Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | FRACCIONAMENTO DE TERRENOS REQUISITOS DIVISÃO MATERIAL DO TERRENO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 542.º, 1 E 2, DO CPC ARTIGOS 280.º; 285.º; 294.º; 408.º, 1; 954.º, A); 1316.º; 1376.º E 1379.º, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | i) O fracionamento de terrenos a que alude o art. 1376º do CC dá-se por um acto translativo de direitos, por ex. através de uma doação, por mero efeito do contrato (arts. 408º, nº 1, 954º, a), e 1316º do CC); para tanto não é requisito necessário a divisão material do terreno. | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório
1. AA e esposa BB, residentes na ..., intentaram contra CC e esposa DD, residentes em ..., acção declarativa, peticionando que seja decretada a nulidade do acordo celebrado entre as partes no âmbito da acção que correu termos nos Julgados de Paz ..., ... e ..., sob o nº ...15. Alegaram, em síntese, que o aludido acordo tem como objecto o fraccionamento de um seu prédio rústico, com uma área inferior à unidade de cultura fixada para a zona em que o mesmo se insere, o que importa a violação do disposto no artigo 1376º, nº 1, do Código Civil. Os réus contestaram, tendo, além do mais, invocado a excepção peremptória de caducidade do direito acção dos autores quanto à declaração de nulidade ou anulação do aludido acordo. Os autores em resposta, pugnaram pela sua improcedência, sustentando, em síntese, que a nulidade em questão é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. * Em saneador-sentença decidiu-se julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção dos AA, absolvendo-se os RR dos pedidos contra si deduzidos, e absolveram-se os AA do pedido de condenação como litigantes de má-fé. * 2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 - A matéria constante no art. 7º da P.I. não foi impugnada pela parte contrária, consequentemente, deveria ter sido considerada provada por acordo, pois que, é essencial para proferir a decisão no pleito, é importante saber que: - Até á presente data, não foi efetuado o ato de fracionamento, - Os RR não construíram o muro nem as valas a que se obrigaram e - Não tomaram posse da faixa de terreno doado. 2 - Consequentemente, não corresponde à realidade dos factos alegados pelas partes, o vertido na douta sentença, a fls. 15, na parte em que diz, “Considerando que, à data em que foi realizado o ato de fracionamento do prédio rustico…” 3 - Na esteira do decidido pelo STJ, aresto transcrito supra, conclui-se que, o acordo escrito a que chegaram as partes, não configura um ato de fracionamento. O fracionamento ocorre com o ato de divisão material, a partir do qual se iniciou a posse sobre cada uma das parcelas. 4 - Portanto, não tendo as partes procedido ao fracionamento da parcela de terreno objeto do acordo, não é aplicável ao caso, o regime do art. 1379º do C.C., visto que, esta norma sanciona apenas os atos de fracionamento, já concluídos, o que não foi o caso dos autos, visto que, as partes não procederam ao fracionamento, nem se iniciou a posse da parcela de terreno cedida. 5 - Posto isto, ao caso deve ser aplicado o regime geral previsto no art. 280º e ss do C.C., bem como, o art. 285º e ss, que preceitua, - Na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade a anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos artigos subsequentes. Por sua vez dispõe o art. 294º - Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. 6 – Conclui-se que a douta sentença omitiu factos alegados, importantes para a decisão, e interpretou e aplicou a lei deficientemente. Nestes termos e nos demais de direito deverá dar-se provimento ao recurso, consequentemente, deverá ser anulada a sentença proferida no tribunal a quo e substituída por outra decisão que, interpretando e aplicando o direito convenientemente, decrete a nulidade do acordo que as partes celebraram, pois, só assim se fará a costumada JUSTIÇA. 3. Os RR contra-alegaram, concluindo que: 1. A douta sentença recorrida fixou a matéria constante dos autos com um criterioso rigor de análise, procedendo depois, ao consequente enquadramento legal, segundo os melhores parâmetros lógico discursivos. 