Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO PROMOVIDA PELO TITULAR CITAÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO POR DESCONHECIMENTO DA PESSOA DO RESPONSÁVEL | ||
Data do Acordão: | 01/18/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS: 321.º, N.º 1, 323.º, N.º 1 E 498.º, N.º 1, TODOS DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I - O efeito interruptivo da citação ficta prevista no nº 2 do art. 323º do CC pressupõe: 1) que o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer no momento em que é proposta a acção e assim se mantenha nos cinco dias posteriores; 2) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; 3) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor. II –A prescrição do direito de indemnização emergente de danos causados por animais suspende-se durante o tempo em que o lesado desconheceu sem culpa a identidade do verdadeiro dono do animal. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]
I - A) - 1) – A. , residente em ..., ..., instaurou, em 26/09/2019, com pedido de citação urgente, nos termos do art. 561º do CPC, contra a B. (1ª Ré) e C. (2ª Ré), acção declarativa, de condenação, com processo comum, para efectivação da responsabilidade civil emergente dos danos que sofreu, decorrentes de um acidente, ocorrido em 28/9/2016, e que consistiu na sua queda ao solo, provocada por um canídeo pertença da Ré C. , que, na ocasião, tinha segurada na co-Ré a responsabilidade emergente dos danos provocados pelo referido animal. Pediu, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de € 7 369,42. [2]«[…]» fundamenta a sua pretensão, em síntese, que no dia 28 de Setembro de 2016 a A. e seu marido dirigiram-se para a Praia .... e quando aí se encontravam, “subitamente, vindo não se sabe donde, um cão de grande porte precipitou-se sobre a A. arremessando-a ao chão”, cão que a A. já antes tinha visto à distância de 50/80m junto ao lodo. Porém a sua dona, a aqui 2ª Ré, viera buscá-lo e tirá-lo junto ao mar e do risco que corria perante a possibilidade de sobrevirem ondas mais fortes que o assustassem. Foi algum tempo depois e enquanto a A. estendia na areia a sua toalha de banho que o animal se precipitou sobre ela. O Cão tinha peso superior a 50 kgs e, aparentemente, veio em corrida. A A. caiu de costas no chão de areia bastante consistente, eventualmente por, pouco antes, no local ter passado a água do mar, em maré-cheia. O cão não mordeu, nem tomou qualquer atitude para morder, mas o impacto do seu corpo na A. precipitou-a no solo. Pouco depois apareceu a dona do cão dizendo que o animal não era perigoso, nem potencialmente perigoso, mas que se soltara, eventualmente porque a areia que prendia a trela ao solo não oferecer a consistência necessária e porque o animal na ansia de gozar de alguma sombra, se desenvencilhou da coleira, devido ao calor. Disse a dona do cão, ora 2ª Ré: “se a senhora sofreu danos em virtude do impacto e queda deve contactar a minha seguradora (a ora 1ª Ré) porque eu tenho seguro” e indicou o nome da seguradora e a respetiva apólice. A A., já não tirou proveito da tarde pois sentia enormes dores nas costas, alguma falta de ar, certa dificuldade em respirar e significativa ansiedade e “dirigiu-se ao Centro Hospitalar de ..., logo em 28/09/2016 e foi-lhe diagnosticada: “fractura da coluna lombar, fechada, sem lesão medular (duas incidências) tendo necessidade de ajudas técnicas por traumatismo dorso-lombar, através da fixação de dorso lombostato.” Da queda resultou “fractura da D12-AO A 3, sem lesão medular”, conforme documentos que junta, tendo ficado internada até ao dia 30-09-2016. Fez r/x e levou receita médica que determinou: “que usasse colete compressor até à consulta de controlo marcada para dois meses depois”. Mais refere os medicamentos que teve que tomar, que teve que fazer fisioterapia, teve de usar quer de dia quer de noite, de pé, sentada ou deitada, durante mais de 4 meses um colete torácico e os transtornos e sofrimento que isso lhe causava. Diz ainda que hoje, mesmo sem o colete, “ainda ocasionalmente a dor, insidiosa, aparece em circunstâncias que a A., mal consegue definir: um movimento, um gesto, uma mudança de tempo ou condições atmosféricas, às vezes uma simples manifestação de alegria ou pesar”. Por isso se reclama a título de danos não patrimoniais indemnização de 5.000,00€ (cinco mil euros) pois apesar de tal dor ser considerada moderada (de grau 4) era tão continuada que se tornava superior a 6 ou 7. Mais diz que a A. que, antes de sofrer o sinistro, em sua casa, onde vive com o seu marido, fazia todos os trabalhos domésticos que melhor descreve, mas teve no período de absoluta incapacidade e mesmo durante o período de relativa incapacidade, de se fazer substituir nessas funções. Reclama, pagamento de danos patrimoniais emergentes: a) com o recurso a terceiros, até 13- 05-2017 (sete meses) para limpeza doméstica, a Autora despendeu 1.739,19€; b) por necessitar de terceiros para cuidar de certos aspetos da sua higiene pessoal gastou a Autora 49,50€; c) no Centro de Saúde de ... despendeu 9,00€; d) no Centro Hospitalar de ..., a título de taxas moderadoras, pagou 39,60€; e) Em sessões de fisioterapia pagou 57,00€; f)) Na Farmácia ... despendeu 75,13€; g) Em gasóleo para as várias deslocações a ... para consultas e tratamentos despendeu 200,00€; h) Em roupas que teve de adquirir, mais largas por via do uso do colete gastou 200,00€. Alega de direito dizendo, em síntese, que o dever de indemnizar, quer com fundamento na violação de danos patrimoniais quer não patrimoniais, acha-se consagrado no artº 483º e 496 ambos do C. Civil. Por outro lado, a obrigação de vigilância sobre animais e coisas ou atividades acha-se consagrada no artº 493º do Cód. Civil. “Todavia, como se trata, no caso presente dos cuidados impostos à proprietária do animal, o artigo aplicável seria o artº 502º do C. C. já que os danos resultaram do perigo especial que um animal como o referido, pode causar a uma pessoa (Vaz Serra, in Bol.86-5), não sendo de arredar o principio de que a responsabilidade não depende da violação de quaisquer regulamentos que disciplinem a utilização dos animais (P. de Lima in anot. ao artº 502º do C. Civil)”. Diz ainda que a 2ª Ré tinha a responsabilidade por danos causados pelo seu animal transferidos para a 1ª Ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº 784. 777.17. Conclui que do exposto resulta a legitimidade das Rés. * Citadas, contestaram ambas as Rés. A ré C. invoca a sua ilegitimidade pois o cão referido pela Autora é da sua filha D. , a quem a Ré e o marido o ofereceram em maio de 2015, sendo a D. quem se assumiu como dona, proprietária, cuidadora e responsável pelo cão, realidade esta que torna a Ré parte ilegítima. Mais diz que é casada com o pai da D. sob o regime da comunhão de adquiridos pelo que estaríamos perante bem/coisa comum do casal, em consequência do que sendo demandada sozinha também seria parte ilegítima. Como “segunda causa de ilegitimidade” diz que em 28-09-2016, a responsabilidade civil atinente aos danos eventualmente provocados pelo referido cão encontrava-se – como se encontra atualmente –, transferida para a ré B. , S.A., mediante contrato de seguro, da modalidade “Responsabilidade Civil – Pétis – Animais Domésticos”, titulado pela apólice n.º RC..., com uma cobertura até 50.000,00€ (Doc. n.