Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/12.0TBPNH-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
VENDA
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
MÁ FÉ
Data do Acordão: 04/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 120.º DO CIRE
Sumário: 1. Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência, ou seja, os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

2. A compra e venda dos móveis referidos nos autos constituiu um acto prejudicial à massa insolvente, pois reduziu o seu acervo de bens, acarretando um agravamento da impossibilidade de os credores verem satisfeitos os seus créditos.

3. Para que a venda levada a cabo possa ser objecto de resolução em beneficio da massa insolvente, exige-se, ainda, a má fé do terceiro.

4. Ora, atento o tempo em que ocorreu tal alienação e as ligações entre os respectivos intervenientes, é de presumir a existência de má fé por parte do adquirente, em conformidade com o disposto no artigo 120.º nº 4 do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            “A... , Lda.”, com sede (...), em Pinhel, instaurou a presente acção declarativa contra a Massa Insolvente de B..., Lda., representada pelo Administrador de Insolvência, C..., com domicílio na (...), Vila Nova de Gaia, pedindo que seja declarada sem eficácia a resolução em benefício da massa insolvente da venda da totalidade dos bens móveis pertença da insolvente em 5 de Abril de 2012, através das facturas n.º 0220/A e 0221/A, 2012.

No essencial, a Autora, reconhecendo que, na data referida, adquiriu à insolvente maquinaria diversa, alegou que em 4 de Abril de 2012, celebrou com esta um contrato de mútuo com hipoteca tendente à aquisição, de um imóvel destinado à transformação de alumínio, sito na (...), da freguesia e concelho de Pinhel, inscrito na matriz respectiva sob o n.º 2342 e descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º 531, sendo que também comprou a maquinaria que estava dentro do referido imóvel.

Nesse conspecto, mencionou que pagou à insolvente tal aquisição através de uma dação em pagamento, tendo mencionado que o legal representante da insolvente estava inibido do uso de cheques, sendo que, por isso, pediu ao seu sobrinho que emitisse, por si, cheques a favor de alguns fornecedores, o que este fez, acontecendo que era o legal representante da insolvente quem, no seu vencimento, pagava os cheques. E assim foi, até Maio de 2012, data em que foi devolvido, por falta de pagamento, o cheque emitido em Março de 2012, ao que se seguiu a devolução de outros, tudo desembocando num negócio em que a Autora adquiria a maquinaria da Insolvente pelo preço de 18 000 €.

Por fim invocou um desconhecimento concreto da situação económico-financeira da Ré, designadamente a sua realidade contabilística.

Regularmente citada para contestar a Ré veio pugnar pela verificação dos pressupostos da resolução do negócio respeitante à venda da totalidade dos bens móveis da insolvente, tendo, ainda, invocado a nulidade da mesma (venda) por simulação e, no essencial, impugnado o alegado pela Autora.

Terminou defendendo a procedência da resolução da venda da totalidade dos bens móveis e sua consequente restituição à insolvente, mais pedindo, em alternativa, a declaração de nulidade de tal negócio por simulação ou, assim não sendo decidido, a improcedência da acção por não provada e a absolvição da Ré.

O autor respondeu, reiterando o já por si alegado na p.i. e impugnou a factualidade em que a ré assenta a invocada “nulidade da venda”.

            Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, sobre que incidiu reclamação por parte da ré, indeferida cf. despacho de fl.s 99, com excepção da correcção de um erro de escrita, relativamente à al. N) dos factos assentes.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida sentença, de que faz parte a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 124 a 131.

Na referida sentença, que consta de fl.s 110 a 1138, decidiu-se o seguinte:

“Pelo exposto, julgando-se totalmente improcedente o pedido da Autora e procedente o pedido principal da Ré, mantém-se a resolução da venda da totalidade dos bens móveis pertencentes à insolvente, ordenando-se, em consequência a sua restituição à massa insolvente.

*

Custas pela Autora – cfr. art. 527.º, n.º1 do CPC.”.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o autor, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 165), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) Não tendo sido o negócio gratuito, a má-fé do devedor, não pode ser presumida;

B) O Senhor Juiz a quo presumiu a má-fé do recorrente;

C) Não foi feita prova pelo Sr. Administrador da Insolvência de nenhum dos requisitos para a resolução do negócio;

D) Ouve notório erro na apreciação da prova. Da prova produzida apenas pode resultar a decisão de julgar procedente o pedido da A.;

E) Toda a fundamentação da matéria de facto se baseia em presunções e em estados de espírito que em nada se coadunam com uma processual e verdadeira fundamentação de facto;

F) A má fé tem de ser efectiva e não presumida.

G) A recorrente celebrou o negócio resolvido de boa fé.

A sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou o disposto nos arts. 121º e 122º do CIRE Pelo exposto,

Considera a recorrente que o recurso interposto deve ter inteiro merecimento, julgando-se o mesmo provado e procedente e, deste modo, revogando-se a decisão recorrida, ser declarada sem eficácia a resolução incondicional em benefício da massa insolvente da venda dos bens móveis pertença da insolvente.

Assim se fazendo MELHOR JUSTIÇA!

