Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
205/15.0PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º E 58.º DO CP
Sumário: I - São, razões de prevenção e não já de culpa, que podem determinar a opção pela suspensão da execução da pena, temos que no caso concreto tal necessidade de prevenção afasta a possibilidade da suspensão.

II - Todo o factualismo provado, quer quanto aos seus antecedentes criminais, quer quanto às vezes que já lhe foi suspensa a execução da pena de prisão e ao cumprimento efetivo de outras penas igualmente de prisão, é revelador de que não pode o julgador formular qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a suspensão da pena bastará para afastar o recorrente de futura delinquência.

III - A ideia e a filosofia de aplicação de penas de substituição em lugar da pena de prisão efetiva, sobretudo de penas curtas de prisão, é largamente defendida e fundamentada pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993.

Decisão Texto Integral:                                            


                  

 Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos supra identificados, foi o arguido

            A.... , divorciado, servente da construção civil (desempregado), nascido em 10-05-1959, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) , Coimbra, julgado e condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão efectiva; sendo de descontar no seu cumprimento um dia de prisão.

2. Desta sentença recorre o arguido, apresentando as seguintes conclusões:

2.1. No caso sub judice, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo, revestindo este a forma de dolo direto, são os normais nestes casos.

2.2. Tudo ponderado, verifica-se que a pena concreta encontrada pela 1ª Instância (12 meses de prisão) fica demasiada afastada do seu mínimo (1 mês), e muito próxima do máximo (24 meses), o que se mostra desajustado perante uma ilicitude e o dolo verificados no caso em concreto.

2.3. Deverá a Sentença Recorrida ser substituída por outra, nomeadamente pela substituição a favor da comunidade.

2.4. Tendo em conta as circunstâncias da prática do facto e à personalidade e condição de vida do arguido, nomeadamente, a sua situação familiar e profissional, entende-se, salvo melhor opinião, que é de suspender a pena de prisão concretamente aplicada, ou qualquer outra que se entenda como adequada por período a fixar por V. Exas., com regime de prova.

2.5. O Tribunal “a quo” deveria ter substituído a pena de prisão efetiva por prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos previstos pelo artigo 58.° do Código Penal, pois esta pena é adequada, a realizar as finalidades da punição.

2.6. Ainda em alternativa à pena de prisão o Tribunal “a quo” deveria ter aplicado a pena de multa nos termos previstos pelo artigo 43.° do Código Penal.

2.7. O Tribunal “a quo” ainda deveria ter aplicado ao arguido a pena de prisão por dias livres ou o regime de semidetenção previstos nos artigos 45.° e 46.° do Código Penal.

2.8. O Tribunal “a quo” deveria ter aplicado ao ora Recorrente uma pena de prisão nunca superior a doze (12) meses, e ter determinado a execução daquela pena de prisão em regime de permanência na habitação, cumprindo o arguido a pena de prisão não superior a um ano, na sua residência, mediante a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, previsto no artigo 44.° do Código Penal.

2.9. Deve ser revogada a decisão recorrida devendo a mesma ser substituída por outra que aplique ao arguido uma pena de prisão não superior a doze (12) meses, devendo esta última ser suspensa na sua execução, ou substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou por qualquer das penas de substituição supra indicadas.

Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente nos exatos termos supra expostos, e, SER REVOGADA, na parte em que aplica ao Arguido ora Recorrente, uma pena de prisão efetiva de doze (12) meses, por a mesma ser manifestamente excessiva, devendo a mesma ser REDUZIDA.

Devendo aquela pena, ou outra a fixar por v. Exas. ser SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, ou, SUBSTITUIDA PELA PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE, ou em alternativa, POR QUALQUER UMA DAS PENAS DE SUBSTITUIÇÃO, SUPRA INDICADAS, que Vossas Exas. considerem adequada às exigências do caso concreto.

Com o que e mais uma vez, V. Exas. farão a melhor JUSTIÇA.

           

            3. Respondeu o Ministério Público dizendo:

            3.1. A pena de um ano de prisão efetiva revela-se equilibrada e adequada.

            3.2. É reveladora de que foram respeitados os princípios subjacentes à finalidade, fixação e determinação da medida da pena plasmados nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal.

            3.3. O arguido agiu com dolo direto e já foi condenado por vários crimes.

            3.4. Na data dos factos objeto dos autos encontrava-se suspensa a execução da pena de prisão a que foi condenado e apesar disso não se absteve de voltar a delinquir.

            3.5. Face ao seu percurso são muito elevadas as exigências de prevenção especial.

3.6. Só assim a comunidade depositará confiança no sistema judicial.

4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, manifestando-se quer contra a diminuição da medida da pena quer contra a sua substituição por qualquer pena substitutiva, concretizando:

As prognoses favoráveis, que subjazem à suspensão e à prestação de trabalho a favor da comunidade, foram afastadas na sentença recorrida por razões que se concordam — na primeira a não existência de elementos que permitam correr o risco prudente e calculado, tendo em conta a prática do crime no período da suspensão e a extensa prática criminal do recorrente e na segunda, no essencial, este último aspecto, demonstrando que não é esta via que poderá consciencializar o recorrente de que terá de seguir outro tipo de condutas e conformar-se com a lei.