º 5) pelo que também este motivo é causa de ilegitimidade da Ré. Também a interveniente principal D. invocou a existência deste contrato de seguros, como causa da sua ilegitimidade. Notificada para exercer o contraditório quanto às referidas exceções a A. veio fazê-lo, dizendo, além do mais que invoca (mormente voltando a pronunciar-se quanto à exceção de prescrição também invocada pelas Rés), dizendo que não sabe quem pode ser considerado responsável pela peticionada indemnização, pois que a referida Ré na circunstância ocorrida na praia intitulou-se dona do animal, vinda agora dizer que a dona é a filha. Todavia, mesmo pertencendo o cão à D. estava sob a vigilância da ré C. pelo que também esta será responsável, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte”. Caso contrário a responsabilidade recairá sobre a filha, ou caberá, cumulativamente, a todas as Rés. Deduziu incidente de intervenção provocada da referida filha da ré C. , nos termos do art. 316º do CPC, como “associada” da Ré (cfr. ainda requerimento da A. de 25/05/2020). Tal intervenção foi admitida nos termos do disposto no art. 316º, nº2, 1ª parte do CPC, por despacho de 21/12/2020. (…) A ré C. invocou também a exceção de prescrição. Alega, para tanto, em síntese, que a causa de pedir da ação assenta na alegada responsabilidade civil extracontratual da Ré, ancorando-se no regime dos artigos 483º, 496º, 493º e 502º do Cód. Civil. A ocorrência do evento lesivo é situada no dia 28/09/2016, à tarde. A presente ação foi instaurada no dia 26/09/2019. E a Ré foi citada em 30/09/2019. O n.º 1 do artigo 498º do Cód. Civil fixa em 3 anos o prazo de prescrição dos direitos indemnizatórios reclamados pela A. Logo, na data em que se concretizou a citação, encontrava-se verificada essa exceção, extintiva dos direitos invocados pela Autora, devendo a Ré ser absolvida do pedido (artigo 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC). Mais diz ser irrelevante a requerida citação urgente, posto que os efeitos interruptivos desse ato só se produzem no estrito condicionalismo do n.º 2 do artigo 323º do Cód. Civil o que, in casu, não aconteceu. A ré B. , S.A. também invocou a prescrição dizendo, em síntese, que nos termos do art. 498º, nº1 do Cód. Civil “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.” A Autora teve conhecimento do seu eventual direito na data em que ocorreram os factos que alega – 28/09/2016. Nos termos do Art.º 323, n.º 2 do CC devia ter proposto a ação e requerido a citação, pelo menos, cinco dias antes do dia 28/09/2019. Em consequência, no momento da sua citação, a 30/09/2019, já tinham decorrido mais de 3 anos. Também a Interveniente Principal ao contestar invocou a prescrição do direito da Autora, atenta a data do evento lesivo - 28/09/2016 -, a data da instauração da ação - 29/09/2019 -, a data do requerimento da sua intervenção – 08/01/2020 –, a data da sua citação - 28/12/2020 -, e o disposto no art. 498º, nº1 do Cód. Civil. Mais diz ser irrelevante ter sido requerida a citação urgente, posto que os efeitos interruptivos desse ato (ou de notificação) só se produzem no estrito condicionalismo do n.º 2 do artigo 323º do Cód. Civil, tal como é irrelevante, supostamente, a A. desconhecer identidade da Interveniente, já que, à luz do regime do artigo 498º, n.º 1 do Cód. Civil, nenhuma limitação ocorre ao decurso do respetivo prazo em virtude do suposto desconhecimento da pessoa responsável. “Com efeito, o regime previsto na 2ª parte do citado normativo, refere-se, não à situação do lesado não conhecer, sem culpa, quem quer que seja responsável, mas à situação de apenas desconhecer a identidade do responsável, sendo que este último desconhecimento, inferior aqueloutro, não tem interferência no início da contagem do prazo prescricional, podendo apenas operar como causa para a suspensão desse prazo, e somente quando lhe subjaza motivo de força maior, nos termos do n.º 1 do artigo 321º do Cód. Civil”, como é dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-01- 2019, in www.dgsi.pt – Proc. 796/16.8T8LRA-A.C1, sendo que, no presente caso se a A. tivesse agido, como devia e podia, dentro do prazo de 3 anos a contar de 28-09-2016, com a normal diligência de qualquer pessoa medianamente avisada e efetivamente interessada na resolução da questão trazida à presente ação (critério do homem médio/bonus pater familias), fácil e rapidamente teria obtido, atempadamente (dentro do mencionado prazo de 3 anos), a identidade da ora Requerida”, pelas razões que refere, entre elas o facto do cão sempre ter estado legalizado (registado e dotado de dispositivo de identificação), vigorava em 28/09/2016 contrato de seguro tendo-o por objeto e, como a A. reconhece, no dia 28/09/2016 esta ficou na posse de todos os elementos que lhe permitiam, a partir desse momento, prosseguir todas as diligências cabais e necessárias ao apuramento da identidade dos eventuais responsáveis, desde que agisse com a diligência do homem médio/bónus pater familias, mais dizendo que no referido dia 28/09 a ré C. transmitiu à Autora que o cão era da filha. * Notificada para exercer o contraditório, a Autora veio dizer, quanto às Rés, que estas partem do princípio de que o prazo prescricional “tem o seu início na data da ocorrência dos factos (embate do cão no corpo da Autora, como se tratasse de um vulgar acidente de automóvel em que basta saber o nome do condutor, a matrícula do veículo atropelante, se existe ou não seguro e averiguação da culpa do condutor na condução).” Todavia, o que a lei diz é que o prazo se conta “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” isto é: do seu direito. Cita “A. Varela in Das Obrigações em Geral, 5ª Edição, Vol. I, nº do Tema 163” que diz que “o lesado deve ter conhecimento dos “PRESSUPOSTOS DO SEU DIREITO” – (sic) e são eles o facto, a ilicitude, o vinculo de imputação dos factos ao lesante, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (…) de que a lei exclui, no artº 498º do C.C. como pressuposto a considerar o “conhecimento da pessoa do lesante e a extensão integral do dano”. Diz que não teve conhecimento do direito que lhe competia no dia 26/09/2016. Basta ver a hesitação dos técnicos da triagem do hospital aquando da sua entrada onde se fala, vagamente, de uma dor lombar (de nível 4) em L4 e L5) e o doc. nº 2, da declaração da alta, ocorrida apenas em 30 de setembro de 2016, documento em que se declara que a A. ficou internada em 28- 09-2016 e que sofreu fractura da coluna lombar, fechada, sem lesão medular, e que teve de lhe ser aplicada uma “ajuda técnica: dorso-lombostato”. Isso exigiu diversos exames de diagnóstico, exames de ortopedia, r/x; todavia aí se refere: “queda da própria altura, fractura de D12 – AO e A3 e não, como se supunha em L4 e L5, com destino, após a alta, ao domicílio. E é natural que apenas então a A. tivesse efetivo conhecimento, por lhe ter sido transmitido no ato ou por lhe ter sido passado documento informativo. Ora, a 30-09-2019 ocorreu a citação, portanto dentro do prazo respetivo, se tomarmos em conta que é nesse dia, exatamente, que se perfaz o prazo de prescrição de curto prazo, de 3 anos. Quanto à prescrição invocada pela Interveniente diz, em síntese, que a ré C. “ao não admitir à A., não ser ela a dona do cão”, dessa forma fez “lavrar em erro a ofendida”, facto essencial que omitiu à A., mesmo depois de questionada por esta. Quer a seguradora, quer a ré C. , “escamotearam à A. um dado essencial sobre os factos, protelando indevidamente o conhecimento dele, até à exaustão - embora a recuperação da saúde da A. também tivesse contribuído, colateralmente, para o facto de se ter tentado apurar em concreto, qual o montante final do direito da A.”. Mais alega que “Antunes Varela, obra referida, pág. 437, diz que a lei “tornou o início da contagem do prazo, nessa prescrição de curto prazo, independente de o conhecimento da pessoa do responsável. Só que …essa parte do preceito tem de ser entendida em termos hábeis. (…) Pois, remata aquele Autor: “Se, no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, parece que nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art.