Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ORLANDO GONÇALVES | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL PENA DE SUBSTITUIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 03/17/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | 18º DA CRP ,44º, 61.º DO C P E 484.º DO CPP | ||
Sumário: | 1.A liberdade condicional é predominantemente definida como um incidente de execução das penas privativas da liberdade, incluído no quadro de combate ao carácter criminógeno deste tipo de penas, em especial de média e longa duração. 2.A concessão da liberdade condicional deve depender sempre do cumprimento pelo recluso, de modo contínuo e efectivo, de metade da pena de prisão e no mínimo seis meses; consequentemente, tal instituto não é aplicável à pena cumprida em regime de permanência na habitação. 3. A decisão recorrida ao excluir da apreciação da liberdade condicional o arguido condenado numa pena de 1 ano 4 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica não viola o disposto no nº2 do artigo 18º da CRP, o disposto no artigo 61.º do Código Penal e bem assim o preceituado no artigo 484.º do CPP | ||
Decisão Texto Integral: | Relatório Por despacho de 1 de Outubro de 2009, proferido pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, foi decidido ser inaplicável o instituto da liberdade condicional à pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, a que está sujeito o arguido P, excluindo-se, por conseguinte a competência do TEP para a execução deste regime. Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Antes da última revisão do CP apenas a prisão carcerária podia ultrapassar os seis meses 2. O regime de semi-detenção ou prisão por dias livres não podia ter duração superior a seis meses. 3. Não existia a pena de prisão domiciliária, cuja duração máxima pode ser superior a seis meses. 4. A todas as formas de cumprimento de pena de prisão com uma duração superior a seis meses, tem de se aplicar o instituto da liberdade condicional. 5. Não se vê a razão de ser de distinguir as diversas formas de cumprimento da pena de prisão para se concluir que apenas à prisão carcerária se aplica o instituto da liberdade condicional. 6. Não existe qualquer norma que limite o direito de um qualquer preso condenado a mais de 6 meses de cadeia, a ver apreciada a sua libertação condicional. 7. Não pode ser discriminado um preso condenado a pena de prisão superior a 6 meses por se encontrar em regime de prisão domiciliária. 8. Não é lícito restringir direitos individuais senão perante norma expressa que claramente os restrinja. 9. Havendo dúvidas interpretativas nunca se deve deixar prevalecer uma interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias individuais. 10. Aquilo que no espírito da lei releva é a privação drástica do bem jurídico que é a liberdade, não apenas que esta privação resulte da cadeia. 11. Foram violadas as normas dos artigos 61.º do Código Penal e 484.º do Código do Processo Penal e bem assim a norma do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição Política. Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se a apreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça! O arguido não respondeu ao recurso. A Ex.ma Juíza do TEP manteve a decisão recorrida. O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, com algumas reservas, poderá ser concedido provimento ao recurso. Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal. Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: « Conforme se extrai da certidão remetida, foi P. condenado, nos âmbito do PCC n.º …/04.4PJPRT, na pena de 1 ano 4 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica cujo inicio se verificou no dia 11 de Julho último. Nos termos do art.61.º do Cód. Penal a concessão de liberdade condicional - e por inerência o campo de intervenção e competência deste TEP - tem, como pressupostos formais, para além do consentimento do condenado, o cumprimento de 6 meses de pena de prisão e o decurso de, pelo menos, metade do tempo da prisão, dependendo, sempre, do tempo de encarceramento efectivamente sofrido. Em seguimento , a possibilidade de concessão tem por base a avaliação da personalidade do condenado durante a medida de institucionalização para, a partir daí, se formular um juízo de prognose favorável quanto ao sucesso do reingresso na sociedade. Nessa actividade é o Tribunal coadjuvado pelos pareceres do Ministério Público, dos Serviços de Educação, da DGRS e do Director do Estabelecimento Prisional, avaliados em Conselho Técnico (cfr. art.ºs 484.º do Cód. Proc. Penal e 24.º, 90.º, 93.º n.º 1 e 94.º do DL n.º 783/76, de 29.10). No caso específico do regime de permanência na habitação, previsto no art.44.