De igual modo se concorda com o afastamento da prisão por dias livres, atenta a sua situação de inactividade, sendo que também se entende que, face aos antecedentes do recorrente e à sua não consciencialização de que terá de viver em conformidade com as disposições legais, só a pena de prisão efectiva poderá ter aqui algum efeito nesse sentido, afastando-se assim a possibilidade de cumprimento em regime de semidetenção, para a qual também não havia a justificação da inserção profissional, e permanência na habitação tendo aqui ainda em conta a necessidade de tratamento ao alcoolismo que o recorrente tem, continuamente, adiado.

Pelo que sou de parecer que o recurso não merece provimento.

5. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.

                                                                                  II

Questões a apreciar:

1. A medida concreta da pena.

2. A aplicação de uma pena substitutiva não detentiva, maxime a suspensão da execução da pena de prisão ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC).

            III

1. Na sentença recorrida dão-se como provados os seguintes factos:

            Factos Provados

            Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

            1. No dia 31 de Julho de 2015, cerca das 13h15m, o arguido conduzia o ciclomotor com a matrícula (...) EP, pela Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra.

            2. Por decisão proferida em 29 de Janeiro de 2015, no processo sumário nº 30/15.8PTCBR, do Juízo de Instância Criminal de Coimbra, transitada em julgado a 6 de Março de 2015, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do CP, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.

            3. Para cumprimento dessa pena acessória, o arguido entregou, no dia 16 de Março de 2015, a licença de condução de que é titular no referido processo sumário.

            4. O arguido sabia que não podia conduzir veículos motorizados durante o período de proibição de conduzir em que havia sido condenado por decisão judicial transitada em julgado, querendo agir da forma por que o fez.

            5. O arguido sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

            Mais se provou:

            6. O arguido tem os antecedentes criminais constantes do Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls.13 a 33 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

            7. O arguido é divorciado, mas tem uma companheira, residindo em casa arrendada pela companheira, com uma renda mensal de cerca de 100,00 euros. O arguido é servente da construção civil, encontrando-se desempregado há cerca de um ano, beneficiando do RSI de cerca de 178,00 euros mensais e fazendo as suas refeições na “cozinha económica” e a sua companheira está reformada, recebendo uma pensão mensal de cerca de 300,00 euros. O arguido não tem filhos menores. A companheira do arguido é proprietária do ciclomotor aludido em 1). O arguido não é proprietário de veículos automóveis e seu quinhão hereditário por óbito dos progenitores inclui parte de um imóvel (prédio urbano) sito em Eiras. O arguido tem a 3.ª classe.

            8. O arguido tem problemas de consumo de álcool em excesso, há alguns anos atrás já tendo realizado tratamento para o alcoolismo, na sequência da última condenação tendo sido encaminhado para novo tratamento, tendo consulta médica agendada.

            9. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de cuja prática se encontrava acusado.

*

            Factos Não Provados

            Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos que, nessa qualidade, se descreveram supra.

IV

Cumpre decidir:

1ª Questão: a medida concreta da pena.

1. Diz o arguido:

- No caso sub judice, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo, revestindo este a forma de dolo direto, são os normais nestes casos.

- O arguido encontra-se perfeitamente inserido no meio sócio-familiar em que vive, não existindo  naquele meio qualquer sentimento de rejeição à presença do mesmo.

- Tudo ponderado, verifica-se que a pena concreta encontrada pela 1ª Instância (12 meses de prisão) fica demasiada afastada do seu mínimo (1 mês), e muito próxima do máximo (24 meses), o que se mostra desajustado perante uma ilicitude e o dolo verificados no caso em concreto.

2. O Tribunal recorrido fundamenta a escolha primeiro e a medida concreta da pena, a seguir, nos seguintes termos:

Escolha da pena:

            “Admitindo o tipo em apreço a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, cumpre antes de mais proceder à determinação das espécies de penas que concretamente irão ser aplicadas, atendendo, para o efeito ao princípio geral que resulta da combinação dos artigos 40.º e 70.º do Código Penal, segundo o qual deve ser dada preferência à pena de multa sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            Assim, dado que a aplicação de penas tem por objectivo a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade, serão sempre e apenas considerações de prevenção geral e especial, e nunca de retribuição da culpa, a decidir da possibilidade de, em cada caso concreto, preferir uma ou outra reacção criminal.

            Por outro lado, de entre as finalidades preventivas, o legislador português destaca as finalidades de prevenção especial, como fundamentadoras do movimento de luta contra as penas curtas de prisão aplicáveis à pequena e média criminalidade. Pelo que o tribunal só deverá recusar a aplicação da pena alternativa não privativa da liberdade, quando tal opção se revele inconveniente para a viabilidade e sucesso de um projecto de ressocialização, funcionado as exigências de prevenção geral – enquanto defesa do ordenamento jurídico – como um limite mínimo à actuação das exigências de socialização.

            Atentemos então, primeiramente, nas exigências de prevenção geral positiva que no caso se fazem sentir.

            No que concerne ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, atentando na praxis dos Tribunais constatamos que se mostram claramente generalizadas condutas como a em causa dos autos, questionando a autoridade ínsita nas decisões proferidas pelos Tribunais, sendo bastante elevadas as exigências de prevenção geral no que respeita a este ilícito.

