Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS INDEMNIZAÇÃO REQUISITOS ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
Data do Acordão: | 11/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 246.º, N.º 1, 394.º E 396.º DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – Compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, procedendo à eliminação dos enunciados que, tidos como matéria de facto, se traduzam em puras armações de direito ou em juízos meramente valorativos, vagos ou conclusivos.
II – O direito à indemnização pela violação do direito a férias, depende da verificação de dois requisitos essenciais: III – Cabendo ao trabalhador o ónus de alegar e provar a verificação destes requisitos, uma vez que os mesmos constituem os elementos de facto constitutivos desse direito. IV – Provando-se apenas que a trabalhadora não gozou a totalidade das férias a que tinha direito, face à cessação do contrato de trabalho apenas tem direito ao pagamento da retribuição correspondente a essas férias não gozadas. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | ***
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra *** RELATÓRIO AA intentou a presente ação declarativa cm processo comum contra A..., UNIPESSOAL, LDA., pedindo que a ação seja julgada procedente e assim consequentemente: - Declarar-se que a autora se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu à ré; - Condenar a ré a pagar à autora a quantia de €7.922,42, correspondentes aos créditos laborais e indemnização por antiguidade; - Condenar a ré no pagamento dos juros, à taxa legal, vencidos sobre as respetivas quantias desde a citação até efetivo pagamento; - Condenar a ré nas custas e demais encargos com o processo. Para tanto alegou, em síntese, ter trabalhado para a ré no período compreendido entre 19 de novembro de 2018 e setembro de 2023, sem que a mesma lhe permitisse o gozo de férias, tendo ainda por gozar 57 dias de férias; defendendo que o trabalho excessivo que lhe era exigido, em consequência da falta de férias e descanso, deixou-a muito transtornada, exausta e ansiosa, contribuindo para o agravamento do seu estado de saúde, e considerando que já padecia de depressão, viu-se a mesma obrigada, nessa medida, a cessar imediatamente o contrato. Conclui por isso, pedindo a indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho, os dias de férias que não foram por si gozados, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal, bem como o montante relativo aos 25 dias de salário do mês de setembro. A ré apresentou contestação, na qual, em muito breve síntese, defende inexistir qualquer justa causa que fundamente o despedimento da autora, negando que tenha impedido o gozo de férias por parte da autora, dizendo que a mesma valorizava muito o seu emprego, sempre tendo tido boas condições de trabalho, sob todos os aspetos. Mais defende a ré, na sua contestação, a caducidade do direito da autora de resolver o contrato com justa causa, por o ter feito após os 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos que motivaram tal resolução, o que determinará a ilicitude da resolução operada pela autora, invocando ainda “a falta de descrição e falta de prova da temporalidade dos fatos invocados” na carta de resolução como fundamento da ilicitude da resolução operada. Conclui, por isso, pela improcedência da ação, pedindo a sua absolvição do pedido. * A autora apresentou resposta, em que se pronunciou no sentido da improcedência das exceções arguidas. * Não se realizou a audiência prévia, proferindo-se despacho de saneamento do processo, afirmando-se a validade e regularidade da instância e dispensando-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova. * Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e em consequência, condeno a ré a pagar à autora a quantia global de 672,39€, correspondente a créditos laborais devidos pela execução e cessação do contrato de trabalho, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre as respetivas quantias desde a citação até efetivo pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado. * Custas da ação por ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos, nos termos do artigo 527º do Código Processo Civil. * Registe e notifique.”