2. O Tribunal “a quo” decidiu na posse de todos os elementos materiais necessários e bastantes para uma decisão de direito, não cometendo qualquer irregularidade ou infracção à lei 3. Pelo que a referida douta sentença não violou qualquer disposição legal. 4. O recurso interposto pelos Autores ora Apelantes deve ser indeferido e rejeitado, por inobservância do disposto nos artigos 639.º, 640.º e 641.º, todos do C.P.C. 5. Quando assim não seja entendido, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida na plenitude da sua formulação e respectivas consequências. 6. Devendo, outrossim, Autores ora Apelantes ser condenados, como litigantes de má-fé, a pagar aos Autores ora Apelados uma indemnização não inferior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). Nestes termos e nos mais que os Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as) suprirão, se pede e espera JUSTIÇA
II - Factos Provados
a. Sob o n.º 1625/...15, encontra-se descrito como rústico na Conservatória do Registo Predial ... o prédio, sito em ..., freguesia ..., do concelho ..., com área de 1620 m2, composto de terra de semeadura e pastagem, que confronta do norte com EE, do sul com Estrada, do nascente com Caminho e do poente com herdeiros de FF, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ...41. b. A aquisição do prédio referido em a. encontra-se inscrita a favor dos Autores pela Ap. ...0 de 1991/03/15. c. Sob o n.º 365/...04, encontra-se descrito como urbano na Conservatória do Registo Predial ... o prédio, sito em ..., freguesia ... e ..., do concelho ..., com área de 2207 m2, composto de casa de habitação de r/chão e 1º andar e quintal, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...87. d. A aquisição do prédio referido em c. encontra-se inscrita a favor dos Réus pela Ap. ...1 de 2002/03/20. e. Correu termos no julgado de Paz ..., ... e ..., uma acção sob o processo nº ...15 na qual foram partes os Autores e Réus. f. Na acção referida em e., foi celebrado acordo, homologado por sentença datada de 28/05/2015, nos termos seguintes: 1º Os mediados BB e AA acordaram ceder aos mediados CC e DD, a título gratuito e inserido neste acordo, uma faixa de terreno, em linha recta, descrita pelo interior da parte do terreno que é sua propriedade, que fica contida entre o pilar confinante entre os dois terrenos e a via pública, conforme fotografia que anexa como doc.1 e onde se encontra esse ponto devidamente assinalado com um A, e que termina no pilar existente junto ao barracão sito nas traseiras da casa do casal CC, conforme fotografia que também se junta como doc. 2, onde o ponto limite traseiro que também se encontra devidamente assinalado com um B. 2.º Acordam ainda que o casal CC, a expensas suas e mediante elaboração de projecto de estabilidade do qual darão conhecimento ao casal AA, assume a construção de um muro novo, o seu enchimento e nivelamento à quota com terras de empréstimo não oriundas do terreno do casal AA, abrindo uma vala de escoamento junto ao mesmo, com uma distância dele de medida igual à profundidade das suas fundações, bem como construção de outra vala, na parte do terreno confinante com a via pública, comunicante com esta já descrita, com ligação à caixa de saneamento aí existente e terminando juntando-se no outro extremo numa outra vala aí existente (e que liga à vala real). Mais acordam que a limpeza anual destas duas valas, preferencialmente em época de sequeiro, fica ao encargo do casal AA, com a renúncia expressa do casal CC a pedir quaisquer compensações, reclamações ou queixas que tenham como origem o muro, as águas ou terras ao longo do mesmo. 3.º Os mediados acordaram em não iniciar a construção do muro sem a presença do mediado. AA, pelo que, o notificarão do referido começo com 15 dias de antecedência através de carta registada com AR para a morada constante nos autos. 4.º Acordam que o casal CC deixe de estacionar os seus veículos automóveis na frente dos portões de acesso à propriedade do casal AA. g. A presente acção deu entrada em juízo no dia 05 de Outubro (por lapso escreveu-se Novembro) de 2022 e os Réus foram citados em 07 de Outubro de 2022.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Alteração da decisão de facto. - Decretamento de nulidade do acordo. - Má fé dos AA.