º 321.º do C.C” (sic).” A lei exige que, embora com “desconhecimento da pessoa do responsável” e da “extensão integral dos danos”, o lesado conheça os demais pressupostos da responsabilidade do lesante, que enuncia. Termina no sentido da improcedência das invocadas prescrições. […]». * 2) - No despacho saneador de 09/07/2021, fixando o valor da causa em 7.369,42€, decidiu a Exma. Srª. Juiz do Juízo Local Cível de Leiria: - Julgar como partes legítimas a Ré C. e a interveniente principal D. , assim improcedendo as excepções a isso atinentes; - Julgar procedente a excepção peremptória da prescrição, invocada pelas Rés e pela Interveniente, e, em consequência, absolver as mesmas dos pedidos; - Condenar a Autora nas custas. * B) - Deste saneador-sentença apelou a Autora, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes conclusões: «1.ª- A A. fundamente a sua posição quanto à prescrição, contrariando qualquer outra razão, no facto de “não ter conhecimento do direito que lhe compete” antes da data que refere … como a própria lei estabelece. 2.ª- O prazo de prescrição invocado pelas Rés – por todas elas mas nunca fundamentada nem ilustrada por factos, não contraria, pois, os fundamentos invocados pela A. nem invocam factos que justifiquem a prescrição a partir da ocorrência de facto danoso. 3.ª- A Mma Juiza partiu também da simples negação do “conhecimento pela A. do direito que lhe compete” e contenta-se em afirmar a sua posição de que o prazo de 3 anos “se conta a partir do facto danoso”. 4.ª- Basta à decisão afirmar o que referem as Rés e negar-se o que a A. refere para tomar a posição de que o regime particular aplicável é aquele que se conta, como início do prazo de prescrição, a partir da ocorrência do evento. 5.ª- O Tribunal, porém, não pode suprir de ofício a prescrição: o suprimento, além de invocado, tem de ser provado (art.º 303.º do C. Civil) e fundamentado, para ser eficaz. 6.ª- O art. 306.º do C.C reza que a “prescrição (só) começa a correr quando o direito puder ser exercido: ora como se viu em Vaz Serra, que refere o alemão HECH: “quem não sabe se existe um dever de indemnizar, não pode saber se alguém é responsável; e a ratio legis vai no sentido de que só depois do conhecimento da existência da pretensão é que o lesado está em condições de decidir acerca do exercício dela.” 7.ª- O lesado tem o direito de ser ouvido (e de fazer prova) de que o direito à indemnização é juridicamente fundado. 8.ª- Nem as Rés nem a douta decisão sustentam que o prazo de prescrição deva ser contado a partir da ocorrência danosa e o Tribunal não pode suprir, de ofício, essa exigência. 9.ª- O desconhecimento quer “da extensão integral dos danos”, quer da “pessoa proprietária do animal” podem não ser significativamente relevantes em termos gerais: mas, como escreve Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol I, Almedina 1970, pág. 435 e ss, com remissão para a pág. 355 e ss sobre os pressupostos: “Fixou-se o prazo de 3 anos “A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O LESADO TEVE CONHECIMENTO DO SEU DIREITO OU seja, A PARTIR DA DATA EM QUE ELE, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter conhecimento do direito à indemnização pelos danos que sofreu.” 10.ª- De facto como escreve A. Varela (mesma obra, pág. 536, em rodapé) a lei tornou o início do prazo independente daquele conhecimento (o conhecimento integral do dano) atribuído “à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização” quando não seja possível determinar logo a exata extensão do dano. 11.ª- Quanto ao conhecimento da pessoa do responsável – como diz A. Varela também tem de ser entendido em termos hábeis – se o lesado só teve conhecimento dessa pessoa depois de verificada a lesão, o prazo de três anos não se conta do facto danoso (como anteriormente) mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito! “Se, porém, no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado, parece que nada impedirá a aplicação ao caso do disposto no art.º 321.º do C.C.” (A. Varela, mesma obra, na sequência do exposto, pág. 437). 12.ª- Ora o que ocorreu foi que a ora Ré C. logo no local do incidente se declarou como proprietária do animal (“eu sou dona dele” – disse) e “tenho o seu seguro” (e forneceu o n.º da apólice e o nome da seguradora); ora que culpa poderá ser atribuída à A. na falta desse conhecimento) … E isso não constituirá uma forma dolosa de agir da parte da Ré C. , também responsável neste processo? Poderá concluir-se pela “incúria do lesado em averiguar quem na lesou? E a suspensão do prazo funciona só no caso de força maior ou também em consequência do dolo do obrigado (art.º 321.º do C.C). 13.ª- Por outro lado a seguradora do cão nunca se pronunciou dizendo que não era a C. a dona do cão, claramente esclarecendo que a dona era a sua filha D. . A seguradora não pode ter documento escrito, contacto por telemóvel ou outro em que esclareça a A. Mas foi contactada por esta, através do seu advogado, para se pronunciar, como se provará em juízo. 14.ª- É certo que o n.º 2 do art.º 323.º do C.C considera interrompida a prescrição dentro de cinco dias; mesmo após o decurso desses cinco dias se a citação se não fizer dentro desse prazo. Mas, salvo o devido respeito, a questão não é essa: e se a citação se fizer dentro desses cinco dias ou ao terminar esse período de cinco dias? Quid Iuris? É que, cremos, uma coisa é a citação ser considerada tácita por força da lei; outra é ser expressa e factual: se a citação se realizar dentro do prazo de cinco dias deve ter-se por interrompida a partir daí. 15.ª- A citação foi requerida como urgente; e foi realizada dentro dos 5 dias legais. Não houve necessidade de ser presumida como real. 16.ª- De notar, em consequência, que mesmo na ocasião da instauração da acção, a A. ainda não estava, apesar de solicitados, na posse de todos os elementos necessários à instauração da acção com critério; e foi porque à a. foram fornecidos, já no decurso da acção, esses elementos, que ela requereu, v.g., a intervenção na acção da dona do animal. 17.ª- Aliás, mesmo a admitir-se a ocorrência da prescrição, o que se admite apenas por mero descargo de consciência, ela seria interrompida pelo reconhecimento, perante o titular do direito, por um dos responsáveis dos danos causados pelo animal (art.º 325.º do C.C). 18.ª- O cão foi oferecido pela Ré C. à filha D. , que promoveu o seguro do cão em nome da filha de modo que esta adquiriu dessa forma “coisa” móvel – o que nada tem que ver com a sua idade: sabe-se agora! 19.ª- A A. em 28-09-2016 não fez TAL. Não havia, na ocasião, semiologia (sic) que apontasse para doença de carácter recente. Reconhece-se, nessa ocasião apenas … “nessa ocasião traumatismo dorso-lombar, com dores em L4 e L5. Foi pedido RX (mas não tinha feito TAL) – factos que constam da DECLARAÇÃO HOSPITALAR – ver doc.s – E ficou internada até 30-09-2016 tendo tido alta em 30-09-2016 mas ainda sem aparelho dorsal de protecção. 20.ª- Por isso que não é verdade, como negligentemente se diz na decisão, que a citação das rés tenha ocorrido “após o termo do prazo da prescrição” – de acordo com o que reza o art.º 498.º n.º 1 do C.C – nem que a A. tenha tido conhecimento do direito que lhe compete a 28-09-2016. 21.