínio válido logicamente onde uma premissa faz referência a uma norma jurídica geral, outra a considerações empíricas que se devem basear nos factos provados, sendo a conclusão a própria decisão» - Cf. Sara Rodrigues, O dever de fundamentação das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência em Processo Sancionatório, disponível in Julgar.pt/wp-content/uploads/2014/07/dever-de-fundament-das-decisoes-proferidas-pela-autorid-concorrenc.pdf, p. 8.

O caso particular deve ser interpretado, analisados os seus elementos e identificados aqueles que podem ser os fatos operativos de uma ou mais normas do ordenamento jurídico. Se as circunstâncias do caso particular corresponderem aos fatos operativos previstos na norma de direito, ou seja, se o caso particular for um exemplar da norma geral, a conclusão será a consequência normativa dessa norma.

Nem sempre a fundamentação longa e exaustiva é necessária.

Esta possibilidade, contudo, não significa ausência de fundamentação, mas, sim, motivação suficiente na medida da importância do thema decidendum, considerando-se, sempre a situação concreta.

Manifestação de insuficiência na indicação das razões de decidir consiste na referência genérica a dispositivos de lei sem a presença de um discurso legitimador da intervenção judicial que indique claramente o substrato fático que o juiz está subsumindo à regra referida.

Assim, não se considera decisão judicial fundamentada aquela que se limita a reproduzir o texto legal, sem qualquer explicação (por concisa e breve que seja) de sua relação com a causa ou a questão a decidir, deixando de referi-lo aos factos provados, sendo a subsunção imprescindível para que, por um lado, seja adequadamente interpretado o entendimento do julgador e, por outro, seja feito o controle crítico do ato decisório.

A sentença que não se encontre fundamentada de facto e de direito é nula.

E, ainda que o recorrente não tenha invocado tal nulidade, de acordo com a jurisprudência largamente maioritária, que seguimos, as nulidades da sentença previstas no art.º 379.º, n.º 1, são de conhecimento oficioso (nos termos n.º 2 do mesmo artigo).

1.3 Dito isto.

No que respeita à prova dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes de tráfico de estupefacientes, o Acórdão recorrido fala por si e é suficientemente elucidativo, enumerando os factos provados e não provados, indicando os meios de prova que os suportam e efetuando a apreciação crítica da prova, concatenando-a, segundo um juízo de experiência e razoabilidade.

Discorda o recorrente Ministério Público da valoração da prova efetuada pelo Tribunal recorrido, mas o que resulta patente da leitura do Acórdão recorrido é que foram transmitidas as razões pelas quais a convicção probatória foi ou não alcançada relativamente aos factos provados e não provados (e o decorrente juízo condenatório e absolutório).

E como assim foi, o Acórdão não enferma na parte respeitante aos crimes de tráfico de estupefacientes de falta de fundamentação, improcedendo, neste segmento o recurso do Ministério Público.

O mesmo não sucede no que respeita à prova dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes de branqueamento imputados.

Lendo a motivação do Acórdão recorrido resulta manifesto que na apreciação crítica da prova não é feita a mínima alusão ainda que implícita aos factos (provados e não provados) que respeitam a todos e cada um dos elementos objetivos e subjetivos próprios do crime de branqueamanto relativamente a cada um arguidos a que era imputado tal crime, com referência a todos e cada um dos bens em discussão.

O que releva, designadamente, mas não exclusivamente, no que respeita a considerar-se que o arguido BB adquiriu bens com o objetivo de dissimular a proveniência ilícita de dinheiro, e depois os veio a registar em seu nome.

No Acórdão recorrido, todas as considerações efetuadas (quanto à prova dos factos próprios dos tipos imputados aos arguidos) - seja na súmula das declarações e depoimentos

prestados, seja na valoração dos elementos probatórios - respeitam exclusivamente aos crimes de tráfico de estupefacientes.

Acresce que alega o recorrente Ministério Pùblico que a não elisão da presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, do da Lei n.º 5/2002, e a prova de os bens apreendidos mais valiosos estarem inscritos a favor de terceiros e não do arguido permite afirmar, por um lado o crime de branqueamento e por outra a prova da perda alargada requerida (uma vez que nem foi explicado o modo como os bens foram adquiridos, nem foi explicado, considerando o inscrito na declaração de rendimentos, pelos arguidos, o modo como adquiriram os veículos automóveis que tinham na sua posse e no seu domínio).