2. Os AA impugnam a decisão da matéria de facto, porquanto a matéria constante do art. 7º da P.I. não foi impugnada pela parte contrária, consequentemente, deveria ter sido considerada provada por acordo, por ser essencial para proferir a decisão no pleito (conclusão de recurso 1-). Desde logo importa rejeitar a conclusão 4. da contra-alegação dos RR, de indeferimento do recurso nesta parte, por inobservância do disposto nos arts. 639º, 640º e 641º, todos do NCPC, visto que os AA cumprem o aludido art. 640º, nº 1, a) e c), ao indicarem o ponto que pretendem ver julgado e qual a resposta a dar. Naquele artigo da p.i. alegava-se que; até à presente data, não foi efetuado o acto de fraccionamento; os RR não construíram o muro nem as valas a que se obrigaram; e não tomaram posse da faixa de terreno doado. Como já se escreveu em anterior acórdão (referente ao Proc. 707/20.6T8CNT, relatado pelo actual relator) que envolveu ambas as partes, o acordo referido na f. dos factos provados consubstanciou “um contrato de transacção (art. 1248º, nº 1, e 2, do CC). Através dele os AA cederam aos RR, a titulo gratuito, uma faixa de terreno sua propriedade. E os RR, a expensas suas e mediante elaboração de projecto de estabilidade do qual darão conhecimento aos AA, assumiram a construção de um muro novo, e o seu enchimento e nivelamento à quota com terras de empréstimo não oriundas do terreno dos AA, abrindo uma vala de escoamento junto ao mesmo, bem como construção de outra vala, na parte do terreno confinante com a via pública. Assim, ao contrário do que os recorrentes afirmam, houve um contrato, não condicionado - nomeadamente do cumprimento da obrigação de os réus construírem o muro, sendo esta, pelo contrário, uma necessária consequência daquele contrato, que lhe serve de pressuposto. Pelo que a falta de construção do muro por parte dos RR não importa a revogação do dito contrato ou a possibilidade da sua resolução. Com efeito, a cedência da dita faixa de terreno, a título gratuito, equivale a uma doação, nesta situação, uma doação modal (art. 963º, nº 1, do CC), porque onerada com encargos, no caso a construção do muro e adjuvantes (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 2. ao referido artigo, pág. 258). Restando unicamente aos AA exigir o cumprimento coercivo da obrigação dos RR (art. 965º do CC) e não resolver a doação, por esse direito não lhes ter sido conferido pelo contrato (art. 966º do CC).”. Fundamento jurídico este que mereceu a concordância dos recorrentes, como decorre do teor do art. 6º da p.i. da presente acção. Assim, o facto os RR não terem construído o muro nem as valas a que se obrigaram, como alegado no citado art. 7º da p.i. é irrelevante para a nossa causa, que cura de eventual anulação do dito acordo e não do eventual incumprimento pelos RR do contrato de doação modal. Também, o facto de os RR não terem tomado posse da faixa de terreno doado, como alegado no citado art. 7º da p.i., é igualmente irrelevante para a nossa causa, que cura de eventual anulação do dito acordo e não da posse da indicada faixa do terreno doado. Por fim, a alegação de que até à presente data não foi efetuado o acto de fracionamento (citado art. 7º), a mesma é meramente conclusiva, porque implica verificar se o dito acordo correspondeu ou não a um fraccionamento jurídico (e correspondeu, como no ponto 3. infra concluímos) Como tal o art. 7º da p.i. não contém alegação material relevante para a sorte do recurso e decisão da causa, e consequentemente a dita impugnação dos AA revela-se sem interesse. Daí que a mesma improceda. 3. Na fundamentação jurídica da sentença recorrida escreveu-se que: “Para a apreciação da invoca excepção de caducidade, importa, antes de mais, destacar que, conforme referem os Autores, o acordo celebrado entre as partes – e que constitui o objecto da presente acção – tem por objecto a cedência, pelos Autores, de uma parcela do terreno que é sua propriedade. Resulta, portanto, que o referido acordo visa a separação de uma parte do terreno propriedade dos Autores, ou seja, importa o fraccionamento daquele. Atenta a factualidade demonstrada, constata-se ainda que o terreno objecto do aludido fraccionamento corresponde a um prédio de natureza rústica. Cumpre observar que o Código Civil, nos seus artigos 1376.º e ss., contém disposições que regem a admissibilidade e execução dos actos de fraccionamento dos prédios rústicos, bem como os efeitos/consequências daí advenientes. Preceitua o artigo 1376.