ª- Por fim e relativamente ao que se diz sobre a Interveniente, verifica-se que ela AFRIMOU - facto que se alegou! – que era a “dona do cão”; forneceu os elementos necessários à reclamação da indemnização causada, os relativos à identidade do cão, à sua companhia de seguros, à sua apólice – que mais quererá o douto despacho? – claro que contrariamente ao que parece pretender a sentença o cão não tem matrícula nem é obrigado a identificar-se com chapa que exiba – afinal isso seria necessário para decidir o indeferimento in limine da p.i? ou a absolvição da instância? – Mais: a Ré C. até assumiu a responsabilidade pela indemnização de “quaisquer danos causados”. 22.ª- A Sr.ª Juíza especula ou alega, tomando atitude que lhe não quadra sobre a existência na praia, da filha da Ré … a tal ponto em que até exige que a A. conheça as obrigações de quem tem cão! 23.ª- Embora tal não tenha cabimento aqui mas noutra fase processual, insiste-se em que foi a Ré C. que declarou o que vai referido; e mais: que a própria Seguradora não contrariou, perante o Advogado da A.,, quando este se correspondeu com ela, que a C. não era a dona do animal. 24.ª- A instância deve manter-se estável (art.º 265.º do C.P.C) mesmo que haja intervenção de novas partes, sobretudo quando as partes estejma de acordo, não se esquecendo de informar o R. (ou chamado) de fornecer os elementos que constam do art.º 235.º do c.P.C devendo, para o chamado ordenar-se as formalidades prescritas na lei; devendo, parece, declarar-se ao chamado, que foi requerida a citação urgente (art.º 478.º do C.P.C) e que os elementos “essenciais da causa”, nomeadamente a espécie da citação requerida e deferida. Terminou assim: «[…] Termos em que, e recorrendo ao douto critério de V.Exas Sr.s Desembargadores, se pede se corrija o douto saneador sentença sob censura e se aplique a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 498.º e não a parte final desse número, devendo ser entendido, em termos hábeis, o desconhecimento da pessoa da proprietária do animal para o fim referido n.º 1, por força da parte final do n.º 1 e 2 do art.º 321.º do C. Civil. […]». * C) - As questões:Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil[3], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[4] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar. * II - Fundamentação: Tendo que ser fundamentadas todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (nº 1 do artº 154º do NCPC), têm aplicação - com as devidas adaptações -, aos despachos, ainda que provisórios ou cautelares, que decidam, designadamente, da verificação de pressupostos legais, incidentes, questões prévias, nulidades ou excepções dilatórias, que não se reconduzam a meras questões de direito, as regras estabelecidas para a fundamentação da sentença, designadamente, a indicação dos factos provados que permitam, subsequentemente, o respectivo julgamento das matérias em causa (cfr. artºs 607º, nº 3, 613º, nº 3 e 615º, nº 1, a), do NCPC). As partes e, havendo lugar a recurso, o Tribunal da Relação, necessitam de saber, com clareza e precisão, o que, da matéria alegada e daquela que pode ser conhecida oficiosamente, foi considerado como assente pelo Tribunal “a quo”, bem como as razões porque assim foi decidido. Não se concebe, efectivamente, salvo o devido respeito, não haver uma decisão clara e inequívoca, quanto aos factos provados, ainda que em termos indiciários, ou provisórios (nos procedimentos cautelares ou nas decisões provisórias, respectivamente), de modo a habilitar, plenamente, a constituição sólida da estrutura de facto sobre a qual há-de incidir a decisão de direito, e, em caso de recurso, a indagação da Relação sobre o acerto dessa decisão tomada pelo Tribunal “a quo”. O que se acaba de dizer é imposto, para a sentença “stricto sensu”, pelo preceituado nos artº 607º, nº 3 e 4, do NCPC, mas também vale para o saneador-sentença (cfr. artº 595º, nº 1, b) e nº 3, 2ª parte, do NCPC), bem assim como, com as necessárias adaptações e conforme acima já se aflorou - excluídas aquelas em que a controvérsia se confine a questões de direito -, para as decisões dos incidentes, das excepções, nulidades ou questões prévias e para as decisões finais - ainda que tomadas sem realização de audiência para produção de prova - proferidas nos procedimentos cautelares. O que pode suceder e é lícito, nos julgamentos parciais de mérito, ou na decisão dos incidentes, das excepções, nulidades ou questões prévias, é a discriminação dos factos provados confinar-se àqueles que respeitem a essas matérias. Assim se compreende que se haja dito no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 16/09/2014 (Apelação nº 1655/10.3TBVNO.C1)[5], embora referindo-se à possibilidade de proferir uma decisão de mérito na fase do saneador, que uma tal possibilidade «[…] baseia-se na circunstância da matéria de facto relevante para a decisão da causa já se encontrar definida ao findar a fase de apresentação de articulados, pelo que, nesses casos, para que a fundamentação de facto esteja completa, é suficiente indicar-se os factos que integram essa matéria.[…]».[6] Lembre-se, contudo, que não equivale à indicação dos factos em que se estriba a decisão, não suprimindo, portanto, a necessidade de, nesta última, se fazer essa indicação, a mera remissão, na decisão, para documentos que a eles respeitem (cfr. artº 341º Código Civil). É que, como se diz no Acórdão do STJ, de 1/2/1995,[7] «”os documentos não são factos, mas meios de prova de factos.”, pelo que “...na fixação da matéria de facto há que indicar expressamente os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos.». Do exposto retira-se que também irreleva, por maioria de razão, a remissão genérica “para os elementos documentais constantes do processo”. Embora versando as normas do pretérito CPC, diz-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/03/2012 (Apelação nº 1359/11.0TVLSB.L1-8)[8]: «[…] No caso ocorrente, o primeiro grau não discriminou, pura e simplesmente, os factos que considerava provados. O que o primeiro grau se limitou a fazer foi uma análise de mérito, sem suporte factual, e sem, como se disse, discriminar devidamente os pertinentes factos onde deveria ter feito radicar o conhecimento antecipado da lide. Omitiu-se, em termos suficientes e adequados a explicitação dos factos da causa, o que inviabiliza o controle interno da decisão, a reponderação a esse respeito do juízo de facto, para além de afectar as vias de defesa das partes. Como se refere no Ac. RL, de 21.05.2009, www.dgsi.pt, «a ausência de decisão sobre a matéria de facto não pode deixar de se entender como a situação - limite da decisão deficiente a que alude o n.º 4 do artigo 712.º do CPC». Impõe-se, pois, anular a decisão, ficando prejudicada a apreciação das questões suscitadas (cfr. Ac. RE, de 12.11.92, BMJ 421: 520; Ac. RE, de 03.12.92, BMJ 422: 452; Ac. RP, de 14.03.95, BMJ 445: 620; Ac. RL, de 01.07.99, CJ, T 4: 90). […]». Em sentido idêntico se julgou no Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/10/2009 (Apelação nº 3084/08.0YXLSB-A.L1-1), onde se concluiu: «[…] sendo a omissão total o grau máximo da deficiência, deve considerar-se oficiosamente nulo, nos termos do artº 712º/4 do CPC, o saneador-sentença recorrido, devendo ser proferida nova decisão, fixando-se os factos provados com cumprimento integral do artº 659º do CPC. Consequentemente, prejudicado fica o conhecimento da questão suscitada no presente recurso e supra enunciada. […]».