Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
Descritores: | DIVISÃO DE COISA COMUM COMPROPRIEDADE USUCAPIÃO LOTEAMENTO | ||
Data do Acordão: | 05/13/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 1052, 1053 CPC, 1403 CC, DL Nº 555/99 DE 16/12. | ||
Sumário: | 1. - Afirmada, na petição inicial de divisão de coisa comum, a indivisibilidade em substância do imóvel, e tendo esta sido contestada pelos Réus, que sustentaram a divisibilidade do prédio, salientando que o mesmo, já está dividido em prédios distintos, e que tal divisão está consolidada por usucapião, não pode a usucapião deixar de ser conhecida. 2.- A usucapião um vez comprovada obsta à apreciação do mérito da acção de divisão, pondo em causa a compropriedade, condição de procedência da acção. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I AI (…) e mulher MH (…) intentaram contra 1-MD (…), 2-AD (…), 3-JP (…) e 4-AR (…) ação especial de divisão de coisa comum. Para tanto, alegam que são possuidores e proprietários de 1/6 da parte indivisa dum prédio urbano sito no I(...), inscrito na matriz sob o artigo 529 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Aveiro sob o n.º 1839 da freguesia de I(...). Propriedade, essa, que lhes chegou, por doação realizada por J (…) e M (…) E que, há mais de 40 anos que os AA e os seus antecessores na posse daquela parte do prédio vêm cuidando e assumindo a responsabilidade por todas as reparações necessárias, usufruindo dela, habitando-a, arrendando-a, cultivando o quintal e pagando todas as contribuições que lhe são imputadas. O que fazem, à vista de todos, continuadamente, sem oposição do que quer que seja e, na convicção da licitude da sua atuação. Os 1º, 2º e 3º Réus são possuidores de outro 1/6, sendo o 4º réu possuidor de 1/3 do prédio. Os Autores não querem permanecer na indivisão e o prédio, atenta a sua natureza, não é suscetível de divisão em substância. Assim, vêm requerer que se proceda à adjudicação ou venda da coisa comum, nos termos do art. 1052 nº 1 do CPC (de 1961).
Os Requeridos foram citados. JP (…) e AR (…), respetivamente 3º e 4º RR vieram contestar afirmando que o prédio é divisível, por já ter ocorrido a sua divisão material e cada um ocupar a parte que lhe coube há mais de 40 anos, por si e antepossuidores, usufruindo-o, cultivando, colhendo os seus frutos, pagando as contribuições respetivas, e exercendo a sua posse plena, de forma pública, continuada, pacificamente e à vista de todos, pelo que terão adquirido as respetivas partes por usucapião.
Por seu turno, MD (…) e AD (…) e respetivas mulheres vieram contestar afirmando que, por escritura pública de partilha, por morte de M (…) celebrada a 18 de Julho de 1963, o prédio objeto da presente ação (formado pelos inscritos na matriz urbana no art. 529 e na matriz rústica nos artigos 4763, 4764 e 4765) foi adjudicado, na proporção de uma terça parte indivisa a cada dos seguintes herdeiros daquele: (…) E foram estes últimos que, por escritura pública celebrada a 13 de Agosto de 1966, venderam a M (…), pai dos aqui primeiro e segundo Réus “uma terça parte indivisa, duma casa de habitação e quintal (…) formado dos inscritos na matriz urbana no artigo 529 e rústica nos artigos 4.764, 4.763 e 4.765” (atualmente inscritos sob artigos matriciais rústicos 6816, 6817 e 6818, da freguesia de I(...), concelho de Aveiro. Mas na verdade o que se vendeu nesta escritura de 1963 foi uma parte perfeitamente demarcada e delimitada do aludido prédio, tendo os herdeiros, (…) acordado na partilha física, definindo as parcelas que caberiam a cada um, ficando desse modo como exclusivos donos e possuidores. Para o efeito juntaram croqui com delimitação de áreas, coloridas em razão de cada possuidor. (…) e, depois deles os seus sucessores nas respetivas posses, passaram a ocupar e a usufruir das respetivas parcelas, como se de prédios autónomos se tratassem, habitando-as, cultivando-as, beneficiando de todas as vantagens e pagando os respetivos impostos, na