            Com efeito, é necessário que todos os cidadãos se consciencializem que o cumprimento da lei e das decisões judiciais se sobrepõe a interesses individuais não tutelados nem protegidos, devendo todos os cidadãos em geral e o arguido em particular convencer-se da impossibilidade de confusão entre direitos e liberdades com ausência de respeito por directivas consagradas na lei e completa arbitrariedade perante ordens emanadas por quem tem com competência para o seu efeito.

            Relativamente às exigências de prevenção especial importa desde logo dizer que ressalta do CRC do arguido que este, ao longo de toda a sua vida adulta, tem tido uma verdadeira carreira criminosa, já tendo sido condenado pela prática de ilícitos criminais de diversa natureza – incluindo crimes rodoviários de condução sem habilitação legal e em estado de embriaguez, injúrias, furto, maus tratos, falsificação de documentos, burla e ofensa à integridade física – já tendo sido condenado por diversas vezes em penas de efectiva privação da liberdade (tendo estado em cumprimento de pena de prisão efectiva, pela última vez, até ao ano de 2008) e também por diversas vezes em penas de prisão suspensas, sendo que tais condenações não lograram, claramente, afastá-lo da prática de ilícitos criminais e nem mesmo o efectivo cumprimento de penas de prisão e as oportunidades que, após, ainda assim lhe foram dadas, incluindo a mais recente por sentença transitada há escassos meses atrás (Março de 2015) tendo logrado consciencializar o arguido para a gravidade dos factos que praticou e necessidade de agir de forma conforme ao Direito.

            Acresce que, não obstante a sua integração social, já que reside com uma companheira, o arguido não se mostra profissionalmente integrado e se é certo que confessou os factos de que vinha acusado, não é menos certo que não deixou de procurar minimizar a gravidade da sua conduta, justificando-se com uma invocada necessidade de se deslocar à segurança social, para aqui vir buscar um documento, quando é certo que se trata de local a que facilmente poderia ter ido a pé, considerando a sua residência ou com recurso a qualquer outro meio que não a condução de veículos (por exemplo recorrendo a transportes públicos).

            Pelo exposto, não podemos deixar de considerar que as exigências de prevenção especial são elevadíssimas.

            Com efeito, com a sua actuação reiteradamente desconforme ao Direito o arguido demonstra que não foi, como devia, suficientemente influenciado pelas penas que lhe foram aplicadas e revelando-se pois particularmente premente, no plano da prevenção especial, a necessidade de uma resposta punitiva que não só consciencialize o arguido para a gravidade dos factos praticados, mas também simultaneamente previna a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo-lhe sentir a anti-jurisdicidade e gravidade das suas condutas.

            Assim e não obstante estarmos perante um cidadão socialmente integrado, em face da reiterada actuação do arguido de forma desconforme ao Direito e insensível aos bens jurídicos que se pretendem tutelar com a incriminação das suas descritas condutas, entende o Tribunal que não estão já reunidas as condições que permitam formar um juízo de prognose favorável que permita concluir pela suficiência da pena não privativa da liberdade para fazer face às exigências de prevenção especial que, in casu, se reputam como vimos de elevadíssimas – não respondendo também suficiente e adequadamente às exigências de prevenção geral também bastante significativas - apenas com a escolha da pena mais gravosa se logrando alcançar as finalidades da punição no caso concreto”.

Da medida concreta da pena

“A pena a determinar em concreto, dentro dos limites da lei, resultará da apreciação da culpa do agente e das exigências de prevenção; tendo em consideração todas as circunstâncias que – não fazendo parte do tipo legal convocado nem tendo sido já atendidas para os efeitos de qualificação – sejam expressivas da culpa do arguido e da medida das necessidades de prevenção (cfr. artigo 71.º do Código Penal).

O mínimo legalmente previsto corresponde ao imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo inultrapassável à medida da culpa do agente do crime.

Desta forma, o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa.

O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é punido com pena de prisão até dois anos.

No que concerne ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, há a ponderar: o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências, normal atento o crime em apreço; a significativa ilicitude dos actos praticados pelo arguido, consubstanciados na natureza da violação dos deveres impostos por sentença judicial; a intensidade do dolo, na sua forma directa e portanto na sua modalidade mais intensa; os antecedentes criminais do arguido e o comportamento do arguido posterior aos factos (relevando estes últimos nos termos supra já aludidos).

A favor do arguido releva o facto de o arguido estar socialmente integrado, tendo confessado os factos em causa nos autos, sendo tal confissão de valor relativo, considerando o facto de se estar perante detenção em flagrante delito e prova documental associado.

Quanto às exigências de prevenção geral e especial valem aqui as considerações supra já tecidas.

Sopesados todos os factores supra expostos – e as exigências de prevenção já assinaladas – reputamos de suficiente e adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 1 ano de prisão”.

3. No essencial, pelo tribunal a quo foram ponderados todos os requisitos legais exigíveis quer para a escolha da espécie da pena (entre a pena de multa e a pena de prisão) quer para a sua determinação.