º daquele diploma legal que: “1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno. 2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura. De salientar que a actual redacção do artigo 1379.º do Código Civil – respeitante às sanção aplicáveis aos actos de fraccionamento contrários ao disposto no artigo 1376.º do mesmo diploma – não corresponde àquela que se encontrava em vigor à data da celebração do acordo (isto é, em 28/05/2015). Aquando da celebração do acordo, o artigo 1379.º apresentava a seguinte redacção (resultante do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro): “1. São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º, se a construção não for iniciada dentro do prazo de três anos. 2. Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte. 3. A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou do termo do prazo referido no n.º 1.”. Na sequência da alteração resultante da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (cuja entrada em vigor ocorrem 30 dias após a sua publicação – cfr. artigo 65.º), o artigo 1379.º do Código Civil passou a apresentar a seguinte redacção: “1 - São nulos os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º. 2 - São anuláveis os actos de fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos. 3 - Tem legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte. 4 - A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar do termo do prazo referido no n.º 2.”. Relativamente à determinação da lei aplicável, perfilhamos a tese defendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 01/03/2018, processo n.º 1011/16.0T8STB.E1.S2, acessível in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos, pela impressividade da síntese: “Considerando que, à data em que foi realizado o ato de fracionamento do prédio rústico em violação do disposto no art. 1376º, nº1 do Código Civil, ainda não estava em vigor a Lei nº 111/2015, de 27 de agosto, nem a Portaria nº 219/2016, de 9 de agosto, à invalidade daquele ato é aplicável o regime da anulabilidade previsto no artigo 1379º, nº 1, na redação anterior à introduzida pela citada lei, uma vez que, nos termos artigo 12º do Código Civil, a lei nova só visa os factos novos quanto às condições de validade dos atos.”. Mais se refere no referido aresto que, “nos termos do art. 12º do C. Civil, o regime jurídico aplicável não poderá deixar de ser aquele que se encontrava em vigor à data da celebração das referidas escrituras, pois que, como refere J. Baptista Machado, a lei nova só visa os factos novos quanto às condições de validade dos actos”. Temos, portanto, que o regime aplicável à presente situação corresponde ao previsto na versão originária do artigo 1379.º do Código Civil, ou seja na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto. Nesta senda, relativamente aos actos de fraccionamento realizados antes de 27/09/2015 (data da entrada em vigor da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto), a sanção civil para a violação do disposto no artigo 1376.º do Código Civil é a mera anulabilidade (cfr. artigo 1379.º, n.º 1, na versão originária), sendo que os negócios que infrinjam tais normas apenas são impugnáveis dentro do prazo de 3 (três) anos (cfr. artigo 1379.º, n.ºs 1 e 4, na versão originária). Consequentemente, decorrido o prazo de 3 (três) anos a contar da celebração do acto (ilegal) de fraccionamento, a violação da lei deixa de relevar, consolidando-se na ordem jurídica os efeitos decorrentes daquele. In casu, verifica-se que estamos no âmbito de uma acção proposta pelos Autores, em 05/10/2022, que tem por finalidade a declaração de nulidade do acordo celebrado entre as partes, em 28/05/2015, no âmbito da acção que correu termos nos Julgados de Paz ..., ... e ..., sob o n.º ...15. Alegam os Autores que o aludido acordo tem por objecto o fraccionamento de um prédio rústico propriedade daqueles, em violação da norma que proíbe o fraccionamento de prédios rústicos contida no artigo 1376.º, n.