Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | RECURSO DE FACTO IMPUGNAÇÃO DE FACTO ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO CONTRATO DE SEGURO PRÉMIO ANULAÇÃO DO SEGURO AVISO | ||
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Data do Acordão: | 03/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 640, 662 CPC, 13, 60, 61 RJCS ( LEI Nº 72/2008 DE 16/4), 224, 799, 813 CC | ||
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Sumário: | 1.- Só deve anular-se o julgamento para ampliação da matéria de facto quando esta for indispensável para julgar conscienciosamente a causa. 2.- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. 3.- Quando se impugna a matéria de facto, deve obrigatoriamente especificar-se os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impõem decisão diversa da recorrida, sobre os pontos de facto impugnados, sob pena de rejeição (art. 640º, nº 1, b), do NCPC). 4.- Não satisfaz esse requisito legal a impugnação da matéria de facto fundada em documentos existentes nos autos, sem qualquer especificação de quais eles sejam. 5.- O aviso do segurador ao tomador de seguro para pagamento do prémio, previsto no art. 60º, nº 1 e 2 do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), é uma declaração recipienda (art. 224º, nº 1, 1ª parte, do CC), tornando-se eficaz tornando-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou seja dele conhecida. 6.- Como a lei não estipula a forma de envio desse aviso e aquele art. 60º do RJCS é uma norma de imperatividade relativa (art. 13º, nº 1, do Regime), pode ser estabelecido um sistema de aviso mais favorável ao tomador do seguro, designadamente que esse aviso escrito devia ser feito por correio registado. 7.- Provando-se que a seguradora não enviou o aviso, e sendo essa uma sua obrigação legal, significa que a mesma entrou em mora (art. 813º, 2ª parte do CC);. 8.- A falta de cumprimento da obrigação de pagamento do prémio do seguro por banda dos AA/tomadores do seguro, não lhes é assim imputável, mas sim à R./seguradora, estando ilidida, por isso, a presunção de culpa contratual dos AA fixada no art. 799º, nº 1, do CC. 9.- De sorte que à data do sinistro o seguro contratado pelos autores não estava extinto, pelo que a R. terá de assumir integralmente as obrigações decorrentes do contrato de seguro celebrado e infundadamente anulado, responsabilizando-se pela regularização do sinistro ocorrido no imóvel seguro. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I – Relatório
1. M (...) , Lda., com sede em (...) , instaurou (em 18.1.2018) procedimento cautelar comum, contra J (...) e C (...) , ambos residentes em (...) , pedindo a restituição provisória da posse das divisões ilegitimamente ocupadas pelos requeridos. Alegou, em síntese ser uma sociedade destinada à exploração de lar de idosos, e ter celebrado, para esse objectivo, contrato de locação financeira relativo a fracção autónoma designada pela letra “B” do imóvel sito na Rua (...) . Que os requeridos ocuparam 4 divisões integrantes da fracção “B”, correspondentes a 4 arrumos, sala de pessoal, sala de refeitório de pessoal, casa de banho, vestiário e 2 arrecadações, impedindo-a de usar e fruir as referidas divisões para as finalidades que lhe estavam previamente adstritas e que são essenciais à prossecução do normal funcionamento do lar. Tal lar dispõe de alvará do Instituto de Segurança Social, sendo que a conduta dos requeridos poderá determinar a perda do referido alvará, o qual, foi aprovado e emitido tendo em conta a existência daqueles espaços destinados ao funcionamento do lar de idosos. Entretanto (em 10.1.018), o referido ISS deliberou o encerramento do Lar, fixando em 30 dias o prazo para a requerente cessar a sua actividade. Que os requeridos ocupam ilicitamente parte da fracção B do imóvel, bem sabendo que lhes não pertence, causando prejuízo económico. Os requeridos deduziram oposição, onde, em síntese, excepcionam a repetição da providência requerida, a falta de interesse processual, mais impugnando a factualidade alegada pela requerente. Requereram, também, a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a 2.500 €. A requerente deduziu resposta às excepções invocadas pelos requeridos, pugnando pela sua improcedência. A 21.5.2018, nos autos principais, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarar que as divisões identificadas como arrumos (4 divisões), sala de pessoal, sala de refeitório de pessoal, casa de banho, vestiário e arrecadação, integram a Fracção “B” do imóvel sito na Rua (...) , e absolver os aí réus J (...) e C (...) dos demais pedidos formulados pela autora, ora requerente, designadamente o pedido de entrega de tais divisões e indemnização inerente. Nessa sentença, além do decidido, entendeu-se que “não resulta demonstrada qualquer ocupação dos réus sobre a coisa reivindicada, pelo que, falecendo o segundo pressuposto acima referido, improcede a pretensão reivindicativa formulada pela Autora”. Por entender que estava em condições de proferir decisão de mérito o tribunal a quo ouviu as partes só a requerente se tendo pronunciado. * Foi, depois, proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar. * 2. A A. recorreu, tendo apresentado as seguintes longas (e meramente repetitivas do corpo das alegações) conclusões: A. A Recorrente apresentou a presente providência cautelar para ver restituída, ainda que provisoriamente, a posse sobre determinadas divisões, suas por direito em função de contrato compra e venda com locação financeira celebrado entre a Recorrente e os Recorridos, as quais se encontram a ser ilegitimamente ocupadas pelos Recorridos, B. As divisões em causa reportam-se a parte de um lar de idosos, o qual, em face de exigências legais, tem que ter na sua composição estrutural essas mesmas di visões. Tanto mais que, exatamente por não as ter, foi a Recorrente notificada de decisão de encerramento administrativo do Lar por parte do Instituto de Segurança Social, LP., o que suscitou a necessidade de apresentação da presente providência cautelar. C. O requerimento inicial foi liminarmente admitido, tendo os Recorridos apresentado a sua oposição e, posteriormente, a Recorrente apresentado resposta às exceções. D. Em 21-05-2018 é proferida sentença nos autos principais, tendo a ação sido julgada parcialmente procedente, uma vez que o Tribunal reconhece que as divisões em disputa integram a composição do Lar, mas, por outro lado, não dá como provado que os aqui Recorridos se encontrem a ocupar essas mesmas divisões, não os condenando na entrega das mesmas à Recorrente, nem, bem assim, nos pedidos indemnizatórios. E. Em consequência dessa decisão na ação principal, o Tribunal recorrido confere as partes a possibilidade de pronúncia, tendo a Recorrente arguido pela necessidade do prosseguimento dos autos, mormente para produção de prova, pois que, em primeiro lugar, a decisão proferida nos autos principais não era (nem é) definitiva e, por outro lado, não se esgotam as questões a ser delineadas nestes autos. F. Em 28-06-2018 apresentou a aqui Recorrente recurso de apelação da decisão proferida nos autos principais, no que concerne aos aspetos do decaimento da aqui Recorrente. G. Em 05-07-2018 é a aqui Recorrente notificada da sentença proferida nestes autos, e objeto do presente recurso, mediante a qual se julga improcedente o procedimento cautelar, referindo-se: "Atento todo o exposto, este Tribunal decide julgar improcedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, decide, indeferir a providência cautelar requerida." H. A sentença ora recorrida padece do vício constante do artigo 615.°, n.º 1 alínea b), do CPC, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito da decisão proferida. I. O Tribunal recorrido dedica duas linhas únicas à fundamentação da matéria de facto da decisão em crise, referindo, concretamente: "A factualidade relevante para a decisão a proferir é a que consta do relatório 'supra '. e que aqui se dá por integralmente reproduzida." J. Esta consideração é manifestamente insuficiente, porque absolutamente omissa, para aquilo que é a exigência legal de densificação da factualidade relevante, até porque o relatório a que se faz referência reporta-se ao mero relato das incidências processuais que decorreram nestes autos, não sendo escalpelizados ou determinados quaisquer factos; aliás não há sequer uma discriminação dos factos provados e não provados. K. Por outro lado, inexiste uma fundamentação jurídica à decisão assumida, não havendo qualquer interpretação das normas jurídicas que estariam em causa, L. Razão pela qual se invoca desde já a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.°, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. M. A decisão ora em crise funda a sua motivação em dois aspetos principais: por um lado, na pretensa saciedade da prova produzida em ação principal e, por outro, na alegada inexistência de periculum in mora. N. A respeito do primeiro aspeto referenciado, argumenta o Tribunal a quo - e apenas de uma forma muito liminar - no seguinte sentido: (… reprodução de texto da decisão recorrida), O. Entende a Recorrente que o Tribunal recorrido incorre num vício de raciocínio circular, pois que remete de uma para outra ação (principal e cautelar), conforme aquilo que, no momento, faça mais sentido; é que a seguir a lógica - obviamente, no seu limite secundada pelo Tribunal a quo então deixaria de fazer sentido a apresentação de um qualquer procedimento cautelar, pois que o mesmo poderia sempre, e de alguma forma, bulir com os princípios e bases probatórias da ação principal. P. A providência cautelar que originou os presentes autos é apresentada atendendo à situação de especial urgência - e nova - que surgiu aquando da decisão de encerramento administrativo da Segurança Social, uma vez que, se até aí, a Recorrente podia "aguardar" pelo normal decurso da ação principal, com a iminência do encerramento essa situação alterou-se, sendo necessário que, por via da providência cautelar, fosse possível estabelecer uma situação provisória que acautelasse a posse das divisões para que a Recorrente pudesse alterar a situação que motivou o encerramento da Segurança Social (a desconformidade com o alvará, por inexistência das divisões aqui em discussão). Q. Um qualquer lar de idosos tem que responder a uma série de exigências legais fixadas pelo legislador, entre outras, na Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, sendo que dessa Portaria resulta que o Lar tenha que ter determinadas áreas funcionais, entre as quais a que aqui se disputam (artigo 18.º e Anexo I). R. Daqui resulta evidente que um Lar de idosos tem obrigatoriamente que ter, por um lado, instalações destinadas ao pessoal e, por outro, áreas de serviço de apoío (designadamente, arrecadações). S. Em face da falta de correspondência do espaço às exigências legais, ordenou o Instituto de Segurança Social, LP., o encerramento administrativo do Lar de Idosos S (...) . Essa falta de correspondência deve-se, exatamente, ao facto de as divisões que estão em disputa quer nesta, quer na ação principal, não terem sido entregues à Recorrente, pese embora figurem no alvará de funcionamento do Lar. 1. Foi então essa necessidade que cerceou a apresentação da presente ação cautelar. U. Por outro lado, o Mmo. Juiz a quo impede que seja realizada prova autónoma (ainda que indiciária) nestes autos, remetendo para a prova que já se achava produzida na ação principal, o que, para a Recorrente, revela uma compressão ilegítima dos seus direitos de defesa, até porque a prova que aqui se propôs produzir era distinta da que ali foi produzida, tanto que a situação assim o exigia. V. Ainda que haja uma dependência entre o procedimento cautelar e a ação principal, aquele não perde a sua autonomia, sendo que a produção de prova está prevista autonomamente (artigo 367.°, n.º 1 do CPC), ante um juízo de necessidade. W. Assim, o Mmo. Juiz a quo teria que fundamentar - tendo por base o referido juízo de necessidade - a sua decisão para inviabilizar a produção de prova nestes autos. X. A prova que aqui se discute, ou seja, a prova da ocupação das divisões, apenas pode ser feita por prova testemunhal, pois que, de outra forma, toma-se quase impossível fazê-lo. Y. De todo o modo, e para lá da própria necessidade da prova testemunhal e por depoimento de parte, existe fato sensu a necessidade da produção de prova pela Recorrente, e que lhe foi negada. Z. O juízo de que o Tribunal recorrido se socorreu não vai de encontro ao objetivo de necessidade plasmado no artigo 367.°, n.º 1 do CPC, razão pela qual não podia o mesmo ter anulado a possibilidade de produção de prova da Recorrente, inviabilizando a garantia da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos da Recorrente, que sempre seria exigível nos termos do artigo 20.°, n.