Em conferência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
1- Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, no processo acima referido, que correm termos no Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, foi concedida liberdade condicional ao preso FA
2- Inconformado, recorre o Ministério Público na 1.ª instância, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
1º A liberdade condicional visa criar um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, destinado a permitir que o arguido se possa nela integrar, após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de longa pena de prisão.
2º O n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal, ao estatuir que, «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena», visa responder às situações de desabituação à vida em liberdade e que, ocasionadas pela aplicação de penas muito longas, exigem um período de adaptação.
3º Na verdade, a liberdade condicional denominada de “obrigatória” visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a permitir ao condenado integrar-se na comunidade após um período de afastamento causado pela prisão, tendo como justificação acrescida a circunstância desse afastamento da comunidade ser particularmente prolongado no caso dos condenados a pena de prisão superior a seis anos, e visa também facilitar a reintegração social do agente e bem assim a permitir o exercício de um certo controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade.
4º Radicando o fundamento da liberdade condicional obrigatória no “afastamento prolongado da comunidade” a que o condenado esteve sujeito e como forma de “dar resposta às situações de desabituação da vida em liberdade originadas pela aplicação de penas muito longas”, esse afastamento já não se verifica quando houve uma interrupção no cumprimento da pena, ainda que curto seja.
5º A tal situação de desabituação à vida em liberdade, quantificada em pena de prisão de mais de seis anos, não se verifica quando o condenado interrompeu ilegitimamente, por violação dolosa e grave das obrigações impostas aquando da sua colocação em adaptação à liberdade condicional a poucos meses de completar os cinco sextos, a pena que cumpria – partindo o equipamento de vigilância electrónica e evadindo-se para parte incerta durante quase seis anos -, e o remanescente da pena a cumprir é inferior a seis anos, no caso, um ano e seis meses.
6º “Efectivamente, o período de transição entre a prisão e a liberdade deixou de justificar-se com o antecipado reingresso na comunidade do condenado que, por sua conta e risco, resolveu interromper o cumprimento da pena, já por que, com a ocorrência de tal incidente, o longo período de clausura, decorrente da expiação de uma pena daquela dimensão e por suposto motivador da desabituação do agente à vida em liberdade, cessou pura e simplesmente.”
7º Em tais circunstâncias, a liberdade condicional aos cinco sextos da pena torna-se meramente facultativa, pois só com o cumprimento ininterrupto de cinco sextos de uma pena com superior a seis anos existirá o longo afastamento da colectividade, pressuposto da concessão da liberdade condicional nos termos do n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal.
8º Injustificado seria, face à intenção político-criminal que preside ao instituto, considerar que a liberdade condicional é sempre de conceder, desde que se mostrem cumpridos cinco sextos da pena e independentemente de quaisquer vicissitudes que possam ter surgido no seu decurso, designadamente a ausência ilegítima do recluso, que assim seria premiada.
9º A jurisprudência fixada no acórdão 3/2006 não é aplicável ao caso, desde logo pela substancial diferença das situações em causa, uma vez que esse acórdão versou sobre uma situação de ausência ilegítima por não regresso de uma licença de saída jurisdicional e a situação em causa respeita a uma revogação de adaptação à liberdade condicional, concedida à beira dos cinco sextos (escassos meses antes deles), à qual se seguiria imediatamente a liberdade condicional, não fora a flagrante, grave e dolosa violação dos deveres por parte do condenado.
10º Com a colocação em adaptação à liberdade condicional, a escassos meses de completar os cinco sextos da sua pena, foram facultadas ao condenado todas as condições, nomeadamente as legais, por via da aplicação do regime da adaptação à liberdade condicional, em ordem à sua plena reinserção social, o que só pelo seu grave incumprimento se frustrou.
11º Com o descrito comportamento na adaptação à liberdade condicional, o condenado quebrou a confiança em si depositada aquando da sua concessão e quebrou a continuidade da execução da pena, mantendo-se evadido por quase seis anos e, segundo declarou, a trabalhar em Espanha.
12º A argumentação que valeria para a situação de revogação da liberdade condicional terá, necessariamente e por conseguinte, de valer para a revogação da adaptação à liberdade condicional, a esta se aplicando as mesmas regras daquela.
13º Quer numa situação, quer na outra, não é aplicável a regra prevista no artigo 61.º, nº 4, do código penal, pois que a execução da prisão foi interrompida pela adaptação à liberdade condicional e, depois, pela evasão, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade; e neste sentido aponta, paralelamente, o artigo 63.º, nº 3, do mesmo código, ao introduzir a ressalva “se dela não tiver antes aproveitado”- para este efeito, por exemplo, nada distingue uma situação em que está em causa uma única pena de 6 anos e 6 meses de prisão daquela em que duas penas autónomas, a cumprir em sucessão, perfazem, em soma, idêntico período temporal.