Mostra-se assertiva a opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, pois é manifesto que, devido essencialmente às exigências de prevenção especial, esta já não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Também no que respeita ao quantum, foram levadas em conta todas as circunstâncias relevantes para o caso: grau de culpa (sendo o dolo direto), grau de ilicitude (médio), prevenção geral (normal) e prevenção especial (acentuada).

A moldura abstrata é de um a 24 meses de prisão.

Pelo que um ano de prisão se situa numa média entre o limite mínimo e máximo, tendencialmente ainda para abaixo daquela (da referida média)[1].

Sobe esta matéria decidiu-se recentemente no Ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 108/15.8JAGRD.C1, por nós subscrito enquanto Juiz adjunto, que:

Tida como boa a pena escolhida, para se proceder a qualquer alteração na sua duração terá o desajustamento que ser relevante, isto é, a pena terá que surgir como desproporcionada face à culpa e exigências de prevenção que se façam sentir: o quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras de quantificação – consideração de factores irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, errada aplicação dos princípios gerais de determinação -, ou se a quantificação efectuada se revelar desproporcional.

Desde que sejam observados os critérios de dosimetria concreta da pena, há a margem de actuação do julgador que é dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de censurar.

A decisão está fundamentada e a pena aplicada em concreto não choca, pois não se revela desproporcional aos factos que visa punir”.

Esta fundamentação foi recentemente seguida no Ac. deste Tribunal da Relação de 2.3.2016, proferido no processo nº 696/10.5PAPNI.C1[2]. E entende-se que também aqui tem inteira aplicação.

Não só a medida concreta da pena não choca, como foram observadas todas as regras na sua determinação, foram consideradas todas as circunstâncias – conforme já acentuado - e não se mostra desproporcional.

Termos em que se decide mantê-la.

2ª Questão: a aplicação de uma pena substitutiva não detentiva, maxime a suspensão da execução da pena de prisão ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC).

1. Conforme teor da motivação de recurso do arguido e a síntese das suas conclusões, pugna o mesmo pela aplicação de uma pena substitutiva (não detentiva), em vez da pena de prisão efetiva de um ano.

E embora refira e mencione todas as penas legalmente possíveis de aplicar, adianta que tal pena deveria ser a de suspensão da execução da pena de prisão ainda que sujeita a regime de prova ou então, caso não se optasse por aquela, que deveria ser aplicada a prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC). Por fim, admite a possibilidade de substituição por multa, de prisão por dias livres ou em regime de semidetenção e a obrigação de permanência na habitação.

2. O tribunal recorrido fundamentou a não aplicação de qualquer pena de substituição, com os seguintes fundamentos:

“Atendendo a que o processo de determinação da pena não se esgota nas operações de determinação da pena principal aplicável e de determinação do seu quantum, comportando a fase, pelo menos eventual, de escolha da espécie de pena a cumprir efectivamente, cumprirá ponderar da aplicação ao arguido de uma pena de substituição.

Nesta ponderação o Tribunal está sujeito a uma discricionariedade vinculada, já que tem o poder-dever de, atentos os pressupostos materiais e formais de que estas dependem, substituir a pena principal concretamente fixada.

Ora as penas de substituição radicam essencialmente no movimento de política criminal adverso à aplicação de penas curtas de prisão, sendo o critério essencial que preside à substituição o da adequação da pena substitutiva às necessidades e finalidades da punição.

Não existindo uma hierarquia legal de penas de substituição, quando o Tribunal tenha ao seu dispor mais do que uma pena de substituição a realizar de forma adequada as finalidades da punição, o critério de escolha da pena a aplicar terá que assentar na avaliação das exigências de prevenção especial ou de socialização que se fazem sentir em concreto; optando-se por aquela que, atento a prognose favorável no sentido da ressocialização em liberdade e a não oposição das irrenunciáveis exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, as realiza de forma mais adequada.

No caso em apreço estariam reunidos os pressupostos formais da substituição por pena de multa (cfr. artigo 43.º do Código Penal), prisão por dias livres (cfr. artigo 45.º do Código Penal), suspensão da execução da pena de prisão (cfr. artigo 50.º do Código Penal) e prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. artigo 58.º do Código Penal).

Ora, no que concerne à substituição por dias de multa, cumpre desde logo dizer que o arguido foi já condenado, pela prática de vários ilícitos criminais, em penas bem mais gravosas, incluindo várias condenações em efectivas privações de liberdade e nem mesmo tais condenações o afastaram da prática de ilícitos criminais - sendo pessoa de precária situação económica – pelo que não se nos afigura viável efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de se responder cabalmente às exigências de prevenção com tal pena de substituição.

Já no que concerne à mera suspensão de execução da pena de prisão, conforme igualmente já referimos, ressalta do CRC do arguido que, mesmo depois de ter sido confrontado com a efectiva privação de liberdade, ao arguido foram dadas várias oportunidades de se ressocializar em liberdade, por via da aplicação de penas de prisão suspensas – incluindo a última condenação, transitada em julgado em Março deste ano de 2015, na qual ao arguido foi aplicada a pena acessória cuja violação deu origem aos presentes autos – e tais penas e juízos de prognose então efectuados foram claramente infirmados pelo arguido, por via da repetição da prática de factos ilícitos, revelando o próprio, pelos seus comportamentos, que as penas aplicadas sobre si não surtiram o desejado efeito ressocializador.