ºs 1 e 4 da Constituição. AA. Entende, assim, a Recorrente que a falta de oportunidade de produção de prova, traduzida no juízo de desnecessidade do Mmo. Juiz a quo traduz uma nulidade processual, suscetível de conduzir à revogação da decisão ora em crise. BB. Nestes termos, requer-se desde já a V. Exas. se dignem revogar a sentença ora em crise, ordenando a prossecução dos autos para a produção da prova requerida pela Recorrente, em sede de audiência final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 367.°, n.º 1 do Código de Processo Civil. CC. No que concerne ao periculum in mora, entendeu o Mmo. Juiz a quo que o facto de existir uma decisão de encerramento administrativo - sendo, nas suas palavras, "irrelevante" se a mesma foi ou não executada - é bastante para efeitos de consumação de ameaça e, portanto, para afastar a verificação do pressuposto do periculum in mora. DD. Salvo o devido respeito, entende-se que a própria lógica subjacente à conclusão do Tribunal é falaciosa, pois que o Tribunal se usa da conclusão para construir os seus pressupostos. EE.A decisão de encerramento administrativo não foi ainda executada (conforme transmitido ao Tribunal a quo por requerimento datado de 08-06-2018), uma vez que a aqui Recorrente apresentou providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo e a correspondente ação principal de impugnação de ato administrativo, ambas as ações que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (respetivamente, processos n.° 24118.lBECTB e 24/18.1 BECTB-A). FF. No desenrolar deste raciocínio, revela-se ainda mais incompreensível dizer-se que é "irrelevante" que haja, ou não, execução dessa decisão, uma vez que a situação material subjacente será tendencialmente diferente num e noutro caso: num caso, o Lar encontra-se encerrado e, portanto, a Recorrente não está em atividade; no outro, o Lar não se encontra encerrado, havendo ainda a possibilidade de reverter a situação. GG. O facto de haver esta possibilidade de reversão da situação implica que haja - ainda uma urgência, porque é ainda possível, em face de uma decisão nestes autos - conferir o suficiente à Recorrente para, uma vez devolvida a posse das divisões, poder fazer obras e retomar a regularidade do Lar de acordo com o disposto no al vará de funcionamento. HH. Ao contrário do que se refere a ameaça não se consumou - por inteiro - está, isso sim, na iminência de se consumar. O que justifica e corporiza o ideal do procedimento cautelar. II. Desta forma, o perigo que se pretende acautelar está iminente, mas ainda não concretizado, uma vez que isso só acontecerá havendo uma execução da decisão (a qual para já se encontra suspensa em virtude das ações acima descritas). JJ. Por outro lado, a sentença proferida na ação principal não é definitiva, até porque foi entretanto apresentado recurso de apelação da mesma, pelo que os seus efeitos não se produzem. KK. Assim, e ao contrário do que alega o Tribunal recorrido, entende a Recorrente que estão articulados e demonstrados os pressupostos necessários para o decretamento da providência cautelar em causa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 362.°, n.º 1, ex vi do artigo 379.°, ambos do CPC. LL. De acordo com a jurisprudência constante o decretamento de uma providência cautelar fica dependente da existência do fumus boni iuris, do periculum in mora, da adequação da providência à situação a acautelar, e do prejuízo do seu decretamento não ser superior à sua não existência. MM.O Tribunal recorrido apenas levanta questões quanto ao periculum in mora, sendo que, relativamente a este, e em face de tudo quanto se referiu, não restam dúvidas de que estamos perante uma situação que, pelo decurso do tempo, tomará absolutamente irreparável o direito que a Recorrente pretende exercer. NN. Ou seja, ainda que esteja em curso um processo administrativo que procure sustar os efeitos da decisão de encerramento administrativo, a qualquer momento essa decisão pode chegar no sentido negativo, ou seja, admitindo o encerramento, Razão pela qual, a Recorrente tem apenas o tempo que lhe resta até uma tal decisão para procurar reverter a situação de facto, antes que a mesma se concretize. 