Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6847/10.2TXLSB-O.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP; ARTS. 146.º, 177.º, 178.º E 179, DO C.E.P.M.P.L.
Sumário: I - A decisão judicial deve conter sempre, de forma suficiente, as razões, de facto e de direito, em que se funda, variando a sua extensão em razão da complexidade e circunstancialismo de cada caso.

II - O texto do n.º 1, art. 146.º do CEPMPL corresponde, quase que integralmente, ao do n.º 5 do art. 97.º do CPP, e a inobservância deste último tem como consequência o cometimento de mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123.º do mesmo Código.

III - O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão que antecipa a libertação do condenado, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno da pena e consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade terminado que seja o respectivo cumprimento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542).

IV - A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.

V - A concessão da liberdade condicional aos dois terços do cumprimento da pena, com o consentimento do condenado, depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização [prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre], presumindo-se que, dado o tempo de cumprimento de pena já decorrido, a libertação é compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pág. 87).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


           

I. RELATÓRIO

No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de concessão da liberdade condicional nº 6847/10.2TXLSB-D, relativos ao condenado A... , nos quais, por despacho de 31 de Julho de 2015, foi negada a concessão da liberdade condicional.


*

            Inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

                A) 1 – Sempre seria desejável que a decisão tomada, não se imponha só em razão da autoridade do órgão que a tomou, mas acima de tudo pela sua racionalidade.

                2 – Não podendo a mesma fundamentação ser parca, ao ponto que não habilite um Tribunal Superior a uma avaliação cabal e segura do porquê da decisão e do seu suporte “lógico-mental”, pois só desta forma se asseguram as garantias constitucionais de defesa. 

                3 – E sendo evidente que não será de todo necessário, nem desejável, que uma decisão de não aplicação da Liberdade Condicional, tenha de enumerar por exemplo o(s) facto(s) provado(s) em cada uma da(s) sentença(s)/acórdão(s) onde a(s) pena(s) foram aplicada(s), sempre seria desejável que o Tribunal "a quo", pelo menos fizesse um resumo sucinto desse(s) facto(s), de forma a habilitar os destinatários da decisão, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta de como o(s) crime(s) foram cometido(s), cujo enunciado legal, em abstracto, não será por certo o bastante.

                4 – Assim como, também deveria descrever, ou ao menos resumir, o(s) facto(s) anteriormente provado(s) que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do Arguido/Condenado, considerando em conjunto, os factos e a personalidade do mesmo, não se bastando apenas por uma invocação perfeitamente simplista e abstrata dessa mesma personalidade.

5 – Não se permitindo então uma correcta e segura avaliação global, quer da ilicitude do(s) facto(s), quer da personalidade do condenado, tudo o que, constitui pressuposto imprescindível da decisão/despacho a efectivar.

6 – Por tudo isto, está hoje o aqui Arguido/Recorrente impedido de entender, qual a razão que levou o tribunal "a quo", pese embora já cumpridos 2/3 da pena, a recusar colocação do mesmo em Liberdade Condicional.

7 – Tornou-se patente, que na determinação do despacho/decisão, o tribunal "a quo" não considerou, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, bastando-se pela invocação abstracta dessa personalidade, e nem quanto a esta mesma personalidade, fundamentou os motivos que levaram à decisão, tudo o que não permite a sindicância da sua legalidade e coerência, inequivocamente padecendo nessa medida do vício da nulidade, violado que foi disposto nos artigos 374º n.º 2, 379º. n.º. 1 alínea a), 97º, n.º 5 e 485.º, todos do Código de Processo Penal Português.

B) 8 – O Tribunal "a quo", também não fez a melhor Justiça na aplicação do Direito, ao ter optado na decisão proferida, por não ter colocado o arguido/condenado em Liberdade Condicional.

9 – Refira-se antes de tudo o mais, que sempre seria desejável que a decisão tomada, não se imponha só em razão da autoridade do órgão que a tomou, mas acima de tudo pela sua racionalidade.

10 – A convicção do Julgador deve ser objectiva e motivada de forma lógica e racional, tudo que, salvo o devido respeito, não aconteceu na decisão ora recorrida,

11 – O aqui Recorrente tem total consciência que muito prevaricou, e nem sequer pretende escamotear, as infracções disciplinares que sofreu "intra-muros': a última das quais (por faltar ao "conto"), já depois de passado um largo período sem incidentes e, praticada após "gozo" de uma 1ª licença jurisdicional que correu sem notícia de todo e/ou qualquer incidente;

12 – O Tribunal "a quo", considerou, salvo o devido respeito, erradamente, que dos autos e análises dos factos resulta que: " …ainda subsistem especiais razões de prevenção especial que obstam à colocação em liberdade condicional do arguido …", e que, " … nos parece que o mesmo ainda apresenta um discurso autocrítico pouco consistente …", não podendo pois concluir-se " … que o mesmo em liberdade terá comportamento diverso do que o ocorrido no passado.".

13 – Sublinhe-se que o aqui Recorrente, em efectividade, já se encontra em reclusão há mais de 5 anos !!!, no seu percurso prisional, conta o gozo de 1 saída jurisdicional (em finais de 2014), a qual correu sem a notícia de todo e/ou qualquer constrangimento,

14 – Parece-nos excessivo, que pontificando o despacho aqui recorrido, as infracções disciplinares cometidas pelo recluso em ambiente prisional, das mesmas conclua, a proclamada subsistência de especiais razões de prevenção especial,

15 – Os invocados registos disciplinares vão já "mui" longos no tempo, ocorridos no E.P. de Vale de Judeus, onde, também se sublinhe, o mesmo aproveitou para em reclusão promover-se profissionalmente, tirando um curso de mecânica, deslizes disciplinares esses, os quais já pesaram, e muito, nas anteriores decisões desfavoráveis do Tribunal de Execução de Pena, não devendo pois "ad eternum", continuar a justificar pelo tribunal "a quo", as consecutivas decisões desfavoráveis ao arguido/recluso, sob pena do mesmo, incorrer em violação do princípio "ne bis in idem".

