Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
45/15.6T8NZR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: HABILITAÇÃO DO ADQUIRENTE
INTERVENÇÃO NA LIDE DO TRANSMISSÁRIO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 33.º, 2; 260.º; 261.º; 262.º; 263.º; 356.º E 564.º, B), DO CPC
Sumário:
I-A transmissão do direito, coisa ou obrigação litigiosos entre vivos, confere ao transmitente, adquirente ou à parte contrária (cfr. artº 356, nº2 do C.P.C.), o direito potestativo de fazer intervir na lide o transmissário, sem que este possa deduzir oposição por não constituir parte contrária no processo.

II-O adquirente habilitado tem, no entanto, legitimidade para impugnar a decisão com fundamento na não verificação dos pressupostos que permitem a sua intervenção no processo, contidos no artº 263 e 356 do C.P.C.

III-Não integra este fundamento a alegação de que estão formulados pedidos no processo a que o adquirente é alheio, sabido que a transmissão opera apenas em relação às questões relacionadas com o direito ou coisa transmitida.

Decisão Texto Integral:

Proc. Nº 45/15.6T8NZR-A.C1-Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Competência Genérica da Nazaré.

Recorrente: AA

Recorridos: BB e CC

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Henrique Antunes

                                        Falcão de Magalhães

                                                


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



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RELATÓRIO

DD e mulher EE, vieram intentar acção de processo comum, contra “A..., Lda, peticionando a sua condenação a a:

a) – reconhecer que o terraço identificado no artº 2º, desta p.i., faz parte integrante da fracção identificada no artº 1º e é propriedade exclusiva dos AA.

b) – reconhecer que não existe qualquer servidão de vistas, nem de qualquer outra espécie, sobre a fracção dos AA., a favor de nenhuma das 4 fracções do prédio identificado no artº 4º desta p.i., que confronta do lado poente com o prédio dos AA.

c) – encerrar as janelas que, contra a vontade e sem o consentimento dos AA., ilicitamente abriu em cada uma das 3 fracções – ao nível dos 1º, 2º e 3º andares do prédio contíguo ao imóvel dos AA. - pondo assim termo à devassa sobre o terraço dos AA.

d) – custear e colocar o painel com vidro fosco, impossível de abrir, na janela ao nível do r/c do mesmo Bloco B

e) - custear e colocar no local adequado os 2 painéis solares mencionados no artº 3º desta p.i.

f) – indemnizar os AA. por danos morais sofridos pela devassa do terraço da sua fracção, com o pagamento da importância mínima de €200,00 (duzentos euros) por cada mês, até à cessação da devassa, importância que, nesta altura, se computa em €10.200,00 (dez mil e duzentos euros), acrescida dos juros legais até ao efectivo pagamento.

g) – custas e procuradoria condignas.


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Recebidos os autos e citada a R., foi proferido despacho nos autos principais, em 13/07/2015, nos seguintes termos:

Nos presentes autos, os autores pedem, para além do mais, que a ré seja condenada a reconhecer que o terraço identificado no art.2.º da petição inicial faz parte da fracção de que os primeiros são proprietários e é propriedade exclusiva destes, a reconhecer que não existe qualquer servidão de vistas sobre a fracção a favor de nenhuma das quatro fracções do prédio identificado no art.4.º do articulado, a encerrar as janelas que abriu ilicitamente em cada uma das três fracções (1.º, 2.º e 3.º andares do prédio contíguo), custear e colocar o painel com vidro fosco na janela ao nível do r/c do mesmo bloco B e custear e colocar no local adequado os dois painéis solares mencionados no art.3.º.

Do teor das Certidões ora juntas aos autos não resulta que a ré seja proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...02 (no Bloco B).

Assim, notifique os autores para, no prazo de dez dias, juntarem aos autos Certidões de Registo Predial comprovativas de que a titularidade do prédio, ou respectivas fracções em causa – r/c, 1.º, 2.º e 3.º andar - onde se encontram as aludidas janelas, se encontra registada a favor da ré.