            Contra-alegando, a ré pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em se tratar de uma resolução incondicional em que se dispensa a alegação da má fé.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes das alíneas DD), FF), GG) e HH), dos factos provados e;

B. Se a resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência é inoponível ao ora recorrente, o que se traduz, a assim ser, na procedência da acção.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

4.1.1 - Dos factos dados como assentes no despacho-saneador:

A. A sociedade H...., Lda. requereu, no dia 23-11-2012, a declaração de insolvência da sociedade B..., Lda..

B. Por sentença proferida em 8-1-2013, transitada em julgado em 28-1-2013, nos autos principais, foi declarada a insolvência da sociedade B..., Lda., podendo ler-se, nos factos provados, o seguinte:

“1.A Requerente H..., Lda., sociedade comercial por quotas, com o número único de registo e identificação fiscal (...), com sede na (...), Cacém, tem como objecto social a comercialização de alumínios e acessórios. 2. A Requerida B..., Lda. é uma sociedade por quotas, com o número único de registo e identificação fiscal (...)0, com sede na (...) Pinhel. 3. O capital social da Requerida é de €5.000,00 (cinco mil euros). 4. Tem, desde 14-5-1993, data do registo da sua constituição, como sócios, E..., titular de uma quota no valor nominal de €3.750,00 (trez mil setecentos e cinquenta euros), e, seu cônjuge, F..., titular de uma quota no valor nominal de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros). 5. A gerência da Requerida cabe ao sócio E.... 6. A Requerida obriga-se com a assinatura do sócio gerente. 7. A Requerida tem como objecto social a serralharia civil de alumínios, vidros e afins e sua comercialização. 8. No exercício da sua actividade comercial, a Requerente forneceu, desde o ano de 2006, várias mercadorias à sociedade “ B..., Lda.”, com o intuito desta última as poder utilizar no exercício da sua actividade comercial. 9. Os materiais contratados não foram devolvidos no prazo estipulado, entre as partes, para o efeito, nem foram invocados quaisquer vícios nos mesmos. 10. Com a entrega do supra mencionado material, foram emitidas, ao longo dos anos, pela Requerente e entregues Requerida B..., Lda. diversas facturas, sendo que, a partir do ano de 2011, diversas facturas deixaram de ser liquidadas nas respectivas datas de vencimento. 11. No âmbito da relação comercial estabelecida entre a Requerente e a Requerida, era habitual a primeira aceitar “letras de câmbio” subscritas pela segunda, para efeitos de pagamento do material que esta ia adquirindo. 12. Para pagamento de uma parte das facturas em dívida, a Requerente aceitou um impresso intitulado de “letra” com o n.º 874, no valor de € 13.726,05 (treze mil setecentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), subscrita pela sociedade “ B..., Lda.” e “avalizada” pelo sócio e gerente, na qual estava aposta a data de vencimento no dia 30 de Dezembro de 2011. 13. Na “data de vencimento” da letra n.º 874, referida em 12., a Requerente, o Requerido e a sociedade “ B..., Lda.”, acordaram levar a cabo a reforma da letra, a qual originou a emissão da letra n.º 895, no valor de €6.726,05 (seis mil setecentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), subscrita pela Requerida e avalizada pelo Requerido, na qual estava aposta a data de vencimento no dia 30 de Março de 2012. 14. Mais, ficou ainda acordado entre a Requerente, o Requerido e a sociedade “ B..., Lda.”, que, em virtude da reforma da “letra” n.º 874, nos moldes referido em J., estes últimos fariam, no dia 30 de Dezembro de 2011, um pagamento do valor em dívida, no valor de €7.000,00 (sete mil euros). 15. Contudo, a Requerida e o seu sócio gerente pagaram, no dia 9 de Janeiro de 2012, somente a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). 16. A Requerida e seu sócio gerente também não procederam ao pagamento do impresso intitulado de “letra” n.º 895, no valor de € 6.726,05 (seis mil setecentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), na respectiva data de vencimento, no dia 30 de Março de 2012, tendo a mesma sido devolvida uma vez levada a pagamento. 17. Para além dos valores referidos, o Requerido, a Requerida e o seu sócio gerente são ainda devedores dos encargos suportados pela Requerente relativamente aos descontos e reformas de letras, as notas de débito n.ºs 167/11 e 12/12, com vencimento nos dias 30-12-2011 e 06-02-2012, no montante global de €248,56 (duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), em virtude da realização de um pagamento parcial no dia 30-12-2011. 18. A Requerente emitiu, a Requerida subscreveu e o sócio gerente avalizou um impresso intitulado de “letra” n.º 913, no valor de €22.559,06 (vinte e dois mil quinhentos e cinquenta nove euros e seis cêntimos), com data de vencimento aposta na mesma de dia 30 de Março de 2012. 19. A Requerida e o seu sócio gerente não procederam à liquidação da letra n.º 913 na respectiva data de vencimento, razão pela qual a mesma veio devolvida depois de levada a pagamento, originando a débito n.º 24/12, com vencimento no dia 05 de Março de 2012, no valor de €440,26 (quatrocentos e quarenta euros e vinte e seis cêntimos). 20. No dia 7 de Maio de 2012, a Requerente apresentou um requerimento executivo, que corre termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Pinhel, sob o n.º 85/12.7 TBPNH, tendo oferecido, como título executivo, o impresso intitulado de “letra” n.º 913, identificado em 18., constituindo a quantia exequenda o valor de €23.188,25 (vinte e três mil cento e oitenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos), respeitante ao valor aposto na letra, na nota de débito emitida em virtude da devolução da mesma, acrescido dos juros de mora calculados às sucessivas taxas legais comerciais em vigor, figurando como Executados, a Requerida e o seu sócio gerente. 21. A Requerida deve, à data da propositura da presente acção, à Requerente o valor total de €131.534,82 (cento e trinta e um mil, quinhentos e trinta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), conforme parcelas discriminadas no artigo 129.º da petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 22. A Requerida não possui qualquer veículo automóvel, nem tem, actualmente, qualquer saldo bancário susceptível de ser penhorado. 23. A Requerida já não possui instalações ou quaisquer dos utensílios de que necessitaria para prosseguir a sua actividade comercial, encontrando-se impossibilitada de trabalhar e de facturar. 24. A Requerida B..., Lda. não tem actualmente quaisquer bens susceptíveis de garantir o crédito da Requerente.”