00. Sendo que, ao concretizar-se, e como facilmente se compreenderá perante a extensão de implicações que tem um encerramento de um estabelecimento deste tipo (o realojamento dos utentes, o despedimento dos funcionários, a extinção dos vínculos de prestação de serviços, o incumprimento das garantias bancárias, etc.), tomar-se praticamente irreversível a situação consumada. PP. Por último, existe uma probabilidade séria da existência do direito; direito esse que, em parte, foi reconhecido na sentença proferida na ação principal (a declaração de que as divisões em litígio pertencem à Recorrente) e que, no demais (a questão da ocupação), julga a Recorrente que existem indícios suficientes para concluir pela sua existência (e que facilmente seriam reconhecíveis pelo Tribunal recorrido se o mesmo tivesse ordenado a produção de prova requerida pela Recorrente). QQ. São os próprios Recorridos que, na sua peça de oposição, confessam a ocupação das divisões aqui em litígio (concretamente, nos artigos 46.°,47.°,48.° e 49.°), pelo que dúvidas não podem subsistir quanto à ocupação dos Recorridos do espaço em questão, a qual é obviamente ilegítima (até em face do reconhecimento feito na ação principal); aliás, os Recorridos escrevem expressamente (artigo 49.º da oposição) que utilizam aquelas divisões como se da sua habitação se tratasse, o que atenta, diretamente, contra o direito de posse da Recorrente, assim demonstrando que a mesma se acha ilegalmente desapossada das divisões em questão. RR. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exa. se digne julgar o presente recurso procedente por provado e, em consequência, ordene a substituição da sentença ora recorrida por outra que decrete a providência cautelar em questão, por preenchimento dos requisitos necessários. Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se a V. Exa. se digne julgar o presente recurso procedente, por provado, e, em consequência: a) Declarar a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.°, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nos termos acima identificados; b) Revogar a sentença ora em crise, nos termos acima melhor descritos, ordenando a prossecução dos autos para a produção da prova requerida pela recorrente em sede de audiência final, nos termos do art. 367º, nº 1, do Código de Processo Civil; Ou, em qualquer caso, se dignem: c) Decretar a presente providência cautelar, conforme supra explanado. 3. Os RR contra-alegaram, concluindo que: 1. Na oposição, ao presente procedimento cautelar, os requeridos, aqui recorridos, defenderam-se por excepção, no entanto, a douta decisão não se pronunciou sobre as excepções suscitadas, em violação ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC; 2. Com a presente providência cautelar, a requerente pretende que lhe seja “restituída provisoriamente a posse das divisões ilegitimamente ocupadas pelos requeridos”, porém, foram julgadas, improcedentes, duas providências cautelares, uma prévia, outra na pendência da presente acção principal; 3. Face ao preceituado no artigo 362.º, n.º 4, do CPC, “não é admissível, na pendência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”; 4. Além de o Tribunal dever evitar decisões contraditórias, a decisão que viesse a ser proferida nos presentes autos não teria sequer a virtualidade de incorporar ou alterar as decisões, anteriores, transitadas em julgado; 5. Assim, salvo melhor opinião, ocorre falta de interesse em agir; 6. “O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva (artigo 364.º, n.º 1, do CPC); 7. “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal” (n.º 4, do artigo, 364.º, do CPC); 8. A ineficácia da providência cautelar não é recíproca, já que a decisão proferida no processo principal tem influência no procedimento cautelar, ainda que não transitada; 9. A douta Sentença, proferida na acção principal, entendeu que não resultou demonstrada qualquer ocupação dos réus, aqui requeridos/recorridos, sobre a coisa reivindicada; 10. Pelo exposto, não tendo a requerente, ora apelante, demostrado, na acção principal, a ocupação das divisões reivindicadas, a douta decisão, que indefere a providência, sem realização de prova, não merece qualquer censura. Termos em que, invocando-se o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deve a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, confirmar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo; Caso assim não entenda, deverá a ampliação do âmbito do recurso ser julgada procedente, por provada, com as demais consequências legais. Porém, V. Exas. Decidirão como for de Justiça!