16 – Da leitura das passagens referentes á fundamentação utilizada pelo Tribunal "a quo", facilmente se pode perceber, que a não concessão do regime da Liberdade Condicional ao aqui Recorrente, está assente numa essência de suposições, hipóteses e cenários, tudo o que, resultou numa convicção que mais parece formada "a priori" e, que se mostra sempre desfavorável ao arguido/recluso.

17 – Pelo tribunal "a quo" foram valorados exageradamente os aspectos em desfavor do arguido e, dada pouca ou nenhuma importância a aspectos que poderiam valorizar a pessoa do aqui recorrente, não será pois despiciendo tentar perceber por que, e conforme acta do Conselho Técnico do E.P. de Coimbra, reunido com vista a apreciar a eventual concessão da liberdade condicional ao aqui recorrente, este, tenha emitido um parecer favorável por unanimidade, à concessão do referido instituto nesta fase do cumprimento da pena.

18 – Esta é a primeira reclusão do aqui recorrente e, o mesmo não tem tão pouco, quaisquer outro antecedente criminal, e, conforme resulta da fundamentação de facto da decisão ora recorrida, o aqui Recorrente: " … actualmente adoptou um discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denotando um juízo crítico do seu comportamento passado …".

19 – O Recorrente não entende nem concorda, como, e com que efectivos fundamentos/ciência, é que o Tribunal "a quo", conclui no seu despacho que quanto ao mesmo: "… subsistem especiais razões de prevenção especial …", e, "… que o mesmo ainda apresenta um discurso autocrítica pouco consistente …", quando, demais a mais, e de modo a poder aferir-se sobre aspectos psicológicos do ora Recorrente, no ponto XI da fundamentação de facto da decisão ora recorrida, aparece plasmado que: "… actualmente adoptou um discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denotando um juízo crítico do seu comportamento passado …".

20 – Pelo exposto, o Recorrente mostrou inequivocamente que se encontram reunidas todas as condições exigidas por lei para que o mesmo possa gozar de um período de readaptação a sua plena liberdade.

21 – O aqui recorrente, durante toda a sua estadia prisional sempre se manteve activo, tentando também valorizar-se profissionalmente, razão porque, enfrentou com sucesso o curso de mecânica que lhe conferiu o 3º Ciclo.

22 – Os anos já longos de reclusão do Recorrente, indubitavelmente deram-lhe oportunidade para que reflectisse criticamente sobre o seu passado desviante, e interiorizasse as consequências nefastas que o mesmo teve para si, e, impedir de futuro o cometimento de novos crimes;

23 – O Recorrente tem elevado apoio familiar, é socialmente querido e tem perspectivas sólidas de trabalho se colocado em liberdade, à data, enfrenta um extenso rol de problemas de saúde que o afectam, tudo, tornando ainda mais penosa a sua permanência "intra muros".

24 – Todos estes múltiplos factores atrás explanados, deveriam ter sido ponderados na decisão recorrida, o que não ocorreu, porquanto indiciam, existir a real vontade do Recorrente se reintegrar, adoptando um comportamento socialmente responsável e cumpridor dos normativos legais.

25 – Não obstante a factualidade provada, o passado criminal e a natureza do(s) crime(s) em causa, a pena a cumprir pelo aqui Recorrente torna-se brutalmente penalizante, e, sendo certo que será necessário ter em conta que do outro lado da balança estão os interesses fundamentais de uma comunidade, com facilidade essa mesma comunidade entenderia, dado o já aqui exposto, que mesmo estando prevista a pena de prisão, esta na sua aplicação poderia ter sido bem menos penalizadora.

26 – No entender do Arguido aqui Recorrente, nesta operação existiu uma sensível desproporcionalidade entre dois pontos essenciais que o regime penal Português pretende assegurar (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), sendo que mais uma vez a decisão ora recorrido foi "cego" perante a importância da reintegração do agente na sociedade.

27 – Na decisão recorrida, ao não ter sido feito, para efeitos do disposto no art. 61º, nº 2 do CP, um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o Recorrente, uma vez em liberdade, adoptará um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal, violou-se o art. 61º, n.º 2, al. a) do referido preceituado legal.

28 – O Recorrente entende, salvo melhor opinião, não existirem in casu obstáculos, de facto e/ou de direito, à sua libertação condicionada, nos termos dos artigos 61º, n.º. 2, 52º a 54º, ex. vi artigo 64º, todos do Código Penal.

29 – A liberdade condicional deve ser concedida, se, cumprida metade da pena de prisão, for possível formular um juízo de prognose favorável, face à personalidade do recluso, reportada ao facto criminoso que deu origem à sua condenação e ao evoluir da personalidade daquele no decurso do cumprimento da pena, e, uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes, para o que, sublinhe-se, foi também unanimemente favorável, o competente parecer/entendimento do Conselho Técnico reunido para o efeito;

30 – O despacho de que ora se recorre deve, assim, ser revogado e substituído por outro que julgue verificado o pressuposto do Art. 61º, n.º 2, al. a) do Código Penal, concedendo-se a possibilidade ao Recorrente de beneficiar da liberdade condicional;

Termos em que, ao recurso apresentado, deve ser concedido provimento nos termos em que se defende, assim fazendo Vossas Excelências, Excelentíssimos Senhores Desembargadores, a habitual e costumada Justiça!


