Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
Data do Acordão: | 10/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | S. PEDRO DO SUL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 1353.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I. Na acção de demarcação, ao autor compete alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação: a confinância dos prédios, a diversa titularidade do respectivo direito de propriedade e, finalmente, a inexistência, incerteza, controvérsia, ou tão só desconhecimento sobre a localização da respectiva linha divisória. ~ II. Nas acções desta natureza, a ausência de indicação de uma linha divisória ou a deficiente indicação da sua localização não inquinam a petição inicial com o vício da ineptidão por falta ou obscuridade da causa de pedir, porquanto, sempre aquela há-de ser definida pela via da aplicação sucessiva dos critérios consagrados no artigo 1354.º do Código Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | No Tribunal Judicial da comarca de S. Pedro do Sul,
A... e sua mulher, B..., residentes na Rua (...), Barreiro, e C..., residente na Av. (...), Seixal, vieram instaurar contra D...e mulher, E..., residentes na Rua (...), concelho e comarca de S. Pedro do Sul, acção declarativa, a seguir a forma sumária do processo comum, tendo em vista obrigar os RR a consigo concorrerem para a definição e fixação de uma linha divisória entre os prédios que identificam, de que são titulares do direito de propriedade AA e RR, e que confinam nas suas estremas poente/nascente. Correspondendo ao convite ao aperfeiçoamento que lhes foi formulado, os AA alegaram, em síntese útil, que são os donos, em comum e partes iguais, do prédio rústico denominado “ (...)”, a (...), limites de (...), freguesia de (...), concelho de S. Pedro do Sul, inscrito na matriz respectiva sob o art.º x.... Tal prédio, composto de pinhal e mato, confronta do poente com (...), hoje prédio dos RR inscrito na matriz sob o art.º y.... Mais alegaram ter instaurado acção declarativa de condenação pedindo a condenação dos RR a restituírem uma faixa de terreno que integrava o identificado prédio dos demandantes, da qual aqueles se haviam abusivamente apropriado, nela procedendo ao corte de 10 árvores. Tal acção, todavia, foi julgada improcedente, por não terem os AA logrado fazer prova da linha divisória, a qual pretendem agora ver definida por via da presente acção de demarcação. Em suporte da sua pretensão invocaram a inexistência de marcos, por desaparecimento dos primitivos, em número de três, sendo que a linha da estrema dos dois prédios, na sua confrontação poente/nascente, correspondia à linha recta definida pelo marco fundeiro (a sul), o qual se situava junto aos cepos de 2 eucaliptos existentes no prédio dos RR, por um outro existente no limite norte (cimeiro), grande e em pedra trabalhada, entretanto arrancado do sítio e mudado para nascente (e, portanto, para o interior do prédio deles, AA), existindo ainda um terceiro marco, dito intermédio, localizado entre aqueles, o qual afirmam ter desaparecido aquando do corte das árvores levado a cabo por acção dos RR, tudo conforme consta do esboço que juntaram e faz fls. 78 do PE. A linha divisória assim definida concretiza-se numa linha recta (“a direito”, do “fundo ao cimo”) com início, a sul, na estrada que dá para (...), passando imediatamente junto dos cepos de eucaliptos cortados no prédio vizinho (dos RR.), projectando-se a partir dali perpendicularmente até encontrar a linha de estrema do lado norte do prédio dos demandantes, no sítio onde sempre existiu cravado o aludido marco em pedra trabalhada. Tal linha divisória, especificam, passa a 4,60 mt de uma exploração de água que levaram a cabo no prédio de que são donos. Tendo ainda invocado factos tendentes a demonstrar o exercício de actos de posse sobre o identificado prédio até ao limite assim definido, pedem a final, para o que agora importa, seja declarada pelo Tribunal “a demarcação entre o prédio “ (...)” dos AA. do art. 1º da p.i., do seu lado poente, com o seu