convicção, cada um deles, de ser o seu exclusivo dono e legítimo possuidor, à vista de todos, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, e durante mais de 20, 25 e 30 anos. M (…) e mulher venderam a M (…) a parcela rústica já demarcada e delimitada fisicamente das restantes, através de uma corrente longitudinal de pilares. M (…)cultivou, levantou um armazém na parte rústica e na parte urbana colocou a funcionar um estabelecimento de serralharia. Após a sua morte sucederam-lhe na parte urbana os seus filhos MD (…) e AD (…), que mantiveram a exploração da oficina. E, na parte rústica (anterior art. 4763 e atual art. 6816) sucederam estes e ainda uma sua irmã, M (…) Assim, desde, pelo menos, 13 de Agosto de 1966 que, ininterruptamente, M (…), e depois os seus sucessores MD (…) e AD (…) , vêm usufruindo e utilizando a parcela do prédio urbano, na convicção de serem donos e legítimos possuidores. Desse modo, os contestantes são donos e legítimos possuidores de tal parcela, por a haverem adquirido por usucapião, a qual, assim não se entendendo, pode ser dividida em substância. Concluem pela declaração de divisibilidade do prédio, em causa nos autos.
Em resposta os AA. reiteram que o prédio em causa nunca foi objeto de divisão de facto ou de direito, mantendo-se em compropriedade. Por ter sido levantada a questão da indivisibilidade, entendeu a Mmª Juíza proceder à realização de prova pericial, pelo que foram nomeados os peritos. Os quais, por unanimidade, vieram responder do seguinte modo: “O artigo urbano 529 da freguesia de I(...) do concelho de Aveiro, objeto desta ação, insere-se em área urbana nos termos do PDM de Aveiro e portanto passível de ser loteado. O loteamento está sujeito a condicionalismos a apontar pela Câmara Municipal e sobre os quais não nos conseguimos pronunciar. Assim, é possível dividir o referido artigo através de loteamento e no qual poderão ser previstos lotes que coincidam com as parcelas C e D indicadas a folhas 166 do processo em causa”. Com os seguintes esclarecimentos prestados posteriormente: “Admitindo que as parcelas A, B, C e D são as situadas entre o caminho a norte e a (...) a sul (parte do art. urbano 529 inscrito na Conservatória com o nº 1839 da freguesia de I(...)) vimos referir que a área de cada uma delas e que corresponde à divisão física no local, é a seguinte: A- 488,00m2, B- 474,00 m2, C- 315,00 m2 e D- 318,00 m2. Conclusão: as parcelas A e B não correspondem exatamente a 1/3 e as C e D a 1/6 respetivamente, da área considerada, por estarem divididas fisicamente e não ser possível fazer o acerto da área nas respetivas proporções”. Tal perícia foi concretizada e o relatório foi junto a folhas 184,186 e 189, aí tendo concluído os Exm.ºs Sr.s Peritos pela divisibilidade da coisa, caso seja efetivado o competente loteamento. Designado dia para a conferência de interessados, a mesma não se realizou por não estarem os autos, à data, munidos da autorização de loteamento, tendo-se concedido prazo às partes para o fazerem. Decorrido o mesmo, vieram os interessados MD (…) e AD (…) informar que não lograram obter o alvará de loteamento que lhes permitiria proceder à divisão jurídica do prédio, mas que, como adquiriram por usucapião a parcela do prédio que em tempos havia correspondido à sua quota-parte, deverão os autos prosseguir para apreciação desta questão. Os peritos nomeados vieram ainda referir o seguinte: “As parcelas quinhões A, B, C e D encontram-se fisicamente divididas no local. (…) Quanto à divisibilidade da coisa através de alvará de loteamento ela afigura-se-nos difícil, tendo em conta as condicionantes criadas pelas estremas e construções existentes, de forma a fazer uma divisão proporcional à posse de cada uma das partes”. Tendo aqueles interessados MD (…) e AD (…), requerido a remessa dos autos para os meios comuns, com vista a apurar se os interessados/requerentes adquiriram por usucapião, o direito de propriedade da parcela correspondente à sua quota-parte.