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público alegando que a decisão recorrida tem a natureza de despacho pelo que a eventual falta de fundamentação apenas constituiria mera irregularidade, que, no entanto, a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada designadamente no que respeita à impossibilidade de formulação de juízo de prognose favorável, e concluiu pela confirmação da decisão e consequente improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Público e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação;

- A verificação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.


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Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

“ (…).

RELATÓRIO:

Os presentes autos foram instruídos para apreciação renovada da concessão de liberdade condicional ao condenado A... , melhor identificado nos autos.


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O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

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O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.

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Juntos aos autos os relatórios exigidos pelo art 173.º, nº1, als a) e b), do C.E.P.M.P.L. e reunido o Conselho Técnico do E.P. de Coimbra (art 175.º, do citado diploma) este emitiu parecer favorável, por unanimidade, conforme consta da respectiva acta.

O condenado, ouvido em auto de declarações (art 176.º, do mesmo Código), prestou consentimento à concessão da liberdade condicional, e, sem requerer nenhuma outra diligência de prova, prestou as declarações constantes dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

O Ministério Público emitiu nos autos parecer desfavorável (art 177.º, nº1, do citado diploma), à concessão de liberdade condicional ao condenado com os fundamentos aí constantes.


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O Tribunal é competente.

O Processo é próprio.

Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

I - O recluso A... encontra-se no Estabelecimento Prisional de Coimbra, onde cumpre sucessivamente uma pena única de 7 anos e 4 meses de prisão e 66 dias de prisão subsidiária, à ordem dos autos com o n.º de processo 67/06.8EACBR, do 3.º Juízo Criminal de Leiria, pela prática de 1 crime de roubo, 1 crime de burla qualificada, 1 crime de detenção de arma proibida e 1 crime de falsificação de documentos; e uma pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, à ordem dos autos com o n.º de processo 88/10.6GASRE, do Tribunal Judicial de Soure, pela prática de 1 crime de roubo e de resistência e coacção sobre funcionário.

II - De acordo com a liquidação efectuada, atingiu-se o cumprimento do meio das penas em 2/03/2014, os 2/3 vão alcançar-se em 10/08/2015, os 5/6 em 9/01/2017 e o termo em 30/06/2018.

III - No período que antecedeu a actual reclusão, A... residia com a mulher, de nacionalidade brasileira e com quem casou em 2005, uma filha da mulher e a filha de ambos, num apartamento arrendado em Leiria.

IV - A mulher do recluso desloca-se com frequência ao Brasil, sendo missionária da Igreja Evangélica, auferindo um rendimento mensal superior a 1.500,00 Euros.

V - O recluso, quando for libertado, pretende ir residir com a irmã B... , na Av. (...) São Romão– Seia.

VI - A habitação é propriedade da irmã e constituída por três quartos, uma sala, cozinha e casa de banho, com razoáveis condições de habitabilidade.

VII - O meio comunitário onde a casa está inserida é onde residem grande parte dos irmãos, pelo que o recluso é sobejamente conhecido pela população, não havendo sinais de qualquer sentimento de rejeição.

VIII - A... já foi beneficiário de pensão de invalidez e até do RSI; todavia, após se ter registado como empresário para exercer a actividade de vendedor de automóveis, em sociedade com um irmão, perdeu o direito a qualquer benefício de apoio social.

IX - No exterior, o recluso pretende inserir-se laboralmente na venda ambulante com a irmã B... .

X - O recluso sofre de problemas cardíacos necessitando de uma segunda intervenção cirúrgica.

XI - Actualmente, adoptou um discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denotando um juízo crítico do seu comportamento passado.

XII - Em Vale de Judeus tirou um curso de mecânica, que lhe conferiu o 3º ciclo.

XIII - Regista algumas infracções disciplinares, datando a última infracção de 11/11/2014, punida com 8 dias de POA, praticada após a primeira licença jurisdicional que lhe foi cometida e que levou a que não lhe fosse concedida nova licença.

XIV - O condenado não tem outros antecedentes criminais;

XV - Declarou aceitar a liberdade condicional.


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Motivação:

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos: a) Certidão das decisões condenatórias e da liquidação da pena; b) Relatório dos serviços de Educação e Ensino da DGRSP; c) Ficha Biográfica da DGRSP; d) Relatórios da DGRS; e) Certificado do Registo Criminal; f) Declarações do recluso e esclarecimentos prestados em conselho técnico.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528].

Em causa uma renovação da instância, constituindo a liberdade condicional uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade do condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que verificadas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade.

Na lei vigente (art.º 61.º do Cod. Penal), a liberdade condicional em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), enunciada nos n.º 2, 3 e 4, depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais, designadamente subjectivos, ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.

Assim, constituem pressupostos formais:

a) O consentimento do condenado (art 61.º, nº1, do C.Penal);

b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (art 61.º, nº2 e 63.º, nº2, ambos do C.Penal);

c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão (ou da soma das penas de prisão) que se encontram a ser executadas (art 61.º, nº2 e 63.º, nº2, do C.Penal).

Além disso, constituem pressupostos de natureza material:

a) o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art.º 61.º, nº 2, al a) do C.Penal);

b) o juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (art.º 61.ºnº2, al b) do C.Penal).

No presente caso, atenta a fase do cumprimento da pena, tendo o condenado prestado o necessário consentimento, consideram-se verificados os pressupostos formais.

De notar que, no primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional também de razões de prevenção geral (art.º 61.º nº 1, al b) do C.Penal), isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.