14º Doutro modo, ocorrerá o seguinte: o condenado é colocado em adaptação à liberdade condicional a cerca de oito meses dos cinco sextos. Este regime é revogado porquanto, a cerca de dois meses desses cinco sextos, violou flagrantemente as regras impostas. Retomado o cumprimento da pena é obrigatoriamente, a entender-se que vale aqui a regra do artigo 61.º, nº 4, colocado em liberdade condicional, situação muito menos limitadora da sua liberdade que a da adaptação à liberdade condicional, depois de cumprido o curto período de dois meses de prisão.
15º A situação presente está claramente fora da ratio legis que presidiu à consagração da ‘válvula de segurança’ subsequente a privações prolongadas da liberdade.
16º A inversa interpretação do tribunal é susceptível de colocar em causa a eficácia e a efectividade da pena imposta e da própria razão de ser da revogação da adaptação à liberdade condicional.
17º Os despachos recorridos contrariam a prática processual de anos deste tribunal de execução de penas em situações de pena remanescente inferior a seis anos de prisão e contrariam, também, o entendimento do tribunal da relação de Coimbra expresso em acórdão que versou sobre a forma de liquidar a pena remanescente, em recurso por interposto pelo Ministério Público, aliás sem vencimento, no processo 646/11.1TXCBR-A, onde defendemos a liquidação tal como agora a fizemos neste processo, mas com entendimento contrário do tribunal.
18º isto porque sendo a pena residual a cumprir de um ano e seis meses, sempre este tribunal entendeu que a liquidação do remanescente é feita sem considerar a pena original e, posto que o mesmo não seja superior a seis anos, acresce sempre aos cinco sextos de outras penas que se encontrem com ele em execução sucessiva, não se compreendendo agora tal diferenciação relativamente a outros casos de condenados em cumprimento de prisão.
19º Não pode de todo proceder o argumento contido no primeiro despacho recorrido de que “(…) o presente caso não diz respeito a penas de execução sucessiva, nem existe, para além da pena em execução, qualquer outra pena ou remanescente a executar.”, porque sem qualquer suporte legal e porque gerador de tratamento diverso e desigual, com manifesto prejuízo para outros condenados – isto porque o tribunal, nos casos de outras penas em cumprimento sucessivo e com pena remanescente por revogação da liberdade condicional, faz acrescer sempre esse remanescente, independentemente da pena original e sem considerar o disposto no artigo 61º, nº 4, aos cinco sextos da soma daquelas penas, posto que essa soma seja superior a seis anos, e já a vai buscar na situação isolada de remanescente, aplicando-lhe o 61º, nº 4, se for caso disso.
20º A interpretação feita pelo tribunal redunda em solução absurda e incongruente com a unidade do sistema jurídico.
21º Os despachos recorridos violam a interpretação conjugada dos artigos 61º, nº4, 62º, 63º, nº 3 e 4, e 64º, nº 2, do código penal.
22º Devem ser revogados e substituídos por outro que considere não verificados os pressupostos da libertação aos cinco sextos e a inaplicabilidade, ao caso, do disposto no artigo 61º, nº 4, do código penal, e que determine o cumprimento da pena remanescente sem libertação obrigatória, emitindo-se, de novo, mandados de detenção.
3- No seu douto parecer, o Exmo PGA conclui pela improcedência do recurso.
4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
5- Apreciando
Os despachos recorridos, proferidos sucessivamente e pela ordem que agora expomos, têm a seguinte fundamentação, no essencial:
«A questão que o Ministério Público coloca prende-se, portanto, com a aplicabilidade, no presente caso, do estatuído no art. 61º nº 4 do CP, segundo o qual “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”. Defendendo que no presente caso a execução da pena imposta deverá ser integral, o Ministério Público, em suma, alega que «não é aplicável ao caso a regra prevista no artigo 61º, nº 4, do código penal, porquanto a execução da prisão em reclusão foi interrompida com a adaptação à liberdade condicional e, depois, com a evasão do condenado, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade. Neste sentido vai, também o preceituado no artigo 63º, nº 3, do código penal, ao introduzir a ressalva “se dela não tiver antes aproveitado».
(…) Em primeiro lugar, importa desde já afastar a aplicabilidade “subsidiária”, ou por analogia, do estatuído no invocado art. 63º nº 3 do CP, e do seu inciso ‘se dela não tiver antes aproveitado’, visto que o presente caso não diz respeito a penas de execução sucessiva, nem existe, para além da pena em execução, qualquer outra pena ou remanescente a executar.