C. B..., Lda. era uma sociedade por quotas, com o número único de registo e identificação fiscal (...), e tinha a sua sede na (...) Pinhel.

D. O capital social da devedora insolvente era de €5.000,00 (cinco mil euros).

E. Teve, desde 14-5-1993, data do registo da sua constituição, como sócios, E..., titular de uma quota no valor nominal de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), e, seu cônjuge, F..., titular de uma quota no valor nominal de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

F. A gerência da insolvente cabia ao sócio E....

G. A insolvente obrigava-se com a assinatura do sócio gerente.

H. A insolvente tinha como objecto social a serralharia civil de alumínios, vidros e afins e sua comercialização.

I. O sócio e gerente da insolvente, E... também foi declarado insolvente por sentença proferida em 7-1-2013, transitada em julgado em 28-1- 2013, no âmbito do processo n.º 162/12.4TBPNH, que corre termos neste Tribunal Judicial de Pinhel.

J. A aqui Autora (impugnante) A..., SA é sociedade unipessoal por quotas, que foi constituída em 15-03-12, no Cartório Notarial de Competência Especializada da Guarda, Empresa na Hora, tendo como NIPC (...)e a sede na (...), freguesia e concelho de Pinhel.

K. A autora tem como objecto social a “fabricação, montagem e venda a grosso e a retalho de: portões seleccionados, portas, janelas, caixilharia, estores, algerozes, caleiras – tudo em alumínio. Aplicação e comércio por grosso e a retalho de vidro”.

L. O sócio da autora é D... e os gerentes nomeados são D... e G....

M. D... é sobrinho de E....

N. D... foi trabalhador da insolvente B..., L.da.

O. O Exmo. Administrador de Insolvência C..., nomeado nos autos principais de insolvência, enviou, à sociedade, aqui Autora, A..., S.A, que esta recebeu, uma carta registada, com aviso de recepção, datada de 13 de Março de 2013, constante a fls. 11 a 13, na qual se pode ler o seguinte: “À sociedade A..., LDA. (...)PINHEL Vila Nova de Gala, 13 de Março de 2013 Assunto: Resolução incondicional em benefício da Massa Insolvente Aplicação dos artigos 120.°, 121 e 123° do CIRE (DL n.° 53/2004, de 18 de Março alterado pela Lei 16/2012 de 20 de Abril) M/ Refª Processo de Insolvência de Pessoa Colectiva n.° 181/12.0TBPNH Secção Única do Tribunal Judicial de Pinhel Insolvente: B..., LDA. Exma Gerência, Na qualidade de Administrador de Insolvência nomeado no âmbito do processo supra referenciado, venho por este meio, e nos termos do disposto nos Arts. ns 120°, 121° e 123° do CIRE, notificar V. Exas. que declaro RESOLVIDO em beneficio da Massa Insolvente, a VENDA DA TOTALIDADE DOS BENS MÓVEIS pertença da Insolvente, efetuada em 05 de Abril de 2012, através dss facturas n.ºs 0220/A e 0221/A, 2012, a favor da sociedade A..., LDA, nos termos e com os seguintes fundamentos: Como é do seu conhecimento, no dia 23.11.2012, foi requerida a insolvência da sociedade B..., Lda no Tribunal Judicial de Pinhel, pelo Credor H..., Lda., e da qual foi, em 07.01.2013, proferida a respetiva Sentença. Ora, em 05 de Abril de 2012, a sociedade B..., Lda., através das faturas ns 0220/A e 0221/A transmitiu à sociedade A..., LDA, a totalidade dos seus bens móveis, nomeadamente — Uma máquina Olipal de corte de 2 cabeças, Mecal SW 453; Uma prensa hidráulica Rama T-6; Uma prensa hidráulica Anodil; Um engenho Telisatti, série 101, tipo 313; Uma máquina de corte Freidol com bancada, 55/05 MIGPA; Uma máquina de corte TC25; cinco bancadas de apoio ao alumínio; uma maquina de corte T45, disco de cima para baixo: Uma máquina fresadora triprecisão,n°. de série 333/02/02; Um engenho quantum n.º. 3008161; Uma máquina de corte cobra 350 e, dezassete cunhos, pelo alegado montante de €17.730,00. - Cfr. Docs 1 e 2, que adiante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos. Da referida transmissão dos bens móveis, supra mencionados, (todos eles pretensa da insolvente), desconhece-se se foi pago algum valor, sendo certo que após a alegada transmissão, a sociedade continuou devedora aos seus credores. Com efeito, do supra exposto resulta, para os credores da insolvência, uma diminuição das garantias patrimoniais que detêm sobre a Insolvente. Destarte, consideram-se prejudiciais todos os atos que diminuem, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. Nessa conformidade, facilmente se conclui que se encontram preenchidos os requisitos da resolução em benefício da massa insolvente estabelecidos nos Arts. 120°, ns e 3 e ai. b) do n° 1 do Art°. 121° do CIRE. ln caso, resulta inequivocamente que o negócio celebrado foi gratuito e nessa medida celebrado de má-fé, tendo em conta que, na data da realização da transmissão a sociedade, ora Insolvente, já se encontrava em situação económica deficitária, que o iria levar a uma situação de insolvência, e existindo pleno conhecimento disso, para além de que participou no negócio jurídico, bem como se aproveitou do mesmo, pessoa especialmente relacionada com a Insolvente, mais concretamente a sociedade A..., LDA, cujo seu único sócio e gerente é o Sr. D..., sobrinho do legal representante da Insolvente e ex-funcionário desta. Assim, por todo o exposto, por ter legitimidade e estar em tempo, nos termos do disposto no Art° 123° do CIRE, venho pela presente declarar incondicionalmente resolvido e ineficaz, a VENDA DA TOTALIDADE Dos BENS MÓVEIS pertença da Insolvente, efetuada em 05 de Abril de 2012, através das faturas ns 02201A e 0221/A. 2012, a favor da sociedade “ A..., LDA”. Mais refiro que os factos ante alegados integram de forma clara e inequívoca a figura da simulação, nos termos e para os efeitos do art°. 240.º do Cód. Civil. Sendo que, a consequência da verificação da simulação é, nos termos do disposto artigo Art°. 289° do Cód Civil, a restituição do bem ao património da Massa Insolvente. Sem outro assunto de momento, subscrevo-me atentamente, O ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA Anexo: Dois (2) Documentos.