Relativamente à prestação de trabalho a favor da comunidade, importa desde logo dizer que, conforme vem sido entendimento dominante na jurisprudência, a prestação de trabalho a favor da comunidade só deverá ser aplicada não apenas quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infractor, mas também quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente (neste sentido vide, Acórdão da Relação do Porto de 17 de Novembro de 2004, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Estamos perante uma pena que assenta na adesão do próprio arguido, simultaneamente apelando a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica, sendo que no caso em apreço, não obstante a disponibilidade pelo arguido manifestada de prestar trabalho (que não se estranha face à emitente e perspectivada possibilidade de se ver, de novo, privado de liberdade), resulta claro, dos seus antecedentes criminais e postura assumida em julgamento, que o arguido está longe de, efectivamente, ter assimilado a gravidade dos factos que praticou, mostrando personalidade claramente desconforme ao Direito, tanto mais que nem as penas de prisão efectivas nem as penas de prisão suspensas foram bastantes para afastar o arguido da criminalidade, pelo que entendemos não ser já possível efectuar juízo de prognose favorável quanto à aplicação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo certo que esta também não satisfaria as necessidades de prevenção geral do crime em apreço.

Ora, as supra aludidas anteriores condenações são suficientes para patentear a ineficácia das penas que os tribunais foram aplicando ao arguido, fazendo-lhe sucessivos juízos de prognose favorável e com base nestes afastando mesmo, nalgumas ocasiões, a aplicação de penas (efectivas) privativas da liberdade.

Não restam dúvidas de que o arguido tem ignorado todas as advertências que lhe têm sido feitas, mostrando completa indiferença pelas normas e pela ordem jurídica, o que o leva a cometer novos crimes; sendo que nem mesmo a circunstância de, actualmente, estar perspectivada a realização de novo tratamento para o alcoolismo afasta o juízo efectuado.

Com efeito, não se trata sequer da primeira situação em que o arguido realiza tratamento para o alcoolismo e a verdade é que, a procura de tal tratamento sempre deveria partir, em primeira mão, do próprio doente/dependente que, actuando de forma responsável, não deve ficar à espera de terceiros para o encaminharem nesse processo; sendo certo que, no caso em apreço, em bom rigor, nem sequer existe uma relação directa entre o consumo de bebidas alcoólicas pelo arguido e prática dos factos ilícitos.

Entende pois o Tribunal ser este um caso paradigmático em que o efeito “sharp, short, schock” da pena de prisão e portanto da privação da liberdade, poderá contribuir para que o arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes - e se afaste, no futuro, da prática de novos crimes; outra pena que não a pena de prisão efectiva satisfazendo, simultaneamente, as elevadas necessidades de prevenção do crime que o caso convoca, já que um dos vectores que compõem os fins das penas são precisamente as aludidas necessidades de prevenção geral e portanto a protecção dos bens jurídicos violados e naturalmente a protecção da sociedade em relação ao crime.

Assim, avaliando as exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir em concreto e as exigências de prevenção geral ponderadas, entende-se que outra pena que não a pena de prisão efectiva, não lograria afastar o arguido, no futuro, da prática de novos crimes, nem realizaria de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral que o caso convoca.

Por outro lado, no que concerne à eventual aplicação da prisão por dias livres, sempre importa ponderar que o arguido não tem uma situação de integração profissional que importe acautelar e/ou papel decisivo no seio de agregado familiar (por exemplo com menores a seu cargo) que se pudesse ponderar preservar, sendo que em momento anterior, como já dissemos, já cumpriu penas privativas da liberdade em regime contínuo (a última das quais com terminus em 2008) e nem mesmo essas o afastaram da prática de ilícitos criminais.

Assim, avaliando as exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir em concreto e as exigências de prevenção geral ponderadas, entende-se que outra pena que não a pena de prisão efectiva, não lograria afastar o arguido, no futuro, da prática de novos crimes, nem realizaria de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral que o caso convoca”.

             3. Fixada uma pena curta de prisão, como nos parece ser ainda o caso, impende sobre o julgador o dever jurídico e processual de ponderar a eventual aplicação de uma pena de substituição.

A ideia e a filosofia de aplicação de penas de substituição pelas de prisão, sobretudo de penas curtas de prisão, é largamente defendida e fundamentada pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993.

A fls. 327 desta obra, diz:

“ Todo o tema da escolha da pena se reconduz, tanto em perspectiva histórica como político-criminal, ao movimento de luta contra a pena de prisão…

A partir daqui, a condenação político-criminal das penas curtas de prisão tornar-se-ia praticamente definitiva e a questão passou a ser a das formas da sua substituição, nomeadamente através dos seus instrumentos clássicos da suspensão da execução (sursis) e da multa.

Reconhecido ficava que à pena curta de prisão não podia caber a satisfação de qualquer das finalidades que a pena deveria cumprir: nem de prevenção especial - fosse através das ideias de neutralização ou da segurança, descabidas perante a pequena criminalidade que as penas curtas de prisão se destinavam, pela natureza das coisas a combater, fosse por via das ideias da advertência ou da socialização, cuja consecução a pequena duração da prisão impedia completamente; nem de prevenção geral - fosse sob a forma negativa de intimidação (que, para ser eficaz, teria de ser injusta), fosse soba forma positiva de integração (que seria inclusivamente prejudicada, pelo facto de se utilizar o mesmo instrumento - a pena de prisão - para a mais grave e a mais leve criminalidade”.