O mesmo já não se passa no segundo momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu há muito, como no presente caso, 2/3 da pena (art. 61.º, nº 2 do Cod.Penal). Aqui já se entende que o cumprimento parcial, daquela pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral e, por isso, neste segundo momento de apreciação da liberdade condicional, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial.

Nestas duas situações, ao contrário dos 5/6, estamos perante um poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei e supra mencionados que mais não são do que a emanação dos princípios enunciados no art.º 42.º, n.º 1 do C.Penal.

Dos autos resulta que o recluso A... encontra-se no Estabelecimento Prisional de Coimbra, onde cumpre sucessivamente uma pena única de 7 anos e 4 meses de prisão e 66 dias de prisão subsidiária, à ordem dos autos com o n.º de processo 67/06.8EACBR, do 3.º Juízo Criminal de Leiria, pela prática de 1 crime de roubo, 1 crime de burla qualificada, 1 crime de detenção de arma proibida e 1 crime de falsificação de documentos; e uma pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, à ordem dos autos com o n.º de processo 88/10.6GASRE, do Tribunal Judicial de Soure, pela prática de 1 crime de roubo e de resistência e coacção sobre funcionário. De acordo com a liquidação efectuada, atingiu-se o cumprimento do meio das penas em 2/03/2014, os 2/3 vão alcançar-se em 10/08/2015, os 5/6 em 9/01/2017 e o termo em 30/06/2018.

Não obstante o parecer favorável do conselho técnico, entendemos que a documentação constante dos autos, designadamente os relatórios ora juntos para apreciação nesta altura da liberdade condicional não resulta demonstrada factualidade que, no essencial, se afaste da anterior apreciação desfavorável feita recentemente.

A isto acresce que como é referido na “Informação Complementar” de fls. 596, a Equipa do Baixo Mondego 2 se limita a dar por reproduzido o relatório anterior, a expressar o comportamento indisciplinado do recluso, antes da sua transferência em 14 de Abril de 2015, e a afirmar que este “continua a não reunir as condições necessárias para a sua reinserção social”. E quando, por sua vez, no relatório de fls. 598/600, se afirma, entre o mais, que o recluso “apresenta uma linguagem confusa, verbalizando…«um juízo crítico, ainda que abstractamente considerado, até porque não assume comportamentos pessoais que tenham implicado prejuízo ou dano para as mesmas»”, concluindo-se que “parece insuficientemente interiorizada a censurabilidade face ao percurso criminal e mitigado o efeito dissuasor da pena aplicada (…)”.

Temos assim por seguro que ainda subsistem especiais razões de prevenção especial que obstam à colocação em liberdade condicional do arguido, tanto mais que nos parece que o mesmo ainda apresenta um discurso autocrítico pouco consistente, bem como o seu projecto de vida parece pouco assimilado por forma a poder-se concluir que o mesmo em liberdade terá comportamento diverso do que o ocorrido no passado.

Tal como é referido na decisão recente de indeferimento, “o recluso continua a não demonstrar ter interiorizado a censurabilidade da sua conduta na medida em que apesar de actualmente ter adoptado um discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denota no entanto baixa reflexão crítica sobre os diferentes bens jurídicos que terá lesado, bem como para avaliar o impacto do seu comportamento para com as vítimas” – cfr. decisão de fls. 575/580.

Consequentemente, por se entender que se não verificam os pressupostos reclamados pelo artigo 61º, n.º 2, al. a), e n.º 3, do Código Penal, deverá prosseguir o cumprimento da pena.


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DECISÃO:

Por todo o exposto, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional


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Renovação da instância em 31.7.2016 (art.º 180.º do CEPMPL), cumprindo-se oportunamente o disposto no artigo 173.º, do C.E.P.M.P.L, solicitando os elementos com 90 dias de antecedência e com prazo de elaboração de 30 dias.

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Notifique e comunique ao EP e à DGRS e aos processos das condenações.

Cumpra-se o disposto no art.º 372º, n.º5 do C.P.Penal.

(…)”.


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            Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação

            1. Alega o recorrente – conclusões 1 a 7 – que a decisão recorrida é nula, por violação do disposto nos arts. 97º, nº 5, 374º, nº 2, 379º, nº 1, a) e 485, todos do C. Processo Penal, por dela não constarem, ainda que de forma resumida, os factos que determinaram a aplicação das penas de prisão e os factos demonstrativos da sua personalidade, modo de vida e inserção social, o que o impediu de entender as razões que determinaram o tribunal a quo a, cumpridos dois terços da pena, não o ter colocado em liberdade condicional.

            Diferente é a opinião do Ministério Público para quem a decisão se encontra devidamente fundamentada, não padecendo irregularidade.

            Vejamos a quem, em nosso entender, assiste razão.

Estabelece o art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

A nível infraconstitucional, a norma encontra-se prevista, ipsis verbis, no art. 24º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto). No âmbito do processo penal, o dever de que cuidamos tem expressão, como princípio geral, no art. 97º, nº 5 e em regimes especiais, no art. 194º, nº 6, privativo das medidas de coacção, e no art. 374º, nº 2, privativo da sentença, todos do C. Processo Penal. No campo específico da execução de penas, há que considerar o disposto no art. 146º, nº 1 do C. da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, doravante, C. Execução das Penas).

O dever de fundamentação é uma exigência do processo equitativo assegurado pela Lei Fundamental (cfr. art. 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa) que visa assegurar a total transparência da decisão. É pelo seu cumprimento que os destinatários directos da decisão judicial e a própria comunidade podem compreender os juízos de facto e de direito que ela encerra, justificadores do que se decidiu e por que assim se decidiu. E simultaneamente, permite o autocontrolo da decisão por quem a proferiu bem como, já na perspectiva da fase processual em que nos encontramos, a fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.  

