Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
668/13.8TXCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
NOTIFICAÇÂO
CARTA ROGATÓRIA
FORMALIDADES
ESTADO REQUERENTE
ESTADO REQUERIDO
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º, N.º 1, DA CONVENÇÃO RELATIVA AO AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA, DE 20 DE ABRIL DE 1959, RATIFICADA PELA RESOLUÇÃO N.º 39/94, DE 14/7; ARTIGO 4.º, N.º 1, DA CONVENÇÃO RELATIVA AO AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA, ASSINADA EM BRUXELAS EM 29/05/2000, RATIFICADA PELA RESOLUÇÃO N.º 63/2001, DE 21/6/2001; ARTIGO ART. 161.º, AL. I) E 166.º, N.º 5, DA CRP.
Sumário: I – No âmbito da cooperação judiciária em matéria penal entre estados membros da União Europeia, vigora o princípio “locus regit actum”, segundo o qual o cumprimento dos actos são regidos pela lei do lugar em que forem praticados, isto é, pela lei do Estado requerido, a não ser que o Estado requerente expressamente indique forma diferente e desde que as formalidades e procedimentos indicados não sejam contrários aos princípios fundamentais de direito do Estado membro requerido.

II – Tendo sido pedida ao Reino Unido, por carta rogatória, a notificação da requerida da revogação da liberdade condicional, sem indicação especial expressa, uma vez cumpridas as formalidades segundo os serviços de correio daquele país enquanto Estado requerido, deve-se considerar devidamente feita a notificação.

III – Uma vez considerada notificada a requerida, com domicílio conhecido, não devem os autos aguardar, conforme foi decidido a sua apresentação na situação de contumácia ou a sua efectiva notificação, impondo-se o seu prosseguimento com emissão do respectivo MDE.

IV – Sendo conhecido o domicílio da requerida, a falta de formalidades da notificação, apenas poderia implicar a repetição do acto, com expedição de nova carta rogatória, com menção expressa das formalidades.

Decisão Texto Integral:










Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado em que é requerida A... , nascida a 4/05/1963, filha de (...) e de (...) , natural da Nazaré, com última residência na (...) – Figueira da Foz, o senhor Juiz do TEP de Coimbra, na sequência da revogação da liberdade condicional, e uma vez declarada contumaz, ordenou que se aguardasse a apresentação da requerida ou a sua efectiva notificação.
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Inconformado recorreu o Ministério Publico, o qual pugna pela revogação do despacho recorrido e a prolação de despacho a mandar seguir os autos, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 3.° da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 de Abril de 1959, "a parte requerida executa na forma prevista pela sua própria legislação quaisquer cartas rogatórias relativas a um processo criminal que lhe foram apresentados pelas autoridades judiciárias da parte requerente…".
2. Determina o n.° 1 do artigo 4.° da complementar Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas em 29 de Maio de 2000, que "nos casos em que for concedido auxilio judiciário mútuo, o Estado membro requerido respeitará as formalidades e procedimentos expressamente indicados pelo Estado membro requerente) salvo disposição em contrário da presente Convenção e desde que as formalidades e procedimentos indicados não sejam contrários aos princípios fundamentais de direito do Estado membro requerido".
3. Nos presentes autos foi expedida rogatória datada de 11-12-2014, onde se pedia que "se proceda a notificação pessoal da arguida abaixo indicada de todo o conteúdo da douta decisão proferida em 11-06-2002".
4. As autoridades inglesas consideraram para tal suficiente a remessa postal da notificação, mesmo sem devolução de qualquer recibo.
5. O M.º Juiz a quo entende que para os efeitos do processo é necessário que se comprove o efectivo conhecimento da decisão de revogação para que a mesma se considere transitada e, ao mesmo tempo, para que se declare cessada a contumácia, não bastando a mera presunção de recebimento decorrente da lei interna do país requerido.
6. A entender-se assim, deverá solicitar-se a notificação com todas as formalidades que se considerem necessárias.
7. Não se deverá é colocar o processo a aguardar a apresentação da requerida ou a sua efectiva notificação, que não se explica nem se vê como possa ser lograda, com o processo a aguardar…
8. Foi violada a norma do n.° 1 do artigo 4.º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, assinado em Bruxelas em 29 de Maio de 2000».
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Notificada a defensora oficiosa da requerida nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não respondeu.
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O senhor Juiz do TEP de Coimbra sustentou o despacho recorrido.
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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer acompanhando de perto a motivação de recuso do MP na 1.ª instância, por considerar que a declaração da entidade requerida satisfaz as necessidades de comprovação da notificação, devendo ser ordenada a emissão de MDE.
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Notificada a arguida, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não respondeu.
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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos o teor do despacho recorrido:
«Por acórdão de 1997.03.10, transitado em julgado em 13 de Maio de 1997, foi A... condenada na pena de 4 anos e 2 meses de prisão pela prática, até Maio de 1996, de um crime de tráfico de estupefacientes (fls. 3 -11 do P.G.L.C.).
Por decisão de 1998.12.21, constante de fls. 34-36 do P.G.L.C. e que aqui se reproduz, foi concedida à condenada liberdade condicional, até ao termo da pena que ocorreria em 2000.11.07.
Em 12 de Junho de 2002 foi a liberdade condicional concedida revogada sem audição daquela, por incumprimento de deveres, essencialmente referentes ao acompanhamento instituído já que a condenada se ausentara da morada convencionada, sendo o seu paradeiro desconhecido e vindo a mesma a ser declarada contumaz na mesma decisão.
Por despacho de fls. 139 entendeu-se necessária a notificação pessoal da requerida da decisão que revogou a liberdade condicional (e só, após trânsito, a emissão de MDE), tendo em conta o que hoje se expressa no art. 185.º n.º 7 do CEP e ao efeito do recurso considerado no art. 186.º n.º 3 do mesmo diploma e ao que já constava do art. 68.º do D.L. n.º 783/76, de 29.10. Além disso e estando a requerida declarada contumaz, a cessação da contumácia implica a sua comparência no processo.
Ora, no caso, pese embora para o Estado requerido não seja necessária a prova de recebimento por parte da destinatária, como resulta de fls. 215, para os efeitos do processo é necessário que se comprove o efectivo conhecimento da decisão de revogação para que a mesma se considere transitada e, ao mesmo tempo, para que se declare cessada a contumácia. Essa certeza não advém da mera presunção de recebimento decorrente da lei interna do país requerido.
Assim, aguarde a apresentação da requerida ou a sua efectiva notificação».
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II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:
Uma vez revogada a liberdade condicional e declarada contumaz, apreciar se os autos devem aguardar a apresentação da requerida conforme foi decidido ou se se deve considerar notificada e consequentemente ordenar-se o prosseguimento dos autos com emissão de MDE ou providenciar-se previamente pela efectiva notificação antes da emissão do mandado.