[9] Temos para nós que, ao Tribunal da Relação - competente para a reapreciação da matéria de facto, situação essa em que existe sempre um roteiro que as partes devem fornecer para despoletar uma tal operação -, não lhe cabe, sem uma interpretação do artº 665º, nº 1, do CPC, violadora do contraditório e do princípio do processo equitativo (Artº 20 da CRP), fixar, em 1º e único grau, a matéria de facto, pois que não se olvida que, nesse âmbito, os poderes do Supremo não permitem uma sindicância senão na excepções previstas no nº 3 do artº 674º do NCPC (cfr. artº 682º, nºs 1 e 2 do mesmo código), sendo que, o presente caso, atento o valor fixado à causa, nem sequer admite revista excepcional. Ora, no caso “sub judice” ocorreu que o Tribunal “a quo”, na decisão recorrida, não disse, efectivamente, discriminando-os, quais os factos que tinha como provados (e como não provados), mas não deixou de afirmar, subentendendo-se que os tinha como indiscutidos, os factos que, na sua perspectiva eram os que bastavam para julgar a excepção da prescrição. Assim, consignou-se na sentença: (…) A ré C. invocou também a exceção de prescrição. (…) A ocorrência do evento lesivo é situada no dia 28/09/2016, à tarde. A presente ação foi instaurada no dia 26/09/2019. E a Ré foi citada em 30/09/2019. (…) A ré B. , S.A. também invocou a prescrição (…) Em consequência, no momento da sua citação, a 30/09/2019, já tinham decorrido mais de 3 anos. (…) Também a Interveniente Principal ao contestar invocou a prescrição do direito da Autora, atenta a data do evento lesivo - 28/09/2016 -, a data da instauração da ação - 29/09/2019 -, a data do requerimento da sua intervenção – 08/01/2020 –, a data da sua citação - 28/12/2020 (…)”. Embora na estrita medida da excepção da prescrição, o Tribunal não deixou de mostrar, e ainda que sem o dizer “expressis verbis”, quais os factos que tinha como provados e que bastavam para o julgamento que fez dessa questão, segundo o entendimento que tinha da mesma. Sucede que, a nosso ver, ao correcto julgamento da prescrição ora em causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, interessa o concurso de outros factos, manifestamente controvertidos, que o Tribunal “a quo” não deu a devida relevância, factos esses cujo apuramento só após instrução será possível. Assim, a questão fulcral, aqui, tem a ver com a nossa discordância relativamente ao modo como foi solucionada a questão da prescrição, sem dar a devida relevância à existência de matéria de facto controvertida, que, a provar-se, será passível, em nosso entender, de configurar causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos do artº 321º, nº 1, do Código Civil (CC), o que confere à presente acção contornos diferentes daquela sobre a qual versou o Acórdão desta Relação de 15 de Janeiro de 2018 (Apelação nº 796/16.8T8LRA-A.C1), subscrito pelo ora Relator, como 2º Adjunto. Antes, porém, de abordamos essa problemática, entendemos ser de clarificar a nossa posição sobre o funcionamento da citação urgente (outrora, no âmbito do CPC de 1961, também designada como “citação prévia” – artº 478, nº 2), a que alude o artº 561º do NCPC. O efeito interruptivo da citação ficta prevista no nº 2 do art. 323º do CC tem alicerce nos seguintes pressupostos: a) Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; b) – Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; c) Que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao A. Ora, o “mecanismo” da citação urgente destina-se a conseguir que o acto ocorra em tempo útil, v.g., antes que finde o prazo prescricional, sendo, nesse caso, a hipótese que resta ao Autor para interromper tal prazo quando intenta a acção sem tempo para que a citação ficta ocorra dentro dos cinco dias previstos no nº 2 do art. 323º. Se faltarem menos de cinco dias, aquando da propositura da acção, não ocorrendo a efectiva citação antes do decurso do prazo prescricional, a citação ficta já não o pode interromper, pois o 5º dia calha já depois de findo esse prazo. Nessas circunstâncias, o Autor, se requerer a citação urgente pode ainda conseguir que mesma se faça antes de decorrer o prazo prescricional, mas corre o risco de o Tribunal, por razões diversas (v.g., dificuldade em localizar o paradeiro do Réu) não conseguir levar a efeito tal acto a tempo de interromper esse prazo. Nesse caso, não há qualquer ficção a considerar, tendo que se ter como ocorrida a prescrição, subscrevendo-se o sumariado no Acórdão do STJ, de 11-07-2000, Revista n.º 1714/00 - 1.ª Secção: «[…] I - Para poder beneficiar do regime do n.º 2 do art.º 323 do CC, o autor tem de instaurar a acção e, portanto, requerer a citação do réu, até cinco dias antes do termo do prazo de prescrição, mais se tornando necessário que a demora da citação não lhe seja imputável. II - Proposta a acção na véspera do termo do prazo de prescrição, ainda que o autor tenha requerido a citação prévia à distribuição, se por qualquer motivo a citação vier a realizar-se já depois do termo daquele prazo, não podem os autores, embora em nada tenham contribuído para a demora, pretender beneficiar de uma interrupção no último dia do prazo. III - Esta situação particular, apesar do silêncio da lei, não configura qualquer lacuna. […]» (o sublinhado é nosso)[10]. O Acórdão do STJ, de 10/04/2002 (Revista nº 01S4423) desenvolve este tema, como se vai transcrever: «[…] A única questão em aberto prende-se com os efeitos que se devem extrair do facto de o autor, ao propor a acção em 17 de Junho de 1997, ter requerido a citação prévia da ré, o que foi deferido e executado (com expedição de carta registada com aviso de recepção) na mesma data, embora a citação só se tenha vindo a concretizar em 25 de Junho de 1997. As instâncias entenderam que tal não obstou à consumação da prescrição e outra não pode ser a solução jurídica do caso. Na verdade, atenta a natureza e razão de ser do instituto da prescrição, compreende-se que a sua interrupção ocorra quando chega ao conhecimento do devedor, pela citação ou notificação judicial, a intenção do credor de exercer o direito. A essa situação o n.º 2 do artigo 323º do Código Civil aditou, excepcionalmente, uma situação de "citação ficta": "se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias". Esta norma alterou o regime até então vigente, estabelecido nos artigos 253º do Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961 (este antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 47690, de 11 de Maio de 1967), segundo o qual no «que respeita à interrupção da prescrição, o efeito da citação demorada por facto não imputável ao autor retrotrai-se à data em que a acção foi proposta». Com efeito, aquando da elaboração do Código Civil vigente, considerou-se deslocada esta estatuição, por não ser ao Código de Processo Civil, mas antes ao Código Civil, que compete regular a interrupção da prescrição, e, por outro lado, por tal norma ter sido fonte de muitas dúvidas e de divergências no que toca à interpretação do conceito de «citação demorada»; por isso se julgou preferível dispor que a prescrição se interrompe com a citação judicial e que, se a citação não tiver lugar dentro de cinco dias, por causa não imputável ao autor, se considera interrompida a prescrição passados esses cinco dias (cfr. Vaz Serra, "Prescrição extintiva e caducidade", Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, págs. 190 a 192). O regime actualmente em vigor é, pois, o seguinte: (i) se a citação se realiza dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição: atende-se, em tal hipótese, ao momento efectivo da citação; (ii) se é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida logo que decorram cinco dias; (iii) existindo, porém, culpa da demora por parte do requerente, atende-se ao momento em que a citação é de facto concretizada. Deste modo, o autor somente tem de cumprir duas condições, a fim de poder beneficiar do regime consagrado no n.