Em segundo lugar, e essencialmente, porque a revogação da adaptação à liberdade condicional tem como efeito o cumprimento da pena aplicada em meio prisional (em tudo à semelhança do que sucede com a revogação do regime de permanência na habitação, agora previsto no art. 43º do CP e art. 44º nsº 3 e 4 do CP, que é hoje considerando, e sem dúvida “um incidente (ou uma medida) de execução da pena de prisão” – neste sentido, Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, pág. 94).
A execução da adaptação à liberdade condicional corresponde ao cumprimento de pena, ou melhor dito, é tempo correspondente ao cumprimento de pena, tanto que lhe é conatural a privação da liberdade, embora em contexto domiciliário (cfr., sobre este instituto, Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, Almedina, pág. 208).
Tanto que, de acordo com o Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 14/2009 (in DR. 226/2009, 1º série), e quando da análise do referido instituto, considerou-se que a adaptação à liberdade condicional corresponde “a previsão de um tempo de «antecipação», que por ser antecipação é anterior, precede e está antes da liberdade condicional sensu stricto”.
Acresce, por outro lado, que estando o condenado em cumprimento de pena, se a sua execução é interrompida, ainda que por motivo que lhe seja imputável, do que se trata é de retomar a execução dessa mesma pena, com as consequências daí advenientes. Por isso, se homologou o cômputo formulado pelo Ministério Público, na medida em que, e muito bem, nele se procedeu ao cálculo dos marcos temporais com referência à pena inicial aplicada, computando-se o referente aos 5/6 da pena, que ainda não havia sido atingido quando o condenado interrompeu o cumprimento da pena.
Por estas razões, julgamos ser aqui inteiramente transponível toda a argumentação que sustentou o que foi decidido no Ac. da Fixação de Jurisprudência nº 3/2006 (in DR, I-série, 9/1/2006), e que aqui damos por reproduzido, não obstante o facto de o mesmo ter sido tirado em momento anterior ao da previsão do regime da adaptação à liberdade condicional, introduzido pela Lei 57/2007, de 4/9, no art. 62º do CP. Segundo o referido Acórdão, “nos termos dos nº 5 do artigo 61º [actual art. 61º nº 4] e 3 do artigo 62º [actual art. 63º nº 3] do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional”.
(…) No caso dos presentes autos, o condenado, que se encontrava em adaptação à liberdade condicional, privado da liberdade em contexto domiciliário, com vigilância electrónica, e portanto, em cumprimento de pena, ausentou-se da residência e colocou-se em parte incerta, eximindo-se à execução da pena.
A tal comportamento, e para além da natural consequência que lhe é inerente, poderá corresponder ainda consequência jurídica autónoma, tanto que o Ministério Público já requereu e já lhe foi entregue certidão para procedimento criminal por crime de evasão (justamente no entendimento, segundo o qual, o condenado eximiu-se ao cumprimento da pena em execução).
Retomada a execução da pena, e sendo a mesma de duração superior a 6 anos de prisão, não se vê como se poderá defender ter o condenado que cumpri-la integralmente, perante a expressa previsão normativa constante do art. 61º nº 4 do CP.»
(…) «1) o condenado encontra-se a cumprir uma pena única de 8 anos de prisão, imposta no proc. 181/05.7GFSNT, pelo cometimento de um crime de violação na forma continuada;
2) atingiu os 2/3 dessa pena em 13/7/2013, e tendo-lhe sido concedida adaptação à liberdade condicional em 7/3/2013, eximiu-se à sua execução entre 13/9/2013 e 25/7/2019, data em que retomou o seu cumprimento, ocorrendo os 5/6 em 25/9/2019 e o termo em 25/1/2021;
3) uma vez em liberdade, o condenado perspectiva ir residir junto da companheira, com quem vem mantendo coabitação;
4) não dispõe, de momento, de concretizado projecto de inserção laboral;
(…) no caso dos autos, está em apreciação a liberdade condicional pelos 5/6 da pena.
À libertação condicional nesta fase do cumprimento da pena, interessam apenas os seguintes pressupostos: a) que o recluso tenha cumprido 5/6 da pena ou da sua soma quando em cumprimento sucessivo; b) que o recluso consinta na sua libertação condicional.
Ora, na situação em apreciação, constata-se que ambos os pressupostos se verificam em concreto, ou seja, o recluso aceita ser libertado condicionalmente e está prestes a atingir os 5/6 das penas em cumprimento. Em consequência, é de conceder a liberdade condicional.»
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões aí suscitadas, a de saber se o tribunal recorrido fez um uso desconforme do art. 61.º-4 do CodPenal, ao conceder a liberdade condicional ao preso, atenta a conduta do mesmo no período de adaptação à liberdade condicional, interrompendo tal período ausentando-se durante seis anos (tendo sido condenado a uma pena de prisão de 6 anos e 6 meses)
Ora, dispõe o art. 61.º-4 do CodPenal: «Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.»