Esta defesa acérrima de evitar as penas curtas de prisão, levou mesmo a que Figueiredo Dias teorizasse um critério geral de escolha e de substituição da pena, convicto que estava de que a falência prática do sistema de penas de substituição tinha por base a inexistência deste critério[3].

Pelo que, a fls. 331 da obra citada, propõe o dito critério:

“ O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição”.

Julgamos que este movimento de privilegiar o cumprimento de penas substitutivas em vez das penas curtas de prisão, teve mais uma aposta na alteração do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, sob duas vertentes:

- Alargamento dessas mesmas medidas de substituição[4];

- Alargamento do âmbito de aplicação de algumas penas de substituição[5].

4. Depois destes breves considerandos, vejamos mais de perto a situação em concreto.

Pelos fundamentos avançados na decisão recorrida a que se somam igualmente os argumentos indicados no parecer do Ministério Público junto deste Tribunal[6], entende-se que não se verificam os pressupostos necessários para que se possa aplicar como pena de substituição a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, a substituição por multa ou a obrigação de permanência na habitação.

Na verdade, quanto à pena de multa, estando o recorrente desempregado e vivendo do RSI no valor de 178,00 € mensais, a opção pela aplicação de pena de multa seria ineficaz e irrazoável pois é sabido, à partida, que o mesmo não tem condições para a pagar. Pelo que ou se estaria a exigir um esforço ou cumprimento de algo que se sabe ser praticamente impossível de cumprir ou então seria uma forma de “isentar” o arguido do cumprimento de qualquer pena.

Também quanto ao regime por dias livres ou de semidetenção, não faz sentido a sua aplicação pois estes regimes estão vocacionados para as situações em que o arguido se encontra familiar e laboralmente integrado, sendo uma forma de cumprir a pena de prisão mantendo-o quer junto do agregado familiar quer permitindo-lhe continuar a exercer a sua atividade profissional. E não exercendo o arguido qualquer atividade laboral, a ratio destas penas não reivindica a sua aplicação.

Também a permanência na habitação não é a pena mais adequada pois estando o arguido a efetuar o tratamento de desintoxicação, a mesma inviabilizaria desde logo aquele tratamento. E por outro lado, não nos parece que seja a pena que melhor se ajusta à situação do arguido e aos concretos fins da pena.

Passando para a suspensão da execução da pena, aceita-se e concorda-se com a decisão do Tribunal recorrido em não a suspender pois todo o circunstancialismo provado não permite formular o juízo de prognose favorável a tal suspensão.

O disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal exige como pressupostos legais da suspensão da execução da pena que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, a fls. 342 e 343:

“ Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta - bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto - o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à conduta anterior e posterior ao facto”.

Sendo, como efetivamente são, razões de prevenção e não já de culpa[7], que podem determinar a opção pela suspensão da execução da pena, temos que no caso concreto tal necessidade de prevenção afasta a possibilidade da suspensão.

            Na verdade, todo o factualismo provado, quer quanto aos seus antecedentes criminais, que quanto às vezes que já lhe foi suspensa a execução da pena de prisão e ao cumprimento efetivo de outras penas igualmente de prisão, é revelador de que não pode o julgador formular qualquer juízo de prognose favorável no sentido de que a suspensão da pena bastará para afastar o recorrente de futura delinquência. Seria negar as evidências. Digamos que o arguido já beneficiou desta pena de substituição e de nada serviu, pois o mesmo voltou a delinquir e fê-lo já por algumas vezes após aquela oportunidade (de suspensão de execução da pena).

            Nesta parte, entende-se que andou bem o julgador a quo ao não suspender a execução da pena.

            5. Resta apreciar a prestação de trabalho a favor da comunidade (doravante PTFC).

           

Começamos por constatar que o arguido já foi condenado por vários crimes e concretamente em penas de prisão suspensa na sua execução e em prisão efetiva.

            Daqui se conclui, sem qualquer dúvida, que mesmo a pena de prisão efetiva não o dissuadiu ou inibiu de cometer novos factos tipificados como crime.

            O mesmo é dizer que as penas de prisão que já cumpriu, não o reintegraram ou ressocializaram conforme pretendido e desejado.

             

Dos elementos dos autos, maxime face aos antecedentes criminais do arguido, tudo aponta no sentido de que o óbvio e o inevitável, seria o arguido cumprir mais uma vez a pena de prisão que lhe foi aplicada. Poder-se-ia desabafar, nomeadamente em prol da prevenção não só geral mas sobretudo especial, que durante tal período, o arguido não cometeria crimes.

Temos entendido que a gravidade da conduta de um agente (arguido) vai crescendo à medida que as situações se repetem, o que reclama, consequentemente, a aplicação de sanção igualmente crescente na sua gravidade. De tal modo que pode e deve estabelecer-se uma estreita relação entre a gravidade da conduta e a consequente pena aplicada. Sendo a pena de prisão efetiva, por enquanto, a pena mais grave do nosso sistema processual penal, o último reduto de aplicação de pena quando todas as demais falharam[8], mais uma vez tudo aponta para a manutenção da pena aplicada pelo julgador a quo.