confinante, que os RR. se arrogam donos ou titulares matriciais, também denominado “ (...)”, do art. 3º da p.i., de harmonia com a linha divisória mais consentânea com os títulos aquisitivos dos ditos e respectivos prédios e também com a posse em que têm estado sempre os respectivos confinantes, referida, entre outros, nos arts. 14º a 20º da p.i., e correspondente à letra A do esboço ou levantamento junto”. Notificados os RR do articulado aperfeiçoado, apresentaram contestação na qual, reconhecendo a confinância e não impugnando a inexistência de marcos e consequente necessidade de proceder à demarcação dos prédios, alegam que a linha divisória indicada pelos AA. carece de referências factuais e/ou pontos fixos que permitam implantá-la no terreno, dada a ausência de quaisquer referências métricas, nomeadamente no seu limite norte. Não obstante, servindo-se de esboço que recria o apresentado pelos AA, não deixaram de indicar os pontos pelos quais, em seu entender, e face à posse que vêm exercendo sobre o seu prédio, se define a linha divisória, partindo a sul, junto à estrada de (...), de um ponto situado a 7-8 metros para nascente da base/face nascente do cepo mais a nascente dos eucaliptos referidos pelos AA, prosseguindo em linha recta no sentido nordeste, até atingir um bloco de pedras situado na estrema norte, conhecido como os “poisos”, onde existe uma cruz, situado 35,60m para nascente do 1.º de uma linha de marcos há muito existentes entre o prédio dos contestantes e aquele que com ele confina do norte. Concluída a fase dos articulados, o Mm.º juiz “a quo”, considerando que a petição inicial aperfeiçoada continha, por não supridas, as mesmas deficiências que antes lhe apontara, continuando a não concretizar pontos ou referências que permitissem, mediante a sua implantação no terreno, definir a linha divisória indicada pelos AA e proceder à demarcação em conformidade com ela, julgou a petição inepta por ininteligibilidade da causa de pedir, absolvendo os RR da instância ao abrigo do disposto nos art.ºs artºs 193º, n.ºs 1 e 2, al. a), 202º, 1.ª parte e 288º, n.º 1, al. b), todos do CPC, que expressamente convocou.[1] E é deste despacho que os AA, inconformados, trazem o presente recurso, o qual minutaram, formulando a final as seguintes conclusões: “ 1.ª- Tratada como acção de arbitramento e, assim, como acção especial, antes da Reforma do Cód. Proc. Civil de 1995 (arts. 1052 a 1054, revogados), a presente acção de demarcação segue a forma declarativa, no caso, sumária, em que, só na fase instrutória poderá ocorrer prova pericial / arbitramento e outra, quando antes, a falta de contestação, não conduzia como agora à condenação no pedido, mas à nomeação de peritos e aos demais termos então referidos no também revogado art. 1058; pelo que, ora se impõe que os RR. apontem desde logo a sua linha divisória, que não só os AA., como foi por ambos feito. 2.ª- Antes de 1995, como agora (e mais ainda, no futuro, com a reforma processual civil), já a substância se impunha à forma, valendo no caso, como pano de fundo substantivo, o disposto na lei civil: arts. 1353 a 1355 C.C.. Como assim, 3.ª- À falta de títulos suficientes quanto às áreas exactas dos prédios demarcandos, em como ao desaparecimento e deslocação de marcos, os AA. alegaram os factos possíveis e bastantes nas suas petições (da anterior acção de reivindicação de parcela do seu prédio) e nas presentes, sobretudo na nova e corrigida, da acção demarcatória, pedindo que a respectiva estrema poente / nascente devia ser declarada / definida pela linha divisória que desde logo apontaram. 4.ª- Face à posição dos RR. na contestação da acção de reivindicação, em que alegam qual a linha divisória do seu prédio e que, por isso, a parcela reivindicanda se situava adentro o seu, sem, contudo, deduzirem reconvenção e pedido reconvencional, a diferente linha divisória que agora apontam na contestação da presente acção de demarcação, além de contraditória, ainda mais reforça o estado de dúvida quanto à estrema e, daí, a necessidade do pedido demarcando, tendo em vista o atendimento do pedido acessório da indemnização pelos danos, a liquidar, em função daquela declaração demarcatória. 