II – Factos Provados
A factualidade a considerar dimana do exposto no relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Nulidade da decisão. - Prossecução dos autos para produção de prova. - Ampliação do objecto do recurso.
2. Defende a recorrente que a decisão é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, b), do NCPC, porque não existe fundamentação de facto, nem de direito. Sem razão. Na dita decisão, sobre a fundamentação de facto escreveu-se que: “A factualidade relevante para a decisão a proferir é a que consta do relatório “supra”, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.” O que consta desse relatório supra é no essencial e quase na íntegra o que consta do relatório deste acórdão, na parte I. E na economia da decisão do tribunal a quo e da do presente recurso essa factualidade é a relevante e suficiente para o que se vai decidir. A saber: o pedido da A. de restituição provisória da posse das divisões alegadamente ocupadas ilegitimamente pelos requeridos; a causa de pedir narrada, para tal, com base na circunstância de a fracção “B”, pertença da A., abranger as 4 divisões correspondentes a 4 arrumos, sala de pessoal, sala de refeitório de pessoal, casa de banho, vestiário e 2 arrecadações, que os requeridos ocupam, impedindo-a de usar e fruir as referidas divisões para as finalidades que lhe estavam previamente adstritas e que são essenciais à prossecução do normal funcionamento do lar; que com tal ocupação ilícita causam prejuízo económico à A.; que a dita ocupação e não entrega de tais divisões será causal da deliberação do ISS de encerramento do Lar; a 21.5.2018, nos autos principais foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarando-se que as referidas 4 divisões integram referida a Fracção “B”; a absolvição dos aí réus J (...) e C (...) dos demais pedidos formulados pela autora, ora requerente, designadamente o pedido de entrega de tais divisões e indemnização inerente; o facto de nessa sentença, além do decidido, se ter entendido que “não resulta demonstrada qualquer ocupação dos réus sobre a coisa reivindicada, pelo que, falecendo o segundo pressuposto acima referido, improcede a pretensão reivindicativa formulada pela Autora”. É esta a factualidade a considerar que emerge do relatório da decisão apelada e também do relatório do presente acórdão. Existe, por conseguinte, factualidade assente (não está é numerada ou enunciada por letras ou outra forma). Quanto à falta de fundamentação de direito não se alcança mesmo tal invocação. Efectivamente a sua existência é patente, e vamos transcrevê-la parcialmente mas praticamente por inteiro: “Contudo, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-11-2007 (Proc. 2519/07-2 in www.dgsi.pt), “(...) o problema é outro, como outra é a respectiva solução no caso de ainda não haver decisão do procedimento cautelar no momento em que é decidida a improcedência da acção principal; nesse caso, a solução parece que não passa pela inutilidade superveniente da lide (ou do procedimento) mas, coerentemente com aquela decisão, pelo indeferimento deste por inexistência do direito a acautelar: com efeito, se se entende que o direito não existe, então não tem que ser acautelado ...”. Ora, salvo o devido respeito por decisão contrária, se na ação principal, após produção de prova, se decidiu não resultar demonstrada qualquer ocupação dos réus (aqui requeridos) sobre a coisa reivindicada – ou seja, a lesão do direito da requerente – não se afiguraria coerente, no presente procedimento, onde, realce-se, a prova a produzir é meramente indiciária, considerar que, afinal, existe a alegada ocupação, e concluir pela lesão grave do direito, e consequentemente da existência do direito a acautelar. Por outro lado, afigura-se-nos, desde logo, e do teor da própria alegação da requerente, inexistir o pressuposto do periculum in mora. Com efeito, quanto a este aspeto, alega a requerente que (cfr. artigos 132.o e ss. do r.i.) a executar-se a deliberação da Segurança Social, de encerramento do estabelecimento em causa, determinar-se-á a “morte imediata” da Requerente, passando a mesma de uma situação de pleno funcionamento, para de encerramento. (…) De todo o modo, a decisão de encerramento, já havia sido tomada, pois que, no dia 10-01-2018 foi a Requerente notificada, na pessoa do seu Mandatário, da Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., onde, para além do mais, se decidiu ordenar o encerramento administrativo imediato do estabelecimento. Com efeito, é sabido que são requisitos comuns de uma providência cautelar, a aparência do direito, o perigo de insatisfação desse direito a adequação da providência cautelar para conjurar o perigo (cfr. art.