º 1, do Código Civil, por referência às unidades de cultura fixadas por lei e concretamente aplicáveis in casu. De notar que apreciação da caducidade do direito de acção destinada à declaração da nulidade ou anulação do aludido acordo não importa, necessariamente, a aferição dos pressupostos de admissibilidade do acto de fraccionamento. Neste momento, apenas cabe aferir se aos Autores assiste o direito reagir contra o referido acordo, por via de acção destinada à declaração de nulidade ou anulação do mesmo, independentemente da existência dos alegados vícios que afectem a validade daquele. Ora, à data da propositura da presente acção (05/10/2022), já haviam decorrido, mais de sete anos da celebração do referido acordo. Não se verificando qualquer causa de suspensão ou interrupção da caducidade (…), entendemos que, à data da propositura da presente acção, já se havia esgotado o prazo de 3 (três) anos para que os Autores intentassem acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação da transacção celebrada com os Réus, com fundamento na violação das normas respeitantes ao fraccionamento dos prédios rústicos. Tendo as partes celebrado acordo no dia 28 de Maio de 2015, o direito dos Autores a intentar a acção de declaração de nulidade ou de anulação daquela transacção caducou no dia 29 de Maio de 2018 (cfr. artigo 279.º, alínea b), do Código Civil).”. Os apelantes discordam, conforme as suas conclusões de recurso (2- a 5-). Mas sem razão, dado que a fundamentação jurídica se mostra acertada, convocando as normas legais pertinentes e aplicando-os correctamente. Devendo, por isso, ser inteiramente chancelada. Só há, agora, que contrapor aos argumentos apresentados pelos recorrentes o seguinte: - a p.i. dos AA retrata uma patente contraditoriedade, nos seus próprios termos, pois no já apontado art. 7º da p.i. e 20º da mesma peça afirma que não houve fraccionamento mas depois nos arts. 9º a 21º, incluindo o indicado art. 20º, já afirma que houve fraccionamento !? Ou seja, a p.i. seria eventualmente merecedora de uma ineptidão por obscurantismo e ininteligibilidade da causa de pedir, o que não aconteceu. Só perante o pedido formulado se percebeu, por fim, a pretensão dos AA, que tinha, afinal, a ver com a invocada nulidade do contrato celebrado entre as partes, por violação das regras do fracionamento. Adiante, por isso. - dos factos resulta que se deu a transmissão duma parcela de terreno para os RR, em 28.5.2015, através de uma doação, por mero efeito do contrato (arts. 408º, nº 1, 954º, a), e 1316º do CC). Um acto translativo de direitos, portanto. Desde essa data produziu-se o fraccionamento. Os recorrentes alegam que no Ac. do STJ de 28.4.2019 Proc.7604/16.8T8STB.E1.S1 se estatuiu o seguinte (em sumário): II - Ainda que a escritura titule a aquisição por usucapião de parcela de prédio rústico inferior á unidade de cultura, o acto escriturado não configura um acto de fraccionamento. III - O fraccionamento ocorre com o ato de divisão material, a partir do qual se iniciou a posse sobre cada uma das parcelas e que, prologando-se no tempo, por período legalmente suficiente, permitiu a invocação por parte dos RR da aquisição originária do direito de propriedade sobre cada uma delas por via da usucapião. – o itálico é nosso. Alegando, assim, na esteira do decidido pelo aresto transcrito que é de concluir que o acordo escrito a que chegaram as partes, não configura um acto de fracionamento, pois ele só ocorre com o acto de divisão material, a partir do qual se iniciou a posse sobre cada uma das parcelas. Esse aresto foi tirado no âmbito de um processo relativo a uma escritura de justificação notarial, tendo-se, ainda, sumariado que: I - A escritura de justificação notarial não é um ato constitutivo de direitos nem um ato translativo de direitos. É um ato declarativo de aquisição de um direito por via da usucapião, o qual se mostra necessário pelo facto de a usucapião, para ser eficaz, necessitar de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita. – o itálico é nosso. Isto é, a validade de tal posição daquele tribunal superior circunscreve-se não a um acto translativo (ou constitutivo) de direitos, mas sim a um mero acto declarativo, como é a escritura de justificação judicial, e para efeitos de usucapião, para contagem do prazo da mesma, tendo aí relevância, obviamente, o momento de início da posse de parcela do prédio, após a divisão material deste. Por conseguinte o dito aresto não tem o valor que os recorrentes lhe emprestam para afastar o fracionamento verificado no nosso caso. Repetimos, o fracionamento deu-se com o referido contrato de doação, como atrás sublinhámos, fraccionamento esse que não está dependente de uma divisão material. Esta só tem eventual interesse para situação de posse e hipotética usucapião. Como refere A. Varela (em