Caso não se comprove a titularidade pela ré das referidas fracções, desde já se convidam os autores a, no mesmo prazo, deduzirem o competente incidente de intervenção principal provocada dos actuais titulares das fracções, que devem figurar na acção, a fim de suprir a preterição de litisconsórcio necessário passivo que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que determina, via de regra, a absolvição da instância, nos termos dos arts.6.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577º e 578.º, todos do NCPC.”


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Nesta sequência, por requerimento apresentado nos autos vieram os AA. deduzir o incidente de intervenção principal provocada dos titulares inscritos das fracções “A” a “H”, inclusive, do prédio descrito sob o nº ...02/... (Bloco B), e que são os seguintes:

1º - FF;

2ºs - GG e HH;

3º - II e JJ;

4ºs – CC e marido, BB;

5º - KK;

6ºs - LL e mulher, MM;

7ºs - NN e OO

8º - PP.

E ainda dos proprietários das fracções “A” a “H” do Bloco A:

9º QQ e mulher RR;

10º SS e mulher TT;

11º UU;

12º VV e mulher WW;

13º XX;

14 YY, e mulher ZZ;

 15º AAA.


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Deferida a intervenção principal dos acima indicados, com fundamento no facto de “os pedidos deduzidos pelos Autores nas alíneas a) a c) afectam o direito de propriedade dos ora chamados. Ocorre, nestes casos, uma situação de litisconsórcio necessário natural, para que a decisão relativa a esse direito de propriedade produza o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 33º, nº 2 do Novo CPC.” vieram os intervenientes principais, BB e CC, deduzir incidente de habilitação contra os requeridos DD e esposa EE, de AA, pedindo que este ultimo seja habilitado a intervir nos presentes autos, na qualidade de adquirente e atual proprietário da fração “D” do Bloco A, enquanto coisa objeto do litígio, no lugar dos ora requerentes.

Para tanto, alegaram que entretanto se divorciaram e a interveniente principal mulher vendeu a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação, com garagem privada na cave, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...02, no passado dia 31/10/2019, ao acima identificado AA, pelo que este tem interesse em prosseguir os ulteriores termos processuais na posição ocupada pelos intervenientes principais.


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Procedeu-se à citação dos requeridos, que nada vieram opor. Por seu turno, o putativo adquirente AA veio apresentar articulado, pedindo o indeferimento do incidente de habilitação de adquirente, por não ter interesse em ocupar a posição dos Requerentes, alegando que se limitou a adquirir a fração autónoma, nada tendo a ver com a construção da mesma, nem com a construção do prédio urbano onde está inserida e muito menos com os alegados atos ilícitos, culposos e danosos, alegadamente praticados pelos réus e que eventualmente darão lugar a uma indemnização por danos morais.

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Em sede de resposta, vieram os requerentes alegar, além do mais, que atentos os pedidos formulados pelos Autores na ação principal, sendo um deles para que venha a ser tapada uma das janelas pertence à dita fração “D”, tem este interesse em ser habilitado no processo, no lugar dos aqui Requerentes, para nele defender o seu direito de propriedade.

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Após, foi proferida decisão que julgou “procedente o incidente de adquirente deduzido e, em consequência, declaro habilitado o requerido AA, como adquirente do prédio urbano, fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação, com garagem privada na cave, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...02, passando a ocupar nos autos principais a posição processual dos Intervenientes Principais, BB e CC, para contra eles seguir a causa nos autos principais os seus ulteriores termos, nos termos do disposto no art.º 356.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.”

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Não conformado com esta decisão, impetrou o adquirente recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“II. CONCLUSÕES

A. Entende o ora Recorrente, com o devido respeito, que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que se encontram preenchidos os requisitos da habilitação do adquirente.

B. Só é admissível a habilitação do adquirente quando se verifiquem os pressupostos de aplicação do art.º 263.º do C.P.C.:

a) a pendência da acção;

b) a existência de uma coisa ou de um direito litigioso;

c) a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção por acto entre vivos; e

d) o conhecimento da transmissão durante a acção.