º do Cód. Penal, não estão reunidos os pressupostos elencados para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP. Por um lado, a aferição da liberdade condicional tem por referência a prisão efectivamente sofrida, nos sobreditos moldes e em meio carcerário. Por outro, os mecanismos mencionados quanto à sua apreciação e actividade de coadjuvação do Juiz de Execução das Penas não se coadunam com a execução desta pena de substituição, sendo o seu acompanhamento, ao invés, da competência do Tribunal da condenação.(1) No mesmo sentido da posição defendida expressa-se o Ac. TRP de 2009.01.28 (2) mencionando, por um lado, a distinta inserção sistemática, quer no Cód. Penal, quer essencialmente no Cód. Proc. Penal (art.ºs 484.º e 487.º) que indiciará a vontade do legislador em dissociar os dois regimes de execução da pena. Por outro, e como vector distintivo, encontra a diversidade de pressupostos e a divergência quanto às entidades de acompanhamento reservando a competência do TEP apenas para a execução das penas de prisão em Estabelecimento Prisional. Ainda sobre a mesma temática o recente Ac. TRC de 2009.07.23 pronunciou-se no mesmo sentido. Pelo exposto e porque, a nosso ver, não será aplicável o instituto da liberdade condicional ao regime da permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, excluindo-se a competência do TEP, oportunamente arquive. Notifique e comunique, com cópia ao processo da condenação. Oportunamente arquive. ------------ 1 Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz do Constituição do República e do Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 2008, pág. 184. 2 In www.dgsi.pt 3 Proferido no Proc. 4109.8TXCM e não publicado. » * * O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso . No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente arguido a questão a decidir é a seguinte : - se o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 61.º do Código Penal e 484.º do Código do Processo Penal e bem assim o n.º 2 do artigo 18.º da C.R.P. ao excluir da apreciação da liberdade condicional o arguido condenado numa pena de 1 ano 4 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica. Passemos ao conhecimento da questão. O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador, aceitando-se a existência da pena de prisão como pena principal para os casos mais graves. Na escolha da pena, se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Quando as finalidades da punição, que são exclusivamente preventivas, de prevenção especial e geral, levem o tribunal a optar pela pena de prisão como pena principal, ainda assim, deverá verificar se pode, em vez dela, aplicar uma pena de substituição. No Título III, Livro I, do Código Penal, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para além das penas de substituição, em sentido próprio, como a pena de multa, a suspensão da execução da pena de prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, constam penas de substituição detentivas ou penas de substituição em sentido impróprio, como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.). Sobre o regime de permanência na habitação, o art.44.º do Código Penal, estatui designadamente o seguinte: « 1. Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano; b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.». O n.º 2 do art.44.º do Código Penal acrescenta que o limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente, gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo e existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado. Atento o disposto no art.9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, são aplicáveis ao regime de permanência na habitação previsto no art.44.º do Código Penal algumas das regras da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, que regula a vigilância electrónica prevista no art.201.º do Código de Processo Penal. A decisão que fixar o cumprimento da prisão por dias livres, em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta ( art. 487.º, n.º1, do Código de Processo Penal ). Na Proposta de Lei n.