Foi então proferido saneador que decidiu que: “(…) tendo em conta o resultado do relatório pericial, que aliás vem confirmar a posição assumida pelos requerentes e, a circunstância dos requerentes e dos requeridos não terem comprovado nos autos o licenciamento e a autorização do loteamento, com a junção dos elementos documentais pedidos, é de reconhecer a indivisibilidade material da coisa, fixando os quinhões de cada consorte nos termos acima enunciados, devendo o processo transitar para a fase da conferência de interessados. Face ao exposto, atentos os argumentos acima melhor tecidos, decido: A) julgar improcedentes as contestações; B) fixar os quinhões, em conformidade com o preceituado no artigo 1403º, n.º 2 do Código Civil, em 1/6 para os requerentes, primeiros, segundos e terceiros requeridos e 1/3 para os quartos requeridos”
Inconformados com tal decisão vieram recorrer MD (…) e mulher, FR (…) e AD (…) e mulher, ME (…), RR, assim concluindo as suas alegações de recurso: 1ª ) É pressuposto de qualquer ação de divisão de coisa comum uma situação de compropriedade ( cfr. art. 1403º do Código Civil e 1052º do Código de Processo Civil ). 2ª ) Impugnada a mera existência desta compropriedade em sede de contestação atempadamente deduzida, designadamente por invocação, por parte dos ora Recorrentes, da propriedade singular de parte determinada do prédio, por se ter verificado a aquisição, por usucapião, desse mesmo direito, não poderia o tribunal deixar, ao menos, de produzir prova sobre a factualidade alegada, por forma a decidir, desde logo, se sim ou não se estaria perante uma situação de compropriedade ( cfr. art. 1053º, nº 3 do Código de Processo Civil ). 3ª ) Isto independentemente do facto de os ora Recorrentes terem ou não ( no caso, não ) deduzido um qualquer pedido reconvencional, com vista ao reconhecimento da alegada aquisição, por usucapião, da mencionada propriedade singular de uma parcela determinada do prédio em questão. 4ª ) Com efeito, não só a lei a isso não os obriga, como até, processualmente, vai a maioria da jurisprudência firmada a respeito no sentido de não ser admissível, em sede de ação de divisão de coisa comum, o dito pedido reconvencional, apenas sendo admitidos nesta sede dois articulados: o requerimento inicial e a contestação ( cfr. art. 1052º, nº 1, 1053º, nº 1 e nº 2, todos do Código de Processo Civil ). 5ª ) Não tendo a Meritíssima Juiz a quo mandado seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum – com previsto no nº 3 do art. 1053º do Código de Processo Civil – com vista, designadamente, à produção de prova sobre os factos alegados pelos Requeridos, ora Recorrentes, em sede de contestação e que consubstanciariam o seu direito de propriedade singular de uma parcela determinada do prédio sub judice, adquirido, como ali alegado, por usucapião, antes a tendo julgado liminarmente improcedente, violou aquela Douta Magistrada o disposto nas citadas disposições legais. 6ª ) Por outro lado, fixou a Mui Digna Magistrada do Tribunal a quo o quinhão dos Requeridos, ora Recorrentes em 1/6 para cada um – o que não é correto. 7ª ) Na verdade, e sem conceder relativamente a tudo quanto antes de deixa alegado, Primeiros e Segundos Requeridos seriam, quando muito, comproprietários em comum de 1/3 do prédio em questão e não cada um deles, de comproprietários de 1/6 do dito prédio – o que, aliás, resulta, entre outros elementos, da certidão de teor matricial junta aos autos com a petição inicial, bem como do teor da sua contestação. 8ª ) E se dúvidas houvesse sobre esta matéria, então também quanto a este ponto deveria o Tribunal a quo ter determinado a produção de prova adequada ( cfr. art. 1053º, nº 3 do Código de Processo Civil ). 9ª ) Não o tendo feito, violou a citada norma processual civil. Requerem a procedência do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II São os seguintes os factos julgados provados: 1. Em 18 de Julho de 1963 celebrou-se a escritura pública de partilha, por morte de M (…), no âmbito da qual, sob a verba n.