C. Na acção principal estão em causa factos que eventualmente se podem subsumir à responsabilidade civil extracontratual.

D. A posterior aquisição pelo requerido/habilitando da fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao 1º andar esquerdo não pode ser entendida como a transmissão para este do direito litigioso em apreço na acção principal, pois este, o ora Recorrente, limitou-se a adquirir essa fracção autónoma, nada tem a ver com a construção da mesma, nem com a construção do prédio urbano onde está inserida e muito menos com os alegados actos ilícitos, culposos e danos, alegadamente praticados pelos réus e que eventualmente darão lugar a uma indemnização por danos morais.

E. O referido habilitando ao adquirir a sua fracção autónoma jamais assumiu a eventual responsabilidade civil dos RR. perante terceiros.

F. Estando em causa na acção, como direito litigioso, a indemnização por responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, culposos e danosos causados, a aquisição pelo Recorrente da fracção em causa, não transmite a este o direito em litígio.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável deve este recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a sentença proferida ser substituída por outra que julgue improcedente o incidente de habilitação do adquirente.”


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Pela R. foram interpostas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consiste em apurar:

a) Se deve ser indeferido o incidente de habilitação do adquirente.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a considerar para efeitos deste recurso e elaborada pelo tribunal recorrido, é a seguinte:
1- Nos autos principais, vieram os Autores, ora primeiros Requeridos, pedir a condenação da Ré e consequentemente dos Intervenientes Principais, ora Requerentes, a reconhecerem que o terraço identificado no artigo 2.º da PI é propriedade exclusiva dos Autores, que não existe qualquer servidão de vistas nem de qualquer outra espécie sobre a fração dos Autores, a favor de nenhuma das frações dos Intervenientes Principais, a encerrar as janelas de três frações do prédio contíguo ao imóvel dos Autores, custear e colocar um painel com vidro fosco na janela ao nível do rés do chão, custear e colocar dois painéis solares e a indemnizar os Autores por danos não patrimoniais, no valor de € 10.200,00.
2- Por despacho proferido a 10/11/2015, os ora requerentes, foram chamados nos autos principais na qualidade de proprietários da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação, com garagem privada na cave, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...02.
3- Por decisão de 20 de novembro de 2017 e transitada em 20 de novembro de 2017, proferida pela Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial ... no âmbito do processo n.º ...47 de 2017 daquela Conservatória, os ora Requerentes divorciaram-se.
4- Por acordo escrito, datado a 31 de outubro de 2019, denominado “compra e venda e mútuo com hipoteca”, a Requerente vendeu ao Requerido AA o prédio identificado em 2).
5- Em consequência do referido em 4), os Requerentes deixaram de ser os donos e legítimos possuidores do imóvel descrito em 2), transmitindo-se a propriedade do mesmo para o Requerido AA, a título definitivo.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se o apelante contra a decisão que o declarou habilitado no lugar dos intervenientes principais acima identificados, alegando que da aquisição da fracção que era propriedade destes últimos, não resulta a transmissão do direito litigioso em causa, uma vez que nos autos se discute eventual responsabilidade civil dos RR. pelos actos praticados ofensivos da posse dos AA., a que é totalmente alheio.

A pretensão do ora recorrente não tem, no entanto, manifestamente razão de ser.

No nosso processo civil, estipula-se o princípio da estabilidade dos elementos essenciais da instância (sujeitos, pedido e causa de pedir), nos termos do disposto nos artigos 564, al. b) e 260 do C.P.C.

Assim, após a citação a instância deve manter-se a mesma no que tange aos sujeitos, pedido e causa de pedir. No entanto, este princípio da estabilidade da instância comporta exceções, as quais, em termos de modificação subjetiva, se concretizam nos seguintes:

a) O chamamento de terceiro para assegurar a legitimidade de alguma das partes (cfr. art. 261º, n.º 1 do CPC);

b) A substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio (cfr. alínea a) do artigo 262º do CPC);

c) A dedução de incidentes da intervenção de terceiros (cfr. alínea b) do artigo 262º do CPC).