P. Em 5 de Abril de 2012, foram emitidas pela insolvente B..., Lda. a favor da Autora A..., Lda., as facturas n.ºs 0220A e 0221ª.

Q. Em 3 de Abril de 2012, foi celebrada no 1º Cartório Notarial de Competência Especializada da Guarda”, Casa Pronta, “contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança”, em que foram intervenientes E... e cônjuge, F..., na qualidade de parte vendedora/primeiros intervenientes, e A..., Lda./segunda interveniente, na qualidade de compradora e mutuária, representada por D..., no âmbito da qual, os primeiros intervenientes declararam vender à segunda interveniente o prédio urbano, composto por um pavilhão destinado à transformação de alumínio, sito na (...), (...), Lote n.º (...), freguesia e concelho de Pinhel, descrito na Conservatória de Registo Predial de Pinhel, sob o n.º 531 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 2342.º, pelo preço de €110.000,00 (cento e dez mil euros), tendo tal negócio também sido objecto de resolução e respectiva impugnação.

R. O prédio referido em Q) trata-se do prédio onde a insolvente B..., Lda. tinha as instalações e laborava.

S. No presente processo de insolvência, não foram apreendidos quaisquer bens por parte do Exmo. Administrador de Insolvência, para além do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Land-Rover, modelo Discovery 200 TLC, Cor branco, no valor de €100,00 (cem euros).

*

4.1.2 - Mais resultaram provados os seguintes factos constantes da base instrutória:

T. Em 5 de Abril de 2012, B..., Lda. e A..., Lda. acordaram em a primeira transferir para a segunda a propriedade dos bens referidos na missiva aludida em O), mediante uma contrapartida monetária.

U. A contrapartida monetária referida em T) traduziu-se na assunção, por parte da Autora, A..., Lda., de uma dívida da insolvente B..., Lda., para com a sociedade I..., Lda., no valor que acordaram de 18 000 €.

V. O legal representante da Insolvente, desde 5 de Abril de 2012, estava inibido do uso de cheques.

W. Mercê do referido em V) pediu a D... que emitisse, por si, cheques a favor de alguns fornecedores.

X. D... emitia os cheques, e o representante legal da ora insolvente, na data do seu vencimento, pagava os cheques.

Y. Procederam do modo referido em W) e X) até Maio de 2012, data em que foi devolvido por falta de pagamento o primeiro cheque emitido em Março de 2012.

Z. Em Abril de 2012, tendo em consideração que já se encontravam emitidos por D... mais quatro cheques, que vieram a ser, também devolvidos, no montante total de €18.000,00, acordaram verbalmente, A..., Lda. e B..., Lda., em que aquela adquiriria a maquinaria referida na missiva mencionada em O), pelo valor da dívida à I..., Lda., de €18.000,00, nos termos referidos em T) e U).

AA. A..., Lda. continua a pagar, em prestações mensais, à I..., Lda., por conta dos cheques que lhe foram devolvidos.

BB. Tal acordo aludido em T), U) e Z) foi titulado pelas facturas nºs. 0220/A e 0221/A, referidas em P), atribuindo-se a tal maquinaria um valor semelhante da dita dívida.

CC. A B..., Lda., considerando os acordos referidos em P) e Q), T), U), Z) e BB), não possui, na presente data e na data da apreensão dos bens, quaisquer instalações e equipamentos, não tendo quaisquer bens móveis ou imóveis, para além do mencionado em S).

DD. Em Abril de 2012, a D..., legal representante da Autora, e mercê do referido em M) e N), sabia da existência de dívidas por parte da B..., Lda. a fornecedores, nomeadamente à H..., Lda..

EE. No dia 5 de Abril de 2012, a H..., Lda. já era titular de um crédito, do qual a B..., Lda. e o Executado E..., este último apenas parcialmente, eram devedores, cujo valor global ascendia a, pelo menos, €70.779,03 (setenta mil setecentos e setenta nove euros e três cêntimos).

FF. No dia 5 de Abril de 2012, o B..., Lda. e E..., A..., Lda., tinham conhecimento da existência e dimensão do crédito da dita credora H..., Lda. e das diligências que esta vinha efectuando tendo em vista obter a sua cobrança.

GG. E que a B..., Lda. se encontrava em impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas e vincendas e numa situação económica deficitária.

HH. Ao celebrar o acordo referido em T), U), Z) e AA), a insolvente B..., Lda. e a Autora A..., Lda. agiram com o propósito de diminuir, frustrar e dificultar a satisfação dos créditos dos credores da B..., Lda..

II. A quantia monetária relativa ao acordo mencionado em T) e U) não integrou o património da insolvente.

JJ. Nem a dita quantia de €18.000,00 (dezoito mil euros) serviu para saldar parte de dívida da insolvente à sociedade I..., Lda..