2. Os actos decisórios dos juízes revestem a forma de sentença quando conhecem a final do objecto do processo, e a forma de despacho quando conhecem de questão interlocutória ou quando ponham termo ao processo sem conhecerem do respectivo objecto (art. 97º, nº 1, a) e b) do C. Processo Penal).

A decisão recorrida insere-se na fase da execução da pena, de que instituto da liberdade condicional constitui incidente. Não é, contudo, líquida, a natureza da decisão que concede ou nega a liberdade condicional. O, pelo art. 8º, nº 2, a), da Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, revogado art. 485º do C. Processo Penal refere expressamente, o despacho sobre a concessão da liberdade condicional (nº 2), o despacho que deferir a liberdade condicional (nº 3), o despacho que negar a liberdade condicional (nº 4) e o despacho sobre a liberdade condicional (nº 5). Mas na sua vigência, parte da doutrina entendia tratar-se de sentença, a decisão que concedesse ou negasse a liberdade condicional (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2001, pág. 44).

O C. da Execução das Penas limita-se, nos arts. 177º, nº 3, 178º e 179º, nºs 2 e 3, a referir a decisão, sem lhe atribuir nomen juris, embora não deixe utilizar, quando necessário, o termo, sentença condenatória (art. 181º). A jurisprudência das relações vem apresentando oscilações, entendendo uns que a decisão sobre a liberdade condicional deve ter uma estrutura idêntica à das sentenças (cfr., entre outros, Ac. da R. de Lisboa de 15 de Dezembro de 2011, proc. nº 4286/10.4TXLSB-F.L1, in CJ, Ano XXXVI, Tomo V, pág. 163), e entendendo outros que tal decisão é, formal e teleologicamente, um despacho (cfr., entre outros, Ac. da R. de Coimbra de 22 de Maio de 2013, proc. nº 850/10.0TXCBR-G.C1 e da R. do Porto de 4 de Julho de 2012, proc. nº 765/09.4PRPRT-A.P1, in www.dgsi.pt).

Para nós, brevitatis causa, porque objecto do processo deve considerar-se equivalente a mérito da causa, a decisão sobre a liberdade condicional não conhece seguramente, do objecto do processo penal e, em bom rigor, também não pode considerar-se que conhece do objecto da fase da execução da pena de prisão, já que se trata de mero incidente desta, pelo que, com referência ao critério distintivo fixado no art. 97º, nº 1 do C. Processo Penal, aquela decisão não é uma sentença.

Por isso, não há que convocar o disposto nos arts. 374º e 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal, para aferir a bondade da fundamentação da decisão recorrida e suas consequências. Na verdade, o já citado art. 146º, nº 1 do C. Execução das Penas dispõe que os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, o que corresponde, texto este quase que integralmente igual ao do nº 5 do art. 97º do C. Processo Penal, e a inobservância deste último tem como consequência o cometimento de mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123º do mesmo código (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 628 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 273).

De qualquer forma, a decisão judicial deve conter sempre, de forma suficiente, as razões, de facto e de direito, em que se funda, variando a sua extensão em razão da complexidade e circunstancialismo de cada caso.   

3. Lendo o despacho recorrido verificamos que o mesmo apresenta a divisão tripartida que caracteriza, formalmente, a sentença penal. Assim, começa com o Relatório, seguido da Fundamentação, integrando esta os factos provados, a motivação de facto e a fundamentação de direito, e termina com o Dispositivo, com a decisão.

Mas, se bem percebemos as razões do recorrente, a crítica que aponta à decisão é a de a mesma não conter um resumo dos factos provados de cada sentença condenatória em execução, relativos às concretas condutas típicas e à sua personalidade, modo de vida e inserção social, sendo, nesta medida, carecida de fundamentação, o que o impede de entender as razões da não concessão da liberdade condicional aos dois terços de cumprimento da pena. Vale isto dizer que não está propriamente em causa a falta de fundamentação de facto mas a sua insuficiência. Pois bem.

 

É verdade que na enunciação dos factos que constam da Fundamentação de facto da decisão em crise, não é feita referência às concretas condutas do recorrente, mas apenas, no ponto I, à qualificação jurídico-penal das mesmas. Sucede até que a enunciação desta qualificação não se mostra correctamente feita, atento o teor do acórdão e da sentença cujas penas únicas, o recorrente cumpre, juntos por certidão a fls. 44 a 55 [acórdão do 3º Juízo Criminal do Tribunal judicial da comarca de Leiria, proferido no processo comum nº 67/07.8EACBR] e a fls. 56 a 65 [sentença do Tribunal Judicial da comarca de Soure, proferida no processo comum nº 88/10.6GASRE]. Com efeito, contrariamente ao que consta daquele ponto I, o recorrente, no processo nº 67/06.8EACBR, foi condenado, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão e em 66 dias de prisão subsidiária, pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, cinco crimes de burla qualificada, um crime de burla qualificada tentada, cinco crimes de falsificação de documento e um crime de detenção de arma proibida, enquanto no processo nº 88/10.6GASRE, foi condenado, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário.

Como de seguida melhor se verá, estando cumpridos dois terços das penas em execução, o juízo de prognose a realizar, para efeitos de concessão ou não da liberdade condicional, previsto na alínea a) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, deve ponderar as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena (cfr. ainda art. 173º do C. Execução das Penas), funcionando estes elementos como índice de (re)socialização e de um comportamento futuro sem o cometimento de crimes (Maria João Antunes, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 86). Densificando estes elementos, podemos dizer que as circunstâncias do caso compreendem a valoração do crime, a sua natureza e os factores que concorreram para a concretização das sanções decretadas, a vida anterior do agente visa, essencialmente, os antecedentes criminais, a personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, tem por objecto a análise comportamental do recluso na perspectiva do seu caminho em direcção à futura convivência em meio livre.