A habilitação por acto entre vivos mostra-se regulada no nosso ordenamento civil pelo disposto nos artºs 263 e 356 do C.P.C. e pressupõe a transmissão do direito, coisa ou dever litigiosos na pendência de uma determinada acção.

Nestes termos, este incidente visa, tão só, operar a modificação dos sujeitos da lide, colocando o adquirente na posição processual antes ocupada pelo cedente, por forma a que a causa se decida entre os titulares da relação jurídica. Mas porque esta transmissão produz efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, não interfere “com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir.”[1]

Deduzido incidente com vista à habilitação do adquirente, a sua admissibilidade depende da verificação dos seguintes pressupostos: pendência de uma acção; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção.

No entanto, a habilitação do adquirente do direito coisa ou dever litigioso é meramente facultativa. A transmissão do direito, coisa ou obrigação litigiosos entre vivos, não determina obrigatoriamente a substituição do transmitente pelo adquirente. Confere apenas ao transmitente, adquirente ou à parte contrária (cfr. artº 356, nº2 do C.P.C.), o direito potestativo de fazer intervir na lide o transmissário, sem que a sua não intervenção, tenha qualquer influência na marcha do processo.

Com efeito, se não for requerida a habilitação do adquirente ou transmissário, mantém-se o transmitente como parte na causa, ao abrigo do princípio da imutabilidade da instância (previsto no artº 261 do C.P.C.), e a decisão de mérito a proferir, nos termos previstos no artº 263, nº3 do C.P.C. vincula o adquirente. Só assim não acontecerá se a acção estiver sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão, antes de feito o registo da acção, mas sem que deste facto decorra a obrigatoriedade de habilitação do adquirente.

Por outro lado, como bem assinala CASTRO MENDES/TEIXEIRA DE SOUSA[2] ainda que, transmitido o direito ou coisa litigiosos, seja requerida a habilitação do adquirente operando-se assim a transmissão e proferindo-se decisão com trânsito em julgado, deve entender-se que transmitente e adquirente “são a mesma parte do ponto da sua qualidade jurídica (art. 581ª, nº 2), ou seja, são partes em sentido material, pelo que há que concluir que o caso julgado vincula” ambos, transmitente e adquirente. Daqui decorre que a razão para a habilitação não se destina a assegurar o efeito útil da acção, o caso julgado em relação ao adquirente, só necessário quando a acção se mostra obrigatoriamente sujeita a registo e a transmissão haja sido posterior.

Requerida a habilitação do adquirente, resulta do disposto no artº 263, nº2 e 356, nº1, als. a) e b), do C.P.C., que a parte contrária pode opor-se à substituição invocando qualquer um de dois fundamentos: que o acto pelo qual se operou a transmissão é inválido (formal ou substancialmente), ou que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.

Já ao adquirente não assiste qualquer direito a deduzir oposição a este incidente, porque ainda não parte no processo, embora decidida a habilitação lhe seja reconhecida legitimidade para impugnar a decisão proferida com fundamento na não verificação dos respectivos pressupostos.

No entanto, ainda que não seja deduzida contestação a este incidente “o juiz terá sempre de apreciar se a transmissão é válida, quer em relação ao objecto, quer em relação à qualidade das pessoas que nela intervieram, analisando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão.”[3]

Esta prova resulta feita nos autos, não sendo sequer impugnada pelo apelante. Não é esse, efectivamente, o objecto da apelação, mas antes a irrelevância da transmissão da propriedade da fracção em causa para os pedidos formulados, a que o adquirente defende ser alheio. Ora, o fundamento essencial da habilitação do adquirente consiste em permitir que este adquirente deduza os seus próprios meios de defesa numa causa na qual tem interesse directo, por nela serem formulados pedidos que afectam o conteúdo do seu direito de propriedade, limitando-o.