CC Anotado, Vol. III, 2ª Ed., nota 6. ao artigo 1379º, pág. 269), se, através de um negócio jurídico nulo (v.g., por falta de forma, ou vício substantivo, dizemos nós) se realizar um fracionamento contrário ao disposto no art. 1376º, e se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aquele preceito não obsta a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais. Só, portanto, neste circunstancialismo se revelando relevante a referida divisão material. Resta, ainda, perguntar. Então se não houve fraccionamento, nem qualquer nulidade, porque é que os AA a vêm pedir e esperam obter ? Mais uma vez se evidencia uma patente contraditoriedade na economia dos termos da acção e nos termos do próprio recurso. - a terminar diremos que se as partes não procederam ao fracionamento da parcela de terreno objeto do acordo, não lhe sendo aplicável o regime do art. 1379º do CC, como os AA alegam, então qual é a nulidade que os recorrentes configuram com preenchendo os arts. 280º, 285º e 294º do CC !? Os AA nem ousaram, sequer, precisá-la ou defini-la. E nós também não a vislumbramos. Não procede, por isso o recurso. 4. Os RR nas contra-alegações pediram a condenação dos AA como litigantes de má fé. Os RR não responderam. Dispõe o artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil que: 1. A parte que litigar de má-fé será condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. O fundamento invocado pelos RR (nas suas alegações de recurso) foi o de que a incoerência ou contradição entre as razões de facto e de direito invocadas na petição inicial, e nas respectivas alegações de recurso, pelos AA revelam a forma despudorada como os mesmos deturpam a verdade, negam a evidência dos factos, e pugnam contra o direito, o que configura uma utilização abusiva dos meios processuais, com claro propósito de obstruir a realização da justiça, e denegar ou protelar a efectivação do direito já judicialmente reconhecido. Isto é as situações previstas nas citadas b) e d). Aproveitando o já expendido pela 1ª instância acerca de idêntico pedido formulado pelos RR na sua contestação e desatendido na decisão final, diremos que o a lei não reserva o acesso aos tribunais aos detentores da razão, estabelecendo, contudo, entraves à introdução em juízo de pretensões, cominando certas actuações como litigância de má-fé. Porém, não deve confundir-se a litigância de má fé com por ex. a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor. Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, torna-se imperioso que se evidencie, com nitidez, que a mesma adoptou um comportamento processualmente reprovável, isto é, que, com dolo ou negligência grave, altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes, outrossim, que use o processo de modo manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (vide Lebre de Freitas, em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao anterior artigo 456º = ao actual art. 542º, pág. 220). A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão ou é negligente grosseiramente quanto a dever saber que não tem razão. Atento o exposto, e no caso em apreço, temos que a posição dos AA não preenche tais alíneas, antes corroboramos um parágrafo dos RR escrito nas suas contra-alegações, a saber: “Só por deplorável atrevimento de quem não sabe o que diz nem o que faz, ou, então, por censurável deliberada má-fé, podem os mesmos Autores ora Recorrentes agora invocar, em flagrante oposição com os factos articulados na p.i. (vidé, nomeadamente, entre outros, o vertido nos artigos 10.º e 11.º), que «não tendo as partes procedido ao fracionamento da parcela de terreno objeto do acordo, não é aplicável ao caso, o regime do art. 1379º do C.C.»”. Não conseguimos ter a certeza em qual dessas duas situações se enquadram os AA, parecendo-nos mais a primeira, ou seja, uma aparente e notória inabilidade jurídica para lidar com a factualidade e direito dos autos. Tendo em conta o exposto, não podemos concluir pela verificação de qualquer das duas situações enunciadas a que alude o transcrito art. 542º. Não procede, pois, o pedido de condenação dos AA como litigantes de má-fé. (…)
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso dos AA improcedente, assim como o pedido de condenação dos AA como litigantes de má fé. * Custas a cargo dos AA. * Coimbra, 12.7.2023
Moreira do Carmo
Rui Moura
Fernando Monteiro
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