Inconformado, a autora interpôs recurso, com as seguintes conclusões: (…). A recorrida respondeu, sustentando que a sentença recorrida deve ser mantida. O Exmº PGA junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e a sentença recorrida ser confirmada, nos seus precisos termos. Não houve resposta a este parecer. O recurso foi admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. *** OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº 4 e 639, nº 1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº 2, in fine, e 635º, nº 5, do Código de Processo Civil). Nesta conformidade, as questões a decidir consistem em saber: *** FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma: “i) Factos provados: ii) Factos não provados: 1) Os dias de férias gozados nos anos supramencionados apenas lhe foram concedidos sob ameaça de despedimento, ficando em falta 57 dias de férias por gozar. 2) O trabalho excessivo exigido à trabalhadora, em consequência da falta de férias e descanso, deixou-a muito transtornada, exausta e ansiosa, contribuindo para o agravamento do seu estado de saúde, considerando que a Autora já padecia de depressão. 3) A Autora ao terem-lhe negado, de forma constante e apesar das várias reclamações que dirigiu à Ré, o direito a férias ao longo dos seus vários anos enquanto trabalhadora, o que contribuiu para o seu desgaste, físico e emocional, e influenciou gravemente a prestação das suas funções, para as quais era cada vez mais pressionada pela entidade patronal (eliminado por este Tribunal). 4) A Autora trabalhou para lá dos limites legalmente exigíveis, não lhe sendo permitido o devido descanso e sendo-lhe negado, sistematicamente, o direito a férias, o que pôs ainda em causa o seu estado de saúde (eliminado por este Tribunal). De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” “A alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”[1]. “A reapreciação da decisão da matéria de facto pela Relação não está circunscrita à verificação de erros ostensivos, manifestos ou clamorosamente evidentes, antes cumprindo à Relação proceder à reapreciação da matéria impugnada com base nos meios de prova produzidos, formando a sua própria convicção.”[2]. Procedeu-se à análise da prova produzida nos autos, com audição integral da prova gravada. Feito este enquadramento haverá que aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal: O recorrente impugna os pontos 2 a 5 dos factos dados por não provados, pugnando pela sua alteração, de forma a que sejam dados como provados. Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor: Seguiremos a ordem inculcada pela recorrente nas alegações. Ponto 2 O conteúdo deste facto não provado é o seguinte: “2) O trabalho excessivo exigido à trabalhadora, em consequência da falta de férias e descanso, deixou-a muito transtornada, exausta e ansiosa, contribuindo para o agravamento do seu estado de saúde, considerando que a autora já padecia de depressão.” Alega a recorrente que este facto deve ser considerado provado, com base nas declarações de parte da recorrente, gravadas no dia 19-02-2024, desde 10h até às 12h12, cuja passagem se ressalva entre as 10h26m e as 10h47, no depoimento da testemunha BB, cliente da churrasqueira, o qual foi gravado no dia 19-02-2024, desde as 10h até às 12h12m, cuja passagem se ressalva entre as 11h11m e as 11h19m e no depoimento da testemunha CC, comerciante na Praça, o qual foi gravado no dia 19-02-2024, desde as 10h até às 12h12m, cuja passagem se ressalva entre as 11h29m e as 11h38m. Ouvidas as passagens das declarações de parte e os depoimentos das testemunhas assinalados pela recorrente, resulta que a autora quando foi admitida ao serviço da ré já tinha problemas de ansiedade e que apresentava cansaço e stress quando se encontrava a trabalhar. Analisada a declaração de fls. 57 (atestado de doença) constatamos apenas que a autora toma medicação ansiolítica e depressiva desde 29-03-2022, não sendo possível estabelecer nenhuma relação entre a necessidade dessa toma e a atividade laboral da autora (e consequente falta de férias). * Pontos 3 e 4 Nestes pontos foi considerado não provado o que se segue: “3) A autora ao terem-lhe negado, de forma constante e apesar das várias reclamações que dirigiu à ré, o direito a férias ao longo dos seus vários anos enquanto trabalhadora, o que contribuiu para o seu desgaste, físico e emocional, e influenciou gravemente a prestação das suas funções, para as quais era cada vez mais pressionada pela entidade patronal. 4) A autora trabalhou para lá dos limites legalmente exigíveis, não lhe sendo permitido o devido descanso e sendo-lhe negado, sistematicamente, o direito a férias, o que pôs ainda em causa o seu estado de saúde.” “Como é sabido, compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, procedendo à eliminação dos enunciados que, tidos como matéria de facto, se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos vagos ou conclusivos.”[3]. No caso vertente, os enunciados em causa são destituídos de qualquer substrato factual, tendo em conta o contexto alegatório e de prova, pelo que devem ser eliminados do elenco da matéria de facto (quer provada, quer não provada). * Ponto 5. Lê-se no ponto em causa o seguinte: Determina o artigo 246º do CT, sob a epígrafe “Violação do direito a férias”: 1) Caso o empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de abril do ano civil subsequente. 2) Constitui contraordenação grave a violação do disposto no número anterior.” Dispõe o artigo 394º do mesmo diploma sob a epígrafe “Justa causa de resolução”: 1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. 