5.ª- Assim, a petição inicial (corrigida) da presente acção é perfeitamente inteligível quanto à causa de pedir e pedido, que melhor o foi ainda pelos RR. contestantes, quando os rebatem à luz da acção reivindicatória, excepcionando com o pretenso caso julgado, em que a linha demarcatória sempre referida e ora apontada estaria precludida, não obstante por eles aqui impugnada, com base num esquisso legendado em que há elementos comuns bem reveladores da inteligibilidade de causa petendi e petitum. 6.ª- Ora, competindo sempre aos AA. a prova da linha divisória que apontam, como aos RR. a prova da sua, que também apontam, abundam para já – e também foram alegados pelos AA. na p.i. - meios de prova, extraídos dos títulos e de outros documentos, que haverão de influir na demarcação a fazer e a declarar. Finalmente, 7.ª- Os AA. não se decidiram por lançar mão do disposto no art. 289-2 CPC, instaurando desde logo nova acção para aproveitamento dos efeitos civis da presente, pela substancial razão de não conseguirem elaborar uma nova p.i. com a alegação de outros e mais inteligíveis factos consubstanciadores da causa de pedir e do pedido, do que os já alegados na presente petição, que levou à decisão da sua ineptidão, sob a censura da presente apelação, em caminho assim percorrido, com tanta humildade como com redobrada confiança de atendimento e entendimento”. Com tais fundamentos, pretendem a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que determine o prosseguimento regular do processo.
Na sequência do convite formulado a fl. 97, vieram os AA., a fls. 101 e ss., apresentar uma nova petição, pretensamente corrigida das insuficiências que se lhe havia apontado. E dizemos “pretensamente” porquanto, salvo o devido respeito por entendimento diverso, continua a petição (nova) a padecer do mesmo essencial vício, qual seja a não concretização da linha delimitadora entre o seu prédio e aquele que lhe fica a nascente. Sendo certo que se mostra alegado que, da perspectiva dos AA., tal linha configura um segmento de recta (v. g. o artigo 17º), não se nos afigura possível, com a alegação daqueles, ‘trasladar’ para o terreno (ou ‘implantar’ no terreno) qualquer linha. E isto porquanto continua a alegação dos AA. a pecar – salvo o devido respeito – por ser vaga e imprecisa. De facto, designadamente nos artigos 14º a 20º falam aqueles de marcos entretanto desaparecidos, um dos quais teria existido “junto” aos cepos de 2 eucaliptos, outro teria sido mudado para nascente (artigo 15º), sem que se refira em que medida (quantos metros ou centímetros) e onde se situará por referência a pontos fixos certamente existentes no local (ainda que porventura não ‘à mão’), como outrossim apontam uma medida de “cerca” de 4,60 mts de largura a partir de uma “exploração de água” que nunca vem concretizada o que seja ou de que tipo seja. Em suma, a definição de uma determinada linha exige a alegação de pontos concretos por onde deva passar (pelo menos um inicial e um final, acaso se trate de uma ‘recta’), e exige-se que esses sejam passíveis de implantação no terreno. Ora, pressupondo-se que uma decisão final fosse totalmente favorável aos AA., com a matéria factual que os mesmos apresentam não se nos afigura possível que qualquer linha fosse possível de concretizar no terreno (e é disso, de fixação de linhas, que se trata ou deve tratar na presente acção, e não de fixação de áreas territoriais ou ‘proximidades’ de linhas delimitadoras). Termos em que, por ininteligibilidade da causa de pedir (relativamente à questão nuclear da demarcação), julgo inepta a petição inicial, em consequência do que absolvo os Réus da instância – artºs 193º, nºs 1 e 2, al. a), 202º, 1ª parte e 288º, nº 1, al. b), todos do CPC. [9] V. arestos TRG de 1/6/2005, processo n.º 980/05.2, TRC de 29 Maio 2012, proc. 967/08.0 TBALB.C1, STJ de 25/9/2012, processo n.º TBVLG.P1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. |