º 1, foi descrito e partilhado, “ um assento de casas com as suas dependências e terra ou aido lavradio anexo, sito na I(...), do lugar de I(...), a confrontar do norte com (...) e outros, sul com a (...), nascente com (...), poente com (...)e outro- formado dos inscritos na matriz urbana no artigo quinhentos e vinte e nove e na matriz rústica nos artigos quatro mil setecentos e sessenta e três a quatro setecentos e sessenta e cinco." 2. Tal prédio foi então adjudicado, na proporção de uma terça parte indivisa aos herdeiros do referido (…) 3. Por escritura pública de partilha, por morte de R (..) (viúva de (…)), celebrada a 1 de Setembro de 1978, foi adjudicada, na proporção de um sexto indiviso, a parte de (…). 4. Por escritura pública celebrada a 4 de Maio de 1999, J (…) doou a J (…) a sua parte. 5. Por escritura pública celebrada a 28 de Julho de 1999, J (…) e M (…) doou a A (…), a parte de M (…). 6. Por escritura pública celebrada a 13 de Agosto de 1966, M (…)e mulher venderam uma terça parte indivisa a M (…), pai dos aqui primeiro e segundo requeridos. 7. Por escritura pública celebrada a 7 de Julho de 2004, M (…)e marido J (…) cedeu a M (…) e mulher e A (…) e mulher, uma terça parte indivisa do prédio já identificado. 8. Os Exm.ºs Sr.s Peritos concluíram pela divisibilidade material do prédio, desde que concretizado o loteamento.
III Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608 in fine), são as seguintes as questões a decidir: - se deveria o tribunal ter mandado seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum, para conhecimento da usucapião (considerando a dificuldade de decisão sumária desta questão). - supletivamente, se foram erradamente fixados os quinhões de cada consorte.
Entendeu o tribunal a quo ser irrelevante o conhecimento da aquisição das parcelas por usucapião, suscitada nas contestações, como forma de pôr em crise a compropriedade e logicamente a necessidade de divisão, por não ter sido formulado nenhum pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade sobre as parcelas concretamente definidas. Mais adiantou que, ainda que tal pedido (reconvencional) tivesse sido formulado, não lograria obter procedência, porquanto: “(…) a divisão da coisa, em conformidade com o laudo dos Exm.ºs Sr.s Peritos, implicava uma operação de loteamento, como estes reconhecem, operação esta que carece de prévio controlo administrativo, em conformidade com o disposto no artigo 49º, n.º1 do Decreto- Lei n.º 555/99, de 16/12, já que o eventual acordo a celebrar entre as partes de atribuição/adjudicação de cada um dos quinhões, por referência ao relatório (laudo pericial), exigia a indicação do número de alvará, a data da sua emissão junto da Câmara Municipal e a certidão de registo predial. Convidadas as partes a procederem à junção de tais elementos documentais, as mesmas não o lograram fazer. Desta feita, como se adiantou no despacho proferido em ata a 21 de Setembro de 2011, a não junção dos elementos a que acima se fez menção conduz à conclusão de que a coisa, cuja divisão se pretende, é juridicamente indivisível (veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/12/2000, publicado in www.dgsi.pt)”. Deste modo, reduzindo a possibilidade de divisão à via jurídica/administrativa rejeitou o tribunal a quo, o conhecimento sumário da usucapião, bem como o conhecimento mais formal de tal questão, nomeadamente fazendo prosseguir os autos sob a forma comum. Erradamente, como veremos. A dedução da exceção de usucapião pelos RR., visava demonstrar que, não há factualmente, compropriedade entre os interessados, uma vez que, em substância, o prédio, outrora comum, já está dividido tendo cada interessado adquirido a propriedade singular da respetiva parcela (por usucapião). É que, tendo havido uma aquisição individualizada de parcelas, o prédio está já dividido de facto e, não poderá ser considerado indivisível. O tribunal a quo ignorando tal alegação e dando como assente a existência duma compropriedade, pronunciou-se sobre a divisibilidade, considerando não ser a mesma possível por razões exclusivamente jurídicas (as partes não lograram juntar o licenciamento e a autorização do loteamento). Fixou, a seguir os quinhões de cada consorte e designou data para a realização da conferência de interessados, dando cumprimento ao disposto no artigo 1056º, n.