2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante. 3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador: a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos nºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A. 4- A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 5- Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.” Por sua vez, preceitua o artigo 396º do CT sob a epígrafe “Indemnização ou compensação devida ao trabalhador”: 1- Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 2- No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente. 3- O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado. 4- No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas. 5- Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º”. Nos termos do nº 1 nos casos em que o empregador obste, com culpa, ao gozo das férias, o trabalhador receberá, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta. Para que o trabalhador possa auferir a compensação mostra-se necessário que se encontrem preenchidos os três requisitos nele previstos: Que o trabalhador não tenha gozado as férias a que tinha direito; Que o empregador tenha obstado ao gozo; Que a conduta do empregador seja culposa. Na visão da RE, não basta, por isso, que a entidade empregadora se limite a não proporcionar o gozo das férias ao trabalhador, sendo necessária uma conduta voluntária de oposição a que o trabalhador goze tais férias. Cabendo ao trabalhador alegar e provar os elementos constitutivos da indemnização a que considera ter direito[7]. No mesmo sentido, entendeu a RG que são dois os requisitos do direito à indemnização por violação do direito a férias: que o trabalhador não as tenha gozado e que tal tenha acontecido por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a entidade empregadora[8]. Também a RL, considerou que a violação do direito a férias, que tem de ser provada pelo trabalhador, por constitutiva do seu direito, pressupõe que o empregador obste a tal gozo e que o faça culposamente[9]. Na mesma linha, a RP[10] defendeu: I - Como facto constitutivo do direito à indemnização por violação do direito a férias, ao trabalhador compete alegar e provar factos consubstanciadores de um comportamento culposo do empregador que obste ao gozo das férias. II - Para tal é necessário que se prove que houve um efectivo impedimento ao gozo de férias, não sendo, por isso, suficiente a simples não marcação das férias para concluir que o empregador obstou ao seu gozo”. Para o STJ “a conduta meramente omissiva do empregador não é suficiente para que se considere preenchido o conceito de obstar ao gozo. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, obstar subentende uma atitude voluntária e consciente do empregador, em sentido de impedir o trabalhador de gozar as férias. Esta questão não é de somenos importância, pois entendendo-se que a omissão é suficiente para que o empregador tenha de proceder ao pagamento de uma compensação, basta por exemplo que o próprio empregador não tenha procedido à marcação do período de férias a que o trabalhador tinha direito, para que tenha de compensar o trabalhador. Se o mapa de férias não foi elaborado, ou tendo-o sido, o trabalhador não foi nele incluído, tais factos têm vindo a ser considerados pelo Supremo Tribunal de Justiça como insuficientes para que se possa concluir que o empregador quis impedir o gozo das férias quando constituam mero lapso ou esquecimento. Para este tribunal exige-se que se prove que houve uma conduta activa do empregador, em sentido de obstar a que o trabalhador gozasse as férias. Conduta activa não significa que o empregador tem de ordenar que o trabalhador não goze férias para que haja um impedimento, bastando que lhe dê ordem para executar um qualquer outro acto, para que obste a que o trabalhador goze as férias”[11]. Segundo o Ac. do STJ, de 19-10-2005[12]: “1. São dois os requisitos do direito à indemnização por violação do direito a férias: que o trabalhador não as tenha gozado e que tal tenha acontecido por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a entidade empregadora. 2. A simples não marcação das férias não é suficiente para concluir que o empregador obstou ao seu gozo. 3. O termo obstar exige mais do que a simples inércia do empregador na concessão do gozo de férias; pressupõe uma atitude voluntária e consciente nesse sentido. 4. Compete ao autor alegar e provar aqueles dois factos, por serem factos constitutivos do direito àquela indemnização. 5. O facto das escalas de organização dos turnos não conterem os períodos de férias dos respectivos trabalhadores não permite concluir que eles não gozaram férias e muito menos que tenham sido impedidos de o fazer pela entidade empregadora.” Neste sentido, o Ac. do STJ, de 19-12-2007[13] entendeu que: “Verifica-se a violação do direito a férias se na altura que coincidia com o gozo de férias do autor, a ré o incumbiu de realizar um estágio com vista à transferência para outra empresa do mesmo grupo económico e, verificada a transferência, o autor não gozou as férias.”. Já o Ac. do STJ, de 18-04-2018[14] decidiu que “O trabalhador que prova que durante toda a vigência do seu contrato de trabalho nunca gozou férias não tem de “per se” direito à compensação prevista no artigo 246º, n.º 1, do CT, ou seja, a uma compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, pois para o ter, precisa também que provar que foi a sua empregadora quem, culposamente, obstou ao seu gozo”. Para Pedro Romano Martinez[15] “Caso o empregador, com culpa, obste ao gozo das férias do trabalhador pagará o triplo da retribuição correspondente ao período em falta e o prestador da atividade gozará as férias de que não usufruiu no primeiro trimestre do ano civil seguinte (art.