KK. Não tendo sido, mercê do acordo objecto da missiva mencionada em O), entregue ou pago qualquer valor pela Autora à insolvente.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos factos constantes das alíneas DD), FF), GG) e HH), dos factos provados.

Alega a autora, nas suas alegações mas sem que o refira nas conclusões que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes das alíneas ora em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados, estribando-se, para tal, no depoimento de parte do seu representante e nos depoimentos das testemunhas G... e E....

            Não obstante aquela omissão das conclusões, porque se trata de deficiência, passa o Tribunal a conhecer do recurso, neste segmento.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do nCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, as respostas postas em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração das respostas dadas aos factos constantes das alíneas DD), FF), GG) e HH), dos factos provados.

           

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais alíneas:

DD. Em Abril de 2012, a D..., legal representante da Autora, e mercê do referido em M) e N), sabia da existência de dívidas por parte da B..., Lda. a fornecedores, nomeadamente à H..., Lda..

FF. No dia 5 de Abril de 2012, a B..., Lda. e E..., A..., Lda., tinham conhecimento da existência e dimensão do crédito da dita credora H..., Lda. e das diligências que esta vinha efectuando tendo em vista obter a sua cobrança.

GG. E que a B..., Lda. se encontrava em impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas e vincendas e numa situação económica deficitária.

HH. Ao celebrar o acordo referido em T), U), Z) e AA), a insolvente B..., Lda. e a Autora A..., Lda. agiram com o propósito de diminuir, frustrar e dificultar a satisfação dos créditos dos credores da B..., Lda.”.

Motivou tais respostas da seguinte forma (cf. fl.s 124 a 131):

“4.3 – Importa, agora, esclarecer quais as bases em que o Tribunal fez assentar a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados da base instrutória.

Neste percurso começaremos por salientar os depoimentos ocorridos em sede de audiência de discussão e julgamento que representam a “parte de leão” dos elementos probatórios juntos aos autos.

Comecemos, então, por, em jeito de síntese, relatar os pontos mais salientes dos depoimentos de D... (em depoimento de parte); G...; E... e J..., para, amiúde, apreciarmos as razões que estiveram na base do assentamento da factualidade elencada.

Assim, D..., serralheiro de profissão, depondo na qualidade de sócio gerente da sociedade A..., Lda., revelou conhecer a sociedade B..., Lda., onde trabalhou.

Ora, sigamos o depoimento em causa.

Num primeiro momento, o mesmo centrou-se no conhecimento que o depoente tinha (ou não) do estado da sociedade B..., Lda., sendo que aquele negou ter acesso à contabilidade da empresa e ao escritório, não deixando de afirmar que desconhecia a situação económica da empresa, pese embora tenha referido que havia encomendas e trabalho todos os dias na mesma.

Num segundo enquadramento o depoente, questionado sobre a sua relação com o tio (gerente da B..., Lda.) disse que esta era uma relação profissional, sem grandes convívios pessoais, pautada, até, por aquilo que poderíamos descrever como um certo afastamento social (um tio patrão de Segunda a Sexta Feira).

Num terceiro núcleo do depoimento D... referiu-se ao negócio que celebrou com o tio, em 2012, reportado à aquisição das instalações (da B..., Lda.), referindo que decidiu “arriscar na vida”, num acto que “foi pensado”, durante muito tempo devido à crise que atravessamos (sendo que a decisão de “arriscar” a compra partiu de uma decisão conjunta ponderada em casal com a sua esposa).

Mencionou que adquiriu as instalações por 110 000 € para, depois, esclarecer que por volta de Dezembro de 2011 começou a gizar-se o negócio de aquisição dos bens à sociedade do tio (sendo que a nova empresa que o depoente montou aproveitou, pelo menos, um dos trabalhadores da antiga B..., Lda.).

Nesse contexto, de forma titubeante, referiu desconhecer a dívida da B..., Lda., à H..., afirmando que “não sabia de dívidas”, para logo de seguida reconhecer que sabia da dívida para com a I...; acontecendo, ainda, que o depoente, a propósito de tal dívida esclareceu que o seu conhecimento decorria do facto de o seu tio se encontrar inibido de passar cheques (sem saber desde quando tal acontece) e, nesse contexto, ter passado cheques para pagar à I..., tendo sido combinado que em tal processo o tio depositaria o dinheiro na conta do depoente (que representaria o valor em dívida).

Confrontado com os cheques (cfr. fls. 75 e ss.) juntos aos autos o depoente confirmou-os como sendo os títulos que passou, sendo que esclareceu que os cheques foram devolvidos por o tio, concluímos nós, não cumprindo o acordado, não ter depositado o dinheiro necessário ao pagamento.

Nasceu dessa forma, ao que se extrai do depoimento, a dívida do tio para com o depoente, computada em 18 000 €, daqui tendo nascido o acordo de que para pagar a dívida o depoente assumiria a mesma, a título pessoal e as máquinas serviriam de compensação pelo valor assumido pelo depoente (o valor ficou-se pelo valor da dívida).

Ainda neste âmbito, o depoente reconheceu as facturas juntas aos autos como titulando a aquisição das máquinas.

Por fim, referiu saber que a B..., Lda., estava em situação económica difícil quando foram penhorar os bens que adquiriu para a sua sociedade.

Disse que constituiu a sua sociedade em 15 de Março para depois, em Abril, adquirir os bens.

Referiu que, antes desses lapsos temporais, teve conhecimento da dívida à I....

Confrontado com a dívida reclamada junto do processo de insolvência da B..., Lda., por si referiu que não sabia.