º 362.º, n.º 1 do CPC). O perigo de insatisfação do direito supõe que o seu titular se encontra perante simples ameaça de violação desse direito. Se a ameaça já se consumou (in casu, com a decisão de encerramento administrativo imediato do estabelecimento), então não há perigo mas sim eventual consumação da eventual lesão do direito, pelo que, em tal caso, a providência cautelar requerida carece de utilidade. Por outro lado, não resultando dos autos, que tenha havido reclamação hierárquica dessa decisão ou impugnação judicial da mesma, não se vislumbra, como é que a decisão a decretar a providência requerida, possa vir a inverter a situação jurídico-administrativa em causa, afigurando-se-nos, deste modo, e com o devido respeito pela posição defendida pela requerente, irrelevante, que a decisão de encerramento tenha ou não sido executada, para efeitos, de consumação de ameaça. Desta forma, não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, e, de todo o modo, ainda que viesse a ser produzida prova (que todo o modo seria perfunctória), tal revelar-se-ia inútil, face à já constatada impossibilidade de verificação desses pressupostos.”. Inexiste, por isso, a arguida nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida. 3. Importa apreciar a seguinte questão: proferida já sentença na acção principal, com base na respectiva matéria de facto aí apurada, o juiz pode proferir decisão no processo cautelar indeferindo-o, sem que no âmbito da providência tivesse sido dado cumprimento ao disposto no art. 367º do NCPC (com a epígrafe audiência final) e sem que tivesse havido lugar à produção de prova. O art. 362º (com a epígrafe relação entre o procedimento cautelar e a acção principal), seu nº 1, do NCPC, estatui que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência (conservatória ou antecipatória) concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. Por sua vez o art. 364º, nº 1, do mesmo código, estabelece que o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção. Com as providências cautelares pretende-se garantir o efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou continuação de danos, ou antecipando os seus efeitos visados através de medidas definitivas. O referido art. 364º, nº 1, consagra as características da instrumentalidade ce dependência. O procedimento cautelar surge para servir o fim da acção, e assim a relação entre o processo cautelar e o processo principal (de que aquele depende) é uma relação instrumental, o que significa que a providência cautelar é emitida na pressuposição ou na previsão da hipótese (instrumentalidade hipotética) de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal. Por sua vez o nº 4 de tal normativo estatui que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal. Como se vê, a lei estabelece uma não eficácia da providência cautelar em relação à acção principal. Na verdade, naquela, factores como o carácter sumário da mesma e perfunctório das diligências probatórias, a celeridade imposta pela natureza e objectivos da providência, até mesmo a convicção do julgador, levam a que a decisão proferida no processo cautelar tenha uma natureza precária/indiciária, insusceptível de influenciar a decisão na acção definitiva (principal). Mas se isto é assim já não o é no caso contrário, ou seja, a influência que o processo principal pode ter ou tem no procedimento cautelar. Aqui as razões já são outras. Por isso, o juiz deve ponderar os elementos e as decisões constantes do processo principal, porque rodeadas de maior