Dada a natureza dos crimes por cuja prática foi o recorrente sancionado – na grande maioria, crimes de burla para cuja prática foram instrumentais outros tantos crimes de falsificação de documentos, um crime de roubo, punido com pena cuja medida é branda, e mostrando-se os restantes de alguma forma relacionados com a actividade comercial ambulante, não vemos, nem o recorrente diz por que razão, a descrição, ainda que sintética, dos factos praticados, se revela imprescindível para a formulação, positiva ou negativa, do referido juízo de prognose.

Por outro lado, as decisões condenatórias em execução tiveram por objecto a realização de cúmulos de penas em resultado do conhecimento superveniente do concurso, delas não constando apreciações à personalidade do recorrente, mas a decisão em crise ponderou-a, quer no ponto XI da Fundamentação de facto quer, mais adiante, na Fundamentação de direito, aqui já com referência a elementos documentais. E no que respeita ao modo de vida e inserção social do recorrente, cremos que a tanto se referem os pontos III, IV, VII, VIII e IX da Fundamentação de facto.        

Em suma, o despacho recorrido cumpre as exigência de fundamentação previstas no art. 146º, nº 1 do C. Execução das Penas e no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal, dele se podendo extrair, sem dificuldades de maior, o que se decidiu e por que razão assim se decidiu. E que o recorrente, primeiro destinatário da decisão, entendeu perfeitamente a razão de o tribunal a quo lhe não ter concedido a liberdade condicional resulta, desde logo, da interposição do presente recurso e das razões que dele fez constar quanto à divergência do decidido.

Concluímos pois, que o despacho recorrido não enferma da nulidade/irregularidade que lhe foi apontada [que, em todo o caso, enquanto irregularidade, a existir, se haveria de considerar sanada]. 


*

Da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional

4. No despacho recorrido foi considerada provada a declaração de consentimento à concessão da liberdade condicional prestada pelo condenado [ponto XV da matéria de facto enunciada], foi considerado provado serem alcançados os dois terços do cumprimento sucessivo das duas penas de prisão em execução em 10 de Agosto de 2015, foi formulado um juízo de prognose desfavorável sobre o comportamento futuro do condenado e, considerando-se não estar verificado o pressuposto previsto no art. 61º, nºs 2,a) e 3 do C. Penal, foi decidido o prosseguimento do cumprimento da pena.

Em sentido oposto, o recorrente assumiu as infracções disciplinares sofridas mas invocou o tempo sobre elas decorrido, a aquisição de competências profissionais e os mais de cinco anos de reclusão para que daquelas não possa continuar a extrair-se a proclamada subsistências de especiais razões de prevenção especial, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, invocou a valorização exagerada de aspectos desfavoráveis e a pequena relevância dada a aspectos valorizadores da sua pessoa, como o parecer favorável, por unanimidade, do Conselho Técnico do EP de Coimbra, a inexistência de antecedentes criminais e, como consta provado da própria decisão recorrida, o actual discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denotando um juízo crítico do seu comportamento passado, para depois, se concluir que afinal, subsistem especiais razões de prevenção especial e ainda, apresenta um discurso autocrítico pouco consistente, invocou a oportunidade de reflexão crítica e interiorização das consequências dos seus actos, proporcionada pelo longo período de reclusão, o apoio familiar e as sólidas perspectivas de trabalho e os problemas de saúde que o afectam, de tudo isto resultando, afirma, a verificação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional, ainda que sujeita a condições.

Já o Ministério Público entende dever ser mantida a situação de cumprimento de pena por continuar indemonstrada a interiorização pelo condenado da censurabilidade das suas condutas, bem como a avaliação do respectivo impacto nas vítimas.

Vejamos.     

O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão que antecipa a libertação do condenado, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno da pena e consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade terminado que seja o respectivo cumprimento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542).    Pode ler-se, a propósito, no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982): «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».

Não se trata, portanto, de um instituto concebido como medida de clemência ou como mera compensação pela boa conduta prisional, mas antes, como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais. São pois, razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que estão na base do instituto, em plena conformidade, aliás, com as finalidades das penas assinalados no art. 40º, nº 1 do C. Penal (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 528).

5. A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.

A primeira ideia a reter é a de que ela depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado). Depois, há que distinguir entre o podemos designar por, liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.

A liberdade condicional não obrigatória ou ope judicis é concedida quando:

a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:

- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 2, a) do artigo citado; e

- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2, b) do artigo citado);

b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do artigo citado).

A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do artigo citado).  

Em síntese, e para o que ao presente recurso importa, a concessão da liberdade condicional aos dois terços do cumprimento da pena, com o consentimento do condenado, depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização [prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre], presumindo-se que, dado o tempo de cumprimento de pena já decorrido, a libertação é compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pág. 87).

6. O recorrente foi condenado, com trânsito, numa pena única de 7 anos e 4 meses de prisão e 66 dias de prisão subsidiária, e numa pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, a serem cumpridas sucessivamente, atingiu os dois terços do cumprimento de ambas no pretérito dia 10 de Agosto de 2015, e deu o consentimento para a sua colocação em liberdade condicional. Dúvidas não subsistem portanto, quanto à verificação dos pressupostos formais de aplicação do instituto.  

O pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional é, já sabemos, a viabilidade de formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado quando em liberdade há que atender à sua personalidade e à evolução desta durante a execução da pena, às competências por si adquiridas no período de reclusão, ao seu comportamento prisional e ao seu relacionamento com o crime cometido, às necessidades subsistentes de reinserção social, às perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e à necessidades de protecção da vítima quando disso seja caso (cfr. art. 173º, nº 1 do C. da Execução das Penas).

 Aqui, não é possível a formulação de um juízo de certeza mas antes e apenas, de um juízo de probabilidade. A prognose é sempre uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições, por isso que, nenhuma decisão de concessão da liberdade condicional pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a cometer crimes.

Posto isto.

6.1. O recorrente desvaloriza as infracções disciplinares que admite ter cometido durante o período de reclusão cumprido, devido ao tempo já decorrido desde o respectivo cometimento, e afirma que, tendo tais deslizes em muito pesado em anteriores decisões do TEP, não podem de novo justificar decisão desfavorável, sob pena de violação do ne bis in idem.

No ponto XIII da matéria de facto enunciada, faz-se referência ao registo de algumas infracções disciplinares, sem mais concretização, e especifica-se a última infracção praticada, datada de 11 de Novembro de 2014 e punida com oito dias de POA, supondo-se estar em causa a medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento (cfr. arts. 105º, nº 1, f) e 107º, do C. da Execução das Penas). Porém, no Relatório para a concessão da liberdade condicional, datado de 24 de Junho de 2015, elaborado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, Estabelecimento Prisional de Coimbra (fls. 86 a 90) é feita referência a uma última infracção registada em 15 de Abril p.p. no EP de Vale de Judeus, sancionada com repreensão escrita.

Não obstante, basta ler a Fundamentação de direito do despacho recorrido para facilmente se concluir que o desadequado comportamento prisional do recorrente, evidentemente, provado, aí não é referido, não tendo tido, seguramente, o peso que este lhe atribui, na decisão proferida.

Em todo o caso, não pode considerar-se uma infracção disciplinar cometida em Novembro de 2014, como desactualizada e nessa medida, irrelevante, para a questão em apreço.

Finalmente, carece manifestamente de fundamento a invocação da violação do princípio ne bis in idem, independentemente da perspectiva que este possa ser formulado.     

6.2. O recorrente afirma que não foi devidamente valorado o parecer unânime do Conselho Técnico do EP de Coimbra, que foi favorável à concessão da liberdade condicional por se tratar da primeira reclusão e de não ter qualquer outro antecedente criminal. 

Que o parecer foi unânime e favorável à concessão da liberdade condicional, resulta do Relatório e é incidentalmente referido na Fundamentação de direito do despacho recorrido.

Concede-se que possa tratar-se da primeira reclusão do recorrente, embora não tenhamos detectado nestes autos de recurso qualquer referência a tal circunstância.

Já no que respeita à inexistência de antecedentes criminais, cremos que assim não será, circunstância que o recorrente não pode, aliás, ignorar. Com efeito, apesar de constar do ponto XIV da matéria de facto enunciada que o condenado não tem outros antecedentes criminais, e de constar do Relatório para a concessão da liberdade condicional, datado de 24 de Junho de 2015, que se trata de um indivíduo sem antecedentes criminais (cfr. fls. 88), basta ler a certidão da sentença proferida no processo comum nº 88/10.6GASRE, do Tribunal Judicial da comarca de Soure, que condenou o recorrente na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, ora em execução, que o mesmo registava três anteriores condenações, em 2001, 2004 e 2005, por crime de fraude sobre mercadorias, por crimes de burla tentada, falsificação de documento tentado e uso de documento de identificação alheio, e por crime de furto, respectivamente, sempre em penas não privativas da liberdade (cfr. fls. 60).

Em todo o caso, a simples leitura a Fundamentação de direito do despacho recorrido revela que o tribunal a quo não ignorou o parecer favorável à concessão da liberdade condicional. O que acontece é que o Conselho Técnico é um órgão auxiliar do tribunal, não sendo vinculativo o parecer emitido (cfr. art. 142º do C. da Execução das Penas), embora deva reconhecer-se que a sua composição (cfr. art. 143º, nº 3 do C. da Execução das Penas) potencia uma panorâmica plurifacetada da evolução do recluso. E o Mmo. Juiz a quo entendeu, como adiante melhor se verá, privilegiar, sobrepondo-a ao parecer, a apreciação da evolução do recorrente em reclusão contida no Relatório social para concessão da liberdade condicional, de 2 de Junho de 2015 (fls. 79 a 82), na Informação complementar ao mesmo relatório, de 26 de Junho de 2015 (fls. 83 a 84) e no Relatório para a concessão da liberdade condicional, de 24 de Junho de 2015 (fls. 86 a 90).

6.3. Afirma ainda o recorrente que concorrem também para a demonstração de que reúne os requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional, a circunstância de no período de reclusão ter investido na sua valorização profissional, a circunstância de ter elevado apoio familiar, ser socialmente querido, ter sólidas perspectivas de trabalho e padecer de extenso rol de problemas de saúde.

Que o recorrente investiu na aquisição de novas competências profissionais, resulta do ponto XII da matéria de facto enunciada, com o curso de mecânica que lhe deu equivalência ao 3º ciclo. Que o recorrente tem apoio familiar, e apenas isso, resulta dos pontos V e IX da mesma matéria, que pensa ter algumas perspectivas de trabalho, mas não no campo das novas competências adquiridas, resulta do ponto IX da mesma matéria, e que padece de problemas graves do foro cardíaco, resulta do ponto X da mesma matéria. Quanto a ser socialmente querido, apenas se poderá dizer, como consta do ponto VII da mesma matéria, que é conhecido no meio para onde pretende ir residir se e quando colocado em liberdade, não havendo sinais de rejeição social.    