º 2 do mencionado artigo 323º: (i) requerer a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional; e (ii) evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável. No caso dos autos, o autor desprezou o primeiro pressuposto enunciado, ao requerer a citação do réu apenas 3 dias antes do termo do prazo prescricional. É certo que requereu a citação prévia, mas devia ter previsto que, se esta, por qualquer motivo - incluindo eventual negligência dos serviços do Tribunal (o que não sucedeu) - se frustrasse, ele ficaria completamente desarmado face a uma excepção de prescrição, como ocorreu (cfr., neste sentido, em caso perfeitamente similar ao presente, o acórdão de 24 de Março de 1999, processo n.º 12/99, desta Secção, na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo II, pág. 251; cfr. ainda o acórdão de 22 de Junho de 1994, processo n. 3952, em Acórdãos Doutrinais, ano XXXIII, n.º 395, Novembro de 1994, pág. 1329). […]». Estatuindo-se no art. 498.°, n.° 1, do CC que o direito de indemnização contra o lesante, prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, tem-se entendido que, em regra, esse conhecimento ocorrerá, em caso de acidente de onde resultem danos indemnizáveis, no dia em que ocorreu o evento lesivo. Do exposto resulta que, se tivermos em consideração que o prazo prescricional começou a correr desde o dia 29/09/2016, que foi o dia seguinte ao do evento lesivo – 28/09/2016 (o dia do evento não se conta – artºs 296º e 279º al. b) do CC, Acórdão da Relação de Évora, de 15 de Janeiro de 2015, Apelação nº 5901/13.3TBSTB.E1)[11], à data das citações da ré C. (30/09/2019), da Ré B. , S.A. (30/09/2019) e da Interveniente (28/12/2020), já havia decorrido o prazo prescricional de 3 anos, não se podendo, no âmbito desse entendimento, concordar com a Autora quendo diz “A citação foi requerida como urgente; e foi realizada dentro dos 5 dias legais. Não houve necessidade de ser presumida como real.”. Na realidade, ocorrendo o acidente em 29/09/2016, proposta a acção em 29/09/2019, as citações das RR deram-se “…dentro dos 5 dias legais…”, como refere a Autora (conclusão 15ª) mas, a contar-se o prazo de prescrição de 3 anos desde o dia seguinte ao da ocorrência do evento, e não considerando nenhuma causa interruptiva ou suspensiva, esse prazo, findou às 24 horas desse dia 29/09/2019 em que se intentou a acção, pelo que, obviamente, aquando dessas citações, já se havia esgotado. Resta saber se foi correctamente afastada a aplicação do disposto no artº 321º, nº 1, do CC. Quanto a essa matéria escreveu-se no saneador-sentença recorrido: «[…] A presente ação visa tornar efetiva a responsabilidade civil fundada em facto ilícito ou no risco, nos termos dos artigos 483º, 493º, nº1, 499º, 502º, do Código Civil, pretendendo a Autora ser ressarcida dos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegadamente sofreu em consequência de, no dia 28/09/2016, quando se encontrava na Praia do Pedrógão, segundo alega, o cão em causa nos autos “veio em corrida” e se “precipitou sobre ela”, provocando a queda da A. de costa no chão, o que lhe causou “fratura da D12-AO A3, sem lesão medular” (arts. 6º a 8º e 15º da P.I) . (…) O prazo prescricional, pode suspender-se, nos termos dos arts. 318º a 322º do Cód. Civil ou interromper-se, nos termos dos arts. 323º e segs. do mesmo diploma. Diz o art. 321º, nº1 que “A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. (…) No caso dos autos, a Autora teve “conhecimento do direito que lhe compete”, nos termos antes referidos, no dia 28/09/2016, em que de acordo com a versão que apresenta, foi derrubada pelo cão, caindo de costas no chão, dia em que no Hospital de ... lhe foi diagnosticada e necessariamente chegado ao seu conhecimento “fratura da coluna lombar … fratura da D12 ….” (art.ºs 14 e 15 da p.i.), ficando internada, cfr, ainda doc. 1 junto com a p..i. Foi, pois, nessa data que viu atingida a sua integridade física, nos termos referidos, em consequência de conduta do cão propriedade da ré C. , segundo diz na p.i, ou à guarda da mesma, segundo diz na resposta às exceções. Assim, a ação ao ser proposta a 26/09/2019, com pedido de citação urgente, nos termos do art. 561º do CPC, não foi proposta antes do 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, não beneficiando a Autora do prazo de cinco dias previsto no art. 323º, nº2 do Cód. Civil. Deferida a citação urgente, as Rés foram citadas a 30/09/2019, após o termo do prazo da prescrição, previsto no art. 498º, nº1, do Cód. Civil. Quanto às Rés não se verifica qualquer causa de interrupção da prescrição, nem causa de suspensão da mesma, nem se está perante situação prevista no nº2 do art. 498º do Cód. Civil. (…) Dos autos resulta que o requerimento de intervenção foi apresentado pela A. a 08/01/2020 e a interveniente foi citada a 28/12/2020, datas posteriores ao fim do decurso do referido prazo de três anos. Poderá a Autora beneficiar quanto à Interveniente do disposto no art. 321º nº 1 do Cód. Como se diz no Ac. da R.C. de 15/01/2019, proc. nº 796/16.8T8LRA-A.C1, in www.dgsi.pt. citado pela Interveniente, que respeita a situação semelhante à dos autos - também nele a Autora propôs a ação contra o Réu intitulando-o dono do cão e ao mesmo tempo responsável pela sua vigilância e só depois da contestação requereu a intervenção principal do proprietário do cão indicado pelo Réu - , “a prescrição pressupõe a inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e resulta, como o evidencia Pais de Vasconcelos[16], num «mero efeito jurídico» – «o de implicar, na eficácia do direito a que se refira, um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstricta». Por assim ser, para que esse efeito não possa ser feito valer, é necessário que o titular do direito justifique o não exercício do mesmo, mostrando concludentemente que esteve impossibilitado de o exercer (…). Só desse modo (…), pode o mesmo fazer valer o não início da prescrição ou a suspensão da mesma, ou, de todo o modo, ilidir a presunção de incúria no desconhecimento do responsável.” Como diz a Autora não estamos perante um acidente automóvel em que, dizemos nós, na maior parte dos casos os lesados têm uma participação da autoridade competente (PSP/GNR) ou uma declaração amigável de acidente automóvel, com a identificação dos veículos intervenientes, respetivos proprietários, condutores e apólices. Diferentemente, em casos como o dos autos, na normalidade das situações, considerando ainda o regime jurídico aplicável (invocados arts. 493º e/ou 503º do Cód. Civil) aos lesados cumpre diligenciar com vista a apurar, com a necessária certeza, quem é o dono/detentor/vigilante do animal em causa. Face à petição dos autos afigura-se-nos que a Autora, dada a atuação da ré C. que descreve nos arts. 10 e 11, considerou que a mesma seria a dona do cão, não dizendo que tal Ré afirmara ser a dona do cão, o que só veio dizer, expressamente ou não, depois de notificada das contestações – cfr. o art. 22º do requerimento de 21/11/2019, o início do ponto A do requerimento de 08/01/2020 e ainda o art. 2º do requerimento de 12/04/2021. Assim, a ser como se afigura resultar da petição inicial, não devia a Autora bastar-se com o facto da ré C. ser a tomadora do contrato de seguro celebrado com a ré Seguradora relativo ao cão para considerar que seria também a dona do mesmo, atente-se que certamente vira também na praia os filhos da Ré (cfr. art. 41º, 42º, 54º a 57º da contestação da ré C. ), podendo e devendo perspetivar a possibilidade do animal pertencer a algum deles e a Ré, enquanto mãe, ser apenas a tomadora do seguro. Estas considerações mostram-se igualmente válidas para o caso de, eventualmente, a ré C. ter informado a Autora, aquando dos factos, que era a dona do cão. Deveria a Autora, ainda assim, e considerando o tempo que deixara passar desde os factos, certificar-se que a ação seria instaurada contra a dona e vigilante do cão, sendo certo que não refere a realização de qualquer diligência com vista a confirmar se a ré C. era efetivamente a dona do cão. Como se diz no referido Acórdão da Relação de Coimbra, de 15/01/2019 à data dos factos estava em vigor a Portaria n.