º 1 do C.P.C. (de 1961), então em vigor. Contudo, a usucapião invocada como matéria de exceção não pode deixar de ser conhecida, pois que, a usucapião a ser demonstrada, obsta à apreciação do mérito da ação, pondo em causa a compropriedade, condição de procedência da ação. Assim, afirmada que foi, na petição inicial, a indivisibilidade em substância, do imóvel em causa, e tendo esta sido contestada pelos Réus, que sustentaram a divisibilidade do prédio, salientando que o mesmo, já está dividido em prédios distintos, estando tal divisão consolidada por usucapião, não pode a usucapião deixar de ser conhecida. Ou seja, em abono da tese da divisibilidade, os RR invocaram a usucapião, e esta é suscetível de concretizar a divisão. Neste sentido, podemos citar vários acórdãos, todos eles publicados in www.dgsi.pt. Leia-se, por exemplo: - O Ac. do STJ de 18-03-2004, Pr.03B3812, (Relator: Santos Bernardino) onde se exprime que: «1. Afirmada, na petição inicial de ação de divisão de coisa comum (intentada antes da reforma processual de 1995/96), a indivisibilidade do prédio misto - com 3053 m2 de área - objeto da ação, e contestada, pelos réus, essa alegada indivisibilidade, com fundamento em que o prédio se achava já dividido em prédios distintos e a divisão consolidada por usucapião, o processo prossegue para se apurar da verificação da matéria da usucapião. 2. Neste caso, a indivisibilidade do prédio, afirmada pelos autores, só pode ser afastada pela demonstração da verificação dos alegados requisitos da usucapião». Ou, o Ac. do mesmo STJ de 29-01-2008, P. 07B2373, (Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), publicado no mesmo site, assim sumariado: “1. É condição de procedência de uma ação de divisão de coisa comum a existência de uma situação de compropriedade. 2. Se, quando a ação foi proposta, a compropriedade já tinha cessado por se ter verificado a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade singular de parte determinada do prédio, o pedido de divisão tem de improceder”. No mesmo sentido de não limitar a divisão à via administrativa, aceitando a usucapião como forma de divisão do prédio, pode ler-se, ainda, o Ac. TRL de 04-07-2006, P. 2991/2006-1 (Relator: CARLOS MOREIRA): «1. Não constitui uso anormal do processo, nos termos do artº 665º do CPC, a pretensão, de, gorada que foi a tentativa de divisão, por via administrativa de prédio misto em regime de compropriedade, se pretender tal divisão, por via judicial, mediante a invocação da usucapião. 2. A usucapião pode fundamentar a divisão de prédio em regime de compropriedade, maxime se os comproprietários dividiram verbalmente o prédio e passaram a exercer a posse exclusiva sobre a parcela ou quinhão que acordaram ficar a pertencer-lhe». Bem como o Ac. deste TRC de 28-06-2005, P. 1099/05 (Relatora: Regina Rosa), assim sumariado: «Sendo a ação de divisão de coisa comum um instrumento próprio para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios existem conducentes a esse efeito, como seja o contrato ou a usucapião». Assim, ainda que ocorram obstáculos legais à divisão no âmbito da ação de divisão de coisa comum, como acontece no presente caso, por falta de pedido de licenciamento e autorização de loteamento do prédio, o estado de facto criado pela divisão feita pelos comproprietários, sem escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, pelo princípio da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais. Para o efeito, importa se conceda aos titulares dessa aquisição a possibilidade de comprovarem o que alegam. De resto, os peritos já identificaram, estar-se em presença de 4 parcelas cuja divisão física no local, é a seguinte: A- 488,00m2, B- 474,00 m2, C- 315,00 m2 e D- 318,00 m2. O acórdão do TRP de 21.12.2000, P. 