Mas também é verdade que não estamos a tratar de matemática pura, de puro logicismo, em que tudo é racional.

Com efeito, já se viu que a pena efetiva de prisão, até ao momento, não resultou, não cumpriu a finalidade do artigo 40º, nº 1, do Código Penal – a reintegração do agente na sociedade.

Por sua vez, importa referenciar que, das penas substitutivas potencialmente aplicáveis, até ao momento não foi aplicada ao recorrente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Pormenor que o mesmo acentua na sua motivação – v. fls. 68.

O julgador a quo afastou a aplicação desta pena, pelos fundamentos supra transcritos.

Conclui (o Tribunal recorrido) que “as supra aludidas anteriores condenações são suficientes para patentear a ineficácia das penas que os tribunais foram aplicando ao arguido, fazendo-lhe sucessivos juízos de prognose favorável e com base nestes afastando mesmo, nalgumas ocasiões, a aplicação de penas (efectivas) privativas da liberdade.

Não restam dúvidas de que o arguido tem ignorado todas as advertências que lhe têm sido feitas, mostrando completa indiferença pelas normas e pela ordem jurídica, o que o leva a cometer novos crimes; sendo que nem mesmo a circunstância de, actualmente, estar perspectivada a realização de novo tratamento para o alcoolismo afasta o juízo efectuado.

Entende pois o Tribunal ser este um caso paradigmático em que o efeito “sharp, short, schock” da pena de prisão e portanto da privação da liberdade, poderá contribuir para que o arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes - e se afaste, no futuro, da prática de novos crimes; outra pena que não a pena de prisão efectiva satisfazendo, simultaneamente, as elevadas necessidades de prevenção do crime que o caso convoca, já que um dos vectores que compõem os fins das penas são precisamente as aludidas necessidades de prevenção geral e portanto a protecção dos bens jurídicos violados e naturalmente a protecção da sociedade em relação ao crime.

5. Esta é uma visão/apreciação da situação. Como se afirmou, a mais óbvia.

Mas vale a pena apreciar, no caso concreto, das eventuais virtudes e sobretudo da possibilidade da aplicação de PTFC.

Já supra se exprimiu que a aplicação de penas de substituição pelas de prisão, sobretudo de penas curtas de prisão, é largamente defendida e fundamentada pelo Prof. Figueiredo Dias.

Na mesma obra - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, a fls. 74/75, a propósito dos princípios de política criminal europeia comum, princípio da preferência pelas reações penais não detentivas, afirma este autor:

“ Deste princípio – entre nós posto, desde há muito, em particular relevo por Eduardo Correia -, resulta, por um lado, a exigência de preterição da aplicação da pena de prisão em favor de penas não detentivas, sempre que estas se revelem suficientes, in casu, para realização das finalidades da punição. Deriva, por outro lado, a obrigação para o legislador de enriquecer, até ao limite possível, a panóplia das alternativas à prisão postas à disposição do julgador; e na verdade, de alternativas que não se esgotem, do lado de quem as cumpre, num sofrimento passivo da pena, mas possam representar uma prestação activa em favor da comunidade[9]”.

E a fls. 378, já a propósito dos pressupostos de aplicação da nossa lei positiva:

“ Pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, uma vez mais, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição; que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico “.

Relevante sobre esta matéria é também o que escreveu Maia Gonçalves na revisão do C. Penal de 95, in C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 215, em anotação ao artigo 58º:

 “A comissão revisora propôs um expressivo alargamento dos pressupostos da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, atendendo à ideia de que se trata porventura da mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório e que esta pena é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo mas assume cariz social-positivo “.

*

“ No aspecto da prevenção geral positiva, expectativas comunitárias e confiança dos cidadãos na protecção da norma, embora tratando-se de uma medida ainda pouco enraizada, vem ganhando relevo a ponto de ser considerada a mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios. Não podendo confundir-se com impunidade, uma vez que constitui um meio de redenção, pela positiva, do mal praticado.
            Constituindo uma medida que se vem afirmando e como tal merece ser aplicada com optimismo. Sendo vista pela própria comunidade cada vez mais favoravelmente – neste sentido v. a reportagem da Revista Visão, n.º 633, de 21.04.2005 sob o título “Quando a cadeia nada resolve”.
            Com efeito, para além do papel activo do condenado, chama também a comunidade, ao fornecer o trabalho, a participar no restabelecimento da paz jurídica, vendo ainda aliviado o erário público dos encargos inerentes ao cumprimento da pena de prisão.

Tratando-se, aliás, de medida que foi “vivamente recomendada” em resolução do Conselho de Ministros do Conselho da Europa. Podendo invocar-se, em seu favor, a máxima de Montesquieu: la cause des relaxements n’est pas la moderation des peines, mais l’impunité des crimes “ – in Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2005, processo nº 2203/05, in http:/www.dgsi.pt/jtrc.nsf/.