Apreciando:
À arguida foi concedida a liberdade condicional em 21/12/1998, conforme consta de fls. 2 a 4, de que foi pessoalmente notificada (fls. 5).
Foi comunicado aos respectivos autos o incumprimento das obrigações pelos serviços do IRS, em 23/07/1999, tendo-se depois confirmado em 16/08/2001 o paradeiro desconhecido (fls. 7 e 10).
Na sequência foi proferido em 11/06/2002 despacho de revogação ad liberdade condicional e declarada contumaz, com emissão de mandados de captura, conforme consta de fls. 17 a 19, do qual foi notificada a defensora em 14/06/2002 (fls. 21).
Posteriormente foi proferido o despacho de fls. 41, em 23/09/2013 a ordenar a notificação pessoal da decisão de revogação, tendo sido solicitada ao respectivo cônsul.
O cônsul informa em 27/10/2014 a inscrição da arguida no posto consular e morada, informação que deu entrada em 27/11/2014, conforme consta de fls. 42.
Considerando que a decisão de revogação nunca fora notificada à requerida, como forma de justificar a emissão de MDE e tendo em conta que as cartas remetidas com AR foram devolvidas sem que se pudesse concluir que a assinatura era da requerida, foi ordenada a remessa de carta rogatória para notificação, em 10/12/2014 (fls. 45).
Entretanto em 15/06/2015 foi proferido despacho a solicitar à Procuradoria Geral da República para informar se existia possibilidade de obtenção do comprovativo de recepção assinado pela requerida (fls. 63), tendo sido prestada a informação de fls. 64, através da qual se diz que as autoridades inglesas informaram não ter sido recebido comprovativo de recepção assinado pela requerida.
Então o senhor juiz do TEP de Coimbra profere o despacho de que ora se recorre, considerando não notificada a requerida e ordenando que os autos aguardassem a sua apresentação ou a sua efectiva notificação.
Antes de mais importa dizer que, tendo a requerida sido declarada contumaz, na sequência da revogação da liberdade condicional, e, sendo conhecido o paradeiro da mesma, os autos não devem ficar à espera da apresentação da requerida.
Estamos perante uma situação em que a contumácia não deve ser um prémio para a requerida.
É sabido o seu domicílio.
Por isso, não devem os autos aguardar a apresentação da requerida, pois ou se considera devidamente notificada, apesar de não constar qualquer recibo de recepção comprobativo com a assinatura da própria requerida e é emitido MDE ou o tribunal deve dizer expressamente a formalidades a seguir, expedindo nova rogatória.
No caso dos autos a notificação solicitada às autoridades do Reino Unido foi efectuada por via do serviço postal daquele país, tendo a própria autoridade inglesa informado que a notificação foi entregue a A..., no endereço indicado no pedido, segundo as normas daquele país, presumindo-se a efectiva entrega uma vez que o serviços de correio nada disseram me contrário.
Ora, é impossível haver uma unanimidade de formalidades no cumprimento de rogatórias em todo o espaço europeu.
Por isso, há que conciliar os diferentes regimes no cumprimento de actos e respeitando as respectivas legislações entre dois estados, quando um solicita ao outro a prática de determinado acto, designadamente a notificação de uma decisão.
Para tal há que ter em conta a Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 20 de Abril de 1959, aprovada para ratificação pela Assembleia da República, através da resolução n.º 39/94, de 14/7, a qual estipula no art. 3.º, n.º 1, o seguinte:
«A Parte requerida dá cumprimento, pela forma prevista na sua legislação, a qualquer carta rogatória, relativa a um processo penal, que lhe seja dirigida pelas autoridades judiciárias da Parte requerente…».
Por outro lado há que ter em conta a Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas em 29/05/2000,
Esta Convenção foi ratificada e transposta para o direito interno português, através da Resolução n.º 63/2001, de 21/6/2001, de acordo com o disposto nos art. 161.º, al. i) e 166.º, n.º 5, da CRP e tem por objectivo completar as disposições e facilitar a aplicação entre os Estados membros da União Europeia da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 de Abril de 1959, do Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo, de 17 de Março de 1978 e das disposições sobre auxílio judiciário mútuo em matéria penal da Convenção de 19 de Junho de 1990, de aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985.
Sobre formalidades e procedimentos para execução dos pedidos de auxílio judiciário mútuo, preceitua no art. 4.º, n.º 1, o seguinte:
«Nos casos em que for concedido auxílio judiciário mútuo, o Estado membro requerido respeitará as formalidades e procedimentos expressamente indicados pelo Estado membro requerente, salvo disposição em contrário da presente Convenção e desde que as formalidades e procedimentos indicados não sejam contrários aos princípios fundamentais de direito do Estado membro requerido».
Ora, não tendo sido solicitado pelo Estado Português, enquanto estado requerente, formalidades e procedimentos especiais expressamente indicados na rogatória, tem-se por devidamente cumprida a rogatória e designadamente a notificação da requerida, por ter sido efectuada de acordo com as normas do Reino Unido, enquanto estado requerido.  
Por tudo quanto deixamos exposto no âmbito da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 20 de Abril de 1959 vigora assim o princípio “locus regit actum”, segundo o qual os actos são regidos pela lei do lugar em que forem praticados.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência se revoga o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que considera devidamente notificada a requerida e ordene o prosseguimento dos autos com emissão de MDE.
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Sem custas.
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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 6 de Julho de 2016
(Inácio Monteiro - relator)
(Alice Santos - adjunta)