0030977 (Relator: PINTO DE ALMEIDA) citado na decisão recorrida, em abono da tese de que não tendo os Réus comprovado o licenciamento nem a autorização de loteamento, não pode haver divisão do prédio, não tem, se melhor interpretado, o alcance que lhe é dado. Disso mesmo é expressão o seguinte excerto: «Essa divisão de facto apenas conduziria a uma situação de direito, ou seja, à cessação ou extinção da compropriedade, juridicamente eficaz, pelo decurso do prazo de usucapião, desde que tivesse havido posse efetiva da cada parcela e essa posse se revestisse dos requisitos legais exigidos. Os requerentes não invocaram, todavia, os factos necessários ao reconhecimento de que cada um adquiriu a propriedade exclusiva sobre a fração que lhe foi atribuída, por usucapião; nem esta via, aliás, lhes interessaria aqui, uma vez que nesse caso poriam em causa o próprio recurso a esta ação. A divisão estaria já consumada; não existira uma situação de compropriedade». Em tal acórdão refere-se não ter sido invocada factualidade subjacente à usucapião, ou seja, uma “divisão de facto”, tendo sido invocada tão só uma "divisão jurídica" traduzida na distinta inscrição matricial de cada parcela de terreno que compõe o prédio, a qual, naturalmente, não assume qualquer relevância para o efeito de consumar uma divisão, pois que, a inclusão na matriz não acarreta nenhuma presunção de natureza civil, tendo significado meramente fiscal. Sendo, por isso necessário, em tal caso, a prova da autorização de loteamento. Assim, com todo o respeito, não pode tal acórdão fundamentar a decisão recorrida, porque o mesmo não exclui a possibilidade de, em abstrato, poder ser reconhecida a usucapião como fonte de divisibilidade jurídica do prédio. Tendo os Réus invocado ter adquirido por usucapião, a propriedade (singular) de partes do prédio a que a ação se refere, pois exerceram sobre a mesma, pelo tempo e pela forma legalmente necessários, a posse correspondente (artigo 1287º do Código Civil), tal questão deve ser conhecida. Não podendo a mesma ser decidida sumariamente, pois que depende de prova a produzir, nomeadamente de natureza testemunhal, deve o juiz mandar seguir os termos subsequentes à contestação, do processo comum (art. 926 nº 3 do CPC de 2013/art. 1053 nº 3 do CPC, de 1961). Prejudicado fica o conhecimento da questão do recurso subsequente (ou seja, se foram erradamente fixados os quinhões de cada consorte).
Em suma: - Afirmada, na petição inicial de divisão de coisa comum, a indivisibilidade em substância do imóvel, e tendo esta sido contestada pelos Réus, que sustentaram a divisibilidade do prédio, salientando que o mesmo, já está dividido em prédios distintos, e que tal divisão está consolidada por usucapião, não pode a usucapião deixar de ser conhecida. - A usucapião um vez comprovada obsta à apreciação do mérito da ação de divisão, pondo em causa a compropriedade, condição de procedência da ação.
IV Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e mandando-se seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (art. 926 nº 3 do CPC), para conhecimento da exceção (usucapião) invocada pelos Réus.
Custas pelos apelados.
Anabela Luna de Carvalho ( Relatora ) João Moreira do Carmo José Fonte Ramos ( com a declaração de voto em anexo )
Declaração de voto: Voto a decisão. Dado o interesse público em matéria de ordenamento do território e as conhecidas e sistemáticas violações nesta matéria, afigura-se que sempre importará obstar a que a lei seja defraudada e se dê cobertura a operações de loteamento ilegal ( eventual parcelamento físico em violação ao regime geral dos loteamentos urbanos ) – esse, cremos, o sentido da decisão recorrida e que relevará na ponderação da factualidade subjacente à invocada “usucapião” ( sobre esta temática e com alguma similitude, cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 16/3/2010 e 6/3/2014, proc. nº 1394/04.4PCAMD:L1.S1 e da RL de 30/4/2002, publicados na CJ. STJ, XVIII, I, 133, site da dgsi e CJ, XXVII, 2, 126 ( respectivamente ). José Fonte Ramos |