º 98/X, que serviu de base à Revisão do Código Penal efectuada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, menciona-se expressamente que « NoTítulo III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais ( gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos (...) ». A prisão por dias livres e a prisão em regime de semidetenção, que viram o seu âmbito alargado pela Revisão do Código Penal aprovada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, são penas de substituição detentivas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão efectiva contínua, de curta duração, atenuando o seu efeito criminógeno. O regime de permanência na habitação, que foi introduzido no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, visa de um modo especial evitar até ao limite o ingresso do condenado no meio prisional e consequente efeito criminógeno inerente à reclusão em estabelecimento prisional. O efeito criminógeno inerente à reclusão em estabelecimento prisional e a estigmatização do condenado que cumpre pena de prisão contínua intramuros, obriga o tribunal a averiguar, logo após a determinação da pena de prisão, se esta pode ser substituída por regime de permanência na habitação. Para além da Proposta de Lei n.º 98/X incluir expressamente o regime de permanência na habitação nas penas de substituição, ao lado da prisão por dias livres e do regime de semidentenção, também o art.17.º a Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, inclui estas nas penas substitutivas da prisão, como “sanções não privativas da liberdade”. A pena de 1 ano e 4 meses de prisão a executar no regime de permanência na habitação previsto no art.44.º, n.º1, al. a) e 2 do Código Penal, aplicado ao arguido P. na 4.ª Vara criminal do Círculo do Porto - tendo em conta “ ... o facto de estar a exercer actividade profissional, o facto de estar inserido conjugal e familiarmente, a circunstância de não existirem sentimentos de rejeição social quanto à sua presença e sobretudo a circunstância de ter o seu filho menor a cargo,...” - é assim , para o Tribunal da Relação, uma pena de substituição, e não propriamente uma forma especial de cumprimento da pena de prisão, como defende o recorrente. Também, e ao contrário do referido pelo recorrente, entendemos que a prisão por dias livres e o regime de semidentenção, são penas de substituição e não formas especiais de cumprimento ou de execução da pena de prisão. Neste sentido já o Prof. Figueiredo Dias se pronunciava na sua obra “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias editorial, 1993, páginas 335 e 336. De acordo com o art.42.º do Código Penal, “ A execução da pena de prisão, servindo de defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socilamente responsável, sem cometer crimes” ( n.º1) , sendo que “ A execução da pena de prisão é regulada em legislação própria, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos.” ( n.º 2). A legislação especial reguladora da execução das penas de prisão consta fundamentalmente do DL n.º 265/79, de 1 de Agosto e da Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, objecto de várias alterações e do Código de Processo Penal. Qualquer destes diplomas, anteriores ao Código Penal de 1982, está claramente vocacionado para a execução das penas privativas da liberdade cumpridas no estabelecimento prisional. A liberdade condicional é predominantemente definida como um incidente de execução das penas privativas da liberdade, incluído no quadro de combate ao carácter criminógeno deste tipo de penas, em especial de média e longa duração. Do ponto n.º 9 do preâmbulo do Código Penal de 1982, resulta que o seu objectivo definido é « o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.». Na concretização destes objectivos do instituto da liberdade condicional o art. 61.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, enuncia os pressupostos e duração da mesma liberdade, estabelecendo designadamente o seguinte: « 1 – A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. 2 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social. 3 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. ». Por sua vez, no Livro X, Titulo II , no Capitulo II, com a epígrafe “ Da liberdade condicional”, o art.484.º do C.P.P. estabelece, designadamente, o seguinte: « 1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução de Penas: a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso; b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento. 2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução de Penas solicita aos serviços de reinserção social: a) Plano individual de readaptação; b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional. (…).». O relatório dos serviços técnicos prisionais, o parecer elaborado pelo director do estabelecimento e o plano individual de readaptação e relatórios sociais com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional, pressupõem o cumprimento da pena de prisão como recluso, em meio prisional, no âmbito da competência do Tribunal de Execução de Penas. A execução da prisão por dias livres, em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, encontra-se incluindo num autónomo Capitulo III - e não no mencionado Capitulo II, Titulo II, Livro X, do Código Penal, com a epígrafe “ Da liberdade condicional”. O elemento sistemático, na interpretação das normas, não indícia que a estas penas de substituição em sentido impróprio seja aplicável o instituto da liberdade condicional. A privação da liberdade em estabelecimento prisional para cumprimento de pena de prisão contínua é bem mais drástica nos efeitos e nas consequências do que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Enquanto na execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação o arguido não perde contacto com o ambiente onde já vivia, podendo aí organizar como entende a sua vida, recebendo familiares e amigos, tal não sucede com a aplicação da pena de prisão contínua em estabelecimento prisional, onde o arguido fica integrado num ambiente não familiar, em contacto com outros delinquentes e obrigado a cumprir específicos regulamentos e normas disciplinares, permitindo aos serviços prisionais observar diariamente a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão e dar a conhecer a mesma ao TEP. Deste modo, não temos como desproporcionada ou desadequada a atribuição da possibilidade de concessão da liberdade condicional ao recluso que cumpre sempre metade da pena e no mínimo seis meses de prisão e a não atribuição dessa possibilidade ao arguido a quem foi aplicada pena de prisão por dias livres, em regime de semidetenção ou de permanência na habitação. Por outras palavras, a interpretação dada aos preceitos indicados no despacho recorrido não viola o princípio da proporcionalidade a que alude o art.18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, ou mesmo o princípio da igualdade a que alude o art.13.º da Lei Fundamental. No Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que entrará em vigor no dia 12 de Abril de 2010, revogando, designadamente, o DL n.º 265/79, de 1 de Agosto e a Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, apesar das alterações ao Código Penal introduzidas pelo legislador em 2007, criando o regime de permanência na habitação entre as penas de substituição, apenas se aplica “ à execução das penas e medidas privativas da liberdade nos estabelecimentos prisionais dependentes do Ministério da Justiça e nos estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.”- ( art.1.º, n.º1). Se o legislador continua sem fazer qualquer referência à possibilidade de apreciação pelo TEP da concessão da liberdade condicional ao arguido a que foi aplicada prisão por dias livres, em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, não é admitir, numa interpretação racional, que tal resulta de uma sua omissão, que o interprete teria de suprir. Deve concluir-se, sim, é que a concessão da liberdade condicional deve depender sempre do cumprimento pelo recluso, de modo contínuo e efectivo, de metade da pena de prisão e no mínimo seis meses. Os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-7-2009 ( proc. n.º 1731/08.2TXCBR.C1 ) e de 11-11-2009 ( proc. n.º 986/08.7TXCBR-A.C1 ) pronunciaram-se já no sentido de que o disposto no art.61.º do Código Penal e o regime da liberdade condicional não se aplica às penas cumpridas de forma não contínua, mormente à pena de prisão por dias livres – cfr., www.dgsi.pt. O acórdão da Relação do Porto, de 28-1-2009 ( proc. n.º 7119/08-1.ª Sec.), decidiu que a liberdade condicional não tem aplicação ao remanescente da pena de prisão em regime de permanência na habitação e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-11-2009 ( proc. n.º 938/09.0TXCBR.C1), entendeu que o regime de permanência na habitação previsto no art.44.º do Código Penal é uma pena substitutiva da prisão, o regime de permanência na habitação previsto no art.62.º é apenas uma forma de se chegar à liberdade condicional, e a este regime não se pode aplicar a liberdade condicional, só pensada para as reais situações de reclusão prisional - cfr., www.dgsi.pt. Na doutrina, o Prof. Pinto de Albuquerque defende também que « a liberdade condicional se reporta sempre à prisão efectivamente sofrida, razão pela qual o instituto da liberdade condicional não será aplicável à pena cumprida em regime de permanência na habitação.» - in “Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 184.. Em suma, o Tribunal da Relação não reconhece a violação pelo despacho recorrido do disposto nos artigos 61.º do Código Penal e 484.º do Código do Processo Penal e bem assim o n.º 2 do artigo 18.º da C.R.P. ao excluir da apreciação da liberdade condicional o arguido condenado numa pena de 1 ano 4 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica. Tem assim de improceder o recurso. Decisão Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e manter o douto despacho recorrido. Sem custas. * (Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). * Coimbra, |