De sua vez, G..., esposa do depoente D..., assistente administrativa, referiu conhecer a sociedade A..., Lda., por ser propriedade do seu marido, bem como a sociedade B...l, Lda., por haver sido a sociedade onde o mesmo laborou em tempos.

Prosseguindo com o seu depoimento, reconhecendo não lhe ser indiferente o desfecho da causa, começou por esclarecer que o seu marido trabalhava há cerca de 17/18 anos para a B..., Lda., cujo gerente era o tio do marido da testemunha.

Questionada sobre a relação do marido com o tio (gerente da B..., Lda.) foi pronta a dizer que a relação era essencialmente laboral e não pessoal.

Nesse contexto esclareceu que o seu marido não acedia ao escritório e à contabilidade da B..., Lda., para de seguida, referindo-se à aquisição do imóvel e maquinaria à B..., Lda., há cerca de 2/3 anos atrás, caracterizar o acordo com vista à aquisição do “bolo” da B..., Lda., (i.e., imóvel e maquinaria) como tendo em vista a independência do casal (sendo que refere dúvidas sobre se teriam “mãos para agarrar o negócio”).

Reportando-se à data de 04/04/2012 como a correspondente à celebração da escritura (respeitante ao imóvel), não deixa de ser sintomático que referiu ter sido a sociedade do seu marido constituída em momento anterior para adquirir o imóvel.

Afirmou desconhecer a situação económica difícil da B..., Lda., referindo que o seu marido também não sabia das dívidas desta, explicitando que não teriam avançado para o negócio se soubesse que a B..., Lda. estava em situação económica difícil.

Conhecedora da dívida da B..., Lda., de 18 000 €, por confronto com os cheques passados pelo esposo, explicitou que o casal assumiria a dívida e em contrapartida ficariam com a maquinaria.

Situando o acordo em Março/Abril explicitou que a dívida é suportada pelo seu marido, no valor de 600 €/mensais.

Reportando-se a eventuais ordenados em atraso face ao seu marido esclareceu que, por vezes, não eram pagos na totalidade mas em duas tranches.

Explicitou que o marido auferia, mensalmente, cerca de 750 € e a testemunha cerca de 800 €, reconhecendo não haver possibilidade de, por sua iniciativa, assumir a mencionada dívida de 18 000€.

Por seu turno, E..., serralheiro de profissão, assumiu-se como o gerente da B..., Lda., mencionando conhecer a sociedade Autora por via da escritura feita para alienação de um pavilhão àquela, encimada pelo “ D...” que a testemunha reconheceu ser seu sobrinho.

Tendo dito que o seu sobrinho trabalhou na B..., Lda., durante 17/18 anos, referiu-se ao mesmo como “somente empregado, não era mais nada”, tendo anuído à circunstância de que o mesmo não tinha acesso à contabilidade da sociedade, nem à correspondência da mesma.

Questionado sobre o convívio estabelecido entre a sua pessoa e o mencionado D... foi explícito ao referir que “é meu sobrinho, é família, isso é natural”, pese embora depois procure sublinhar a relação iminentemente de patrão/trabalhador.

Mencionou que, há cerca de dois anos atrás, falou com o sobrinho para este ficar com a empresa dizendo que, pese embora tal circunstancialismo, nunca falou ao mesmo das dívidas desta.

Disse que havia trabalho tendo, contudo, enfrentado importantes dificuldades no desenvolvimento da actividade da empresa.

Após referiu-se ao favor prestado pelo sobrinho em passar alguns cheques à I... (uma vez que estava inibido) para liquidar a dívida da B..., Lda., àquela.

Revelou não ter possibilidades de pagar os cheques para depois esclarecer que no fim pagaria os cheques passados pelo sobrinho, o que aconteceu algumas vezes, sendo que quando tal se tornou impossível para a testemunha o mesmo veio a revelar o negócio já relatado em que o sobrinho ficaria com a maquinaria (compensando o pagamento da dívida à I... por este).

Esclarecendo ter emitido duas facturas de maquinaria à Autora, disse ter avaliado as máquinas no valor de 18 000 €, sem mais.

*

Diante dos depoimentos retratados vejamos, de forma mais concreta, a factualidade.

(…)

A matéria elencada em DD) a GG) resultou da circunstância de os depoimentos elencados ( D... e E...) não terem sido particularmente convincentes quanto ao desconhecimento por parte, designadamente, de D..., das dívidas da sociedade Insolvente.

Na verdade, dificilmente se aceita o suposto distanciamento entre Tio ( E...) e sobrinho ( D...) numa relação de “Patrão-Empregado” pautada pelo desconhecimento por parte deste do negócio do tio e do seu estado como invocado amiúde.

Com efeito, o sobrinho que se aprontou a lançar-se num negócio próprio, adquirindo mesmo bens da Insolvente, como aqueles que se mostram em causa nos autos, teve conhecimento forçosamente, que mais não fosse, da situação debilitada da Insolvente quando o tio lhe pediu para passar cheques seus a fornecedores da Insolvente visto que estava inibido de passar cheques.

O que vai dito serve de antecâmara para a prova do facto elencado em HH).

Ponderemos.

A transmissão dos bens em causa neste processo ocorre num contexto em que, estranhamente, D... (secundado pela esposa) com rendimentos não particularmente elevados se decidiu a iniciar uma nova sociedade, assumindo responsabilidades financeiras assinaláveis, com o mesmo aparente objecto da sociedade insolvente, no exacto momento em que esta seguia para um estado de inviabilidade económica, tudo num quadro em que deixa antever que a transmissão de bens seria para ir esvaziando a insolvente dos mesmos.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas e no referido depoimento de parte, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

O representante legal da autora, D..., em sede de depoimento de parte, referiu ter trabalhado na B..., como serralheiro, desde 1994 e não ter acesso à contabilidade da empresa, nem ao escritório, pelo que desconhecia a situação económica daquela.