Para mais, no entender do recorrente, tratando-se de economia comum como é o caso dos arguidos CC e BB, perante a condenação de um deles pelo crime de catálogo, a contribuição para o património incongruente é, pelo menos, de metade.

Por seu turno, alegam os recorrentes CC e BB que se provou sob o ponto 93 que veículos se encontram registados a favor de BB quando veículos consta do relatório do gabinete de recuperação de ativos a fls. 205 do apenso do GRA tais veículos automóveis se encontram registados em nome do filho do arguido, DD.

E, por outro lado, alegam os mesmos recorrentes que os veículos de marcas Ford e Mazda foram adquiridos antes da atividade de tráfico objeto dos autos - cf. ponto 110, o de marca Mitsubishi não ter valor comercial, - cf. relatório do gabinete de recuperação de ativos a fls. 188 do apenso do GRA, e o de marca Volkswagen, no valor de € 2500,00 - relatório do gabinete de recuperação de ativos a fls. 188 do apenso do GRA, poderia ter sido adquirido com rendimentos de atividade lícita do arguido (ps. 106, 107, e 109) a totalizarem 9.155,00€ entre 2019 e 2021.

Ainda no entender dos recorrentes CC e BB ocorreu erro no apuramento de € 10 000,00 como valor incongruente (correspondentes ao valor dos veículos automóveis), ignorando o Tribunal os rendimentos lícitos do arguido, devendo tal valor incongruente ser fixado em 345€.

Consideram, ainda estes arguidos recorrentes «ficou provado que os veículos automóveis do arguido não foram objeto essencial na prática do crime, sem, no entanto,

ordenar a sua restituição; a lei 5/2002, não prevê a perde a favor do estado dos objetos e simultaneamente o pagamento do valor incongruente - o arguido seria sancionado duplamente, ficando sem os veículos e sendo obrigado a pagar o valor dos mesmos; pelo que deverá ser levantado o arresto de todos os veículos automóveis registados em nome do arguido que não se afigurem necessários a acautelar o pagamento do valor incongruente de 345».

Trata-se de matéria não abordada seja em sede de motivação da decisão de facto, seja no enquadramento jurídico e na liquidação efetuadas, faltando a necessária fundamentação.

Constata-se ainda que, tal como alegam os recorrentes CC e BB, este arguido foi condenado pelo crime de branqueamento p.p. pelo artigo 368º- A, nº1, alínea f), 2, 3, 4, 7 e 12 do Código Penal.

E, para tal o Tribunal a quo motivou a sua condenação num único paragrafo, dizendo apenas que o arguido adquiriu bens com dinheiro de proveniência ilícita querendo dissimular a sua proveniência (página 115).

Não se compreende porque o Tribunal a quo subjaz a conduta do arguido à conduta prevista no nº3 («Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos») ou ao nº4 («Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos») do artigo 368-A do Código Penal.

Ora, lendo dispositivo do Acórdão verificamos que o arguido BB foi condenado nos termos dos n.ºs 3 e 4 do referido artigo 368-A do Código Penal.

Entendemos que, também nesta parte, não se pode considerar a decisão fundamentada por ter sido deixado por explicar, com referência aos factos provados, porque razão se subsume a conduta do arguido BB ao disposto no art.º 368º- A, nºs 3 e 4 do Código Penal.

1.4 Como assim é, e tudo considerado, enferma o Acórdão recorrido de nulidade por

falta de fundamentação, na parte que respeita aos crimes de branqueamento imputados

aos arguidos CC, DD e EE e BB e à liquidação efetuada.

Assim sendo, prejudicado se mostra o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos interpostos (cf. art. 660.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).


IV. DISPOSITIVO

*


Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


A)

1. Julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho datado de 24 de janeiro de 2024, mantendo a decisão recorrida;

- Sem tributação por este recurso.


B)

2. Julgar procedente o recurso do Ministério Público, relativamente ao Acórdão datado de 15.02.2024 proferido nos autos declarando-o nulo nos termos sobreditos.

3. Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas nos recursos interpostos, atenta declaração de nulidade do Acórdão ora declarada.

Sem custas.


*

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09).


Coimbra, 11.09.2024

Alexandra Guiné

(relatora)

Cristina Branco

(1.ª adjunta)

Alcina da Costa Ribeiro

(2.ª adjunta)