E o art.62.º: «Adaptação à liberdade condicional: Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.»
E dispõe o art. 63.º: «Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas: 1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena. (…) 3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.»
A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade no sistema progressivo, representando uma transição entre o cárcere e a vida livre.
Qualquer que seja a natureza jurídica da medida ( apenas a última fase do sistema progressivo ; uma fase de execução da pena, a qual sofre uma modificação no seu último estágio; um direito público subjectivo do recluso ), o certo é que na lei vigente (artigo 61.º do CodPenal ), a liberdade condicional em sentido próprio ( também chamada liberdade condicional facultativa), enunciada nos n.º 2, 3 e 4, depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais, designadamente subjectivos, ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.
Na fase de execução da pena não são considerados os mesmos elementos que determinam, na fase do julgamento, a condenação numa determinada fase. Porque ali o condenado já cumpriu parte da pena de prisão, em ambiente fechado e sujeito ao escrutinio das entidades prisionais, importa sobretudo avaliar a evolução da personalidade do recluso candidato à liberdade condicional, a comparação desta evolução com as condições que vigoravam na altura do cumprimento do ( s ) crime ( s ), se o mesmo tem condições de inserção social e profissional. Claro que as razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e de prevenção especial (carência de socialização do condenado), não são privativas do momento da determinação da pena, antes continuam a estar presentes na fase de execução da pena de prisão.
Assim, no primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional também de razões de prevenção geral (art. 61.º- nº 1-b) do CodPenal), isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.
O mesmo já não se passa no segundo momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (art. 61.º nº 2 do CodPenal). Aqui já se entende que o cumprimento parcial (2/3) daquela pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral e, por isso, neste segundo momento de apreciação da liberdade condicional, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial.
Ou seja, apesar de a liberdade condicional, quando facultativa (ope judicis), depender de razões de prevenção especial, o certo é que naquele primeiro momento é irrenunciável apurar se se mostram também satisfeitas as exigências de prevenção geral positiva.
A personalidade do agente é um factor de essencial importância para a concessão da liberdade condicional, particularmente pela via da prevenção e do prognóstico favorável à outorga de tal liberdade; não decerto a personalidade como um todo, mas da personalidade manifestada no acto e que o fundamenta, isto é, na justificação a partir do que se faz e não do que se é .
Portanto, nos termos da lei a liberdade condicional é aplicada em função da emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade decorrente da avaliação das circunstâncias do caso, da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução desta durante a execução da pena de prisão; e o mesmo se passa quando a pena de prisão a cumprir é superior a 6 anos (como é o nosso caso).
É o que decorre necessariamente das disposições conjugadas do n.º 2-alínea do art 61.º e do n.º 4 do mesmo normativo, que remete para aquele mesmo condicionalismo.
Por isso concordamos com o MP recorrente quando diz que a unidade do sistema jurídico - isto é, a necessidade de assegurar uma aplicação coerente e eficaz das normas e dos institutos – impõe considerar que no caso presente, « radicando o fundamento da liberdade condicional obrigatória no “afastamento prolongado da comunidade”», interrompendo o recluso a adaptação à liberdade condicional e até impedindo a outorga de tal liberdade a escassos meses dali por se ter alegremente ausentado do país duran 6 anos (ou pelo menos impossibilitado que fosse encontrado ) « a liberdade condicional aos cinco sextos da pena torna-se meramente facultativa, pois só com o cumprimento ininterrupto de cinco sextos de uma pena com superior a seis anos existirá o longo afastamento da colectividade, pressuposto da concessão da liberdade condicional nos termos do n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal.(…) A argumentação que valeria para a situação de revogação da liberdade condicional terá, necessariamente e por conseguinte, de valer para a revogação da adaptação à liberdade condicional, a esta se aplicando as mesmas regras daquela.»
E de resto é bem verdade que dificilmente será aceite, designadamente pela comunidade prisional, um tratamento de favor numa situação de manifesta e reiterada violação das regras da liberdade condicional como a do presente recurso, por desde logo ser «gerador de tratamento diverso e desigual, com manifesto prejuízo para outros condenados».
6- Decisão
Pelos fundamentos expostos:
I- Concede-se provimento ao recurso, e assim se revogam os despachos recorridos, que devem ser substituídos por outro que determine o cumprimento da pena remanescente sem libertação obrigatória, emitindo-se mandados de detenção.
II- Sem taxa de justiça
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Coimbra, 15 de Janeiro de 2020
(Texto processado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, e assinado digitalmente pelo Relator e Adjunto) - artº 94º, nºs 2 e 3 do CPP.
Paulo Valério (relator)
Olga Maurício (adjunta)