º 246º do CT). O «obstar» deverá ser entendido no sentido de «impedir»; ou seja, se o empregador se opuser ao gozo das férias, dando uma ordem (ilícita) no sentido de o trabalhador não usufruir de férias. A situação é diversa na hipótese de haver um acordo no sentido de o trabalhador prescindir do seu direito a férias, mediante uma contrapartida monetária, caso em que o ajuste é nulo, mas não será devido o triplo da retribuição”. “Segundo outra opinião, basta uma conduta omissiva – nomeadamente, a não marcação das férias, pela promoção de acordo quanto ao ponto, ou por decisão unilateral, nos termos da lei – para que deva considerar-se ter o empregador obstado ao gozo das férias. Em defesa desta segunda posição, dir-se-ia ser a mesma mais condizente quer com a ratio subjacente à norma – marcada, cremos, por um propósito simultaneamente coercitivo (constranger o empregador a cumprir o conjunto de deveres que o correspetivo direito a férias do trabalhador lhe impõe) e de compensação do trabalhador pelos prejuízos que lhe acarrete não gozar as férias tal como o legislador as desenhou –, quer até com a letra do preceito, que se refere à ocorrência de obstáculos ao gozo das férias nos termos dos artigos anteriores, parecendo, pois, supor, como conduta lícita, contraposta ao comportamento ilícito aí mencionada, o cumprimento de todos os deveres quer de non facere quer de facere patentes nas normas antecedentes.”[16]. Também António Monteiro Fernandes[17] defende que “Considera-se que existe violação do direito a férias somente quando possa verificar-se impedimento culposo do empregador, dentro do ano em que se enquadre, à fruição do período legal ou convencional de repouso. A violação pode, aliás, não consistir em recusa ou obstrução directa do empregador, mas, simplesmente, na omissão de diligências (como a marcação das férias) que, não havendo acordo, lhe cabem e que condicionam a efectivação do direito. Para que não possa ser-lhe assacada tal violação, o empregador deve tomar, em tempo útil, a iniciativa do processo de marcação do período de férias, tentar o acordo com o trabalhador e proceder, ele próprio, à marcação em caso de desacordo. Existe, pois, uma conexão estreita entre a caracterização da violação do direito e o regime da marcação da época de férias”. Em conformidade com a segunda opinião, pode-se citar o Ac. do TRP, de 10-06-2019[18] em que se decidiu que “O direito a férias do trabalhador impõe ao empregador o dever de as marcar quando vencidas, respeitando os critérios impostos pela lei, independentemente que qualquer solicitação do trabalhador, sob pena de violação culposa do direito a férias nos termos do art.º 246º do Código do Trabalho”. Cumpre referir que o Ac. do ST, de 19-05-2021[19] citado nas alegações de recurso refere-se ao pagamento da retribuição singela correspondente às férias a que tinha direito e não o direito à compensação no valor do triplo da retribuição previsto no n.º 1 do artigo 246.º do CT para os casos em que o empregador obsta injustificadamente ao gozo das férias do trabalhador. Conforme acima resulta a primeira opinião segundo a qual é necessário a pratica de algum ato positivo com o efeito de proibição do gozo das férias, é a que tem sido adotada de forma maioritária nos nossos tribunais, pelo que é esta que seguimos. Vejamos, então, os factos que foram dados como assentes. Resultou provado que: -Em 23 de agosto de 2023, a autora despediu-se, invocando justa causa, por carta remetida à ré, a qual foi devolvida (facto provado 3); -Por tal, em 04 de setembro de 2023, a autora reenviou nova carta à ré, a qual foi aceite (facto provado 4); -Na referida carta, a autora invocou como justa causa do seu despedimento a violação do seu direito ao gozo de férias e períodos de descanso, admitindo ter gozado apenas cinco dias úteis de férias nos anos de 2019, 2021 e 2022, não tendo gozado férias em 2020 (facto provado 5). -Admitindo ter gozado vinte e oito dias de férias em 2023, refere, contudo, que estes apenas lhe foram concedidos devido ao encerramento temporário do estabelecimento comercial onde desempenhava as suas funções, por falta de trabalhadores (facto provado 6); -A autora não gozou os seguintes dias de férias: - Em 2018, ano de admissão, faltam 3 dias. - Em 2019 foram gozados 17 (dezassete) dias, faltando 5 dias. -Em 2020, faltam 22 dias. - Em 2021, gozou 5 dias, pelo que faltam 17 dias. - Em 2022 gozou 13 dias de férias, pelo que faltam 9 dias. - Em 2023, gozou 28 dias (facto provado 14). -Com a cessação do contrato de trabalho a ré pagou à autora 40 dias de férias não gozadas (facto provado 15). No caso em apreço, resultou provado que a recorrente não gozou integralmente os períodos de férias a que tinha direito. Não ficou, porém, provado ter sido a ré quem, de algum modo, impediu ou obstaculizou ao gozo dos períodos em falta. Do mesmo modo, não ficou provado se a ré diligenciou ou não no sentido de tais períodos serem integralmente gozados ou se foi a própria recorrente quem, de algum modo, não quis ou não manifestou interesse em gozar os mesmos. Não pode, pois, concluir-se por uma atuação culposa da recorrida. Acompanhamos assim a sentença recorrida quando concluiu que a atuação da ré não conduziu a uma inexigibilidade da manutenção da relação contratual, pelo que não tendo resultado provado qualquer comportamento da empregadora capaz de integrar justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora, a resolução do contrato efetuada pela autora é ilícita, nos termos do artigo 398º, n.º 1 do CT.
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