º 421/2004 de 24 de Abril que, aprovou o Regulamento de Registo, Classificação e Licenciamento de Cães e Gatos (que foi revogada pelo Dec. Lei nº82/2019, de 27/06, diploma este que entrou em vigor 120 dias após a sua publicação, cfr. art. 32º) que no art. 2º, nº1 tornou obrigatório, para os detentores de cães entre 3 e 6 meses de idade, o respetivo registo e licenciamento na junta de freguesia da área do seu domicílio ou sede, registo a efetuar nos termos previstos no art. 3º do mesmo diploma. Assim, se realizadas diligências junto da ré C. com vista a apurar a quem pertencia de facto o cão não obtivesse cabal informação, poderia a Autora socorrer-se de tal registo para obter a identificação do/a titular do registo do cão. Não o fez, porém. Do exposto resulta que não se pode dizer que a Autora não teve culpa na falta de conhecimento de que a dona do cão seria a Interveniente, não mostra a Autora cabalmente que no prazo previsto no art. 498º, nº1 do Cód. Civil, lhe tenha sido impossível conhecer a identidade da proprietária do cão. Do vindo de referir importa concluir que a resposta à questão que acima fizemos deverá ser negativa, ou seja, a Autora não pode beneficiar da suspensão prevista no art. 321º, n º1 do Cód. Civil. […]» (o sublinhado é nosso). Muito respeitando o mesmo, discordamos deste entendimento que, apelando a conjecturas do julgador (v.g., na parte que acima sublinhámos), arreda, no saneador, sem possibilidade de a Autora o contrariar - fazendo a prova daquilo que alegou e está controvertido -, a aplicação da causa de suspensão prevista no nº 1 do artº 321º do CC. Vejamos. O Acórdão do STJ, de 4 Julho de 2002 (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Ano X, Tomo II/2002, págs. 151 a 153), tem o seguinte sumário: «I - Se, no momento em que finda o prazo prescricional do art. 498º do Cód. Civil, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, impõe-se a aplicação do disposto no art. 321º do mesmo Código. II - Deste modo, o curso da prescrição suspender-se-á durante todo o tempo em que o titular estiver impedido, por motivo de força maior (desconhecimento não culposo do lesante), de exercer o seu direito nos últimos três meses do prazo. III - Logo, se, só perante a contestação da seguradora, o autor foi alertado para a hipótese de terceiro desconhecido poder ter responsabilidade (por via do encandeamento produzido no condutor do veículo segurado) no acidente ocorrido em 01/09/89, não prescreveu o seu direito de indemnização relativamente ao Fundo de Garantia Automóvel, cuja intervenção foi pedida em 08/11/95.». No texto do acórdão pode ler-se: «[…] O prazo conta-se a partir "da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável..." - art. 498°-1. Em nota a esse artigo escrevem os anotadores ([12]): "Para o começo do prazo não é necessário que o lesado conheça a pessoa do responsável, pois não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo de prescrição". O acórdão baseia-se precisamente nesta passagem dos anotadores. Não podemos acompanhar esta leitura do preceito. Como se constata neste processo, ela conduz a situações iníquas. No caso dos autos, caso venha a provar-se a comparticipação de terceiro no acidente, via encandeamento produzido, os AA. arriscam-se a ver negado o pedido ou parte dele. E no entanto, como poderiam eles saber que teria havido esse encandeamento (se é que tal ocorreu)? A actual redacção do art. 498°-1, no segmento em causa, foi acerbamente criticada por J. G. Sá Carneiro ([13]). Admite mesmo tenha havido lapso de escrita, tão "aberrante" considera a solução. O artigo, na versão final, adoptou solução contrária à do articulado Vaz Serra. Lembra ser princípio geral que a prescrição só se inicia quando o direito pode ser exercido, ideia fundamental em sede de prescrições de curto prazo. Afirma haver hipóteses em que o conhecimento do responsável é praticamente impossível, como nos casos de atropelamento e fuga. E que não estarão ao alcance do lesado diligências necessárias para obter esse conhecimento. Vaz Serra ([14]), que refere derivar a sua proposta (no projecto definitivo afastada, como se disse) do direito alemão, continua no entanto a defender uma solução distanciada da citada anotação Pires de Lima/A. Varela. Há que notar, porém, que o pensamento do Prof. Varela não está completamente expresso na citada nota do CC Anotado. Lê-se em "Das Obrigações em Geral" ([15]): "A lei tomou ainda o início da contagem do prazo independente do conhecimento da pessoa do responsável. Essa parte do preceito tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. (...) Se, porém, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, parece que nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321º". Lopes do Rego ([16]) chama também a atenção para as nuances introduzidas pelos anotadores no seu pensamento, ao fazerem, em última análise, depender o diferimento do início do prazo de ausência de culpa do lesado ([17]). Isto é, se no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321º. Deste modo, o curso da prescrição suspender-se-á durante o tempo em que o titular estiver impedido, por motivo de força maior (desconhecimento não culposo do lesante), de exercer o seu direito nos últimos 3 meses do prazo. Ora, deve dar-se por adquirido que os AA. só perante a contestação da Seguradora foram alertados para a hipótese de terceiro desconhecido poder ter eventualmente alguma responsabilidade no acidente. O Fundo, na sua contestação, limitou-se a dizer que os AA. desde logo ficaram cientes do seu direito, o que não é o mesmo que conhecerem todos os possíveis responsáveis. Conclui-se improceder a excepção de prescrição relativamente ao Fundo. […]». E no que respeita ao Acórdão do STJ, de 18-02-2003, (Revista nº 88/03 - 6.ª Secção), sumariou-se o seguinte: «O início da contagem do prazo de prescrição previsto no art.º 498, n.º 1, do CC, não coincide necessariamente com o momento do acidente, pois o momento do início é o do conhecimento do seu direito pelo lesado, momento esse que pode ser posterior ao acidente - cabendo ao lesado o ónus da prova do diferimento para tal momento posterior, p. ex. por ter ficado em coma depois do acidente. (…) O n.º 1 do art.º 498 do CC, ao determinar que não é necessário que o lesado conheça a pessoa do responsável para ter início o decurso do prazo da prescrição (por não dever admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue tal prazo) deve ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de que o prazo não começa a correr quando o lesado não tenha culpa nesse desconhecimento. (…) Assim, dos termos desse artigo resultará simplesmente a consagração de uma presunção legal, mas ilidível, de culpa do lesado no desconhecimento da pessoa do responsável. […]». No caso “sub judice”, alegou a Autora na petição inicial: «[…] 9. O cão não mordeu, nem tomou qualquer atitude para morder mas o impacto do seu corpo na A. precipitou-a no solo. 10. Pouco depois apareceu a dona do cão dizendo que o animal não era perigoso, nem potencialmente perigoso, mas que se soltara, eventualmente porque a areia que prendia a trela ao solo não oferecer a consistência necessária e porque o animal na ansia de gozar de alguma sombra, se desenvencilhou da coleira, devido ao calor. 