6. Postos todos estes considerandos de ordem geral, doutrinal e jurisprudencial sobre as penas de substituição e concretamente sobre a pena de PTFC, cumpre apreciar se in casu se justifica a sua aplicação ao recorrente arguido.

Os pressupostos formais do artigo 58º, do Código Penal verificam-se:

- Existe consentimento do condenado.

- A pena aplicada é de 12 meses sendo certo que pode ser aplicada a penas até 2 anos de prisão.

Quanto ao pressuposto material:

- Que a PTFC realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Sobre este aspecto, mostram-se adequados os excertos supra citados e identificados (na sua autoria), quanto à bondade desta medida:

“..esta pena é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo mas assume cariz social-positivo”.

“Não podendo confundir-se com impunidade, uma vez que constitui um meio de redenção, pela positiva, do mal praticado.

Constituindo uma medida que se vem afirmando e como tal merece ser aplicada com optimismo. Sendo vista pela própria comunidade cada vez mais favoravelmente.

Finalmente, mostra-se elucidativo o tema da reportagem da Revista Visão, n.º 633, de 21.04.2005 com o título “Quando a cadeia nada resolve” já supra referenciado.

É notório, no caso concreto, que a cadeia (pena de prisão efetiva), nada resolveu na reintegração deste arguido.

Com a PTFC o recorrente vai sentir de perto e de algum modo, o carácter punitivo desta pena: o recorrente vai sentir a perda, durante este período, de parte do seu tempo livre, em que poderia exercer outra atividade que lhe apetecesse ou simplesmente “nada fazer”.

E vai ter contacto com a comunidade, contacto que se espera seja positivo, que lhe crie hábitos não só de trabalho mas essencialmente de socialização e reflexão sobre a conduta que vem assumindo ao longo de vários anos.

Aposta este Tribunal que a PTFC realize de forma adequada as finalidades da punição. Pois outras várias penas, incluindo a de prisão efetiva, até agora não o conseguiram. Se será suficiente para atingir tal finalidade só o tempo o dirá. Mas uma coisa é certa: não poderá de modo algum o arguido, vir invocar, em qualquer outro momento, a falta de oportunidade dada pelo Tribunal.

Mas também entendemos que a aplicação da PTFC ao arguido não pode ser isenta de um mínimo de obrigações ou condutas que no caso concreto se justificam: a obrigação de o mesmo efetuar tratamento de desintoxicação alcoólica. Conduta que pode aqui ser aplicada ao abrigo do disposto no artigo 58º, nº 6, do Código Penal. E cujo controlo deverá ser sindicado pelo tribunal a quo.

57. Tempo de duração da PTFC:

No termos do artigo 58º, nº 3, do Código Penal, cada dia de prisão é substituído por uma hora de trabalho, até um máximo de 480 horas.

 Sendo a pena de 12 meses de prisão, ou seja, 360 dias (12x30), a que deverá ser deduzido (descontado) um dia (v. condenação), corresponder-lhe-ão 359 horas de trabalho, a prestar nos termos do disposto no nº 4 do mesmo preceito.

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

1. Negar provimento ao recurso quanto à questão da medida concreta da pena.

2. Conceder provimento ao recurso do arguido quanto à aplicação de uma pena substitutiva da pena de prisão efetiva e, consequentemente, substitui-se-lhe a pena de prisão em que foi condenado (12 meses), a que se desconta um dia, pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, pelo tempo de 359 (trezentos e cinquenta e nove) horas, a prestar nos termos do disposto no nº 4 do artigo 58º do CP, sujeita à seguinte condição:

- Obrigação de o recorrente, no prazo de 15 dias a contar a partir do trânsito em julgado deste acórdão, iniciar as diligências necessárias para realizar um tratamento de desintoxicação alcoólica (nomeadamente com marcação de consulta médica para o efeito) ou a sua continuação caso o mesmo já se encontra em tal tratamento.

Condição que será sindicada pelo tribunal em primeira instância quer antes quer durante o cumprimento da pena de PTFC.

Sem custas.

Coimbra, 7 de Abril de 2016

                (Relator, Luís Teixeira)

                (Adjunto, Vasques Osório)


[1] Sem prejuízo de se entender que o critério da média não ser justificativo nem vinculativo, apenas se mencionando tendo em conta a posição assumida pelo recorrente.
[2] Mesmo relator e adjunto dos presentes autos.
[3] Em detrimento da existência de uma multiplicidade e diversidade de critérios.
[4] V. o cumprimento em regime de permanência na habitação consagrado no atual artigo 44º do Código Penal.
[5] V. alargamento da medida das penas em que é possível a sua aplicação, passando de 3 para 5 anos na suspensão da execução da pena e de 1 para 2 anos no caso de PTFC, por exemplo.
[6] Mostrando-se supra transcritos pelo que nos dispensamos de aqui os repetir.
[7] V. neste sentido, ac. do STJ de 21.3.2007, proferido no proc. nº 07P797, onde se reproduz no ponto I do sumário:
“Na suspensão da execução da pena, não estão em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”.

[8] Estamos com certeza a falar de pequena criminalidade em que são aplicadas penas curtas de prisão ou outras e não de criminalidade grave ou violenta em que uma primeira condenação pode justificar de imediato a aplicação da pena de prisão efectiva.


[9] Sublinhado nosso.