De 2.ª a 6.ª feira, só tinha uma relação profissional com o tio.

A certa altura (há cerca de 2 anos) o tio falou-lhe se queria “comprar aquilo”. Levou algum tempo a pensar nessa possibilidade e de comum acordo com a esposa “pensou em arriscar” e aceitou o negócio proposto.

Reiterou que o tio nunca lhe falou na situação económica da empresa e pensava que esta estava bem, desconhecendo que a mesma tivesse dívidas com excepção da quantia devida à I..., em virtude de o tio estar inibido do uso de cheques e lhe ter solicitado que emitisse cheques seus, a fim de ser liquidada tal dívida, ao que anuiu e das demais só soube quando pretenderam penhorar os bens que adquirira.

Referiu, ainda, que o tio ia “pagando os salários aos poucos”.

Por G..., esposa do legal representante da autora, foi referido que o marido trabalhou na B..., propriedade do tio, durante 17/18 anos, mas que entre ambos existia apenas uma relação profissional.

Mais disse que o marido não tinha acesso à contabilidade da empresa, nem ao escritório da mesma e que começaram a pensar em adquirir a empresa 2/3 anos atrás para “tentar construir uma coisa deles” e não sabiam que a B... tinha dívidas ou que estava numa situação difícil.

E..., gerente da B... e tio do gerente da A., referiu que o sobrinho trabalhou para a sua empresa 17/18 anos e “era um empregado como outro qualquer”, funcionando como o encarregado, mas que nunca teve acesso nem às contas ou ao escritório, nem à correspondência recebida pela empresa.

Mais disse que por dificuldades que foram surgindo, não conseguiu pagar aos credores e começou a pensar em vender ao sobrinho há 2/3 anos atrás, mas nunca lhe falou nas dívidas da empresa e também propôs a mesma venda ao gerente da empresa que requereu a insolvência, seu cunhado, mas que este não aceitou.

Referiu que os ordenados aos trabalhadores não eram pagos por uma só vez, mas em prestações e que lhes ficou a dever alguns subsídios de férias.

Estava inibido do uso de cheques, motivo pelo qual pediu ao sobrinho que emitisse cheques seus para pagamento da dívida à I....

Mais disse, ainda, que dada a sua situação vendeu todo o seu património em dois meses.

Analisados estes depoimentos, sufragamos a “leitura” que dos mesmos foi feita em 1.ª instância, aceitando os argumentos ali expendidos para justificar a demonstração dos factos ora em apreço.

Efectivamente, não é crível que trabalhando, como trabalhou, o representante da autora, durante cerca de 17 anos, na empresa insolvente, de que o tio era o dono, não soubesse da situação financeira em que a mesma se encontrava.

Em empresas de pequena dimensão, como a ora em causa, o normal é os trabalhadores disso se aperceberem, o que mais se reforça se atentarmos a que os salários não eram pagos na totalidade nem atempadamente e alguns dos subsídios de férias nunca foram pagos.

Também não colhe a ideia que se fez tentar passar de que a relação entre tio e sobrinho era meramente profissional e tanto assim não é porque foi ao representante da autora que o dono da insolvente pediu para emitir cheques seus, com o descrito objectivo, o que, também, mais reforça a convicção de que o gerente da autora sabia da má situação económica em que se encontrava o tio (também declarado insolvente) e a empresa deste.

Por outro lado, o lógico e normal era o comprador inteirar-se da real situação da empresa que estava a comprar. O razoável é que quem compra averigúe o que está a comprar, raciocínio que é válido para a compra de uma casa, de um carro, de uma empresa, de um terreno, etc.

Em todas estas as situações as cautelas mínimas impõem uma averiguação, ainda que sumária, das características do objecto negocial e respectivos ónus ou encargos e responsabilidades assumidas.

E, diga-se que, ao contrário do alegado pela recorrente, não se trata de decidir com base em presunções (as quais, no entanto, note-se, constituem meio de prova válido – cf. artigos 349.º e 351.º do CC), mas sim de apreciar e sopesar os depoimentos prestados e cotejá-los com a lógica normal das coisas e com a experiência comum a fim de dar ou não um determinado facto como provado ou não provado, no que reside, em boa verdade, a tarefa do julgador, a nível do julgamento/decisão da matéria de facto.

Assim, improcede quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância.

            B. Se a resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência é inoponível ao ora recorrente, o que se traduz, a assim ser, na procedência da acção.

            Alega o autor, ora recorrente, que assim é, porque sempre actuou de boa fé, não se podendo concluir que se verifica o exigido requisito da má fé, para que possa ocorrer a pretendida resolução do negócio a favor da massa falida, do que resulta, ainda, que não está demonstrado que a recorrente soubesse que a mesma iria prejudicar os credores, ou seja, pugna pela inexistência de má fé da sua parte, pelo que a pretendida resolução não lhe é, sob este prisma e com fundamento em tais pressupostos de facto, oponível.

            Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se que a compra e venda dos móveis referidos nos autos constitui um acto prejudicial à massa insolvente, reduzindo o seu acervo de bens, o que acarretou um agravamento da impossibilidade de os credores verem satisfeitos os seus créditos e atento o tempo em que ocorreu tal alienação e as ligações entre os respectivos intervenientes, é de presumir a existência de má fé por parte do adquirente, em conformidade com o disposto no artigo 120.º do CIRE.