Com efeito, a razão elencada pelo recorrente não tem razão de ser. A intervenção dos proprietários das fracções do prédio descrito sob o artº ...02 (quer os do Bloco A, quer os do Bloco B) teve como causa subjacente não o pedido de indemnização civil formulado contra a construtora do prédio e alienante da fracção vendida aos RR., assente na violação de uma disposição contratual estipulada entre os AA. e esta R., inserida assim no âmbito da responsabilidade contratual, mas antes na necessidade de assegurar o litisconsórcio necessário natural quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) a c), afim de que, conforme elucida o despacho que convidou os AA. a suprirem a situação de eventual ilegitimidade por preterição do litisconsórcio, “a decisão relativa a esse direito de propriedade produza o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 33º, nº 2 do Novo CPC.”

É nesse estrito âmbito que os intervenientes foram admitidos nos autos: com vista à defesa dos seus direitos de propriedade sobre o terraço de que os AA. se arrogam a propriedade exclusiva e com vista a salvaguardar a integralidade dos seus direitos de propriedade, que engloba a servidão de vistas, em relação àquelas fracções em que a existência dessa servidão é posta em causa, e por essa razão se peticiona o encerramento das janelas que deitam para esse terraço.

Nestes termos, o fundamento para a intervenção consiste na eventual afectação dos direitos de propriedade dos proprietários destas fracções inseridas neste edifício residencial, decorrentes destes pedidos formulados de a) a c) e não na violação de deveres contratuais oponíveis apenas à parte contraente.

Acresce que conforme já referido, se ao adquirente é reconhecida legitimidade para a impugnação da decisão que o habilita no processo, essa impugnação apenas pode ter como causa a violação dos requisitos de admissibilidade da habilitação e não a ausência de interesse na causa ou com fundamento em serem deduzidos pedidos na acção, aos quais é alheio, sabido que a transmissão opera apenas em relação às questões relacionadas com o direito ou coisa transmitida. Verificando-se que estão reunidos os requisitos que permitem a habilitação do adquirente, quer porque a acção está pendente, quer porque ocorreu transmissão da coisa e direito litigioso na pendência da causa e, atendendo ainda a que esta pode ser deduzida pelo transmitente independentemente da anuência do adquirente, improcede a pretensão do apelante. 

Nestes termos, mostram-se verificados todos os pressupostos contidos no artº 263 e 356 do C.P.C., pelo que a apelação improcede no seu todo.


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Das Custas

De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Por sua vez, decorre do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, que se considera processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. É o caso, pelo que as custas, fixam-se a cargo do recorrente AA, de acordo com o disposto no artº 6, nº2 do RGP e Tabela 1-B. 



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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente o recurso e manter nos seus precisos termos a sentença que julgou habilitado o recorrente AA para prosseguir na causa na posição dos intervenientes principais BB e CC.
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Custas pelo apelante, de acordo com o disposto no artº 527 nº1 do C.P.C. e artºs 1, nº 2, 6, nº2 do RCP.

                                                           Coimbra 26/09/23




[1] AC. do TRG de 14/03/2019, proferido no processo nº 4141/16.4T8GMR-A.G1, de que foi relator Alcides Rodrigues.
[2] CASTRO MENDES, João, TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Manual de Processo Civil, Vol.I, AAFDL, 2022, Págs. 388/389.  

[3] Ac. do TRL de 07/12/2021, proferido no processo n 134/10.3TBCTX-D.L1-7, de que foi relatora Micaela Sousa; no mesmo sentido Ac. do TRL 11/12/2019, proferido no processo nº 2454/12.3T2SNT-B.L1-2, de que foi relator Arlindo Crua e Ac. do TRC de 03/10/2017, proferido no processo nº 13.9TBCLD-B.C1, de que foi relator Vitor Amaral, disponível in www.dgsi.pt.