Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
736/19.2T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
GARANTIA DE TERCEIRO
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 781º E 782º DO C. CIVIL.
Sumário: I - A perda do benefício do prazo, prevista no art.781.º do Código Civil, não é extensível a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia (art.782.º da mesma lei).

II - A garantia só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.

III - A execução prosseguirá quanto ao terceiro apenas para cobrança das prestações vencidas pelo decurso do prazo e não realizadas pelo devedor principal.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Os Executados D... e T... excecionaram, além do mais, não terem recebido da parte do credor ou da exequente qualquer comunicação de vontade de resolução do contrato, pressuposto essencial para exigência do montante total em dívida, limitando o direito da exequente às prestações vencidas e não pagas até à data da instauração da execução, acrescida de juros.

A Exequente contestou, além do mais, que não tinha que notificar aqueles embargantes do incumprimento, nem de os interpelar para o pagamento, sob pena de resolução do contrato e vencimento de toda a dívida, por não terem a qualidade de devedores.

No saneador sentença o Tribunal excluiu um dos contratos da execução e julgou apenas procedente a arguição da indevida liquidação da quantia exequenda.


*

Inconformados, os Embargantes D... e T... recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

            ...

            A Exequente contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

Questão a decidir:

A perda do benefício do prazo em relação a terceiros constituintes de hipoteca.

Os factos considerados provados pelo tribunal recorrido são os seguintes:

a) Por contrato datado de 30-10-2015, a C... cedeu os créditos que detinha sobre o executado J... à ora exequente H... STC, S.A., com todas as garantias acessórias a ele inerentes;

b) A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos, designadamente das hipotecas constituídas sobre o prédio infra descrito, tendo a cessão de créditos sido levada ao registo predial, através da ap. n.º ...;

c) A referida transmissão de créditos foi efetuada no âmbito de uma operação de emissão de obrigações titularizadas por parte da H... STC, S.A., sujeita ao regime jurídico da titularização de créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (tal como sucessivamente alterado até à presente data), com a designação formal O..., e à qual foi atribuído o código alfanumérico ..., pela CMVM-Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

d) No exercício da sua atividade creditícia, a C... celebrou com J... as escrituras e documentos particulares que servem de título à presente execução e respetivos documentos complementares, tendo contraído os seguintes créditos:

...

e) Para garantia das obrigações assumidas, foram constituídas hipotecas voluntárias sobre o prédio misto sito no ...;

f) Nas escrituras e documentos particulares supra mencionados, ficou convencionado que o pagamento dos referidos mútuos seria efetuado em 348, 156, 114 e 96, respetivamente, prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros;

g) O executado J... faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em 21/03/2013, 30/09/2012, 03/11/2012 e 23/10/2012, respetivamente;

h) Apesar de instado para o respetivo pagamento, não o efetuou;

i) O prédio dado como garantia das obrigações assumidas pelo executado J... é propriedade daquele e ainda dos executados T... e de D..., os quais foram intervenientes nas referidas escrituras, nessa mesma qualidade, constituindo a favor da C... as hipotecas registadas na Conservatória do Registo Predial através da Ap.4 ...;

j) Na data da instauração da execução encontram-se em dívida as seguintes quantias: ...

k) Ascendendo o valor total em dívida ao montante de 585.751,10€;

l) Nem C..., nem a ora exequente integraram o devedor no PERSI;

m) Na sequência da cessão dos créditos em apreço, a exequente/embargada interpelou o executado J... para o pagamento dos créditos exequendos, mediante cartas registadas datadas de 30 de maio de 2016;

n) As cartas expedidas foram rececionadas na morada indicada nos contratos celebrados, tendo os respetivos avisos de receção sido assinados pelo Executado T...;

o) Nas cartas expedidas e rececionadas conta, além do mais, o seguinte: “Nesta conformidade, tendo em conta o exposto, aguarda-se a efectivação do pagamento por parte de V. Exa (s)., pelo que, findo o prazo supra mencionado (10 dias), sem que o mesmo ocorra, consideraremos resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, nos termos previstos nos artigos 781.º e 1150.º do Código Civil, e ver-nos-emos forçados, sem necessidade de nova interpelação, a recorrer à via judicial para cobrança das quantias em dívida.”


*

            Os Recorrentes são terceiros que a favor do crédito constituíram hipoteca.

            O devedor é J..., quem foi interpelado para pagar, sob pena de resolução e de vencimento imediato de toda a dívida.

            Os Recorrentes não foram interpelados (cfr. os factos provados, o requerimento executivo e o destinatário das cartas em questão).

            O nº 1 do art. 698.º do Código Civil (doravante CC) equipara aqueles terceiros ao fiador, relativamente aos meios de defesa que lhes estão disponíveis.

Sendo assim, nesta problemática da interpelação para a perda do benefício do prazo, faz sentido invocar a jurisprudência que entende, maioritariamente, que “a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não importa, em regra, idêntica perda para os respetivos fiadores, sejam eles subsidiários ou solidários, que se mantêm, por isso, apenas vinculados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas no decurso do prazo inicialmente estabelecido - (Entre outros STJ, acórdão de 6.12.2018, proc.4739/16, em www.dgsi.pt.)

 Não sendo os devedores, os Recorrentes merecem idênticas cautelas quanto ao vencimento imediato de toda a dívida.

A interpelação dos garantes tornava-se necessária, dando aos Recorrentes a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição do devedor principal, pagando as prestações que se fossem vencendo.

Mais, a perda do benefício do prazo, prevista no art.781.º do CC, não é extensível a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia (art.782.º da mesma lei).

A garantia só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria (Pires de Lima, Antunes Varela, CC Anotado, II, 3ª Edição, CE, página 33.)

Assim, vigorando o regime do artigo 782.º do CC, terá de se concluir que a execução apenas pode prosseguir, quanto aos Recorrentes, para cobrança das prestações vencidas pelo decurso do prazo inicialmente estabelecido e não realizadas pelo devedor principal (Também sem prejuízo de, não pagas as prestações que se fossem vencendo, poder o credor lançar mão da possibilidade de cumulação sucessiva de execuções.)

Decisão.

Julga-se o recurso procedente e, mantendo o demais decidido, declara-se que, quanto aos identificados D... e T..., o prosseguimento da execução é limitado à cobrança das prestações que se venceram pelo decurso do prazo inicialmente acordado e que não foram pagas pelo J...

Custas no recurso, limitadas à taxa de justiça, pelo Recorrido, vencido.

            Coimbra, 2021-03-16


(Fernando Monteiro)

(Ana Vieira)

(António Carvalho Martins)