7. Porém, para além do que fica dito, o que verdadeiramente interessa e constitui o fulcro do presente recurso, é a apreciação feita sobre a evolução da personalidade do recorrente durante a execução das penas de prisão. E para este efeito, não basta, seguindo aqui a alegação do recorrente, que o período de reclusão lhe tenha dado a oportunidade para reflectir criticamente sobre o seu passado desviante e interiorizar as consequências que o mesmo teve para si. O que realmente se torna necessário e imprescindível é que tal período o tenha efectivamente feito reflectir criticamente sobre as condutas criminosas passadas e o tenha feito interiorizar o desvalor de tais condutas e a necessidade da respectiva reprovação comunitária ou seja, que tenha aproveitado tal oportunidade.

Na Fundamentação de direito do despacho recorrido o tribunal a quo, apoiado na Informação complementar [que para além de referir a existências de sanções disciplinares, se limita a concluir que o condenado continua a não reunir as condições necessárias para a sua reinserção social] e no Relatório para a concessão da liberdade condicional, de 24 de Junho de 2015 [no item ‘Evolução durante o cumprimento da pena – Atitude face ao crime e reacção à pena’, no segmento, «No entanto, apresenta uma linguagem confusa, verbalizando “… um juízo crítico, ainda que abstractamente considerado, até porque não assume comportamentos pessoais que tenham implicado prejuízo ou dano para as mesmas”, in Avaliação do PIR», e no item ‘Avaliação e Parecer’, no segmento, «Parece insuficientemente interiorizada a censurabilidade face ao seu percurso criminal e mitigado o efeito dissuasor da pena aplicada…»], concluiu que o recorrente ainda apresenta um discurso autocrítico pouco consistente, bem como o seu projecto de vida parece pouco assimilado por forma a poder concluir-se que o mesmo em liberdade terá comportamento diverso do que o ocorrido no passado.

Independentemente da maior ou menor confusão de linguagem, o que podemos ter por certo é que o recorrente formula já um juízo crítico sobre os seus comportamentos anteriores [como também se lê no referido item ‘Evolução durante o cumprimento da pena – Atitude face ao crime e reacção à pena’, «O sujeito admite conhecer algumas das vítimas, arrogando um discurso de solidariedade para com essas pessoas, num registo de culto religioso assumido…»], e isso mesmo foi transposto para o ponto XI da matéria de facto enunciada do qual consta que adoptou um discurso que tende para a assunção de responsabilidades, denotando um juízo crítico do seu comportamento passado.   

O recorrente já completou os 40 anos de idade [conforme resulta do acórdão e sentença condenatórias], tem como habilitações literárias o 1º ciclo e equivalência, pela via profissional, ao 3º ciclo, foi criado e educado de acordo com a cultura cigana, etnia a que pertence, embora tenha contraído matrimónio com uma cidadã brasileira, tendo o casal uma filha menor, e se assuma como membro da Igreja Evangélica [tudo resultante do Relatório para a concessão da liberdade condicional, de 24 de Junho de 2015]. Porque o processo reeducacional de um indivíduo com estas características e circunstância, muito dificilmente conduzirá a uma modificação radical de valores, o grau de exigência na apreciação da sua evolução deverá ter em linha de conta esta dificuldade acrescida. Nesta medida, a modificação operada na atitude interior do recorrente face às condutas praticadas não pode deixar de significar um avanço positivo daquela evolução, da mesma forma que positiva é também a circunstância de se ter valorizado profissionalmente, e para uma actividade que se afasta das tradicionalmente exercida pelo seu grupo étnico.

É claro que o caminho trilhado pelo recorrente para a reinserção social está longe da perfeição e que o seu comportamento prisional nada tem de exemplar, mas não pode esquecer-se que a liberdade condicional não depende exclusivamente do comportamento do condenado, não é um prémio pela boa conduta prisional [no ponto 9 da Exposição de Motivos do C. Penal pode ler-se, «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.»].

Deste modo, o progresso verificado na evolução do recorrente – e isto sem perder de vista a natureza dos crimes que estão na origem da sua reclusão [maioritariamente, crimes contra o património e crimes conexos com estes] – é susceptível de criar a fundada esperança de que o mesmo, convenientemente balizado pelos mecanismos legais disponíveis, pode futuramente vir a comportar-se de modo socialmente responsável. Entre tais mecanismos, cremos que o regime de prova, aplicável à liberdade condicional, por força do disposto no art. 64º do C. Penal, poderá contribuir decisivamente para a reinserção social do recorrente.

Em conclusão, afigura-se-nos que a concessão da liberdade condicional, acompanhada de regime de prova, dará satisfação à finalidade de prevenção especial de (re)socialização das penas de prisão em execução.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

A) Revogam o despacho recorrido.

B) Concedem ao recorrente a liberdade condicional, sujeita a regime de prova, cujo plano de reinserção social deverá compreender, além do mais, o cumprimento das recomendações dos técnicos da DGRSP, e a fixação de residência em S. Romão, Seia, de onde o recorrente não poderá ausentar-se sem prévia autorização do TEP.

Recurso sem tributação, atenta a sua procedência.


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A 1ª instância solicitará a elaboração do plano de reinserção social.

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Passem-se mandados de libertação, sem prejuízo do interesse na detenção do condenado à ordem de outro processo.

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Coimbra, 16 de Dezembro de 2015


(Vasques Osório – relator)


(Orlando Gonçalves – adjunto)