11. De qualquer forma, disse a dona do cão, ora 2ª Ré: “se a senhora sofreu danos em virtude do impacto e queda deve contactar a minha seguradora (a ora 1ª Ré) porque eu tenho seguro” e indicou o nome da seguradora e a respectiva apólice.”. E depois de, em sede de contestação, ter sido negado que a propriedade do cão fosse da Ré C. , alegando-se que o animal pertencia à filha desta, a depois interveniente D. , que, na altura do evento danoso contava 16 anos e acompanhava a mãe, sustentou a Autora, legitimamente, porque em contraditório às contestações e já que é matéria que integra a contra-excepção da suspensão da prescrição: «[…] Sem embargo de a lei prescindir desse pressuposto, considerando o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da pessoa do responsável pelos danos causados à A. – certo é que só agora, na contestação, veio esta a saber que o responsável seria outro, diferente da Ré, que no local se reclamou (e sempre se manteve!) ser dona do cão e até forneceu à A. os elementos necessários para o contacto com a sua seguradora, dessa forma enganando a A.. […]» (o “negrito” e o sublinhado são nossos). Por outro lado, a própria Ré C. , embora negando que o cão haja sequer tocado na Autora, atribuindo ao descontrolo e desequilíbrio da mesma, a queda que sofreu, não deixou de admitir na sua contestação: «[…] ao hipotisar que a presença do cão, pudesse, de alguma forma – ainda que muito remota –, ter influenciado o descontrolo, desequilíbrio, atabalhoamento e queda da A., e porque esta se queixava de algumas dores, a Ré, objectivando tranquilizá-la, transmitiu-lhe a existência do contrato de seguro referenciado no art. 36º e forneceu-lhe todos os dados relativos ao mesmo. 70º Com esse mesmo objectivo tranquilizador, informou-a que, ela própria, iria expor a situação ao seguro. […]». (os sublinhados são nossos). E é esta matéria que entendemos que, a provar-se, levará a concluir, que a Autora, confiando, com razões bastantes para tal, ser a Ré C. a dona do cão que provocara a sua queda, desconhecia, sem culpa, até isso ser-lhe revelado aquando da notificação da contestação dessa Ré, a identidade da verdadeira dona desse canídeo, só nessa ocasião vindo a saber que este era pertença da interveniente D. e não da Ré C. . Efectivamente, do conjunto de alegações e, em particular, do alegado pela Autora, retira-se, em síntese, que esta, em face das afirmações e do comportamento que a Ré C. adoptou para com ela no dia do acidente e na sequência do mesmo - circunstancialismo este que, salvo o devido respeito, é, em termos de senso comum, idóneo a que a Autora, como sucederia a qualquer outra pessoa de boa fé, com as características do “homem médio” colocado na sua situação - confiasse que era a Ré C. a dona do canídeo e, portanto, que, de posse de tais elementos, neles confiando, não indagasse se era a outrem que cabia a propriedade do animal em causa. O que entendemos, pois, é que há matéria (de contra excepção da prescrição), ainda controvertida, mas que, a provar-se, pode levar a entender, à semelhança daquilo que se entendeu no citado Acórdão de 4 Julho de 2002, constituir causa de suspensão da prescrição, nos termos do artº 321º, nº1, do CC, e que assim, tendo manifesta influência na contagem do prazo prescricional, conjugada com o efeito das citações, é potencialmente apta a fazer improceder a excepção. Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” errou no julgamento da questão da prescrição, porque efectuou uma deficiente avaliação da relevância da matéria alegada pela autora que respeita à causa de suspensão prevista no artº 321º, nº 1, do CC. Sendo de ponderar, também, tal matéria, para lograr o desiderato de julgar a questão da prescrição à luz de todas as soluções plausíveis de direito, e estando aquela controvertida, não é possível a esta Relação, por falta de elementos, proceder à decisão em causa em substituição do Tribunal recorrido (artº 665º do NCPC), pelo que se tem de relegar o respectivo conhecimento para final, com a consequente necessidade de o processo seguir os seus termos normais, para, em sede de sentença, se decidir da excepção e, improcedendo esta, dos pedidos da Autora. (595º, nº 1, b), do NCPC). Outra solução não resta, pois, senão a de revogar o saneador da 1.ª instância, na parte em que, conhecendo da prescrição, decidindo da respectiva procedência, absolveu os RR e a interveniente dos pedidos, para que se dê seguimento à causa, nos termos assinalados, com vista a que, após a produção de prova que se revele necessária a abranger todas as soluções plausíveis da questão de direito, se profira, então, nova decisão quanto à prescrição e, se a isso nada obstar, ao bem fundado dos pedidos formulados pela Autora. * III - Decisão: Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar o saneador recorrido na parte em que julgou a excepção da prescrição e, em consequência desse julgamento, absolveu dos pedidos as RR e a interveniente D. , e, em função disso decidem: a) - Determinar o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, em conformidade com o que acima se assinalou; b) – Absolver a Autora das custas em que foi condenada na decisão ora recorrida.
Custas do recurso pelos Apelados (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do NCPC). * 18/1/2022[18]
(Luiz José Falcão de Magalhães) (António Domingos Pires Robalo) (Sílvia Maria Pereira Pires)
[1] No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Transcrição de trechos do saneador proferido em 09/07/2021 pelo Tribunal “a quo”. [3] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e que se designará como “NCPC”, só se usando a sigla “CPC” para referir o código pretérito, ou, excepcionalmente, nos casos em que transcrevemos texto onde esta última sigla foi já utilizada para identificar o novo Código de Processo Civil. [4] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais Acórdãos, em texto integral, do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase; por outro lado, todos os sumários de acórdãos desse Tribunal que vierem a ser citados em idênticas condições, poderão ser consultados na página do STJ na “Internet”, na secção em “Sumários de Acórdãos”, no endereço “https://www.stj.pt/?page_id=4471”. [5] Relatado pela Exma. Desembargadora Sílvia Pires e consultável - tal como os demais arestos desta Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação -, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase. [6] O sublinhado é nosso. [7] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Ano III, 1995, Tomo I, págs. 264 e ss. [8] Consultável - como os demais Acórdãos da Relação de Lisboa que vierem a ser citados sem referência de publicação -, em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”. [9] Cfr. tb. Acórdão da Relação do Porto, de 17/09/2012, (Apelação nº 418/11.3TTVCT.P1), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase. [10] Sumário disponível, como todos os restantes respeitantes a Acórdãos do STJ que vierem a ser citados sem outra referência de publicação, em “https://www.stj.pt/?page_id=4471”. [11] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”. [12] "Código Civil Anotado", por Pires de Lima e A. Varela, 1ª edição. (nota 1, no texto original). [13] Estudo sobre responsabilidade civil por acidente de viação, in Rev. dos Tribunais, 86, 160/161 (nota 2, no texto original). [14] RLJ 107, 299/300. (nota 3, no texto original). [15] 1970, pág. 436. (nota 4, no texto original). [16] Rev. do Ministério Público, n° 32, pág. 165. (nota 5, no texto original). [17] A nuance referida foi repetida na 10ª edição da obra citada de A. Varela e na 4ª edição do CC Anotado. (nota 6, no texto original). [18] Processado e revisto pelo Relator. |