solenidade, de contraditório e por isso de garantias de maior acerto do que a prova sumária feita no processo cautelar. Isto é, a lei veda a influência da apreciação do processo cautelar na apreciação da acção principal, mas não inibe o contrário, ou seja, que na apreciação desta o juiz não possa servir-se dos elementos constantes daquele. Mesmo que tenhs sido interposto recurso na acção principal (vide neste preciso sentido o Ac. do STJ de 30.9.1999, em BMJ nº 489, págs. 294 e segs. que acompanhámos). Na mesma direcção observa A. Geraldes (em Temas da Reforma do P. Civil, Vol. III, 4 ª Ed., Procedimento Cautelar Comum, nota 35.2 ao anterior artigo 383º do CPC, pág. 161/162) que embora não existam obstáculos formais á dedução de pretensão cautelar quando na acção principal já tenha sido proferida decisão desfavorável ao requerente, ainda não transitada em julgado, esse facto não deixará de ser valorado, repercutindo-se negativamente na apreciação de um dos requisitos substantivos da providência: a probabilidade quanto à existência do direito. Bastando nas providências cautelares a verificação da provável existência do direito, a sua negação apurada no âmbito de um processo com as garantias do contraditório e propiciador de maior segurança jurídica constituirá um obstáculo de muito difícil transposição as decretamento de uma medida cautelar. Aquando da prolação da decisão cautelar, o juiz não deixará de relevar a decisão favorável ou desfavorável que eventualmente já tenha sido proferida no processo principal, mesmo que ainda não tenha transitado em julgado. Neste sentido vai igualmente Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª Ed., pág. 233. Ora, como sabemos, os requeridos, réus na acção principal foram aí absolvidos, dos pedidos formulados pela aí autora, ora requerente/apelante, designadamente o pedido de entrega das mencionadas divisões e indemnização inerente, tendo nessa sentença se entendido que “não resulta demonstrada qualquer ocupação dos réus sobre a coisa reivindicada, pelo que, falecendo o segundo pressuposto acima referido, improcede a pretensão reivindicativa formulada pela Autora”. Não há, pois, razão, face ao explicitado, para os autos prosseguirem, com produção de prova, já que de prova indiciária apurada na providência cautelar não se poderá falar mais, face ao apurado e decidido na acção principal. Aceitar outra tese, a da recorrente, seria desvirtuar a finalidade da providência. O requerente dela acabaria por conseguir com a providência aquilo que não logrou com o processo principal de que ela é dependência e no qual buscou a mesma medida, mas definitiva. Não procede, por isso, o recurso. 4. Face ao que se explicou e vai ser decidido, a improcedência do recurso, torna-se desnecessário conhecer do objecto da ampliação do recurso, nos termos do art. 636º, nº 2, do NCPC. 5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): i) O art. 364º do Código de Processo Civil consagra as características da instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à acção principal; ii) Surgindo o procedimento para servir o fim da acção principal, de que aquele depende, tal significa que a providência cautelar é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal; iii) Proferida decisão no processo principal que indefere a pretensão do A./requerente do procedimento, embora não transitada, isso basta para indeferir a providência cautelar, não devendo o juiz, neste caso, dar cumprimento ao art. 367º do NCPC, com produção de prova, já que de prova indiciária apurada na providência cautelar não se poderá falar mais, face ao apurado e decidido na acção principal; iv) Admitir tese contrária seria desvirtuar a finalidade da providência cautelar, já que o requerente dela acabaria por conseguir com a providência aquilo que não logrou com a acção principal de que ela é dependência e no qual buscou a mesma medida, mas definitiva.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas pela recorrente. * Coimbra, 19.3.2019
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Maria João Areias
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