            Como é óbvio, o sucesso do presente recurso, quanto a esta questão, estava na completa dependência do desfecho do mesmo, na parte atinente à reapreciação da matéria de facto.

            Efectivamente, só com a alteração da factualidade dada como provada e não provada em 1.ª instância, no sentido propugnado pela recorrente, é que o desfecho da acção lhe poderia ser favorável, o que não sucedeu, como vimos aquando da análise e decisão da anterior questão.

            Dispõe o artigo 120.º, n.º 1, do CIRE que:

“Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”.

            Acrescentando-se no seu n.º 2, que se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

            Nos dizeres de Fernando de Gravato Morais, in Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, Almedina, 2008, a pág. 47, com a figura em causa tem-se em vista dar prevalência aos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, com sacrifício dos interesses de quem negoceia ou contrata com o insolvente, visando reintegrar no património da massa insolvente bens ou direitos que assim não fora seriam atribuídos a alguns credores do insolvente, em detrimento de outros, o que conduziria a um empobrecimento do património da massa, os quais (bens ou direitos), assim, passam a satisfazer os direitos de todos os credores, em obediência ao carácter de “execução geral” dos bens do insolvente.

            Decorre do n.º 1 do preceito acima citado que se exige, para que se possa lançar mão da figura da resolução em benefício da massa insolvente que se esteja perante a prática de actos prejudiciais à massa, cuja definição nos é dada pelo seu n.º 2, desde logo aparecendo em 1.º lugar os actos que diminuam ou frustrem a satisfação dos credores da insolvência.

            Nos dizeres de Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado (Reimpressão) Vol. I, Quid Júris, 2006, a pág. 434, por actos prejudiciais devem entender-se os que, por algum dos modos aí referidos, afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos, ali se incluindo todos os que implicam a diminuição do valor da massa insolvente, bem como todos os demais que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada, isto sem prejuízo da presunção a que se alude no n.º 3 do mesmo preceito.

            O mesmo entendimento é o perfilhado por Gravato Morais, ob. cit., a pág. 50, quando ali refere que ali se enquadra “qualquer acto que enfraqueça (qualitativa ou quantitativamente) a garantia patrimonial” e que, por isso, pode e deve ser atacado.

            Ora, é evidente que com esta venda, se esvaziou/diminuiu o acervo patrimonial da massa insolvente daí resultando um decréscimo do respectivo valor, assim se reduzindo as possibilidades de os credores da insolvente poderem ver satisfeitos os seus créditos, o que implica a afectação dos direitos dos mencionados credores.

            Mas para que a venda levada a cabo possa ser objecto de resolução em beneficio da massa insolvente, exige-se, ainda, a má fé do terceiro, a qual, nos termos do n.º 5 do citado artigo 120.º do CIRE, radica na verificação de qualquer uma das circunstâncias ali referidas, a saber:

            a) conhecimento, à data do acto, de que o devedor se encontra em situação de insolvência;

            b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

            c) do início do processo de insolvência.

            Este conhecimento por parte do terceiro de uma das circunstâncias ali mencionadas, basta-se com entendimento amplo, por ser o que melhor se coaduna com a intenção de protecção dos credores da insolvência, pois que e seguindo mais uma vez F. Gravato Morais, ob. cit., a pág.s 65 e 66, “o terceiro que se relaciona com um determinado sujeito, sobretudo na área comercial, deve ter uma particular prudência, uma justificada cautela na contratação, sem ser, portanto, demasiado ingénuo. Deve procurar apreciar, em termos gerais, o estado patrimonial daquele com quem estabelece negociações, sob pena de suportar na sua esfera jurídica o risco da resolução do acto em benefício da massa insolvente.”.

            E a fl.s 67, refere-se que a circunstância da alínea a), se basta com a cognoscibilidade pelo devedor de alguma das hipóteses consagradas no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE.

            E a da alínea b), com o conhecimento por parte do terceiro do carácter prejudicial do acto e do conhecimento por esse sujeito da situação de insolvência iminente do devedor.

            No caso desta alínea, como o referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, a pág. 205, trata-se de uma situação de facto, em que se verificam os requisitos para a declaração de insolvência, mas ainda não verificada judicialmente, mediante a correspondente sentença declarativa.

            Ora, o comprador não podia, em face do circunstancialismo descrito, deixar de ignorar a prejudicialidade do acto em apreço, por este afectar, necessariamente, os direitos dos credores da insolvência, o que aliado, ao seu necessário conhecimento da situação económica em que se encontrava a vendedora, como próxima do limiar da insolvência, acarreta que se tenha de concluir que se verifica a má fé do comprador, em face da factualidade demonstrada e constante das alíneas CC), DD) e FF) a HH), dos factos dados como provados na sentença recorrida.

            De resto, in casu, a má fé do comprador, presume-se (sem que tenha sido ilidida, com as consequências previstas no artigo 350.º, n.º 1, do CC – “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz”), nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 120.º do CIRE, atento a que a insolvência foi requerida em 23/11/2012 (al. A) e a venda aqui atacada ocorreu em 05 de Abril de 2012 (al. T) e dada a especial relação que existia entre os legais representantes de cada uma das sociedades nela intervenientes, designadamente o facto de serem tio e sobrinho e de o comprador ter trabalhado sob as ordens do vendedor, na firma insolvente, durante cerca de 17 anos, como resulta da factualidade provada.

            Assim sendo, soçobram as razões invocadas pela recorrente com vista à revogação da decisão recorrida, a qual fez a correcta aplicação da lei à situação sub judice, sendo a pretendida resolução oponível à autora, pelo que, nos termos expostos, é de manter a sentença recorrida, improcedendo, também, quanto a esta questão, o presente recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

            Coimbra, 08 de Abril de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves